Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 26 de agosto de 2012

O Paiz
Eleições na Bahia
Pobre Salvador 

     Pobre cidade de Salvador. Tão abandonada, tão favelizada, tão suja, tão sofrida.
     Quando vejo os trabalhadores nas paradas de ônibus, sofridos, esperançosos, cansados...
     Quando vejo os motoristas nos seus carros financiados, desiludidos do sonho comprado à prestação, presos no trânsito parado, sem alternativa de transporte de qualidade...
     Quando vejo os olhares das vítimas da violência urbana, na sala de sutura do HGE, olhares calados, chocados, traumatizados, cheios de medo...
     Quando vejo a arrogância da polícia nas ruas, intimidando os cidadãos, ao invés de lhes passar um sentimento de proteção...
     Quando vejo a propaganda política, tão cheia de cinismo, de falsas verdades, de candidatos abraçando criancinhas e escondendo os interesses ocultos que os movem...
     Quando vejo a aridez do panorama político da cidade, da outrora orgulhosa e bela, cidade de São Salvador da Bahia.
     Penso em quanto este povo terá de sofrer ainda até encontrar seu caminho e se transformar numa sociedade próspera e justa.
     Pobre Salvador, sempre 20 anos atrás do resto do Brasil. Tão africana na sua alma e na sua incapacidade de resolver suas contradições.

Em Conquista, mais do mesmo


     As eleições em Vitória da Conquista, este ano, terão pela primeira vez um segundo turno, devido ao crescimento do eleitorado, que já ultrapassa 200.000 eleitores.
     Pena que as alternativas sejam as mesmas. Guilherme Menezes, do PT, tenta se eleger pela quarta vez, com o mesmo discurso, fazendo o tipo justiceiro humilde, que ninguém aguenta mais. A oposição, no entanto, não conseguiu apresentar um nome que mobilizasse a cidade em torno de um novo projeto. Seus candidatos ou representam coligações muito fracas, ou representam as velhas elites corruptas, afastadas do governo pelo PT há tantos anos.
     Portanto, devemos ter por lá mais quatro anos do mesmo feijão com arroz, sem os tão necessários projetos de reestruturação urbana que a cidade necessita.

Rio de Contas é 12


     Impressionante o crescimento da candidatura de Dr. Cristiano na histórica cidade de Rio de Contas, na Chapada Diamantina. No sábado, 25 de agosto, uma imensa carreata tomou conta da cidade. Nas casas só se vê o número 12.
     Gente de todas as tendências se uniu contra o despotismo do atual prefeito e seus assessores que só sabem perseguir e maltratar o povo. A cidade parece estar se aprontando para se levantar e dar um sonoro basta aos desmandos da velha classe política. 
     Como diz aquela antiga canção, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!
Rapidinhas

Eleições municipais no Brasil

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Perdas

     Há muitos anos atrás, 37 para ser mais exato, no dia 27 de agosto de 1975, nascia meu filho José.
     Ele viveu apenas três dias, pois seus pequeninos pulmões ainda não estavam completamente formados, já que ele veio ao mundo prematuramente, com apenas 6 meses e meio de gestação.
     Os três dias de vida de José, a quem eu e minha companheira chamávamos carinhosamente de Zezinho, foram passados dentro de uma incubadora, em um hospital público de Porto Alegre. Um casal jovem e sem recursos, em plena ditadura militar, pouco podia fazer para valer seus direitos. José morreu no dia 30 e só pude carregá-lo nos braços dentro do seu pequeno caixão, para o cemitério João XXIII, numa manhã de sol.
     Uma vida de apenas três dias que deixou um vazio impossível de preencher.
     Hoje, 37 anos depois, ainda sinto sua ausência e me recordo sempre dele nesta data, lamentando que, se fosse hoje, possivelmente ele poderia ser salvo pelos avanços da medicina.
     Neste dia sinto por todos os pais do mundo que já perderam filhos que, pequenos ou grandes, não importa a idade, deixam uma dor incurável nas nossas vidas.

