Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 17 de outubro de 2010

Baixarias Eleitorais

     Prezados amigos, é uma tristeza o que estamos assistindo no final dessa eleição tão importante para o Brasil. A direita acuada, prestes a ficar mais quatro anos, talvez oito, fora do poder, partiu para um vale tudo que não respeita nada nem ninguém.
     Primeiro partiram para o denuncismo, procurando algum escândalo que manchasse a imagem da candidata do PT. Veio a história da quebra de sigilo da filha do Serra, que tentaram jogar em cima de Dilma. Nunca explicaram com que propósito. Sabe-se que a filha de Serra e seu marido aprontaram muito, mas ninguém pode dizer nada, porque isso seria um dossiê para desmoralizar Serra.
     Como isso não afetou a opinião pública, fuçaram até achar uns podres de sua assessora, Erenice Guerra, e aí foi aquele dilúvio de imagens e ironias na mídia golpista, como se o detentor de um cargo público fosse responsável por tudo que seus assessores fazem. Ainda mais Dilma, que controlava todos os ministérios, como poderia ter controle de tudo o que ocorria no quarto escalão, já que confiava em sua assessora?
     Evidentemente houve um abuso da confiança que Dilma depositou em Erenice, mas não quer dizer que ela fizesse parte desses desacertos. Se assim fosse todos os ministérios estariam contaminados pela corrupção e não apenas um.
     Não satisfeitos, partiram para a utilização das religiões, insinuando que Dilma era à favor do aborto e do casamento gay, forçando a candidata a desviar seu discurso do programa de governo para responder a essa chantagem, inclusive se comprometendo a não mexer nessa legislação e prejudicando o que poderia ser um debate saudável sobre esses temas.
     Mas ultimamente a baixaria não encontra mais limites: e-mails acusando a candidata de ser homossexual, promovendo camisetas debochadas, insinuando até que existe uma profecia de que se Dilma assumir haverá uma grande tragédia, que ela estaria doente e morreria no cargo, etc, etc.
     No começo ainda se podia achar isso engraçado, mas agora, confesso, estou começando a tirar da minha lista de contatos as pessoas que mandam esse tipo de coisa, porque isso revela principalmente uma enorme falta de respeito com a democracia e com nossa nação, que está às portas de tomar uma decisão importante sobre quem nos governará nos próximos anos.
     O que parecia brincadeira está virando um exercício fascista de demolição da imagem da primeira mulher que postula a presidência em nossa história.
     Gostaria de perguntar aos leitores, o que acham que seria um governo que se elege às custas de expedientes como esse? Se amanhã qualquer um de nós, cidadãos, resolver questioná-lo, seja na justiça, seja na mídia, seja na internet, será que não seríamos também alvo desse tipo de demonização? Será que não teríamos também nossos direitos de cidadão atropelados por essa turba fascista, por essa imprensa golpista, a mesma que apoiou a ditadura e está aí até hoje defendendo sua liberdade de destruir a imagem de seus adversários, como se isso fosse liberdade de expressão?
     Será que é só isso que a turma do Serra consegue produzir? Sim, porque até agora não vi uma só proposta consistente com o que eles realmente pretendem fazer. É fácil fazer promessas populistas de aumentar salários, construir escolas, etc, quando sabemos que o único e verdadeiro programa eleitoral do PSDB é o Estado Mínimo, ou seja privatizar tudo, arrochar salários, para que a iniciativa privada assuma as rédeas do país, sem nenhum controle do Estado. E o que é o Estado? O Estado somos nós, os cidadãos. Privatizar é tirar o controle da nação das mãos dos cidadãos e jogá-lo nas mãos dos empresários, os mesmos que são donos da mídia golpista.
     Claro que os grandes empresários preferem esse modelo, mesmo que tenham ganhado muito dinheiro no governo Lula. O modelo do PSDB é o modelo dos empresários no poder. Mas eles não podem dizer isso, então vem com propostas populistas mentirosas. Lembram-se dos cinco dedos de FHC? Saúde, educação, transporte, segurança... E o que FHC fez na realidade? Privatizou e entregou tudo aos empresários. Deixou um país falido, dominado pelo tráfico, com péssimnas condições de educação e saúde. Nos transportes não fez absolutamente nada. Nos deixou com uma malha viária esburacada, acabada. Não fez um palmo de ferrovias. Tudo mentira.
     Serra no governo de São Paulo repetiu tudo. Privatizou, arrochou os salários dos professores e policiais, tercerizou a saúde e deixou as obras públicas sem fiscalização do Estado. Daí os acidentes na linha 4 do metrô, quando o chão afundou engolindo uma porção de casas e gente que ia passando na rua e na queda dos viadutos do rodoanel, porque a fiscalização das obras também é terceirizada. No caso do metrô, a empresa que fiscalizava, pertencia ao mesmo grupo empresarial da que construía a obra..
     E as rodovias? Pedágios caríssimos, tudo privatizado, ninguém consegue mais viajar pelo interior sem gastar fortunas.
     Esse é o verdadeiro modelo de Serra, oculto atrás das promessas populistas e das baixarias.
     Pensem nisso antes de passar adiante as piadinhas grosseiras sobre Dilma. Hoje é ela, amanhã seremos nós.

 História de outras vidas (31)

 Hair e a menina rica

     O ano era 1970. A cidade São Paulo.
     Eu havia ido tentar o vestibular em São Paulo e além do cursinho, me matriculei também na Escola Panamericana de Artes, onde comecei um curso desses que ensina desenho a mão livre, croquis, desenho à carvão, etc, que me ajudaria a passar nas provas específicas da Faculdade de Arquitetura da USP.
     Vivendo de uma magra mesada que meu pai me mandava, eu morava em pensões e circulava de ônibus por uma cidade que passava por uma revolução urbana, causada pela construção da primeira linha do metrô e de grandes avenidas que acompanharam a implantação da indústria automobílística no Brasil.
     Vindo de Brasília, onde a elite era composta de funcionários públicos com uma boa renda, mas com as limitações naturais da classe média, fiquei chocado ao conviver no curso Anglo-Latino com filhos da classe alta paulistana,  que exibiam um nível de luxo a que poucos estavam acostumados na época.
      Apesar do meu orçamento apertado, economizava dinheiro para ir a teatro e cinema, atividades culturais que sempre me despertaram muito interesse.
      Na Escola Panamericana, também muito elitizada na época, conheci uma garota muito bonita e simpática. Não lembro seu nome, mas nos aproximamos e surgiu um interesse mútuo cultivado em meio as conversas sobre arte.
     Eu pensava em convidá-la para sair mas não sabia como, já que ela fazia parte de uma turma cheia da grana, que chegava e saía do curso em carrões. Uma vez ela me convidou para uma festa e ingenuamente fui. Não conhecendo São Paulo procurei a rua e a casa, sem perceber que estava num dos bairros mais caros da capital paulista, e fui parar numa imensa mansão. A festa à beira da piscina estava lotada de jovens, inclusive alguns que conhecia de vista do cursinho, do mesmo estilo.
     Falavam e riam alto, criticando os mais pobres, os cafonas na gíria da época e falavam de carros, viagens à Europa e Estados Unidos, exibindo sem nenhum pudor suas riquezas e o poderio econômico de suas famílias.
     Apesar da gentileza com que a moça me recebeu me senti muito mal e acabei ficando isolado, temeroso de ser objeto de zombarias daquelas pessoas tão arrogantes e acabei indo embora à pé, do mesmo jeito que havia chegado. No outro dia, no curso, ela me perguntou o que tinha acontecido e dei uma desculpa qualquer, mas continuava interessado em convidá-la pra sair. O que fazer?
     Nessa época estreiou em São Paulo a versão brasileira do musical americano Hair, onde a grande novidade é que os atores ficavam completamente nus em uma cena. O ingresso era bem caro mas economizando aqui e ali, achei que dava para convidá-la. Assim, poderia sair com ela para um espetáculo que fazia parte do nosso assunto predileto (arte) e que estava na vanguarda das transformações que motivavam a juventude da época, inclusive daqueles abestalhados ricos amigos dela, que naturalmente só se interessavam porque era uma coisa que estava na moda e vinha dos Estados Unidos, sem nem mesmo compreender o viés crítico à sociedade americana da peça.
     Mas como levá-la à peça se não tinha carro, nem dinheiro para um taxi? Era o ingresso ou o taxi, não dava para os dois. Resolvi então partir para a originalidade e me coloquei como realmente era, um estudante sem dinheiro, amante das artes e bem interessado nela e a convidei para partilhar um pouco do meu mundo saindo comigo de ônibus, à noite, pelas ruas esburacadas de uma São Paulo em obras.
     De início surpreendida, ela acabou aceitando o convite, curiosa por essa experiência que seria sair com um cara sem dinheiro como eu, que se mostrava como era, tão diferente dos playboys a que estava acostumada.
     Fui buscá-la na sua mansão vestindo uma simples calça Lee branca (onde foram parar as jeans brancas e as Lee de veludo, tão bonitas e esportivas?) e uma camiseta Hering. Sua mãe fez questão de vir me conhecer e pareceu agradavelmente surpresa, talvez porque eu realmente sabia ser um rapaz bem educado.
     Saimos, pegamos o ônibus e fiz questão de pagar seu (caríssimo) ingresso no teatro. Tudo parecia ser uma novidade para ela. Olhava as pessoas no ônibus com interesse e um pouco de comiseração, como se nunca tivesse se aproximado de gente pobre, ou simplesmente de gente comum.
     Adoramos a peça e me lembro que na volta um homem desmaiou no ônibus. Ele estava sentado em um banco e numa curva, simplesmente caiu e ficou desacordado. Ela se levantou e correu para socorrê-lo, demonstrando compaixão e revolta por ninguém se mexer para ajudá-lo.
     Ajudei-a a levantar o sujeito e voltamos conversando animadamente até a sua casa. Ela estava muita excitada com sua aventura, parecia ter descoberto um novo mundo e me olhava com admiração, o que me enchia de orgulho. Mas ao invés de nos aproximar, tudo aquilo pareceu nos afastar mais, como se eu houvesse adquirido uma aura de herói que ela não quisesse destruir com um romancezinho comum. Nos despedimos assim, sem um beijo sequer.
     Depois disso não consegui mais pagar a escola de artes e saí do curso. Logo depois, enjoado de conviver com tanta gente idiota no cursinho, resolvi deixar São Paulo e retornei à Brasília, onde passei no vestibular da UnB, em 1971, para arquitetura.
     Nunca mais soube dela, mas quando vi o filme Hair, de Milos Forman (uma beleza de filme) no início dos anos 80 e agora que soube que o musical está de volta ao teatro em São Paulo, não pude deixar de me lembrar.
     Onde andará aquela que era uma moça bonita da Escola Panamericana em 1970? Que reflexos terá tido sobre sua vida a noite mágica, em que misturamos a realidade de uma São Paulo empobrecida e em transformação, com a riqueza cênica daquele musical, que nos anunciava novos tempos?

