Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 26 de setembro de 2010

Tuberculose x Surdez

     Um amigo que pegou tuberculose, fez o tratamento do SUS e se curou, ficou repentinamente surdo de um ouvido. Sem entender consultou especialistas que encontraram uma lesão no ouvido esquerdo mas não sabiam explicar a causa. Investigando por conta própria descobriu que alguns remédios para tuberculose podem casuar surdez em pessoas com certo tipo de gens. Mas ninguém alerta para isso nem faz o exame genético para saber se o paciente pode ou não ser submetido a esse tipo de tratamento. Um descaso com os pacientes da rede pública que se submetem de boa fé ao tratamento achando que estão seguros. Veja a reportagem abaixo, traduzida de um site mexicano.
Alerta universitária sobre antibióticos que causam surdez

     18/05/2010
     Utilizados contra a tuberculose, a estreptomicina e seus derivados, provocam dano irreversível no ouvido, advertiu Graciela Meza Ruiz, do Instituto de Fisiologia Celular
     A estreptomicina, um antibiótico que no México se utiliza no tratamento contra a tuberculose, causa surdez nos pacientes, advertiu Graciela Meza Ruiz, pesquisadora do Instituto de Fisiologia Celular (IFC) da UNAM.
     “Os médicos sabem que a estreptomicina e seus derivados, a kanamicina, a gentamicina e a amikacina, causam surdez, mas os seguem receitando porque são muito eficientes para tratar a tuberculose, estão no quadro básico de medicamentos e são baratos. É uma irresponsabilidade, porque o dano é irreversível”, alertou a doutora em bioquímica.
     O problema, adicionou a experiente em fisiologia e bioquímica do ouvido, é que esses antibióticos, além de destruir a bactéria causadora da tuberculose, destroem as células do ouvido.
     “Nas caixas, onde vêm embalados esses medicamentos, se adverte que podem alterar o equilíbrio, causar surdez e ocasionar lesões renais”, comentou a pesquisadora adscrita ao Departamento de Neuropatología Molecular do IFC.
     Também, ocasionam movimentos incontroláveis dos olhos, tontura, vertigem e ataxia, descoordenação de diferentes partes do corpo, como braços e pernas; portanto, impedindo de caminhar corretamente.
   A pesquisadora adicionou que estes três antibióticos, pertencentes ao grupo dos aminoglucósidos –descobertos na década de 1940 nos Estados Unidos e utilizados por longo tempo para combater diferentes infecções-, estão proibidos em vários países, devido a seus efeitos secundários.
   “Utilizam-se indistintamente no México para combater a tuberculose, com doses fortes de até uma grama diária, durante seis meses ou um ano”, detalhou.
   No entanto, comentou Meza Ruíz, existe uma medicina alternativa contra a tuberculose, que não gera surdez, composta por três substâncias: rifampicina, isoniazida e pirazinamida. É mais 10 vezes cara, mas não causa danos ao ouvido.

   Dano celular e molecular

   Em seu laboratório, a universitária realizou investigação experimental com ratos, para identificar os danos da estreptomicina e seus derivados no ouvido, órgão escondido no osso temporário, que se localiza no crânio.
   “Isto permite a passagem da estreptomicina e seus derivados da corrente sanguínea, ao interior do ouvido, onde essas substâncias se acumulam. Em vez de degradar-se, permanecem dentro, causando a morte de células muito específicas”, explicou.
   Dos milhares de milhões de células que existem no cérebro, umas 20 mil são exclusivas do sistema auditivo, daí que os danos por lesões dificultem sua reposição de maneira natural.
   A especialista adicionou que nas primeiras etapas de acumulação do fármaco, quando se ataca às células do sistema vestibular do ouvido, o paciente com tuberculose sente tontura, visão imprecisa e dificuldade para caminhar. Conforme avança o tratamento e aumenta o dano às células auditivas, a pessoa fica totalmente surda.

     Mutação no DNA mitocondrial

     Quando estudava no laboratório o alvo molecular da estreptomicina, Graciela Meza indagou por que alguns pacientes ficam surdos em pouco tempo, enquanto outros, com o mesmo tratamento, têm um dano gradual.
     “Encontramos que a ação da estreptomicina e seus derivados se exacerba naqueles que têm uma mutação no DNA mitocondrial, que os torna hipersensíveis ao medicamento”, comentou.
     Outras investigações realizadas com populações orientais, árabes e espanholas, tinham localizado essa mutação, que não se encontrou em populações mexicanas de indivíduos com tuberculoses.
     O DNA mitocondrial é um material genético localizado na mitocondria celular, que é a “fábrica de energia” indispensável para a sobrevivencia das células. Diferente do DNA nuclear, o mitocondrial é passado aos filhos através da mãe.
     “Em pacientes com mutação no DNA mitocondrial, a morte celular é mais rápida, pois não há energia para manter com vida às células”, explicou Meza.
     Em seu estudo, identificou num indivíduo do Distrito Federal (capital do México) uma mutação no DNA mitocondrial, que não tinha sido descrita antes na literatura científica e nos apressamos a procurá-la em outros pacientes e na população em geral.

     Novo teste

     Para detectar alguma mutação na mitocondria de maneira fácil e singela, Meza Ruiz desenvolveu um teste que consiste num exame de sangue da pessoa que será submetida a tratamento com estreptomicina e seus derivados.
     “Se se comprovar que o paciente tem a mutação, podemos recomendar cientificamente que se utilize em seu tratamento o medicamento alternativo. O ideal é que ninguém seja tratado com estes antibióticos daninhos, mas com o teste de sangue, ao menos poderemos sugerir que se proteja aos que têm maior risco”, finalizou.

   PIG - Imprensa e Golpismo

     Paulo Henrique Amorim criou o termo PIG, sigla de Partido da Imprensa Golpista, se referindo à grande imprensa brasileira, que finge uma imparcialidade política, mas na prática manipula as informações para favorecer os candidatos conservadores, nas eleições, agindo mais como um partido político do que como órgãos de comunicação.
     Ultimamente Lula tem criticado essa imprensa, e por isso tem sido acusado pelo mesmo conjunto de jornais e revistas que formam o PIG, de ser contra a liberdade de imprensa.
     Engraçado isso, a imprensa se sente ofendida com críticas. Ela pode criticar a vontade mas não pode ser criticada. Não há nenhuma dúvida de que os artigos da Folha de São Paulo e do Globo, das revistas Veja Época e outros, são tendenciosos. Não se trata de mentir, mas de focar em tudo que é negativo, para criar uma imagem ruim do governo. Então se a economia cresce 1% em um mês e no outro cresce 0,5%, a manchete não é: Economia cresce 0,5% no mês, mas crescimento cai a metade no mês. As duas dizem a mesma coisa, mas a segunda olha pelo lado inverso, pelo que a notícia tem de ruim. Quem passa os olhos fixa em  crescimento pela metade e tem a impressão de que o país está andando pra trás.
     As fotos também ajudam. Um Serra sorridente ao lado de uma Dilma de cara fechada, querem dizer: esse é bom e esta é ruim.São truques simples do jornalismo.
     Agora que a eleição se aproxima e a direita vê com desespero seu projeto político naufragar, então partem para o denuncismo. Se alguém quiser investigar as falcatruas da filha de Serra e seu marido, é uma intromissão intolerável na privacidade dela, uma tentativa de golpe, mas eles podem investigar o filho de Erenice Guerra e denunciar o que quiserem. Porque não deixam quebrar também o sigilo da filha de Serra?
     Toda eleição eles inventam um dossiê, já repararam? Em 2002 teve o dossiê que acusdava os figurões do PSDB de mandarem dinheiro pra Ilhas Caimã. Disseram que era uma tentativa de golpe e não deixaram investigar. Em 2006 teve outro dossiê, relacionado a um dinheiro de campanha. Também não deixaram investigar, Agora a filha do Serra.
     Ou seja, investigar a direita é proibido, mas o PT e a esquerda em geral devem ser sempre atrelados a algum escândalo pra ver se o eleitor se impressiona e muda o voto. A Globo fez isso em 89, no último debate, com a denúncia sobre a filha de Lula, a Lurian. Quem assisitu se lembra da manipulação que deu  a eleição a Collor, o candidato da família Marinho e dos outros grandes órgãos de imprensa.
     Isso é liberdade de expressão ou é golpismo? Uma mídia nas mãos de 12 famílias comandando a opinião púiblica de um país inteiro à favor dos seus próprios interesses, é um modelo correto de comunicação?
     Vejam o artigo abaixo (do site OperaMundi), escrito por um norte-americano, sobre a manipulação da mídia americana em relação à Venezuela e como a imprensa do mundo inteiro repete as mentiras sobre aquele país, como forma de influenciar as eleições e vejam se isso é democrático.