Poesia da semana


Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mário Quintana
Ainda a África

     Minha resenhas anteriores sobre a África deixaram passar muita coisa, como não poderia deixar de ser, em se tratando de um continente tão vasto e complexo e de uma obra tão grande e rica como a de Alberto da Costa e Silva. Por isso resolvi pontuar alguns aspectos que achei interessante e passei por cima.

A sublime porta

     Na exploração da costa africana do índico, que os portugueses chamavam de contracosta, ao contrário da costa atlântica, eles se deparam com cidades construídas de pedra e cal, um intenso tráfego marítimo e um mercado muito desenvolvido entre a Índia, a África, a Indonésia, eo Golfo Pérsico. 
     A potência dominante nessa área, então, era o Império Otomano, dominado pelos turcos, contra o qual Portugal travou uma disputa intensa Ao par da exploração comercial os turcos também usavam sua influência para difundir a religião islâmica, bastante desenvolvida naquela área.
     Quando Costa e Silva se refere ao Império Otomano, ele usa a expressão A Sublime Porta. Pesquisando a razão disso encontrei a explicação: O Sultão Otomano, quando recebia os embaixadores estrangeiros em Istambul, tinha o hábito de fazê-lo nos jardins internos, junto ao portão do palácio imperial, que os turcos chamavam assim.
      Por isso o governo turco passou a ser conhecido na diplomacia como a Sublime Porta. O portão foi preservado, após a queda do império em 1922, e hoje é a entrada da Prefeitura da cidade de Istambul.

Os Iorubás

     Estima-se que mais de 11 milhões de africanos foram vítimas do tráfico de escravos, entre 1450 e 1900. Desses, calcula- se que cerca de 4 milhões vieram para o Brasil, tornando-se um componente importante da matriz etnica da atual população brasileira. Dentre os que para cá vieram, sobrevivendo aos horrores da captura e da travessia oceânica, muitas etnias africanas estavam representadas, principalmente as que habitavam a costa Atlântica da África, ou suas imediações.  
     Mas de todas os povos da África que foram trazidos, quando se fala de cultura africana no Brasil, sobressai logo a cultura dos chamados Iorubás, originários da atual Nigéria. 
    Mas quem eram eles?
   Na verdade, vários povos da região onde hoje fica a Nigéria, falavam o idioma iorubá. Portanto, iorubá não era um reino, mas um grupo étnico-linguístico, que abrangia vários povos e cuja região também é conhecida como Yorubo (veja no mapa acima). 
     Algumas de suas cidades-estado eram Oyó, Ijexá e Lagos, dentre outras.
     Todos seguiam um líder espiritual que habitava a cidade sagrada de Ifé, líder este que vivia recluso e que consagrava os reis da região, chamados de Obás. Ifé era considerada o umbigo do Mundo, o centro do universo. 
     Só no século XIX um estudo feito por um linguista inglês, passou a considerar o termo iorubá, como se referindo a uma nação.
     Sua língua, aqui no Brasil, passou a se chamar nagô e está muito presente nos rituais das religiões de matriz africana, principalmente o candomblé. Ela também é falada em Cuba e em regiões dos Estados Unidos
     Mas nem todos os iorubás que vieram para o Brasil praticavam a religião tradicional africana. Muitos eram muçulmanos, que aqui eram chamados de malês.
     A história dos africanos islâmicos no Brasil ainda está para ser contada. Muitos deles eram alfabetizados e lideraram as principais rebeliões de escravos na Bahia.
     Para quem se interessar, existem dicionários português-iorubá, desenvolvidos no Brasil. 
     Pesquisando sobre os iorubás na internet, achei muitas informações desencontradas. O site que me pareceu mais sério foi este abaixo: 
     http://civilizacoesafricanas.blogspot.com.br/2009/10/civilizacao-ioruba.html
   Noz-de-cola