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
    
(Para saber mais sobre a montagem de Hair naquela época entre no link: http://amusicanoar.blogspot.com/2007/09/hair-soundtrack-brazilian-version-1969.html )
    
    

    


domingo, 10 de outubro de 2010

Rapidinhas

Viva Tiririca

     A burguesia elitista de São Paulo odeia Tiririca. Quer cassá-lo, impedir que os 1.300.000,00 votos que ele teve ameacem o seu teatro político, onde bandidos quatrocentões, que vendem o Brasil e rifam o povo alegremente, em nome de seus negócios escusos, posem de gente séria.
     Tiririca é a negação de tudo isso, é o desmascaramento da hipocrisia da tradicional elite paulistana.
     Não é a primeira vez que esse tipo de voto de protesto faz sua aparição e irrompe com força na política brasileira. Em 1958 os paulistanos elegeram um rinoceronte como vereador. Sim, prezados leitores, num tempo em que o voto era escrito numa cédula de papel, Cacareco (esse era o nome do rinoceronte) teve imensa votação (mais de 100.000 votos), suficiente para elegê-lo vereador, superando muitos políticos "sérios".
     Em 1988 o fenômeno se repetiu, com o Macaco Tião, um chipanzé também muito bem votado (mais de 400.000 votos) para prefeito do Rio. E mesmo nas eleições passadas (2006), tivemos Clodovil, o costureiro boquirroto com a maior votação de São Paulo, seguido de Paulo Maluf.
     A diferença é que desta vez, ao contrário das anteriores, o personagem parece estar consciente do seu papel e o desempenhou muito bem durante a campanha, tornando o seu deboche o maior voto de protesto que se tem notícia no Brasil.
     E agora? O que fazer com Tiririca no Congresso Nacional? Como será seu desempenho? tentará fazer leis ou continuará sendo apenas uma negação, uma denúncia, um deboche?
     De qualquer forma ele representa muito melhor do que o PT ou os partidos ditos "conscientes", a crítica ao sistema político, incapazes de resolver os problemas nacionais e representar os interesses do povo.

Tropa de Elite 2

     O filme consegue ser melhor do que o primeiro. Assim como Tiririca, mas de forma muito mais contundente, desmascara a hipocrisia do sistema político brasileiro, mostrando a relação íntima entre bandidos e políticos e a corrupção que domina o sistema eleitoral.
     É uma pancada forte no espectador, mesmo nos mais críticos, mas como no primeiro filme, nos enche de esperança de que essa guerra possa ser ganha, principalmente enquanto houverem pessoas dispostas a denunciar e a mudar essa realidade.
     Direção, fotografia, trilha sonora e atuação do elenco excelentes.
     O ponto que foi muito criticado no primeiro filme, com a identificação dos movimentos de direitos humanos como obstáculos à justiça, é muito bem resolvido neste, na medida em que a realidade aproxima esses dois grupos, os policiais honestos e os que lutam honestamente pelos direitos humanos, numa aliança onde todos aprendem e ensinam as lições mais amargas.
     Não deixe de assistir.


     Segundo Turno

     Ao contrário do que deseja a vendida direção nacional do PV, Marina Silva parece que vai se comportar como a pessoa séria que todos a consideravam. Ao invés de trocar apoio e votos por cargos está preparando a abordagem correta, ao levar aos dois candidatos seus pontos programáticos principais. Essa era a grande contribuição que Marina podia dar ao segundo turno das eleições presidenciais, ou seja, forçar que o desenvolvimentismo de Serra e Dilma incorporasse a dimensão ambiental, sem a qual o Brasil não pode mais prosseguir.
     Vamos agora observar até que ponto essa incorporação se dará com a seriedade necessária pelos dois candidatos. Não podemos mais conviver com o desmatamento dos nossos biomas, com a tolerância das autoridades, principalmente na Amazônia. É preciso dar um basta nisso. Esperamos que o assunto seja levado ao debate do segundo turno (ao invés de se resumir a baixarias do tipo religioso em torno do aborto e outras questões de consciência). Lixo, esgotos, proteção da flora e fauna, escolha de modelos energéticos e padrões de urbanização são discussões que já passaram da hora de entrar na agenda política brasileira.
     Seguem abaixo os 42 pontos do documento que Marina encaminhou à Serra e Dilma.
1- Transparência e ética
1.1 Não instituição de qualquer mecanismo de tutela ou controle sobre a liberdade de imprensa;
1.2 Transparência das informações sobre execução orçamentária do governo federal disponibilizando na internet dados primários do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), permitindo o acompanhamento da execução dos contratos e dos processos decisórios inclusive dos conselhos de governo e agências reguladoras;
2- Reforma eleitoral
2.1 Encaminhamento ao Congresso de reforma política com adoção do voto distrital misto, lista cívica e financiamento público de campanhas.
3- Educação para a sociedade do conhecimento
3.1 Elevação do investimento em educação do setor público para 7% do PIB, priorizando novos investimentos na direção da universalização do acesso à pré-escola e à creche;
3.2 Eliminação do analfabetismo entre jovens de 15 a 30 anos até 2014 e erradicação do analfabetismo até 2018;
3.3 Valorização dos professores da rede pública na sua remuneração, acesso universal a computador e internet, programas de aperfeiçoamento, formação continuada e fóruns democráticos para aprimoramento de currículos e métodos pedagógicos;
3.4 Viabilização, nos primeiros seis meses de governo, da aprovação no Congresso da Lei de Responsabilidade Educacional e a criação do Sistema Nacional de Educação;
4- Segurança pública
4.1 Programa de subsídios à manutenção na escola ou em curso técnico profissionalizante de todos jovens em situação de risco;
4.2 Fundo nacional de segurança para complementar os salários dos policiais civis e militares de forma a garantir sua dedicação exclusiva à segurança pública;
4.3 Encaminhar, no prazo de seis meses, PEC para reforma do modelo policial brasileiro.
5- Mudanças climáticas, energia e infraestrutura
5.1 Agência reguladora independente para a Política Nacional de Mudanças Climáticas;
5.2 Publicação de estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil e, a cada três anos, seu inventário completo;
5.3 Estabelecimento de indicadores de intensidade de emissões de GEE na economia brasileira com suas metas de redução previstas em Lei, tornando-as obrigatórias;
5.4 Aumento em 10%, até 2014, da participação das energias renováveis na matriz energética brasileira;
5.5 Fim dos leilões de energia para novas termoelétricas movidas a óleo diesel ou carvão mineral;
5.6 Inclusão efetiva da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética;
5.7 Supressão do IPI sobre fabricação de veículos elétricos e híbridos;
5.8 Estabelecimento de um Plano Nacional Decenal de Infra-estrutura compatível com as metas de redução de emissões de GEE;
5.9 Moratória de novas usinas nucleares ainda não autorizadas pelo Congresso Nacional;
5.10 Criação do Sistema Nacional de Prevenção e Alerta sobre Desastres Naturais, incluindo publicação anual de mapa de áreas vulneráveis a desastres naturais;
5.11 Painel científico independente para monitorar a segurança na exploração do pré-sal;
5.12 Universalização do acesso à banda larga em todo Brasil;
5.13 Plano de geração de empregos verdes na transição para economia de baixo carbono;
5.14 Cumprimento das condicionantes socioambientais em relação ao projeto Belo Monte;
6- Seguridade social: saúde, assistência social e previdência
6.1 Comprometimento de 10% do orçamento federal para saúde conforme previsto na emenda 29/2000 e sua regulamentação no Congresso Nacional em 2011;
6.2 Programa Saúde da Família (PSF) para, pelo menos, 80% da população brasileira, até 2014 com redução de três mil para dois mil do número de pessoas atendidas por cada equipe;
6.3 Carreira para os integrantes do PSF feita de forma solidária entre governos federal, estaduais e municipais;
6.4 Aumento para 75% dos domicílios com acesso à rede de esgoto e pelos menos 50% com tratamento do esgoto coletado, até 2014, com vistas à universalização do serviço até 2020;
6.5 Implantação da rastreabilidade e rotulagem de alimentos transgênicos;
6.6 Programas sociais de terceira geração contemplando a inclusão produtiva como desdobramento dos programas de transferência de renda;
7- Proteção dos biomas brasileiros
7.1 Desmatamento zero de vegetação nativa primária e secundária, em estágio avançado de regeneração, em todos os biomas brasileiros, ressalvadas situações de premente interesse público;
7.2 Veto a propostas de alteração do Código Florestal que reduzam áreas de reserva legal, preservação permanente ou promovam anistia a desmatadores;
7.3 Implementação da meta de 10% dos biomas brasileiros incluídos em unidades de conservação;
7.4 Apresentação de Plano Nacional para Agricultura Sustentável;
8- Gasto público de custeio e Reforma Tributária
8.1 Limitação da expansão dos gastos de custeio do governo federal à metade do crescimento do PIB;
8.2 Proposta de reforma tributária nos seis primeiros meses de governo contemplando: Simplificação e restrição drástica da regressividade dos impostos; Informação clara ao consumidor do valor dos impostos na composição dos preços de produtos e serviços que adquira;
8.3 Revisão da tributação, incentivos e renúncias fiscais de acordo com impacto sobre o meio ambiente e intensidade de emissões de GEE.
8.4 Redução substancial dos cargos comissionados de livre provimento;
9- Política externa
9.1 Política externa orientada pela promoção da paz, liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos.
10- Fortalecimento da diversidade socioambiental e cultural
10.1 Conclusão da demarcação e homologação das terras indígenas e criação de fundo para apoiar projetos indígenas e das demais populações tradicionais;
10.2 Implementação do Sistema Nacional de Cultura, ampliando seu orçamento promovendo a descentralização dos recursos e das políticas culturais;
10.3 Combate a toda forma de discriminação racial, sexual e religiosa.
     Recebi de um leitor os 42 pontos completos e já substituí os do jornal Estado de São Paulo, que havia publicado ontem. Obrigado Adriano. Pena que no debate acirrado da Band, de ontem nenhum desses pontos entrou em pauta. Creio que nos próximos debates eles entrarão.
     Particularmente gostaria de esclarecimentos em 3 pontos: o que é a Lista Cívica proposta na reforma eleitoral, e como seriam os Sistemas Nacionais de Educação e Cultura, propostos por esta agenda.
 
Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza



    

sábado, 2 de outubro de 2010

   Aborto e eleições

     Prezados amigos leitores

     Até que enfim acabou a propaganda eleitoral. Não aguentava mais as mesmas conversas, os debates insossos, onde as verdadeiras intenções ficavam todas disfarçadas, pra escondê-las dos ingênuos, já que qualquer pessoa com um pouco de experiência e honestidade sabe perfeitamente distinguir tudo que está por trás do marketing.
     E não se venha falar da desonestidade dos políticos. O que tenho observado e muito nessas eleições é uma imensa desonestidade da própria sociedade, como um todo, que nun jogo de faz de conta, se faz de indignada por um lado, enquanto apóia todo tipo de manipulações, de grupos de interesse, em torno de candidaturas e políticos.
     Dentre essas desonestidades coletivas a que me provoca maior mal estar é a polêmica em torno do aborto, estimulada pelas igrejas (todas elas). Na última semana a velha elite acuada e entrincheirada na candidatura moribunda de José Serra, apoiada pelo braço conservador verde de Marina Silva, lançou ataques contra Dilma, levantando suspeitas de que ela seria a favor do aborto.
     Não vou nem comentar a leviandade de fazer tais acusações no final da campanha eleitoral, sem dar a acusada o tempo suficiente para se defender, numa manobra para forçar um segundo turno, que seria péssimo para o Brasil, porque se transformaria numa baixaria geral, lançando nossa eleição na lama, numa atitude golpista desesperada.
     Mas o que me causa esse sentimento de asco, diante da manobra, é pensar nos abortos que induzi duas mulheres a fazer, nos meus tempos de juventude. E ver esse assunto tratado assim, como um movimento a mais num jogo sem regras definidas, onde o que importa é sujar a imagem do adversário, me parece um enorme desrespeito as vítimas do aborto no Brasil.
     Sim, queridos leitores, carrego na consciência esses dois abortos, mas minha dor não é apenas pelos meus filhos que impedi de nascer, pois espírita que sou, acho que eles me vieram por outros caminhos, inclusive por uma adoção.
     Não. A dor que sinto é pelas duas jovens, hoje senhoras na faixa dos 60 anos, que após as operações feitas em clínicas clandestinas, nunca mais puderam ter filhos.
     Muito jovens, em ambos os casos, não conhecíamos, nem praticávamos o que hoje se chama sexo seguro, num tempo em que não havia AIDS. Não tínhamos comprometimento afetivo para formar uma família e criar filhos e nem renda para sustentá-los. O aborto foi uma opção de vida para nós, no que parecia apenas um adiamento da formação de uma família.
     Hoje, uma delas se dedica a cuidar de animais abandonados, o que revela a dor não superada pela incapacidade de dar amor a um filho, enquanto a outra se refugia numa pretensa dureza intelectual, muito reveladora da sua extrema fragilidade e solidão. Me culpo pelas duas. Sinto-me como se tivesse arruinado suas vidas, embora elas tenham concordado com os abortos.
     Mas a verdade, queridos leitores, é que os verdadeiros culpados são esses que em nome de religiões obrigam milhares de mulheres a se expor nessas clínicas, sem nenhuma segurança, sem nenhum cuidado com suas vidas, porque um padre ou um pastor acham que elas não tem o direito de seguir uma decisão autônoma.
     Até quando vamos tolerar que religiosos tomem decisões por nós? Porque não decidem apenas pelos de sua religiâo? Até quando vamos tolerar essa hipocrisia de dizer que no Brasil não existe aborto, quando estamos cansados de saber que ele é uma prática comum e corriqueira, e que sempre foi assim, inclusive entre os nossos indios? Até quando vamos ver jovens morrerem ou perderem a fertilidade, em nome de uma moral estúpida, que proíbe também os anticoncepcionais (inclusive as camisinhas em época de epidemia global de aids) e condena a educação sexual nas escolas, porque quer negar a existência do impulso sexual humano que existe em todos nós?
     Que moral tem a Igreja Católica, fábrica de pedófilos, para combater o aborto que suas freiras podem praticar livremente em caso de estupro? Qual a diferença para um feto, fruto de estupro, ou um feto fruto de uma aventura irresponsável? Eles não sabem de nada, são apenas fetos. Porque uns podem ser retirados enquanto outros não? Que moral tem esses igrejas, que não fazem nada para prevenir a gravidez na adolescencia das nossas jovens, para obrigá-las a ter uma criança comprometendo muitas vezes seu futuro?
     O aborto não é uma coisa boa. Ninguém, em são consciência pode dizer que gosta de aborto. Ninguém diz: eu adoro abortar! Claro que isso é uma violência, contra o corpo da mãe e do feto. Tudo deve ser feito para impedir que isso aconteça, principalmente através da educação sexual nas escolas e na distribuição livre e gratuita de anticoncepcionais, especialmente as camisinhas, de uso fácil, baratas e sem contra-indicações.   
   Mas quando a gravidez indesejada ocorre, é preciso que a mulher tenha acesso a um serviço de saúde público que lhe garanta fazer o aborto (até os três meses, no máximo) de forma a garantir a preservação da sua integridade, impedindo a infelicidade futura, ou mesmo a sua morte prematura.
     Quantas mulheres morrem por ano em clínicas de aborto clandestino no Brasil, senhores padres e pastores, por vossa culpa? Quantas mulheres vocês continuarão matando por ano, em nome da defesa da vida, com apoio de gente como Marina Silva, que diz representar as mulheres brasileiras? Quantos candidatos vocês constrangerão a dizer que são contra o aborto esgrimindo os milhões de votos que manuipulam dos seus púlpítos e impedindo as brasileiras de se libertarem dos grilhões medievais dessas religiões ridículas? 
     Chega de religião na política, chega de cinismo, chega de conservadorismo hipócrita!     
     É hora de legalizar o aborto no Brasil.
   Histórias de outras vidas (30)
   