16/09/2010 - 11:34

Mark Weisbrot
Washington

     A economia venezuelana: os meios de comunicação se enganam de novo
     A maioria dos meios de comunicação frequentemente mergulha de cabeça quando o governo norte-americano lança uma séria campanha política e de relações públicas na área da política externa. Mas nenhum caso tem sido tão emblemático quanto o da Venezuela. Até mesmo no período anterior à guerra no Iraque havia um número significativo de jornalistas e escritores que não engoliam a versão oficial. No caso da Venezuela, contudo, a imprensa mais se parece com um jurado de doze pessoas, mas apenas um cérebro.
     Como a oposição venezuelana decidiu apoiar sua campanha para as eleições de setembro no alto índice de homicídios no país, a imprensa internacional foi inundada por artigos sobre o assunto – alguns altamente exagerados. De fato, trata-se de uma conquista de relações públicas impressionante para a oposição venezuelana. Embora a maioria dos meios de comunicação venezuelanos, medida pela audiência, ainda pertença à oposição política no país, o mesmo não ocorre com a imprensa internacional. Normalmente é necessário algum tipo de gancho noticioso, um marco que seja, como o homicídio número 10 mil, ou uma declaração política da Casa Branca para que se inicie uma campanha de imprensa desta magnitude. Neste caso, contudo, bastou uma decisão da oposição política venezuelana de que o assunto principal da campanha seria o homicídio, e a imprensa internacional comprou a história.
     O tema de "todas as más notícias, o tempo todo" era esmagadoramente dominante, inclusive durante a expansão econômica histórica da Venezuela, de 2003 a 2008. A economia cresceu como nunca, a pobreza caiu mais de 50% e houve grandes avanços no problema do desemprego. O gasto real por pessoa mais que triplicou e a atenção médica gratuita foi estentida a milhões de pessoas. É preciso procurar muito para encontrar estes dados básicos apresentados como tal em algum artigo da imprensa atual, embora os números não sejam questionados pelos economistas das organizações internacionais que trabalham com as estatísticas.
     Por exemplo, em maio deste ano, a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), da ONU, concluiu que a Venezuela havia reduzido a desigualdade mais que qualquer outro país do continente entre 2002 e 2008, conseguindo a distribuição de renda mais equitativa da região. Este dado ainda não foi mencionado pela grande imprensa internacional.
     A Venezuela entrou em uma recessão em 2009, e pode-se imaginar quanto os meios têm destacado o crescimento do PIB comparado à época em que a Venezuela crescia mais rapidamente do que todas as economias do hemisfério. Depois, em janeiro de 2010, quando o governo desvalorizou a moeda, a imprensa previu um grande recrudescimento da inflação, de até 60% para este ano. A "estagflação" – a recessão acompanhada de uma inflação crescente – virou uma palavra da moda.
     A inflação "fora de controle" nunca aconteceu. Na verdade, a inflação dos últimos três meses, que chegou a 21% em uma taxa anualizada, está consideravelmente mais baixa do que antes da desvalorização. Esta realidade é mais um exemplo de que os economistas, as principais fontes da imprensa, têm um conhecimento limitado do verdadeiro funcionamento da economia venezuelana.
     A Venezuela, aparentemente, começou a sair da recessão no segundo trimestre deste ano. Sobre uma base anualizada e com ajuste sazonal, a economia cresceu 5,2% no segundo trimestre. Em junho, o Morgan Stanley projetou uma contração da economia de 6,2% neste ano e 1,2% em 2011. O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta uma situação de penumbra e perdição de longo prazo para a Venezuela, com um recuo do PIB per capita durante os próximos cinco anos. Vale mencionar que o FMI virou um concorrente dos autores de Dow 36.000 em termos de prognósticos criativos, com suas subestimações repetidas e disparatadas sobre a economia venezuelana durante a expansão.
     É possível que tudo isso pareça normal se comparado com a maior economia do mundo, os Estados Unidos, onde a grande maioria dos meios de comunicação, de uma maneira ou de outra, falhou ao não prever as maiores bolhas de ativos da história do mundo – o mercado de valores e a subsequente bolha imobiliária. Mas houve exceções importantes aqui, como por exemplo o New York Times em 2006. No caso da Venezuela – bem, pode-se imaginar.
     Claro que não se pode garantir que o crescimento venezuelano continuará. Para isso, o governo terá de assumir o compromisso de manter altos os níveis da demanda agregada. Nesse sentido, a situação imediata é parecida com a dos EUA, a zona europeia e várias outras economias desenvolvidas que, no momento, sofrem com uma recuperação lenta e incerta.
     Na Venezuela, são mantidas as reservas de divisas adequadas, há um superávit do intercâmbio e da conta corrente, os níveis da dívida pública externa são baixos e há uma boa capacidade de empréstimos estrangeiros, caso seja necessário usá-los. Isto foi demonstrado mais recentemente em abril, com um empréstimo da China no valor de 20 bilhões de dólares (cerca de 6% do PIB venezuelano). Assim, é extremamente improvável que a Venezuela enfrente uma escassez de divisas. Portanto, os gastos e investimentos públicos podem ser usados no que for necessário para garantir que a economia cresça o suficiente para obter um aumento do índice de emprego e melhorar os padrões de vida, como foi feito antes da recessão de 2009. (Nosso governo nos EUA poderia fazer o mesmo, inclusive com mais facilidade, mas isso não parece estar na lista de prioridades no momento). Esta situação pode perdurar por muitos anos.
     Aconteça o que acontecer, podemos esperar uma cobertura completa de um lado da história por parte dos meios de comunicação. Por isso, lembre-se: quando ler o New York Times ou escutar a rádio pública dos EUA falando sobre a Venezuela, você estará recebendo a Fox News. Se desejar algo mais equilibrado, terá de procurar na internet.
*Mark Weisbrot é co-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR), em Washington. É doutor em economia pela Universidade de Michigan. Ao lado de Dean Baker, é autor de Social Security: The Phony Crisis (University of Chicago Press, 2000) e de várias pesquisas sobre política econômica. Preside a organização Just Foreign Policy. Também é um dos roteiristas do documentário mais recente de Oliver Stone, South of the Border. Artigo originalmente publicado no The Guardian.
   Renovação