     No livro de Alberto da Costa e Silva sobre a África (A Manilha e o Libambo), ele fala muito na noz-de-cola, como um dos produtos mais procurados pelos portugueses, na época dos descobrimentos, mas não explica o que é.
     Pesquisando sobre o assunto, descobri que a noz-de-cola é um fruto, em forma de noz, usado como estimulante e afrodisíaco pelos africanos. E mais, que ele é a matéria prima dos refrigerantes cola.
     Para conferir, fui ver a tampinha da garrafa de Coca-Cola (aquela tampinha de plástico de rosca) e está lá escrito: refrigerante à base de noz-de-cola, entre outros ingredientes. 
     Mas então os refrigerantes cola não são tão artificiais assim como sempre nos fizeram crer. Eles também usam uma matéria prima natural, baseada no fruto africano.
     Mais informaçãos à respeito no site abaixo:
     http://www.criasaude.com.br/N4397/fitoterapia/noz-de-cola.html
  
   

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


O Paiz
Pancadões

     A TV Record, fez, na semana passada, uma reportagem sobre os bailes funks conhecidos como pancadões na periferia de São Paulo.
     Destacou a origem desse tipo de música, nos Estados Unidos, sua chegada ao Rio de Janeiro e depois a São Paulo, ressaltando o aspecto de exaltação à violência e ao sexo fácil, que tem encontrado grande aceitação nos jovens dessas regiões.
     Mostrou também as políticas públicas do governo paulista para esses bairros: basicamente a repressão às festas, com sua dispersão forçada.
     Faltou analisar o porquê da adesão dos jovens a esse apelo de sexo e violência: a total falta de opções de lazer nesses bairros.
     Não se pode analisar uma política pública sem compreender o que está por trás dela. Neste caso o conservadorismo de uma classe dominante, que se revesa no poder há 20 anos na cidade, e que acha que os pobres tem de se conformar em ficar quietinhos nos seus bairros e não atrapalhar a festa da burguesia nos seus bairros nobres.
     Pois é exatamente disso que se trata. Os "pobres" não aceitam mais serem jogados em conjuntos habitacionais, que são verdadeiros guetos, e passarem o final de semana vendo televisão. Eles querem se divertir, querem participar da cultura, querem ver e serem vistos, querem cidadania.
     Como dizia aquela música do Gonzaguinha, feita há tantos atrás: A gente não quer só comida..."
     A dificuldade está na falta de compreensão do problema pelas elites conservadoras que governam a cidade e o Estado de São paulo, para a qual cada classe tem que ficar no seu lugar e se conformar com o que tem. Leia-se PSDB, o partido mais elitista que já surgiu na cena política brasileira.
     Muitas cidades do Brasil já enfrentaram problemas semelhantes, e conseguiram pelo menos reduzir a criminalidade com programas de esporte e lazer nos bairros. São conhecidas várias iniciativas no Rio de Janeiro e em Salvador, que dão alternativa aos jovens da periferia, para que eles consigam se expressar e dar sua contribuição à cultura da cidade. O pancadão é para agredir mesmo, para chocar, para dizer não adianta tentar nos calar porque nós estamos aqui e vamos nos manifestar.
     Ficar em casa vendo televisão, é ficar apenas recebendo uma cultura pronta e enlatada que as empresas de mídia nos fornecem. Se o cidadão ficar restrito aos canais abertos, como a maioria, terá que assistir, Faustão, Gugu, Silvio Santos e Fantástico, programas abaixo da crítica pela sua mediocridade, e que se repetem há décadas. Se possuir uma antena parabólica, ainda terá como alternativa de consumo cultural, as TVs públicas, cujo conteúdo também é bastante elitizado. Se tiver uma TV por assinatura, poderá ver filminhos americanos, que repetem sempre a mesma mensagem conformista, e que também estão cheios de violência e sexo (como os pancadões).
     Ninguém aguenta isso, ainda mais quando se repete por uma vida inteira.
     A solução é democratizar a sociedade, dando acesso a cultura, esporte e lazer a todos, não apenas como receptores e consumidores culturais, mas também como produtores dessa expressão.
     Mas como fazer essa mudança? Mudando a mentalidade dos governantes, o que significa em síntese, mudar os governantes.
     Mas será que os candidatos a Prefeitura de São Paulo estão se dando conta disso? Ou será que ficam apenas repetindo aquela velha lista de problemas (e não de soluções): educação, saúde, transporte...
     Será que os partidos que se dizem de esquerda estão atentos a essa realidade ou também fazem parte da mesma elite dirigente?
     Porque se não estiverem, não vai demorar muito até que os pancadões virem quebra-quebras, como ocorreu nos subúrbios parisienses e londrinos há algum tempo atrás.
     É muita energia represada, querendo se libertar. Muita energia criativa querendo participar. É preciso dar canais para que essa energia flua, porque senão ela vai arrebentar, explodir.
     