   O canto na gruta

     Corria o ano 2.000, quando minha amiga Hanne veio do Rio Grande do Sul para fazer um passeio na Chapada Diamantina, na Bahia..
     Nessa época eu morava em Conquista e tinha uma velha camionete Ford Pampa. De lá saímos e fizemos um circuito grande, passando primeiro pela barragem de Anagé, depois Livramento e Rio de Contas, com todos os passeios que existem por lá.
     De lá saímos bem cedinho em direção à Jussiape, quando a estrada ainda era de terra, onde fomos conhecer um fantástico painel de pinturas pre-históricas. Um sujeito muito interessante nos levou lá pra ver. Ele era uma espécie de adido cultural do município, por conta própria. Era cineasta, tinha um museu particular que tinha cedido à Prefeitura e era também guia turístico. Realmente o interior do Brasil tem coisas incríveis. Num lugar tão pequeno e esquecido como aquela cidade, ali estava a inquietação cultural a nos esperar e guiar para ver aquela maravilha.
     Depois de rodar por pequenas estradas de terra, esburacadas, escalamos uma encosta íngreme e fomos dar numa imensa rocha, que formava um abrigo, sob o qual estava o painel. Um espetáculo! Figuras em vermelho, ocre e preto se misturavam na pedra empoeirada, protegida por um enorme enxame de abelhas que nos obrigava a andar cuidadosamente em silêncio.
     Curioso como em todos os sítios rupestres que conheci, lá estavam elas, as guardiãs da mensagem dos tempos pre-históricos: abelhas.
     Depois de caminhar por ali algum tempo, me sentei numa pedra e fiquei observando o painel, tentando entender aquelas figuras que pareciam brincar na minha frente. Figuras humanas, riscos aparentemente sem sentido, figuras de animais como cervos, e outros até que, de repente, ficou bem clara na minha frente a figura de nítida de um ...mamute. Sim, não podia haver dúvida. Muito bem desenhado, em vermelho, lá estava ele, o representante da megafauna, dada como desaparecida há pelo menos 5.000 anos no Brasil.
     Mas teria tanto tempo assim aquela pintura, bem à nossa frente?
     Um recado direto de alguém que viveu ali há milênios.
     No dia seguinte rumamos para Mucugê e Igatu. Depois fomos visitar as grutas do Poço Encantado e o Poço Azul, já no município de Itaetê. Engraçado: o Poço Encantado é que é azul e o Poço Azul é verde. Não entendo. Eu já conhecia o Encantado, mas desci com minha amiga. Lá nos encontramos com uma excursão que havia descido antes. Eram alemães e em determinado momento todos se sentaram sobre as pedras e ficaram admirando a extraordinária luz que entrava pela abertura acima da caverna, formando aquela imagem tão conhecida do facho de luz na água e que só acontece em determinada época do ano.
     De repente, uma das alemãs começou a cantar. Sua voz foi crescendo na gruta enquanto todos silenciavam e surgiu então uma lindíssima ária em alemão, numa voz fantástica. Arrepio geral. Não sei quantos minutos durou, mas quando cessou todos permaneceram, em silêncio, conscientes de que haviam presenciado um momento único.
     De lá fomos para Lençóis e depois Itaberaba, onde visitamos outro painel na chamada Pedra de Itaberaba, este um pouco depredado por visitantes que insistem em riscar seus nomes sobre as antigas inscrições. Nenhuma dessas inscrições tinha nenhuma proteção, a não ser a das abelhas, que também estavam em Itaberaba.
     A Chapada Diamantina, além de suas belezas naturais que encantam os turistas é também um testemunho de civilizações antigas que nos antecederam. Daquelas pedras imensas, os espíritos de nossos desconhecidos ancestrais  parecem nos olhar e não entender o que fazemos com a natureza e com os fabulosos recursos tecnológicos de que dispomos.
     Para quem viveu vidas tão primitivas quanto eles e foram capazes de nos deixar obras tão belas, feitas com a finura e a sensibilidade de verdadeiros artistas, só o canto na gruta talvez tenha sido uma resposta adequada à solidão de suas almas.

Boa eleição à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
    

domingo, 26 de setembro de 2010

Tuberculose x Surdez

     Um amigo que pegou tuberculose, fez o tratamento do SUS e se curou, ficou repentinamente surdo de um ouvido. Sem entender consultou especialistas que encontraram uma lesão no ouvido esquerdo mas não sabiam explicar a causa. Investigando por conta própria descobriu que alguns remédios para tuberculose podem casuar surdez em pessoas com certo tipo de gens. Mas ninguém alerta para isso nem faz o exame genético para saber se o paciente pode ou não ser submetido a esse tipo de tratamento. Um descaso com os pacientes da rede pública que se submetem de boa fé ao tratamento achando que estão seguros. Veja a reportagem abaixo, traduzida de um site mexicano.
Alerta universitária sobre antibióticos que causam surdez

     18/05/2010
     Utilizados contra a tuberculose, a estreptomicina e seus derivados, provocam dano irreversível no ouvido, advertiu Graciela Meza Ruiz, do Instituto de Fisiologia Celular
     A estreptomicina, um antibiótico que no México se utiliza no tratamento contra a tuberculose, causa surdez nos pacientes, advertiu Graciela Meza Ruiz, pesquisadora do Instituto de Fisiologia Celular (IFC) da UNAM.
     “Os médicos sabem que a estreptomicina e seus derivados, a kanamicina, a gentamicina e a amikacina, causam surdez, mas os seguem receitando porque são muito eficientes para tratar a tuberculose, estão no quadro básico de medicamentos e são baratos. É uma irresponsabilidade, porque o dano é irreversível”, alertou a doutora em bioquímica.
     O problema, adicionou a experiente em fisiologia e bioquímica do ouvido, é que esses antibióticos, além de destruir a bactéria causadora da tuberculose, destroem as células do ouvido.
     “Nas caixas, onde vêm embalados esses medicamentos, se adverte que podem alterar o equilíbrio, causar surdez e ocasionar lesões renais”, comentou a pesquisadora adscrita ao Departamento de Neuropatología Molecular do IFC.
     Também, ocasionam movimentos incontroláveis dos olhos, tontura, vertigem e ataxia, descoordenação de diferentes partes do corpo, como braços e pernas; portanto, impedindo de caminhar corretamente.
   A pesquisadora adicionou que estes três antibióticos, pertencentes ao grupo dos aminoglucósidos –descobertos na década de 1940 nos Estados Unidos e utilizados por longo tempo para combater diferentes infecções-, estão proibidos em vários países, devido a seus efeitos secundários.
   “Utilizam-se indistintamente no México para combater a tuberculose, com doses fortes de até uma grama diária, durante seis meses ou um ano”, detalhou.
   No entanto, comentou Meza Ruíz, existe uma medicina alternativa contra a tuberculose, que não gera surdez, composta por três substâncias: rifampicina, isoniazida e pirazinamida. É mais 10 vezes cara, mas não causa danos ao ouvido.

   Dano celular e molecular

   Em seu laboratório, a universitária realizou investigação experimental com ratos, para identificar os danos da estreptomicina e seus derivados no ouvido, órgão escondido no osso temporário, que se localiza no crânio.
   “Isto permite a passagem da estreptomicina e seus derivados da corrente sanguínea, ao interior do ouvido, onde essas substâncias se acumulam. Em vez de degradar-se, permanecem dentro, causando a morte de células muito específicas”, explicou.
   Dos milhares de milhões de células que existem no cérebro, umas 20 mil são exclusivas do sistema auditivo, daí que os danos por lesões dificultem sua reposição de maneira natural.
   A especialista adicionou que nas primeiras etapas de acumulação do fármaco, quando se ataca às células do sistema vestibular do ouvido, o paciente com tuberculose sente tontura, visão imprecisa e dificuldade para caminhar. Conforme avança o tratamento e aumenta o dano às células auditivas, a pessoa fica totalmente surda.

     Mutação no DNA mitocondrial

     Quando estudava no laboratório o alvo molecular da estreptomicina, Graciela Meza indagou por que alguns pacientes ficam surdos em pouco tempo, enquanto outros, com o mesmo tratamento, têm um dano gradual.
     “Encontramos que a ação da estreptomicina e seus derivados se exacerba naqueles que têm uma mutação no DNA mitocondrial, que os torna hipersensíveis ao medicamento”, comentou.
     Outras investigações realizadas com populações orientais, árabes e espanholas, tinham localizado essa mutação, que não se encontrou em populações mexicanas de indivíduos com tuberculoses.
     O DNA mitocondrial é um material genético localizado na mitocondria celular, que é a “fábrica de energia” indispensável para a sobrevivencia das células. Diferente do DNA nuclear, o mitocondrial é passado aos filhos através da mãe.
     “Em pacientes com mutação no DNA mitocondrial, a morte celular é mais rápida, pois não há energia para manter com vida às células”, explicou Meza.
     Em seu estudo, identificou num indivíduo do Distrito Federal (capital do México) uma mutação no DNA mitocondrial, que não tinha sido descrita antes na literatura científica e nos apressamos a procurá-la em outros pacientes e na população em geral.

     Novo teste

     Para detectar alguma mutação na mitocondria de maneira fácil e singela, Meza Ruiz desenvolveu um teste que consiste num exame de sangue da pessoa que será submetida a tratamento com estreptomicina e seus derivados.
     “Se se comprovar que o paciente tem a mutação, podemos recomendar cientificamente que se utilize em seu tratamento o medicamento alternativo. O ideal é que ninguém seja tratado com estes antibióticos daninhos, mas com o teste de sangue, ao menos poderemos sugerir que se proteja aos que têm maior risco”, finalizou.