     Qual a diferença enrtre votar em Dilma e Serra ou Marina?
     Dilma representa a continuidade do governo Lula. Isso é bom? A resposta é 80% sim é bom. Não é bom pra quem? Para os aposentados que Lula sacaneou no início do seu governo, apostando no esquecimento da população. Não é bom também para uma elite antiga, acostumada a mandar nos pobres e que agora perdeu seu status. Não é mais necessário ser um doutor pra governar. A democracia finalmente chegou e qualquer um pode ser presidente.
     Serra representa a volta da política do arrocho salarial, das privatizações, da submissão internacional aos Estados Unidos e seus interesses e da hegemonia dos doutores emplumados sobre os pobres, uma dominação condescendente, que tem pena dos pobres e procura ajudá-los, desde que eles continuem pobres enquanto a elite compreensiva continua rica e mandando. Isso é bom para quem? Só para eles mesmos. para o Brasil é péssimo. Por essa percepção é que a candidatura tucana afundou e Aécio Neves já fala em deixar o PSDB e sua elite paulista, doente de elitismo.
     Marina Silva podia representar um novo passo para a evolução do nosso país se propusesse um desenvolvimento com justiça social e preservação ambiental, a tal economia de baixo carbono, repensando a produção e o consumo no momento em que nossa economia começa a decolar e ainda pode ser redirecionada. Mas preferiu representar o atraso do fundamentalismo crente da Assembléia de Deus, contra as pesquisas com células tronco, contra a legalização do aborto e contra o casamento de pessoas do mesmo sexo. Misturou religião com política, se colocando contra a aquisição de novos direitos civis pelos brasuileiros, e pelo contrário, dando direito às igrejas de decidirem inclusive pelos que não seguem sua fé. Se colocou assim na contramão da história. Hoje ela representa mais o atraso do que um novo caminho.
     Dilma aparece como a menos ruim, aceita por ser a candidata de Lula, embora não se saiba bem o que esperar dela. Pelo seu histórico de administradora e, antes disso, guerrilheira, creio que terá muita determinação para implantar os programas que vier a escolher. Sua visão é de esquerda, mas não é propriamente petista, já que foi do PDT durante muitos anos. Isso quer dizer que tenha um compromisso maior com a educação, como tinham Brizola e Darcy Ribeiro? Não dá pra saber. Na verdade a dúvida em relação à Dilma é a sua capacidade de formulação de pólíticas próprias.
     O que me parece claro é que a política vai mudar daqui pra frente. O PT sozinho não consegue comandar o Brasil, até porque provoca muita rejeição no eleitorado, devido a algumas figuras nefastas (José Dirceu e cia) que continuam por lá e também devido à sua velha atitude mesquinha, de ficar chateando todo mundo com suas pretensões moralistas, como se fosse a consciência do mundo, num jacobinismo de classe média muito desagradável, enquanto a corrupção se desenvolve normalmente lá dentro. Ou seja, eles tem uma imagem ótima deles mesmos que não corresponde à realidade. O PT não é nem nunca foi um partido revolucionário, mas sempre se disfarçou como tal, para captar os militantes de esquerda e enfraquecer os partidos comunistas. Na verdade sempre foi social-democrata e só ultimamente pode admitir isso, embora alguns pentelhos internos continuem fazendo pose de revolucionários e tramando golpes contra a democracia (de novo José Dirceu, o revolucionário que nunca pegou em armas).
     Lula está articulando uma frente permanente, ao estilo da Unidade Popular do Chile de Allende, ou do Congresso Nacional Africano, que governa a África do Sul. São frentes onde os partidos mantém sua identidade mas se engajam num projeto político comum, dando mais homogeneidade às propostas.
     Isso pode sim, melhorar a qualidade da nossa política, permitindo que os programas de governo deixem de ser apenas peças de propaganda e passem a ter alguma seriedade.
     Do lado da direita, será preciso se reiventar. O udenismo golpista e elitista de Serra e FHC, está morrendo. O DEM (PFL-PDS-ARENA), parece que também está morrendo. O futuro da direita parece estar numa nova versão do antigo PSD mineiro, de Juscelino, capaz de negociar com todos, aberto ao diálogo e buscando o centro político. Aécio, pelo visto, já percebeu isto e trabalha nessa direção.
     A outra alternativa para a direita é se refugiar no fundamentalismo religioso, ao estilo dos republicanos nos Estados Unidos, dos homens-bomba islâmicos e dos judeus ortoxos em Israel. Mas tenho minhas dúvidas se  isso vai pegar por aqui. Marina, sem dúvida, deu o primeiro passo nessa direção.
     De qualquer forma um novo Brasil está nascendo e como diz a música de Milton nascimento: nada será como antes, amanhã.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 19 de setembro de 2010

Cuba e a economia socialista

     Prezados amigos

     Cuba tem voltado aos noticiários nas últimas semanas, com a volta de Fidel Castro à vida pública, devido às suas publicações, que ele intitula Reflexiones, acessíveis na internet através do site http://www.cubadebate.cu/ também conhecido como Blog do Fidel.
     O velho líder tem surpreendido com algumas auto-críticas importantes, como aquela em que admite a perseguição aos homossexuais em Cuba, nos anos 60 e 70. Diz que a culpa foi toda dele, que foi um grande erro e que foram anos de muita injustiça. Também admitiu a um jornalista americano, que o modelo de economia da ilha não funcionava mais, o que depois desmentiu. Mas os jornalistas que o ouviram confirmaram o seu desabafo num momento de descontração.
     Como tudo o que ele diz até hoje serve de orientação para muita gente, dentro e fora de Cuba, naturalmente ele teve que se desmentir, para não desmoralizar completamente o governo do Partido Comunista, mas notícias recentes dão conta de que o governo cubano vai demitir cerca de 500 mil funcionários, que serão realocados para a iniciativa privada, que assim vai ampliar muito seu espaço na economia da ilha.
     Ou seja, os cubanos finalmente estão compreendendo que estatismo não significa necessariamente socialismo e para que os meios de produção se desenvolvam é necessária uma classe que surgiu historicamente para isso, a burguesia, mesmo que seja controlada pelo Estado e pelo Partido Comunista, como fazem os chineses.
     Já falei aqui sobre modelos econômicos (modelos, do dia 01 de agosto de 2010), analisando a economia-política chinesa. Atualmente, com a falência do estatismo soviético e mais recentemente do neoliberalismo promovido pelo grande capital nos anos 90, temos dois modelos vigentes no mundo, o socialdemocrata europeu e o chinês, todos dois com variações pelo mundo. Na América Latina a social-democracia avança, temperada pela lembrança aventureira de Che Guevara e por um sentimento de libertação da hegemonia americana que as vezes nos leva a um tipo de afirmação anti-imperialista meia ridícula, ao estilo Chavez. Mas a América espanhola adora caudilhos, como Perón, Trujillo e o próprio Fidel Castro. Nós também tivemos nossos caudilhos nacionais, como Vargas e muitos outros locais, como Antonio Carlos Magalhães, Tenório Cavalcanti, Gilberto Mestrinho, etc, etc. Mas acho que os nossos são menos falantes.
     Na Ásia, o modelo chinês se espalha, porém com um viés democrático, ou seja, estado forte que controla o capital, mas com eleições livres, direitos civis, etc.
     Mas o que me intriga nisso tudo, é saber o que resta de todas as teorias econômicas do socialismo. Sim, porque as análises que conhecemos sobre o chamado comunismo são, na sua maioria, propaganda contra ou críticas políticas, principalmente em relação à ausência de democracia. Mas eles tinham escolas de economia que formaram profissionais especializados em planejamento e tinham teorias sobre como administrar aquilo tudo, como desenvolver uma economia que gerasse pleno emprego, planejando o consumo, o aumento da renda e da produção nos seus famosos planos quinquenais e conseguiram manter tudo isso equilibrado. Durante 74 anos a economia soviética funcionou assim. Será que nada restou de todos esses instrumentos desenvolvidos por eles? Será que nada se aproveita de uma experiência tão longa?
     Agora que os ardores ideológicos já se acalmaram e que não existem mais modelos econômicos muito definidos, talvez fosse o momento de se estudar um pouco essa experiência tão marcante, para entendê-la melhor e ver o que se pode aproveitar, porque com certeza alguma virtude haveria de ter, para durar tanto tempo. E vejam bem, não se trata de estudar Marx, porque ele estudou o capitalismo na sua obra fundamental, O Capital, mas não pode estudar o socialismo, porque este não existia de fato. Apenas lançou alguns princípios sobre os quais Lenin construiria seu modelo político e econômico. Mas mesmo Lenin tentou inovar, com sua Nova Política Econômica, nos anos 1920, que caminhava para algo como o modelo chinês. Com sua morte prematura, Stalin consolidou o modelo estatista e burocrático que levaria o campo socialista a um beco sem saída. Resta saber se tudo que se escreveu e praticou ao longo desses 74 anos, foi apenas um esforço em vão ou se podemos aproveitar alguma coisa.
     As mudanças finalmente parece que estão chegando em Cuba. Quem sabe eles poderão nos fornecer essa resposta?
Histórias de outras vidas (29)