   PIG - Imprensa e Golpismo

     Paulo Henrique Amorim criou o termo PIG, sigla de Partido da Imprensa Golpista, se referindo à grande imprensa brasileira, que finge uma imparcialidade política, mas na prática manipula as informações para favorecer os candidatos conservadores, nas eleições, agindo mais como um partido político do que como órgãos de comunicação.
     Ultimamente Lula tem criticado essa imprensa, e por isso tem sido acusado pelo mesmo conjunto de jornais e revistas que formam o PIG, de ser contra a liberdade de imprensa.
     Engraçado isso, a imprensa se sente ofendida com críticas. Ela pode criticar a vontade mas não pode ser criticada. Não há nenhuma dúvida de que os artigos da Folha de São Paulo e do Globo, das revistas Veja Época e outros, são tendenciosos. Não se trata de mentir, mas de focar em tudo que é negativo, para criar uma imagem ruim do governo. Então se a economia cresce 1% em um mês e no outro cresce 0,5%, a manchete não é: Economia cresce 0,5% no mês, mas crescimento cai a metade no mês. As duas dizem a mesma coisa, mas a segunda olha pelo lado inverso, pelo que a notícia tem de ruim. Quem passa os olhos fixa em  crescimento pela metade e tem a impressão de que o país está andando pra trás.
     As fotos também ajudam. Um Serra sorridente ao lado de uma Dilma de cara fechada, querem dizer: esse é bom e esta é ruim.São truques simples do jornalismo.
     Agora que a eleição se aproxima e a direita vê com desespero seu projeto político naufragar, então partem para o denuncismo. Se alguém quiser investigar as falcatruas da filha de Serra e seu marido, é uma intromissão intolerável na privacidade dela, uma tentativa de golpe, mas eles podem investigar o filho de Erenice Guerra e denunciar o que quiserem. Porque não deixam quebrar também o sigilo da filha de Serra?
     Toda eleição eles inventam um dossiê, já repararam? Em 2002 teve o dossiê que acusdava os figurões do PSDB de mandarem dinheiro pra Ilhas Caimã. Disseram que era uma tentativa de golpe e não deixaram investigar. Em 2006 teve outro dossiê, relacionado a um dinheiro de campanha. Também não deixaram investigar, Agora a filha do Serra.
     Ou seja, investigar a direita é proibido, mas o PT e a esquerda em geral devem ser sempre atrelados a algum escândalo pra ver se o eleitor se impressiona e muda o voto. A Globo fez isso em 89, no último debate, com a denúncia sobre a filha de Lula, a Lurian. Quem assisitu se lembra da manipulação que deu  a eleição a Collor, o candidato da família Marinho e dos outros grandes órgãos de imprensa.
     Isso é liberdade de expressão ou é golpismo? Uma mídia nas mãos de 12 famílias comandando a opinião púiblica de um país inteiro à favor dos seus próprios interesses, é um modelo correto de comunicação?
     Vejam o artigo abaixo (do site OperaMundi), escrito por um norte-americano, sobre a manipulação da mídia americana em relação à Venezuela e como a imprensa do mundo inteiro repete as mentiras sobre aquele país, como forma de influenciar as eleições e vejam se isso é democrático.

16/09/2010 - 11:34

Mark Weisbrot
Washington

     A economia venezuelana: os meios de comunicação se enganam de novo
     A maioria dos meios de comunicação frequentemente mergulha de cabeça quando o governo norte-americano lança uma séria campanha política e de relações públicas na área da política externa. Mas nenhum caso tem sido tão emblemático quanto o da Venezuela. Até mesmo no período anterior à guerra no Iraque havia um número significativo de jornalistas e escritores que não engoliam a versão oficial. No caso da Venezuela, contudo, a imprensa mais se parece com um jurado de doze pessoas, mas apenas um cérebro.
     Como a oposição venezuelana decidiu apoiar sua campanha para as eleições de setembro no alto índice de homicídios no país, a imprensa internacional foi inundada por artigos sobre o assunto – alguns altamente exagerados. De fato, trata-se de uma conquista de relações públicas impressionante para a oposição venezuelana. Embora a maioria dos meios de comunicação venezuelanos, medida pela audiência, ainda pertença à oposição política no país, o mesmo não ocorre com a imprensa internacional. Normalmente é necessário algum tipo de gancho noticioso, um marco que seja, como o homicídio número 10 mil, ou uma declaração política da Casa Branca para que se inicie uma campanha de imprensa desta magnitude. Neste caso, contudo, bastou uma decisão da oposição política venezuelana de que o assunto principal da campanha seria o homicídio, e a imprensa internacional comprou a história.
     O tema de "todas as más notícias, o tempo todo" era esmagadoramente dominante, inclusive durante a expansão econômica histórica da Venezuela, de 2003 a 2008. A economia cresceu como nunca, a pobreza caiu mais de 50% e houve grandes avanços no problema do desemprego. O gasto real por pessoa mais que triplicou e a atenção médica gratuita foi estentida a milhões de pessoas. É preciso procurar muito para encontrar estes dados básicos apresentados como tal em algum artigo da imprensa atual, embora os números não sejam questionados pelos economistas das organizações internacionais que trabalham com as estatísticas.
     Por exemplo, em maio deste ano, a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), da ONU, concluiu que a Venezuela havia reduzido a desigualdade mais que qualquer outro país do continente entre 2002 e 2008, conseguindo a distribuição de renda mais equitativa da região. Este dado ainda não foi mencionado pela grande imprensa internacional.
     A Venezuela entrou em uma recessão em 2009, e pode-se imaginar quanto os meios têm destacado o crescimento do PIB comparado à época em que a Venezuela crescia mais rapidamente do que todas as economias do hemisfério. Depois, em janeiro de 2010, quando o governo desvalorizou a moeda, a imprensa previu um grande recrudescimento da inflação, de até 60% para este ano. A "estagflação" – a recessão acompanhada de uma inflação crescente – virou uma palavra da moda.
     A inflação "fora de controle" nunca aconteceu. Na verdade, a inflação dos últimos três meses, que chegou a 21% em uma taxa anualizada, está consideravelmente mais baixa do que antes da desvalorização. Esta realidade é mais um exemplo de que os economistas, as principais fontes da imprensa, têm um conhecimento limitado do verdadeiro funcionamento da economia venezuelana.
     A Venezuela, aparentemente, começou a sair da recessão no segundo trimestre deste ano. Sobre uma base anualizada e com ajuste sazonal, a economia cresceu 5,2% no segundo trimestre. Em junho, o Morgan Stanley projetou uma contração da economia de 6,2% neste ano e 1,2% em 2011. O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta uma situação de penumbra e perdição de longo prazo para a Venezuela, com um recuo do PIB per capita durante os próximos cinco anos. Vale mencionar que o FMI virou um concorrente dos autores de Dow 36.000 em termos de prognósticos criativos, com suas subestimações repetidas e disparatadas sobre a economia venezuelana durante a expansão.
     É possível que tudo isso pareça normal se comparado com a maior economia do mundo, os Estados Unidos, onde a grande maioria dos meios de comunicação, de uma maneira ou de outra, falhou ao não prever as maiores bolhas de ativos da história do mundo – o mercado de valores e a subsequente bolha imobiliária. Mas houve exceções importantes aqui, como por exemplo o New York Times em 2006. No caso da Venezuela – bem, pode-se imaginar.
     Claro que não se pode garantir que o crescimento venezuelano continuará. Para isso, o governo terá de assumir o compromisso de manter altos os níveis da demanda agregada. Nesse sentido, a situação imediata é parecida com a dos EUA, a zona europeia e várias outras economias desenvolvidas que, no momento, sofrem com uma recuperação lenta e incerta.
     Na Venezuela, são mantidas as reservas de divisas adequadas, há um superávit do intercâmbio e da conta corrente, os níveis da dívida pública externa são baixos e há uma boa capacidade de empréstimos estrangeiros, caso seja necessário usá-los. Isto foi demonstrado mais recentemente em abril, com um empréstimo da China no valor de 20 bilhões de dólares (cerca de 6% do PIB venezuelano). Assim, é extremamente improvável que a Venezuela enfrente uma escassez de divisas. Portanto, os gastos e investimentos públicos podem ser usados no que for necessário para garantir que a economia cresça o suficiente para obter um aumento do índice de emprego e melhorar os padrões de vida, como foi feito antes da recessão de 2009. (Nosso governo nos EUA poderia fazer o mesmo, inclusive com mais facilidade, mas isso não parece estar na lista de prioridades no momento). Esta situação pode perdurar por muitos anos.
     Aconteça o que acontecer, podemos esperar uma cobertura completa de um lado da história por parte dos meios de comunicação. Por isso, lembre-se: quando ler o New York Times ou escutar a rádio pública dos EUA falando sobre a Venezuela, você estará recebendo a Fox News. Se desejar algo mais equilibrado, terá de procurar na internet.
*Mark Weisbrot é co-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR), em Washington. É doutor em economia pela Universidade de Michigan. Ao lado de Dean Baker, é autor de Social Security: The Phony Crisis (University of Chicago Press, 2000) e de várias pesquisas sobre política econômica. Preside a organização Just Foreign Policy. Também é um dos roteiristas do documentário mais recente de Oliver Stone, South of the Border. Artigo originalmente publicado no The Guardian.
   Renovação

     Qual a diferença enrtre votar em Dilma e Serra ou Marina?
     Dilma representa a continuidade do governo Lula. Isso é bom? A resposta é 80% sim é bom. Não é bom pra quem? Para os aposentados que Lula sacaneou no início do seu governo, apostando no esquecimento da população. Não é bom também para uma elite antiga, acostumada a mandar nos pobres e que agora perdeu seu status. Não é mais necessário ser um doutor pra governar. A democracia finalmente chegou e qualquer um pode ser presidente.
     Serra representa a volta da política do arrocho salarial, das privatizações, da submissão internacional aos Estados Unidos e seus interesses e da hegemonia dos doutores emplumados sobre os pobres, uma dominação condescendente, que tem pena dos pobres e procura ajudá-los, desde que eles continuem pobres enquanto a elite compreensiva continua rica e mandando. Isso é bom para quem? Só para eles mesmos. para o Brasil é péssimo. Por essa percepção é que a candidatura tucana afundou e Aécio Neves já fala em deixar o PSDB e sua elite paulista, doente de elitismo.
     Marina Silva podia representar um novo passo para a evolução do nosso país se propusesse um desenvolvimento com justiça social e preservação ambiental, a tal economia de baixo carbono, repensando a produção e o consumo no momento em que nossa economia começa a decolar e ainda pode ser redirecionada. Mas preferiu representar o atraso do fundamentalismo crente da Assembléia de Deus, contra as pesquisas com células tronco, contra a legalização do aborto e contra o casamento de pessoas do mesmo sexo. Misturou religião com política, se colocando contra a aquisição de novos direitos civis pelos brasuileiros, e pelo contrário, dando direito às igrejas de decidirem inclusive pelos que não seguem sua fé. Se colocou assim na contramão da história. Hoje ela representa mais o atraso do que um novo caminho.
     Dilma aparece como a menos ruim, aceita por ser a candidata de Lula, embora não se saiba bem o que esperar dela. Pelo seu histórico de administradora e, antes disso, guerrilheira, creio que terá muita determinação para implantar os programas que vier a escolher. Sua visão é de esquerda, mas não é propriamente petista, já que foi do PDT durante muitos anos. Isso quer dizer que tenha um compromisso maior com a educação, como tinham Brizola e Darcy Ribeiro? Não dá pra saber. Na verdade a dúvida em relação à Dilma é a sua capacidade de formulação de pólíticas próprias.
     O que me parece claro é que a política vai mudar daqui pra frente. O PT sozinho não consegue comandar o Brasil, até porque provoca muita rejeição no eleitorado, devido a algumas figuras nefastas (José Dirceu e cia) que continuam por lá e também devido à sua velha atitude mesquinha, de ficar chateando todo mundo com suas pretensões moralistas, como se fosse a consciência do mundo, num jacobinismo de classe média muito desagradável, enquanto a corrupção se desenvolve normalmente lá dentro. Ou seja, eles tem uma imagem ótima deles mesmos que não corresponde à realidade. O PT não é nem nunca foi um partido revolucionário, mas sempre se disfarçou como tal, para captar os militantes de esquerda e enfraquecer os partidos comunistas. Na verdade sempre foi social-democrata e só ultimamente pode admitir isso, embora alguns pentelhos internos continuem fazendo pose de revolucionários e tramando golpes contra a democracia (de novo José Dirceu, o revolucionário que nunca pegou em armas).
     Lula está articulando uma frente permanente, ao estilo da Unidade Popular do Chile de Allende, ou do Congresso Nacional Africano, que governa a África do Sul. São frentes onde os partidos mantém sua identidade mas se engajam num projeto político comum, dando mais homogeneidade às propostas.
     Isso pode sim, melhorar a qualidade da nossa política, permitindo que os programas de governo deixem de ser apenas peças de propaganda e passem a ter alguma seriedade.
     Do lado da direita, será preciso se reiventar. O udenismo golpista e elitista de Serra e FHC, está morrendo. O DEM (PFL-PDS-ARENA), parece que também está morrendo. O futuro da direita parece estar numa nova versão do antigo PSD mineiro, de Juscelino, capaz de negociar com todos, aberto ao diálogo e buscando o centro político. Aécio, pelo visto, já percebeu isto e trabalha nessa direção.
     A outra alternativa para a direita é se refugiar no fundamentalismo religioso, ao estilo dos republicanos nos Estados Unidos, dos homens-bomba islâmicos e dos judeus ortoxos em Israel. Mas tenho minhas dúvidas se  isso vai pegar por aqui. Marina, sem dúvida, deu o primeiro passo nessa direção.
     De qualquer forma um novo Brasil está nascendo e como diz a música de Milton nascimento: nada será como antes, amanhã.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 19 de setembro de 2010

Cuba e a economia socialista

     Prezados amigos

     Cuba tem voltado aos noticiários nas últimas semanas, com a volta de Fidel Castro à vida pública, devido às suas publicações, que ele intitula Reflexiones, acessíveis na internet através do site http://www.cubadebate.cu/ também conhecido como Blog do Fidel.
     O velho líder tem surpreendido com algumas auto-críticas importantes, como aquela em que admite a perseguição aos homossexuais em Cuba, nos anos 60 e 70. Diz que a culpa foi toda dele, que foi um grande erro e que foram anos de muita injustiça. Também admitiu a um jornalista americano, que o modelo de economia da ilha não funcionava mais, o que depois desmentiu. Mas os jornalistas que o ouviram confirmaram o seu desabafo num momento de descontração.
     Como tudo o que ele diz até hoje serve de orientação para muita gente, dentro e fora de Cuba, naturalmente ele teve que se desmentir, para não desmoralizar completamente o governo do Partido Comunista, mas notícias recentes dão conta de que o governo cubano vai demitir cerca de 500 mil funcionários, que serão realocados para a iniciativa privada, que assim vai ampliar muito seu espaço na economia da ilha.
     Ou seja, os cubanos finalmente estão compreendendo que estatismo não significa necessariamente socialismo e para que os meios de produção se desenvolvam é necessária uma classe que surgiu historicamente para isso, a burguesia, mesmo que seja controlada pelo Estado e pelo Partido Comunista, como fazem os chineses.
     Já falei aqui sobre modelos econômicos (modelos, do dia 01 de agosto de 2010), analisando a economia-política chinesa. Atualmente, com a falência do estatismo soviético e mais recentemente do neoliberalismo promovido pelo grande capital nos anos 90, temos dois modelos vigentes no mundo, o socialdemocrata europeu e o chinês, todos dois com variações pelo mundo. Na América Latina a social-democracia avança, temperada pela lembrança aventureira de Che Guevara e por um sentimento de libertação da hegemonia americana que as vezes nos leva a um tipo de afirmação anti-imperialista meia ridícula, ao estilo Chavez. Mas a América espanhola adora caudilhos, como Perón, Trujillo e o próprio Fidel Castro. Nós também tivemos nossos caudilhos nacionais, como Vargas e muitos outros locais, como Antonio Carlos Magalhães, Tenório Cavalcanti, Gilberto Mestrinho, etc, etc. Mas acho que os nossos são menos falantes.
     Na Ásia, o modelo chinês se espalha, porém com um viés democrático, ou seja, estado forte que controla o capital, mas com eleições livres, direitos civis, etc.
     Mas o que me intriga nisso tudo, é saber o que resta de todas as teorias econômicas do socialismo. Sim, porque as análises que conhecemos sobre o chamado comunismo são, na sua maioria, propaganda contra ou críticas políticas, principalmente em relação à ausência de democracia. Mas eles tinham escolas de economia que formaram profissionais especializados em planejamento e tinham teorias sobre como administrar aquilo tudo, como desenvolver uma economia que gerasse pleno emprego, planejando o consumo, o aumento da renda e da produção nos seus famosos planos quinquenais e conseguiram manter tudo isso equilibrado. Durante 74 anos a economia soviética funcionou assim. Será que nada restou de todos esses instrumentos desenvolvidos por eles? Será que nada se aproveita de uma experiência tão longa?
     Agora que os ardores ideológicos já se acalmaram e que não existem mais modelos econômicos muito definidos, talvez fosse o momento de se estudar um pouco essa experiência tão marcante, para entendê-la melhor e ver o que se pode aproveitar, porque com certeza alguma virtude haveria de ter, para durar tanto tempo. E vejam bem, não se trata de estudar Marx, porque ele estudou o capitalismo na sua obra fundamental, O Capital, mas não pode estudar o socialismo, porque este não existia de fato. Apenas lançou alguns princípios sobre os quais Lenin construiria seu modelo político e econômico. Mas mesmo Lenin tentou inovar, com sua Nova Política Econômica, nos anos 1920, que caminhava para algo como o modelo chinês. Com sua morte prematura, Stalin consolidou o modelo estatista e burocrático que levaria o campo socialista a um beco sem saída. Resta saber se tudo que se escreveu e praticou ao longo desses 74 anos, foi apenas um esforço em vão ou se podemos aproveitar alguma coisa.
     As mudanças finalmente parece que estão chegando em Cuba. Quem sabe eles poderão nos fornecer essa resposta?
Histórias de outras vidas (29)