Viagem A Cuba

     O ano era 1997, quando eu e meu amigo Zé Mário resolvemos ir à Cuba.
     Morávamos em Ilhéus e estávamos filiados ao PCB, Partido Comunista Brasileiro, e a curiosidade por saber o que ocorria por lá após a queda da União Soviética era enorme.
     Me lembro que conseguimos um bom financiamento, com a mesma agência de viagens que tinha me levado à Turquia no ano anterior. Dólar a R$1,00, era uma oportunidade única. Vendemos algumas coisas e compramos um pacote em 10 vezes, para assisitr um congresso, nem me lembro do que, mas tinha alguma coisa a ver com arquitetura, cidades, algo assim.
     Faltou pagar a taxa de inscrição do tal congresso, que na verdade era só desculpa pra ir. A agência de viagem ficou de ver o preço da inscrição mas não conseguiu (naquela época a internet estava apenas começando) e nos disse que não nos preocupássemos, pois devia ser baratinho.
     Nosso pacote incluía seis noites no Hotel Presidente, em Havana, passagens e translados. Precisávamos levar dinheiro só pra gastar por lá. Juntamos 400 dólares e fomos.
    Fomos para o Rio de carro, pois não tinha com quem deixar meus dois filhos pequenos. Uma amiga do Rio, me salvou, ficando com os dois durante uma semana.
     O voo na Cubana de Aviación foi noturno e durou oito horas e meia. Chegamos em Havana de manhãzinha.
     Na chegada, muita emoção em pisar o solo cubano, e logo estávamos em um ônibus de turismo em direção ao nosso hotel. Pelas rua estranhei uma mulheres pelas esquinas, em colants coloridos, sobre saltos plataformas, aparentemente esperando alguém. Uma aqui outra lá, de manhã cedo?
     Mostrei pra Zé Mário e ele disse que deveriam ser as companheiras esperando pra ir trabalhar.
     Pensei comigo: será?
     O Hotel presidente era bem antigo e se orgulhava de ter hospedado Nat King Cole, o cantor negro americano, famoso nos anos 50. Puxa, eu adorava esse cara. Foi bom saber que ele esteve ali e também interessante perceber a ligação forte que havia entre Cuba e os Estados Unidos no passado.
     Logo que nos instalamos, resolvemos ir ao tal congresso, nos inscrevermos. Pegamos um taxi para o centro de convenções e chegando lá soubemos que nossas inscrições custavam 400 dólares, ou seja, todo o dinheiro que tínhamos.
     Fiquei super chateado com a agência de viagens, por nos fazer pagar um mico desses. Disse ao funcionário que estava fazendo as inscrições que então não íamos poder participar e em lugar disso faríamos turismo na Ilha. Ele ficou furioso e nos botou pra fora do centro. Disse que não poderíamos passar dali e nos fez sair por onde entramos. Zé Mário queria brigar mas achei melhor não arranjar confusão e voltamos para o Hotel.
     Depois disso ficamos meio cismados. Aí começamos a caminhar por Havana. Primeiro pelo Malecon, que é uma avenida à beira mar, bem no centro da cidade. Tudo meio abandonadinho, assim, meio decadente. Na ponta do Malecon chegamos à Havana Velha, o centro histórico.
     Parece o centro velho do Rio: Praça Tiradentes. É lá que ficam aqueles táxis antigões, que são uma atração turística à parte. Dizem que os mecânicos cubanos são os melhores do mundo, por manter carros de 50 e 60 anos rodando. Mas são bonitos. Velhos chevrolet e buick, coloridos. Andamos num, não me lembro a marca. Acho que era um Nash ou Dodge dos anos 50. Um barato.
     Na época estava passando a novela brasileira A Próxima Vítima e o pessoal do taxi (o motorista e uma auxiliar, que parecia ser sua esposa) só queria saber quem era o assassino da trama. Uma fissura!
     Os primeiros dias tudo nos pareceu muito estranho, em Cuba. Praticamente não havia comércio. Quisemos fazer um lanche na rua e entramos em algo que parecia um bar. Tinha mesas e balcão e duas atendentes. O balcão de madeira e vidro, meio empoeirado, tinha uns salgados e doces que pareciam estar ali há meses.  Não havia café, nem bebidas, nem refrigerantes, nada. As moças conversavam no balcão com cara de fastio.
     Quisemos comprar filmes para máquina de retrato (que ainda não era digital) e nos informaram que só nos hotéis. Fomos a um e descobrimos que as lojas eram só para turistas e tudo era em dólar.
     A relação entre o dólar e o peso cubano era absurda. Um dólar para eles valia uma fortuna no câmbio paralelo. Oficialmente um dólar valia um peso. Então se íamos ao cinema (e fomos assistir um filme cubano muito bom no cine-teatro karl Marx), pagava-se, por exemplo (não me lembro), dois pesos ou dois dólares, mas se trocássemos os dólares na rua conseguíamos mais de 100 pesos por dólar. Uma loucura.
     Na rua, quando viam que éramos estrangeiros, vinham puxar conversa e em seguida vinha o pedido: me puedes dar un dólar? Era um negócio chato e desanimador. Quando pensávamos que tínhamos feito uma amizade, vinha sempre o pedido.
     Andamos por toda Havana, até ficar com bolhas nos pés. Descobrimos um bar que vendia cerveja em lata (muito boa) e ficávamos sentados lá, no Malecón, no final da tarde vendo o mar.
     Pegamos uma excursão a Varadero e passamos um dia na praia. Foi muito interessante. Barraca de praia, com uma proprietária negona que era a cara da Bahia, tomando cerveja e comendo umas coisas que ela vendia. Com direito a um aviso com cara de bronca, do agente de turismo, de que aquela comida era particular e portanto não tinha garantia do governo. Engraçado.
     Lá vimos uma cena muito desagradável: uma negra sendo expulsa da praia por guardas. Depois soubemos que era uma prostituta e que eles não deixavam que elas se aproximasse dos turistas que estavam nas excursões "oficiais", como a nossa. Aliás, depois de alguns dias constatamos que as mulheres de colant pelas esquinas eram prostitutas mesmo. E como havia!
     Num desses passeios por havana conhecemos duas cubanas, professoras, morenas muito bonitas. Elas nos levaram para conhecer a  Bodeguita, bar famoso onde as pessoas escrevem seus nomes na parede. Pedimos uma bebida tradicional deles (se não me engano era um mojito), mas fiquei chocado com o preço. Parece que La Bodeguita é ótima para uma certa classe média que vai lá curtir o socialismo como férias. Por causa disso achamos que era uma dessas armadilhas comerciais a que estamos tão acostumados por aqui e não quisemos escrever nossos nomes naquelas paredes. Ao contrário da sorveteria Copélia, que fica no meio de uma praça e está sempre lotada de cubanos. Que delícia de sorvetes! Parecem os da Ribeira, em Salvador.
     No segundo dia em que saímos com as cubanas, elas nos disseram que estávamos sendo seguidos. Ficamos intrigados. Seria porque não quisemos participar do Congresso? Bom, naquela época houve uns atentados à bomba em Cuba, provocados por estrangeiros, terroristas financiados pelos Estados Unidos, infiltrados entre os turistas. Mas a sensação foi muito desagradável.
     Uma noite, quando íamos entrando no hotel um homem pediu a Zé Mário que mostrasse la tarjeta. Essa história de tarjeta era um saco. Era um cartãozinho que eles davam, uma espécie de identidade provisória para os turistas. Em todo lugar que a gente ia tinha que ficar mostrando aquilo. Mas desta vez foi pior, porque o tal sujeito, com cara de meganha, pediu a tal tarjeta só para o meu amigo, já na porta do elevador, quando já havíamos passado na recepção e pegado a chave do apartamento. Zé Mário, como bom baiano, se retou e começou a falar alto com o cara. Perguntou se era porque ele era negro. Aí o cara baixou a bola, pediu desculpas e disse que era para nossa própria segurança, etc e tal. Depois ficamos achando que ele tinha pensado que meu amigo fosse cubano, pois eles eram proibidos de entrar nos hotéis.
     Ruim, né?
     Outro dia resolvemos ir à Playa del Este, a praia mais popular de Cuba. Alugamos um taxi particular, um Lada soviético em estado razoável e fomos. Ali sim pudemos conviver com o povo cubano, sem o risco de ver gente ser expulsa da praia. O mar em Cuba é lindo, de um azul claro transparente. Pode-se ver o fundo em qualquer lugar.Lá conhecemos uns rapazes que nos convidaram para ir a uma boite gay.
     Imagine, boite gay em Cuba!
     Topamos e na hora marcada passaram para nos pegar de carro. Fomos por umas ruas meio escuras, pegamos outra pessoa no caminho, descemos e entramos pelo corredor lateral de um edifício até chegar na boite: cheia de turistas.
     Muito interessante. Era um show daqueles de rapazes montados, ou seja, vestidos de mulher, cantando aquelas músicas melodramáticas que os cubanos adoram. Uma espécie de Drag Queen apresentava os números e fazia gracinhas com os espectadores, perguntando de que país eram e fazendo piadas. Quando chegou a nossa vez ela nos disse:
     _Brasil? Que pasa en la novela?
     Uma mulher vestida de macacão, muito masculinizada se levantou e pediu algo para ela (creio que uma música), mas antes que pudesse terminar de falar a Drag engraçada disse:
     _Habla companheiro! Referindo-se ao aspecto de operário revolucionário da mulher.
     Foi bem engraçado e estranho ver essas duas culturas misturadas, a revolucionária e a gay.
     Numa mesa próxima, dois casais que pareciam cubanos faziam uma bonita figura. Os homens negros, altos e fortes, com calças jeans e camisas de brim. As mulheres muito bonitas, com cabelos meio Black, saias coloridas e muitos colares. Pensei, devem ser a classe média cubana. Na hora da dança, surpresa! Os dois homens dançaram um com o outro, e as mulheres idem. Todos muito carinhosos e apaixonados.
     Nossos almoços eram sempre iguais: sanduíches de bife com Coca-Cola (fabricada no México). Era a coisa mais barata que tinham no hotel e que alimentava alguma coisa. Comíamos bastante no café e economizávamos na comida, pra tomar cervejinha no Malecon.
     Uma das últimas noites saímos a caminhar até uma praça onde havia muita gente conversando. Compramos uma garrafa de rum (ótimo) e fomos pra rua beber, como fazem os cubanos. Uma mulher que estava com um grupo puxou conversa. Falou muito sobre a vida na ilha até que nos identificamos como sendo do partido Comunista Brtasileiro. Imediatamente a conversa mudou de rumo. Ela passou a falar também da novela. Ficou com medo da gente. Aí tivemos a noção exata da falta de democracia na Ilha.
     Aquilo não é socialismo. Muita pobreza, muita gente desdentada, enquanto uma burocracia se beneficia de alguns privilégios (não muitos). Depois de tantos anos não conseguiram construir nada além daquilo?
     Outra coisa, tem gente e produtos do mundo inteiro por lá (os taxis estatais eram renault, novinhos). Então onde está o bloqueio? Só os Estados Unidos bloqueiam a ilha, mas parece que Fidel e a turma que está no poder por lá usam isso para manter os cubanos unidos. Realmente eles tem uma bronca histórica dos americanos, desde o tempo das lutas pela independência, quando os americanos esperaram os cubanos vencerem os espanhóis para então invadir a ilha pretendo transformar Cuba numa colônia deles.
     Saímos chateados de Cuba, com uma decepção muito grande com o regime político.
     Mas o povo é muito vivo, inteligente e simpático. A Ilha é linda e o mar é fantástico. Tenho muita fé que Cuba se reintegrará à comunidade latino-americana, deixando em segundo plano suas diferenças com os norte-americanos (as mesmas que nós também temos) e construirá uma economia justa e solidária, como eles sempre quiseram, ancorada numa democracia forte e verdadeira como os cubanos merecem.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza


  
    



    

domingo, 12 de setembro de 2010

Rapidinhas

Nosso lar    

No Rio, esta semana, fui assistir ao filme Nosso lar, baseado no livro de Chico Xavier, psicografado a partir das revelações do espírito André Luiz.
     O filme conta a história de André, um médico brasileiro e relata o que acontece com ele após a sua morte até chegar em Nosso lar, uma cidade espiritual que flutua sobe a Terra. Mostra não apenas a cidade, com seus edifícios e espaços abertos, como explica o seu funcionamento e como se dá a recuperação dos que morrem, a vida e o aprendizado na cidade nas alturas e o processo de decisão para reencarnar novamente, deixando bem clara a filosofia espírita do aprendizado, da tolerância e da consciência evolutiva.
     A história se passa no início do século XX e uma cena muito emocionante é a chegada dos judeus, mortos na segunda guerra, à cidade.
     Tudo muito bonito: história, fotografia, efeitos especiais, trilha sonora.
     Vale a pena, mesmo para quem não é espírita. É uma superprodução brasileira e as filas estão imensas. Aliás há muitos anos eu não via fila em cinemas tradicionais (como no Roxy em copacabana, onde fui assistir). Ingresso na fila e só para o dia seguinte.
     Veja entrevista com o diretor e trailer do filme, clicando nos links abaixo:
http://cinema.uol.com.br/ultnot/2010/09/01/temos-o-direito-de-falar-de-tudo-no-cinema-inclusive-no-que-acontece-depois-da-vida-diz-o-diretor-de-nosso-lar.jhtm
http://paginadocinema.com.br/reportagens/index/95

Nosso 11 de setembro

     Pois é amigos, escrevo na véspera do 11 de setembro e estou me preparando para uma enxurrada de imagens do ataque terrorista ao World Trade Center em Nova Iorque. Certamente vão mostrar as imagens de sofrimento de todos os que morreram e dos habitantes da capital financeira do império americano, atingida no seu coração pelos fanáticos islâmicos.
     É claro que não vão mostrar as vítimas civis dos bombardeios americanos no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Palestina e em tantos países que os americanos e seus aliados estão sempre atacando e bombardeando.
     Não apoio os terroristas que derubaram as torres gêmeas, porque sou contra qualquer tipo de terrorismo (ataques a civis inocentes), mas para mim 11 de setembro é dia de lembrar outro atraque terrrorista, este perpetrado pelos americanos, que patrocinaram o golpe no Chile e o assassinato do seu presidente constitucional, Salvador Allende, atingindo em cheio o coração da democracia latino-americana.
     Aqui se faz, aqui se paga.
     Para quem quiser saber mais, sobre o 11 de setembro, vale a pena ler o artigo Setembro se chama Allende, (em espanhol) do historiador e jornalista chileno, Mário Amorós, clicando no link abaixo.
http://www.diarioreddigital.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=1222:septiembre-se-llama-allende&catid=40:opinion&Itemid=61

Virada em Brasília

       Finalmente parece que Brasília vai ter um governador à sua altura.
       O baiano Agnelo Queiroz, médico, radicado em Brasília há muitos anos, passou nas pesquisas o eterno candidato Joaquim Roriz, ficha suja que insiste em se manter na campanha, apesar de sua candidatura ter sido recusada pelo TRE e pelo TSE. Mas o apego de Roriz (que já foi governador quatro vezes) ao poder é tanto, que ele se recusa a indicar outro nome e permanece na disputa, amargando uma queda expressiva nas intenções de voto dos brazilienses.
       Assim, parece que se encerra uma era de populismo e corrupção no DF e há uma boa chance de nos livrarmos para sempre desse presentinho que José Sarney nos deu, quando nomeou Roriz governador biônico, antes da Constituinte de 1988. De lá pra cá ele criou um monte de cidades periféricas, verdadeiros currais eleitorais para se manter no poder, comprometendo todo o planejamento da Capital da República para obter benefícios políticos para ele e sua camarilha, hoje toda enrolada com a justiça.
     Chegou a hora do povo de Brasília retomar o controle da sua vida política e do seu destino.
   Libertação
    


     Prezados amigos.

     Semana passada escrevi sobre o Cena Contemporãnea, festival de teatro internacional, que ocorre em Brasília todos os anos. Dentre as cinco peças que pude assistir, comentei a Balada do Palhaço, de Plínio Marcos, cujo texto final me encantou.
     O texto trata da disputa entre idealismo e pragmatismo, tão atual nesse momento em que as utopias foram todas enterradas pelo capitalismo, em nome de uma realidade que se mostra cada vez mais absurda.
Mas ao contrário da ideologia dominante nos dias de hoje, Plínio faz a apologia do idealismo, não como uma construção utópica de coisas inantigíveis, mas como a matéria prima da verdade, como o único caminho para a libertação da humanidade da sua condição de submissão às realidades dadas como naturais.
     Enquanto o pragamtismo rasga nossos sonhos em nome de uma realidade medíocre, enquanto nossa sociedade abandona o caminho da transformação e envereda pelo da gestão de um mundo que poderia ser muito diferente, mas que nunca muda, Plínio reafirma o contrário.
     Eles nos dá um texto, que embora sem título específico (é apenas parte do texto completo), é uma verdadeira oração à vocação, à liberdade, à força criadora e transformadora que existe em cada ser humano.
     O palhaço Bobo Plin, ao abandonar o circo na última cena, escolhe seu ideal, em detrimento das promessas de ganhos feitas pelo dono do circo, sem dúvida representando o empresário com sua ideologia pragmática.
     O texto, de 1986, é de uma incrível clarividência porque antevê o que estava para acontecer na sociedade brasileira e mundial, no início da rolo compressor neoliberal dos anos 90.
     E então, amigo leitor, se você é daqueles que está na dúvida entre sua vocação e o pragamatismo de um bom emprego, leia e tire suas conclusões.

(Fala do palhaço Bobo Plin na cena final de Balada de um Palhaço)

Ó ideal

Que estás no meu céu interior
Verdade viva
Que faz da minha alma
Imortal
Para que tua tendência
Evolutiva
Seja realizada,
Para que teu nome
Se afirme pelo trabalho
Para que tua revelação
Seja manifestada a cada
Espetáculo
A cada espetáculo concede-me
A idéia criadora
Que assim como ela está
Entendida no meu coração
Seja entendida no meu corpo.


Ó ideal

Preserva-me dos reflexos
da matéria
Que eu compreenda
Que o sofrimento benfeitor
Está na origem da minha
Encarnação
Livra-me do desespero
E que teu nome seja
Santificado
Pela minha coragem
Na prova.


Ó ideal

Faze com que eu não diferencie
O fracasso do sucesso
E perdoa a minha
Dificuldade de comunicação
Assim como eu perdôo
Os que não tem ouvidos de ouvir
Nem olhos de ver

Ó ideal

Destrói meu orgulho
Que poderia afastar-me
Da tua luz-guia
Nutre meu devotamento
Porque és,
Ó ideal
A realeza, o equilíbrio, a força
De minha intuição.

Plínio Marcos
Histórias de outras vidas (28)

    Reencontro

     Corria o ano de 1996, quando eu resolvi participar da conferência da ONU de habitação, Habitat II, em Istambul, na Turquia.
     Formamos um grupo de dez arquitetos, entre amigos da Bahia e de Brasília e fomos. O pessoal de Brasília arranjou a agência de viagens, que conseguiu ótimos descontos, e ficamos 10 dias em Istambul.
     Ao entrar na cidade uma emoção me subiu ao peito e fui reconhecendo tudo, como se já tivesse vivido ali. Ao passar embaixo de uns arcos de pedra de um aqueduto antigo, o sentimento foi muito forte, embora eu não entendesse o que estava acontecendo comigo. O hotel em que ficamos ficava perto desses arcos.
     Istambul é uma cidade linda, com 12 milhões da habitantes, cortada ao meio pelo estreito de Bósforo, com suas águas limpíssimas e azuis, que divide a Europa da Ásia. Assim a cidade se espalha pelos dois continentes, que se ligam por muitas pontes e por serviços de barcas de passageiros parecidas com as do Rio de Janeiro.
     Nos primeiros dias tentei participar da conferência, mas era uma chatice, cheia de autoridades de todo o mundo dizendo coisas que eu estava cansado de saber depois de tantos anos trabalhando com habitação popular.
     Então fui ver a igreja de Santa Sofia. Emoção total!
     A antiga igreja fica no meio de um parque, no centro de um gramado com pequenas ondulações. Passei um dia inteiro só olhando por fora. Sentava de um lado e ia vendo todos os detalhes, passsava pra outro lado e ia assim bebendo as informações que meus olhos conseguiam captar, sobre sua técncica construtiva, o que era mais antigo e mais novo, o que era um acréscimo, etc.
     No segundo dia me animei a entrar. A imensa cúpula de tijolos era tão alta que eu calculei que um edifício de 22 andares caberia debaixo dela, dentro da igreja. Ladeiras laterais abobadadas (em forma de túnel) levavam a pavimentos superiores.
     Me informando sobre a construção, soube que ela foi mandada fazer por Constantino, o imperador que dividiu o Império Romano em Ocidente e Oriente, dividindo também a igreja cristã em Católica Apostólica Romana e Ortodoxa (oriental). Isso ococrreu no ano 300 da era cristã.
     Portanto, a igreja teria mais de 1700 anos se não tivesse sido destruída por um incêndio e reconstruída por volta do ano 500. Pouca diferença. A velha igreja de Santa Sofia tem aproximadamente 1500 anos e seus tijolos ainda estão lá sustentando a maravilhosa cúpula, obra fantástica da arquitetura do mundo antigo.
     Com a conquista de Constantinopla (antigo nome de Istambul) pelo muçulmanos, a igreja foi transformada em mesquita, foram então construídos os quatro minaretes que a circundam e recobertos por um espesso reboco os maravilhosos mosaicos feitos pelos romanos que representavam o imperador como Cristo e outros membros da corte como santos. Quando estive lá Hagia Sofia já não era uma mesquita, mas um museu e o reboco estava sendo removido por restauradores e os desenhos antigos estavam começando a aparecer. Incrível.
     Alguns dias depois, acordei de madrugada com a sensação de que estava ouvindo uma música muito bonita. Mas não havia nada. Acordei meu companheiro de quarto e perguntei se ele tinha ouvido alguma coisa. Ele disse que não e me mandou dormir.
     Na noite seguinte acordei com a música de novo, mas desta vez ela ainda estava lá. Acordei meu colega e ele disse que também a ouvia. Fiquei encantado com a beleza, cantada por uma voz muito suave, as quatro da manhã, parecendo vir de muito longe.
     No café da manhã, uma jornalista brasileira me disse que também ouvira a música e me explicou que era o sacerdote muçulmano fazendo a primeira chamada para rezar, numa mesquita que havia alguns quarteirões do hotel.
     Na outra manhã, já intrigado com aquilo, resolvi ir conferir. Assim que clareou, por volta das cinco horas, saí por uma estrreita rua lateral que descia em direção à mesquita, uma cópia da Santa Sofia como são todas as mesquitas.
     Lá chegando fiquei observando como as pessoas agiam para entrar: tiravam os sapatos e lavavam os pés e as mãos numa fonte que havia na entrada. Os calçados ficavam na porta e ninguém mexia neles.
     Fiz do mesmo jeito e entrei, temeroso pelos muitas coisas ruins que ouvimos sobre o islamismo no Brasil, mas encontrei uma atmosfera de paz e silencio. Grupos de mulheres se reuniam na parte superior, enquanto no centro se concentravam os homens. Todos pareciam discutir os ensinamentos do Alcoorão, a Bíblia muçulmana.
     Fiquei muito impressionado com o tapete gigante que cobria todo o piso da mesquita, sem que eu pudesse encontrar uma só emenda. Como podem fabricar aquilo? Meus olhos de arquiteto também vasculharam seu interior e se maravilharam com o lustre, um aro circular, onde se prendem pequenas lâmpadas, pendurado por finos cabos de forma que parece flutuar sobre as nossas cabeças.
     Permaneci algum tempo no interior do templo, orando e meditando junto com aqueles homens e mulheres, que não me olharam, não me perguntaram nada, me deixando completamente à vontade.
     Dentro havia mulheres com vestes tradicionais, cobrindo-se dos pés à cabeça, todas de preto, outras com roupas cinzas mostravam os braços e ainda outras vestidas normalmente, com saias ou calças compridas, blusas coloridas, mas todas elas com o lenço na cabeça. Na Turquia não se usa véu para esconder o rosto.
     Novamente aquele sentimento de familiaridade tomou conta de mim e me emocionei mais uma vez.
     Dali fomos para a Grécia e vimos muitas coisas bonitas, mas nada que mexesse comigo daquele jeito.
     Até hoje sonho com Istambul, com suas torres às margens de águas tão azuis. Quando leio sobre os terroristas islâmicos, tenho certeza de que eles não tem nada a ver com aquela paz que eu senti. São extremistas, que usam o nome de Deus para matar inocentes, na sua luta contra os Estados Unidos.
     O Islã, na sua essência, não tem nada com isso. Acho que sei disso com muita profundidade. Acho que ja vivi lá um dia, em alguma vida e amei muito aquele lugar, aquela gente, aquela religião.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 5 de setembro de 2010