Viagem A Cuba

     O ano era 1997, quando eu e meu amigo Zé Mário resolvemos ir à Cuba.
     Morávamos em Ilhéus e estávamos filiados ao PCB, Partido Comunista Brasileiro, e a curiosidade por saber o que ocorria por lá após a queda da União Soviética era enorme.
     Me lembro que conseguimos um bom financiamento, com a mesma agência de viagens que tinha me levado à Turquia no ano anterior. Dólar a R$1,00, era uma oportunidade única. Vendemos algumas coisas e compramos um pacote em 10 vezes, para assisitr um congresso, nem me lembro do que, mas tinha alguma coisa a ver com arquitetura, cidades, algo assim.
     Faltou pagar a taxa de inscrição do tal congresso, que na verdade era só desculpa pra ir. A agência de viagem ficou de ver o preço da inscrição mas não conseguiu (naquela época a internet estava apenas começando) e nos disse que não nos preocupássemos, pois devia ser baratinho.
     Nosso pacote incluía seis noites no Hotel Presidente, em Havana, passagens e translados. Precisávamos levar dinheiro só pra gastar por lá. Juntamos 400 dólares e fomos.
    Fomos para o Rio de carro, pois não tinha com quem deixar meus dois filhos pequenos. Uma amiga do Rio, me salvou, ficando com os dois durante uma semana.
     O voo na Cubana de Aviación foi noturno e durou oito horas e meia. Chegamos em Havana de manhãzinha.
     Na chegada, muita emoção em pisar o solo cubano, e logo estávamos em um ônibus de turismo em direção ao nosso hotel. Pelas rua estranhei uma mulheres pelas esquinas, em colants coloridos, sobre saltos plataformas, aparentemente esperando alguém. Uma aqui outra lá, de manhã cedo?
     Mostrei pra Zé Mário e ele disse que deveriam ser as companheiras esperando pra ir trabalhar.
     Pensei comigo: será?
     O Hotel presidente era bem antigo e se orgulhava de ter hospedado Nat King Cole, o cantor negro americano, famoso nos anos 50. Puxa, eu adorava esse cara. Foi bom saber que ele esteve ali e também interessante perceber a ligação forte que havia entre Cuba e os Estados Unidos no passado.
     Logo que nos instalamos, resolvemos ir ao tal congresso, nos inscrevermos. Pegamos um taxi para o centro de convenções e chegando lá soubemos que nossas inscrições custavam 400 dólares, ou seja, todo o dinheiro que tínhamos.
     Fiquei super chateado com a agência de viagens, por nos fazer pagar um mico desses. Disse ao funcionário que estava fazendo as inscrições que então não íamos poder participar e em lugar disso faríamos turismo na Ilha. Ele ficou furioso e nos botou pra fora do centro. Disse que não poderíamos passar dali e nos fez sair por onde entramos. Zé Mário queria brigar mas achei melhor não arranjar confusão e voltamos para o Hotel.
     Depois disso ficamos meio cismados. Aí começamos a caminhar por Havana. Primeiro pelo Malecon, que é uma avenida à beira mar, bem no centro da cidade. Tudo meio abandonadinho, assim, meio decadente. Na ponta do Malecon chegamos à Havana Velha, o centro histórico.
     Parece o centro velho do Rio: Praça Tiradentes. É lá que ficam aqueles táxis antigões, que são uma atração turística à parte. Dizem que os mecânicos cubanos são os melhores do mundo, por manter carros de 50 e 60 anos rodando. Mas são bonitos. Velhos chevrolet e buick, coloridos. Andamos num, não me lembro a marca. Acho que era um Nash ou Dodge dos anos 50. Um barato.
     Na época estava passando a novela brasileira A Próxima Vítima e o pessoal do taxi (o motorista e uma auxiliar, que parecia ser sua esposa) só queria saber quem era o assassino da trama. Uma fissura!
     Os primeiros dias tudo nos pareceu muito estranho, em Cuba. Praticamente não havia comércio. Quisemos fazer um lanche na rua e entramos em algo que parecia um bar. Tinha mesas e balcão e duas atendentes. O balcão de madeira e vidro, meio empoeirado, tinha uns salgados e doces que pareciam estar ali há meses.  Não havia café, nem bebidas, nem refrigerantes, nada. As moças conversavam no balcão com cara de fastio.
     Quisemos comprar filmes para máquina de retrato (que ainda não era digital) e nos informaram que só nos hotéis. Fomos a um e descobrimos que as lojas eram só para turistas e tudo era em dólar.
     A relação entre o dólar e o peso cubano era absurda. Um dólar para eles valia uma fortuna no câmbio paralelo. Oficialmente um dólar valia um peso. Então se íamos ao cinema (e fomos assistir um filme cubano muito bom no cine-teatro karl Marx), pagava-se, por exemplo (não me lembro), dois pesos ou dois dólares, mas se trocássemos os dólares na rua conseguíamos mais de 100 pesos por dólar. Uma loucura.
     Na rua, quando viam que éramos estrangeiros, vinham puxar conversa e em seguida vinha o pedido: me puedes dar un dólar? Era um negócio chato e desanimador. Quando pensávamos que tínhamos feito uma amizade, vinha sempre o pedido.
     Andamos por toda Havana, até ficar com bolhas nos pés. Descobrimos um bar que vendia cerveja em lata (muito boa) e ficávamos sentados lá, no Malecón, no final da tarde vendo o mar.
     Pegamos uma excursão a Varadero e passamos um dia na praia. Foi muito interessante. Barraca de praia, com uma proprietária negona que era a cara da Bahia, tomando cerveja e comendo umas coisas que ela vendia. Com direito a um aviso com cara de bronca, do agente de turismo, de que aquela comida era particular e portanto não tinha garantia do governo. Engraçado.
     Lá vimos uma cena muito desagradável: uma negra sendo expulsa da praia por guardas. Depois soubemos que era uma prostituta e que eles não deixavam que elas se aproximasse dos turistas que estavam nas excursões "oficiais", como a nossa. Aliás, depois de alguns dias constatamos que as mulheres de colant pelas esquinas eram prostitutas mesmo. E como havia!
     Num desses passeios por havana conhecemos duas cubanas, professoras, morenas muito bonitas. Elas nos levaram para conhecer a  Bodeguita, bar famoso onde as pessoas escrevem seus nomes na parede. Pedimos uma bebida tradicional deles (se não me engano era um mojito), mas fiquei chocado com o preço. Parece que La Bodeguita é ótima para uma certa classe média que vai lá curtir o socialismo como férias. Por causa disso achamos que era uma dessas armadilhas comerciais a que estamos tão acostumados por aqui e não quisemos escrever nossos nomes naquelas paredes. Ao contrário da sorveteria Copélia, que fica no meio de uma praça e está sempre lotada de cubanos. Que delícia de sorvetes! Parecem os da Ribeira, em Salvador.
     No segundo dia em que saímos com as cubanas, elas nos disseram que estávamos sendo seguidos. Ficamos intrigados. Seria porque não quisemos participar do Congresso? Bom, naquela época houve uns atentados à bomba em Cuba, provocados por estrangeiros, terroristas financiados pelos Estados Unidos, infiltrados entre os turistas. Mas a sensação foi muito desagradável.
     Uma noite, quando íamos entrando no hotel um homem pediu a Zé Mário que mostrasse la tarjeta. Essa história de tarjeta era um saco. Era um cartãozinho que eles davam, uma espécie de identidade provisória para os turistas. Em todo lugar que a gente ia tinha que ficar mostrando aquilo. Mas desta vez foi pior, porque o tal sujeito, com cara de meganha, pediu a tal tarjeta só para o meu amigo, já na porta do elevador, quando já havíamos passado na recepção e pegado a chave do apartamento. Zé Mário, como bom baiano, se retou e começou a falar alto com o cara. Perguntou se era porque ele era negro. Aí o cara baixou a bola, pediu desculpas e disse que era para nossa própria segurança, etc e tal. Depois ficamos achando que ele tinha pensado que meu amigo fosse cubano, pois eles eram proibidos de entrar nos hotéis.
     Ruim, né?
     Outro dia resolvemos ir à Playa del Este, a praia mais popular de Cuba. Alugamos um taxi particular, um Lada soviético em estado razoável e fomos. Ali sim pudemos conviver com o povo cubano, sem o risco de ver gente ser expulsa da praia. O mar em Cuba é lindo, de um azul claro transparente. Pode-se ver o fundo em qualquer lugar.Lá conhecemos uns rapazes que nos convidaram para ir a uma boite gay.
     Imagine, boite gay em Cuba!
     Topamos e na hora marcada passaram para nos pegar de carro. Fomos por umas ruas meio escuras, pegamos outra pessoa no caminho, descemos e entramos pelo corredor lateral de um edifício até chegar na boite: cheia de turistas.
     Muito interessante. Era um show daqueles de rapazes montados, ou seja, vestidos de mulher, cantando aquelas músicas melodramáticas que os cubanos adoram. Uma espécie de Drag Queen apresentava os números e fazia gracinhas com os espectadores, perguntando de que país eram e fazendo piadas. Quando chegou a nossa vez ela nos disse:
     _Brasil? Que pasa en la novela?
     Uma mulher vestida de macacão, muito masculinizada se levantou e pediu algo para ela (creio que uma música), mas antes que pudesse terminar de falar a Drag engraçada disse:
     _Habla companheiro! Referindo-se ao aspecto de operário revolucionário da mulher.
     Foi bem engraçado e estranho ver essas duas culturas misturadas, a revolucionária e a gay.
     Numa mesa próxima, dois casais que pareciam cubanos faziam uma bonita figura. Os homens negros, altos e fortes, com calças jeans e camisas de brim. As mulheres muito bonitas, com cabelos meio Black, saias coloridas e muitos colares. Pensei, devem ser a classe média cubana. Na hora da dança, surpresa! Os dois homens dançaram um com o outro, e as mulheres idem. Todos muito carinhosos e apaixonados.
     Nossos almoços eram sempre iguais: sanduíches de bife com Coca-Cola (fabricada no México). Era a coisa mais barata que tinham no hotel e que alimentava alguma coisa. Comíamos bastante no café e economizávamos na comida, pra tomar cervejinha no Malecon.
     Uma das últimas noites saímos a caminhar até uma praça onde havia muita gente conversando. Compramos uma garrafa de rum (ótimo) e fomos pra rua beber, como fazem os cubanos. Uma mulher que estava com um grupo puxou conversa. Falou muito sobre a vida na ilha até que nos identificamos como sendo do partido Comunista Brtasileiro. Imediatamente a conversa mudou de rumo. Ela passou a falar também da novela. Ficou com medo da gente. Aí tivemos a noção exata da falta de democracia na Ilha.
     Aquilo não é socialismo. Muita pobreza, muita gente desdentada, enquanto uma burocracia se beneficia de alguns privilégios (não muitos). Depois de tantos anos não conseguiram construir nada além daquilo?
     Outra coisa, tem gente e produtos do mundo inteiro por lá (os taxis estatais eram renault, novinhos). Então onde está o bloqueio? Só os Estados Unidos bloqueiam a ilha, mas parece que Fidel e a turma que está no poder por lá usam isso para manter os cubanos unidos. Realmente eles tem uma bronca histórica dos americanos, desde o tempo das lutas pela independência, quando os americanos esperaram os cubanos vencerem os espanhóis para então invadir a ilha pretendo transformar Cuba numa colônia deles.
     Saímos chateados de Cuba, com uma decepção muito grande com o regime político.
     Mas o povo é muito vivo, inteligente e simpático. A Ilha é linda e o mar é fantástico. Tenho muita fé que Cuba se reintegrará à comunidade latino-americana, deixando em segundo plano suas diferenças com os norte-americanos (as mesmas que nós também temos) e construirá uma economia justa e solidária, como eles sempre quiseram, ancorada numa democracia forte e verdadeira como os cubanos merecem.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza


  
    



    

domingo, 12 de setembro de 2010

Rapidinhas

Nosso lar    

No Rio, esta semana, fui assistir ao filme Nosso lar, baseado no livro de Chico Xavier, psicografado a partir das revelações do espírito André Luiz.
     O filme conta a história de André, um médico brasileiro e relata o que acontece com ele após a sua morte até chegar em Nosso lar, uma cidade espiritual que flutua sobe a Terra. Mostra não apenas a cidade, com seus edifícios e espaços abertos, como explica o seu funcionamento e como se dá a recuperação dos que morrem, a vida e o aprendizado na cidade nas alturas e o processo de decisão para reencarnar novamente, deixando bem clara a filosofia espírita do aprendizado, da tolerância e da consciência evolutiva.
     A história se passa no início do século XX e uma cena muito emocionante é a chegada dos judeus, mortos na segunda guerra, à cidade.
     Tudo muito bonito: história, fotografia, efeitos especiais, trilha sonora.
     Vale a pena, mesmo para quem não é espírita. É uma superprodução brasileira e as filas estão imensas. Aliás há muitos anos eu não via fila em cinemas tradicionais (como no Roxy em copacabana, onde fui assistir). Ingresso na fila e só para o dia seguinte.
     Veja entrevista com o diretor e trailer do filme, clicando nos links abaixo:
http://cinema.uol.com.br/ultnot/2010/09/01/temos-o-direito-de-falar-de-tudo-no-cinema-inclusive-no-que-acontece-depois-da-vida-diz-o-diretor-de-nosso-lar.jhtm
http://paginadocinema.com.br/reportagens/index/95

Nosso 11 de setembro

     Pois é amigos, escrevo na véspera do 11 de setembro e estou me preparando para uma enxurrada de imagens do ataque terrorista ao World Trade Center em Nova Iorque. Certamente vão mostrar as imagens de sofrimento de todos os que morreram e dos habitantes da capital financeira do império americano, atingida no seu coração pelos fanáticos islâmicos.
     É claro que não vão mostrar as vítimas civis dos bombardeios americanos no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Palestina e em tantos países que os americanos e seus aliados estão sempre atacando e bombardeando.
     Não apoio os terroristas que derubaram as torres gêmeas, porque sou contra qualquer tipo de terrorismo (ataques a civis inocentes), mas para mim 11 de setembro é dia de lembrar outro atraque terrrorista, este perpetrado pelos americanos, que patrocinaram o golpe no Chile e o assassinato do seu presidente constitucional, Salvador Allende, atingindo em cheio o coração da democracia latino-americana.
     Aqui se faz, aqui se paga.
     Para quem quiser saber mais, sobre o 11 de setembro, vale a pena ler o artigo Setembro se chama Allende, (em espanhol) do historiador e jornalista chileno, Mário Amorós, clicando no link abaixo.
http://www.diarioreddigital.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=1222:septiembre-se-llama-allende&catid=40:opinion&Itemid=61

Virada em Brasília

       Finalmente parece que Brasília vai ter um governador à sua altura.
       O baiano Agnelo Queiroz, médico, radicado em Brasília há muitos anos, passou nas pesquisas o eterno candidato Joaquim Roriz, ficha suja que insiste em se manter na campanha, apesar de sua candidatura ter sido recusada pelo TRE e pelo TSE. Mas o apego de Roriz (que já foi governador quatro vezes) ao poder é tanto, que ele se recusa a indicar outro nome e permanece na disputa, amargando uma queda expressiva nas intenções de voto dos brazilienses.
       Assim, parece que se encerra uma era de populismo e corrupção no DF e há uma boa chance de nos livrarmos para sempre desse presentinho que José Sarney nos deu, quando nomeou Roriz governador biônico, antes da Constituinte de 1988. De lá pra cá ele criou um monte de cidades periféricas, verdadeiros currais eleitorais para se manter no poder, comprometendo todo o planejamento da Capital da República para obter benefícios políticos para ele e sua camarilha, hoje toda enrolada com a justiça.
     Chegou a hora do povo de Brasília retomar o controle da sua vida política e do seu destino.
   Libertação
    


     Prezados amigos.

     Semana passada escrevi sobre o Cena Contemporãnea, festival de teatro internacional, que ocorre em Brasília todos os anos. Dentre as cinco peças que pude assistir, comentei a Balada do Palhaço, de Plínio Marcos, cujo texto final me encantou.
     O texto trata da disputa entre idealismo e pragmatismo, tão atual nesse momento em que as utopias foram todas enterradas pelo capitalismo, em nome de uma realidade que se mostra cada vez mais absurda.
Mas ao contrário da ideologia dominante nos dias de hoje, Plínio faz a apologia do idealismo, não como uma construção utópica de coisas inantigíveis, mas como a matéria prima da verdade, como o único caminho para a libertação da humanidade da sua condição de submissão às realidades dadas como naturais.
     Enquanto o pragamtismo rasga nossos sonhos em nome de uma realidade medíocre, enquanto nossa sociedade abandona o caminho da transformação e envereda pelo da gestão de um mundo que poderia ser muito diferente, mas que nunca muda, Plínio reafirma o contrário.
     Eles nos dá um texto, que embora sem título específico (é apenas parte do texto completo), é uma verdadeira oração à vocação, à liberdade, à força criadora e transformadora que existe em cada ser humano.
     O palhaço Bobo Plin, ao abandonar o circo na última cena, escolhe seu ideal, em detrimento das promessas de ganhos feitas pelo dono do circo, sem dúvida representando o empresário com sua ideologia pragmática.
     O texto, de 1986, é de uma incrível clarividência porque antevê o que estava para acontecer na sociedade brasileira e mundial, no início da rolo compressor neoliberal dos anos 90.
     E então, amigo leitor, se você é daqueles que está na dúvida entre sua vocação e o pragamatismo de um bom emprego, leia e tire suas conclusões.

(Fala do palhaço Bobo Plin na cena final de Balada de um Palhaço)

Ó ideal

Que estás no meu céu interior
Verdade viva
Que faz da minha alma
Imortal
Para que tua tendência
Evolutiva
Seja realizada,
Para que teu nome
Se afirme pelo trabalho
Para que tua revelação
Seja manifestada a cada
Espetáculo
A cada espetáculo concede-me
A idéia criadora
Que assim como ela está
Entendida no meu coração
Seja entendida no meu corpo.


Ó ideal

Preserva-me dos reflexos
da matéria
Que eu compreenda
Que o sofrimento benfeitor
Está na origem da minha
Encarnação
Livra-me do desespero
E que teu nome seja
Santificado
Pela minha coragem
Na prova.


Ó ideal

Faze com que eu não diferencie
O fracasso do sucesso
E perdoa a minha
Dificuldade de comunicação
Assim como eu perdôo
Os que não tem ouvidos de ouvir
Nem olhos de ver

Ó ideal

Destrói meu orgulho
Que poderia afastar-me
Da tua luz-guia
Nutre meu devotamento
Porque és,
Ó ideal
A realeza, o equilíbrio, a força
De minha intuição.

Plínio Marcos