    
Primavera

Prezados amigos

     Escrevo hoje desde Porto Alegre, onde vim visitar meu filho Gustavo, empenhado na camapanha eleitoral da deputada Manuela do PCdoB.
     Muito bom rever esta cidade onde morei nos anos 70 e início dos 80, quando fazia arquitetura na UFRGS. Achei  o astral um pouco triste. O Parque da Redenção, ícone da cidade está praticamente abandonado. Mas os jacarandás e os ipês amarelos começam a florescer, dando sinais da primavera que se aproxima. Oxalá também a política local se renove, para que Porto Alegre e o Rio Grande possam também florescer.
     Muito bom também rever velhos amigos, Hannelore, D. Iracema e sua família que me recebem como se eu nunca tivesse ido embora. Sempre que volto é como se eu tivesse ido apenas ali na esquina, não importa quantas décadas tenham se passado.
     Isso sim é um privilégio.
     A vida vale a pena por essas pequenas coisas. Obrigado a todos vocês, meus amigos.
     Obrigado ao meu amigo lá de cima, por me permitir rever Porto Alegre na primavera.
CENAS

     Prezados amigos leitores, assistir ao Cena Contemporânea 2010, Festival Internacioal de Teatro de Brasília,  foi um privilégio. Infelizmente, devido a uma viagem, não pude assistir a mais espetáculos, mas aqui dou conta do que vi em pequenos comentários.
    Nem tudo foi bom, mas a sensação de ver expressões artísticas de vários países reunidas em um evento como este é muito impactante.

     Decir lluvia y que llueva

     Espetáculo apresentado pelo grupo espanhol Kabia-Espacio de Investigación Dramática de Gaitzerdi Teatro.
     Teatro experimental, investigativo, livre interpretação do imaginário poético do poeta basco Joseba Sarrionaindia. Espetáculo de grande beleza plástica, utilizando água, fogo, areia e efeitos de iluminação combinados com a utilização de adereços com grande significado cênico, como as sombrinhas que se abrem e fecham sob luz vermelha, como batidas de um coração.
     Apesar da beleza plástica e do excelente desempenho dos atores em cena, falta um enredo, um discurso novo, que ultrapasse a mera contestação gasta do mundo urbano e consumista.
     A impressão que se tem é a de que quando não se tem nada a dizer parte-se para o experimentalismo.

Balada de um Palhaço

     Apresentado pelo Grupo de Teatro Artes e Fatos, de Goiás, o excelente texto de Plínio Marcos se perde um pouco nas falas excessivamente gritadas e nos palavrões escancarados ao público, se tornando um pouco arrastado e cansativo. No final a trama ganha consistência e tem seu ponto alto na oração à vocação, texto incrivelmente belo e atual do autor, muito bem interpretado, dando um fecho emocionante ao espetáculo.

Odysseus Chaoticus

     O ISH Theater de Israel apresenta este espetáculo, criação de seus três atores, que gira em torno de uma família italiana, cujo marido procura fugir do cotidiano se imaginando protagonista da Odisseia de Homero.
     Embora a qualidade dos atores seja evidente, o espetáculo não consegue ultrapassar a barreira do humor fácil, tornando-se uma espécie de besteirol israelense. Para nós brasileiros é difícil entender a atmosfera cultural de um país tão longínquo, mas percebe-se nitidamente a influência americana nas piadas e gags. Tinha tudo para ser uma boa história, mas não é.
     Destaque para o ator Noam Rubinstein quando utiliza recursos de mímica, especialmente na cena com Poseidon, em que flutua no mar e se afoga. É realmente muito bom.
     O público braziliense contribui para a sensação de banalização do teatro. Ri de qualquer coisa, aplaude de pé qualquer espetáculo, bate palminhas quando os atores dançam. Desisti de tentar entender.

   O Jardim do Mundo

     A peça encenada pela companhia Creaciones Artísticas Las Cuatro Esquinas, da Espanha, foi construída sobre um poema de Walt Whitman e tem como inspiração o livro A morte e a donzela, de Ariel Dorfman.
     O espetáculo fala sobre a tortura, mas não do modo como estamos acostumados a falar no Brasil, como uma coisa do passado, algo horrível que aconteceu durante um período e passou. Fala sobre a tortura presente no mundo inteiro, como uma prática constante, que existe hoje.
     Apresenta os discursos dos torturados, dos torturadores, dos que preferem não ver e dos que não voltaram pra contar suas histórias.
     Fala da convivência dos torturados com os torturadores, coisa que vivenciamos hoje no Brasil e em toda América Latina, que ainda vive à sombra de ditaduras recentes.
     Fala sobre o absurdo das técnicas que despersonalizam as pessoas para arrancarem informações, sobre o desprezo pela dignidade do ser humano e pela vida humana, do prazer em fazer sofrer e em matar pessoas comuns.
     Fala direto às nossas consciências que procuram não ver o absurdo, porque tem medo de não aguentar e assim permitem que o absurdo prossiga.
     Muito importante o texto e o trabalho deste grupo.
    Visualmente o espetáculo é pobre, sem cores, o que está adequado à temática.

Dulce

     Espetáculo criado e apresentado pelos atores Michel Blois e Thiare Maia, do Brasil e Nuno Gil e Claudia Gaiolas, de Portugal.
     Dois casais de classe média jantam juntos e aos poucos vão mostrando suas contradições.
     O título Dulce, faz referência a uma história antiga, contada por um dos casais, sobre uma noiva que passa a vida esperando por um noivo que morreu.
     Reflexões sobre o ódio, o ciúme, a frivolidade, o conservadorismo, mas sobretudo sobre o amor.
     Atuações maravilhosas desses atores criadores. Um cenário intimista, em que se entra pelo palco do pequeno Teatro II do Conjunto Cultural do Banco do Brasil, um semi-arena, com uma platéia pequena (talvez 60 lugares). Ao entrar, a mesa posta e um atriz já em cena, sentada tomando um copo de vinho enquanto lê distraidamente um livro.
     A diferença dos sotaques, nos coloca no centro de uma comunidade internacional de língua portuguesa  em ascenção, o que nos leva ao encontro de uma identidade lusa, que se afirma sobre os oceanos que separam seus povos.
     Tudo muito bonito e cativante. Uma beleza. Para mim, o melhor do Cena Contemporânea 2010, dentre as cinco peças que pude assistir.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Histórias de outras vidas (27)

ALGUÉM MORREU NO ANDAR DE BAIXO

     Corria o ano de 1996 e eu morava em Ilhéus com meus filhos pequenos, um com sete e outro com nove anos. Como nossa casa no bairro do Pontal estava em reformas, passamos um tempo em um pequeno apartamento de veraneio de meus pais, em Olivença.Eram doze apartamentos, seis térreos e seis no segundo pavimento.
     O nosso ficava no segundo andar. Durante a semana éramos os únicos moradores, mas aos sábados e domingos o condomínio se enchia de gente de cidades vizinhas,especialmente Itabuna, a apenas 30 Km, que vinham para a praia.
     Eu não gostava desses fins de semana, principalmente dos domingos, quando um tipo de gente barulhenta e mal educada se apossava da piscina, ouvia som alto e fazia churrascos e em meio a muita cerveja.
     Num sábado, eu ia chegando da rua e estacionei no terreno ao lado. A porta que ligava o estacionamento ao interior do condomínio dava para um quiosque de apoio à piscina e ao entrar me vi no meio de um churrasco, de uma gente de quem eu não gostava.
     Era um homem gordo, de uns cinqüenta anos, que falava alto e bebia muito. Já o tinha visto conversando com meu pai.
     Ele estava sentado numa mesa, com uma mulher e um outro homem, mais jovem e magro, ao lado da churrasqueira. Ao me ver, me chamou, e não tive como escapar de sentar à mesa, comer um pouco de churrasco e dar uns goles na cerveja. Na conversa me apresentou a mulher, como sendo sua companheira e o outro como um amigo de Itabuna.
     Rondando em volta da mesa, uma gata miava pedindo pedaços de carne, ronronando e se roçando às nossas pernas. A conversa fluiu entre coisas óbvias e chatas, que pareciam ser chatas também para a bela mulher, de longos cabelos negros. Eu procurava fingir interesse, enquanto planejava minha fuga, e ela se mantinha alheia, apenas fingindo que participava da conversa.
     De repente ela deu um grito e olhou por baixo da mesa.
     _Essa gata me deu uma mordida! Exclamou.
     Todos procuramos a gata que saiu correndo, dando um miado esquisito. Foi uma coisa muito estranha.
     Aproveitei a deixa pra fugir rumo ao meu apartamento.
     Naquele dia um amigo veio nos convidar para uma festa de São João, no outro lado da cidade. Fiquei sem muita vontade de ir, mas como ele viera de longe, de ônibus, só para nos convidar, resolvi aceitar o convite.
     Arrumei os meninos e fomos a tal festa, mas acontece que deu dez horas e nada do conjunto começar a tocar, 10 e meia e nada, aí resolvi voltar pra casa. Não gostava de ficar com os meninos na rua à noite, em festas de adultos. Era adepto de dormir e levantar cedo, como hábito salutar para as crianças, por isso só saía quando eles ficavam na casa de alguém.
     Meu amigo não gostou, mas nos acompanhou ao apartamento, para dormir no sofá da sala.
     Ao chegarmos, umas onze da noite, o condomínio estava deserto. Pela manhã, acordei bem cedo, como de costume e fui caminhar na praia. Deviam ser umas cinco horas quando saí. Ao chegar à praia resolvi caminhar para a esquerda, pois o dia ainda estava clareando e eu tinha medo de andar àquela hora perto de umas moitas que haviam para o outro lado, onde já tinha visto uns vagabundos dormindo. Fui até o clube do antigo Baneb e retornei. No caminho de ida encontrei apenas um casal de meia idade, daqueles que gostam de se exercitar bem cedo. Ele magro e alto, os dois bem brancos. Ao chegar na entrada do condomínio achei que podia caminhar mais um pouco, e como estava bem claro, prossegui para o outro lado, até as pedras que interrompiam a praia.
     Umas seis horas voltei ao apartamento. Meu amigo já estava de pé e querendo ir embora. Disse a ele que não podia levá-lo àquela hora, pois estava cansado, queria tomar um banho, um café e dar uma descansada. Ele, porém, estava inquieto, irritado com a festa perdida e disse que ia de ônibus mesmo. Saiu batendo a porta.
       Tomei um banho frio e resolvi me deitar mais um pouco. Passada uma meia hora, ouvi batidas na porta. Era ele voltando. Havia se cansado de esperar um ônibus àquela hora do domingo. Mas não era só isso, ele parecia assustado e estava mais agitado. Me disse:
     _Tem alguma coisa acontecendo aí embaixo. O vizinho está tentando arrombar a janela dizendo que a mulher não quer abrir a porta do quarto.
     Desci e vi o mesmo homem gordo do dia anterior, ajudado por seu amigo mais jovem, tentando arrombar a janela do quarto que ficava bem embaixo do meu. Limpando a piscina o caseiro do condomínio comentava em tom debochado:
     _Hoje vamos ter defunto fresco aqui!
     Subi as escadas e acordei os meninos, pressentindo que era melhor sair dali.
     Enquanto arrumava nossa saída, meu amigo desceu e subiu com a notícia: a mulher que a gata mordera na véspera estava morta na cama, com um tiro.
     Pedi a ele que levasse os meninos para o carro sem deixá-los ver a cena e tratei de fechar a casa. Sabia que, sendo o único morador, certamente seria chamado para depor e não queria me meter naquela confusão. Ao descer fiz questão de olhar a cena do crime. A mulher estava estendida na cama, morta. Seus cabelos cheios de sangue se esparramavam pelo lençol.
     Passei a manhã na casa de meu amigo e já por volta das duas da tarde retornei, parando primeiro na casa de veraneio de meu irmão, próxima ao condomínio. Lá encomendei um almoço ao restaurante vizinho e pedi ao caseiro que desse uma olhada para ver como estava a situação. Finalmente, quando a polícia saiu, retornamos ao apartamento e nos trancamos lá dentro. Tudo do lado de fora estava deserto e lúgubre.
     Dias depois fui intimado a depor. Contei tudo o que havia visto e feito à delegada e sua assistente. Quando terminei elas disseram que eu havia acabado de desmentir todo o álibi do marido e do seu amigo, assim como do caseiro do condomínio.
     Eles haviam dito que deram uma festa até uma hora da manhã e que de manhã o tal gordo havia ido caminhar na praia. Nós chegamos às onze da noite e não havia festa nenhuma. Se ele tivesse ido caminhar na praia eu o teria encontrado, pois andei no mesmo horário que ele declarou e nas duas direções. Também a descrição da cena do crime não batia com o que eu havia visto, o que indicava que havia sido modificada por eles.
     Fiquei estarrecido. Eu era a única testemunha de um assassinato e morava sozinho com meus filhos no local do crime, do qual certamente o caseiro tinha sido cúmplice. O que fazer?
     Tratei de voltar rapidamente para minha casa no Pontal e dois anos depois soube que tinha sido intimado a depor no júri. Mas nessa época eu já havia me mudado para Vitória da Conquista e quando soube da intimação o julgamento já havia ocorrido.
     Não sei qual foi o veredito, só soube que o tal gordo morreu pouco depois em um acidente de carro. Quanto ao caseiro, ainda o vejo quando volto ao local para veranear. Continua lá, com seu sorriso debochado. O amigo do gordo era conhecido de amigos meus de Itabuna.
     Sempre me lembro da bela mulher assassinada na flor da juventude, injustiçada por alguma trama sórdida, urdida por aqueles dois. Me lembro também da gata que a mordeu, como se tivesse querendo avisá-la do perigo que corria.
     Depois disso passei a observar mais os animais, acreditando que eles podem emitir sinais de perigo próximo.

Boa segunda-feira a todos.

Ricardo Stumpf Alves de Souza