Rapidinhas
O Ideb e a educação no Brasil

     Os resultados do Ideb 2011, divulgados pelo MEC, provam o que todo mundo já sabe: que o sistema educacional brasileiro não funciona.
     As melhores escolas públicas continuam sendo as federais e as militares, enquanto as piores continuam sendo municipais.
     E não é por falta de financiamento, pois o governo federal aloca dinheiro até para reforma de prédios tanto nos sistemas estaduais quanto nos municipais. É por falta de interesse mesmo.
     A prova disto são as pequenas escolas de pequenos municípios que conseguiram ótimas pontuações. Escolas onde alguns (poucos) prefeitos interessados colocaram gente competente à frente das unidades de ensino, gente com criatividade suficiente para vencer o marasmo de professores e alunos desmotivados e transformar uma obrigação constitucional, em uma verdadeira prioridade.
     O erro está no sistema, que confunde descentralização com municipalização. Na esmagadora maioria dos municípios as escolas não gozam de autonomia nenhuma. São centralizados por prefeitos que fazem delas objeto de negociação política e temem que os alunos se conscientizem.
     Isso é muito antigo, vem desde a colônia portuguesa, continuando pelo império e entrando pela República. No meu livro Escola, Espaço e Discurso, consegui ter uma visão panorâmica sobre este assunto. A única política pública constante nos mais de 500 anos de história do Brasil tem sido a decisão inabalável das nossas elites, principalmente no interior, em vedar o acesso do povo à escola de qualidade.
     A solução para isso é federalizar todo o sistema, dando real autonomia às escolas e impedir que os prefeitos se imiscuam nos problemas educacionais dos municípios, que deveriam ser considerados como assunto de interesse nacional. Dizer que os indicadores estão melhorando lentamente é conversa fiada. O que precisamos é de melhorias rápidas, de uma revolução na educação.
     A lei de Diretrizes e bases já prevê esta solução, mas falta interesse em resolver o problema.
Viva Assange
     A histeria inglesa com a concessão de asilo diplomático, pelo governo do Equador, a Julian Assange, o australiano que criou o site Wikileaks, que divulgou informaçõs confidenciais dos Estados Unidos, mostrando ao mundo seus crimes de guerra, prova que o governo inglês continua sendo um cachorrinho (como dizem os ingleses) dos americanos.
     A alegação de que ele é um criminoso porque teria cometido um crime sexual na Suécia não convence ninguém. A acusação é a de que ele fez sexo não permitido com duas mulheres suecas.
     Não é estranho? Elas eram maiores e consentiram no ato sexual. Logo na Suécia, país conhecido pela liberdade sexual?´
     É claro que o governo conservador da Suécia vai extraditá-lo para os Estados Unidos onde Assange pode até ser condenado à morte.
     A ameaça dos ingleses de invadir a embaixada equatoriana para prender Assange, desrespeitando leis internacionais, prova que o assunto não está restrito a problemas sexuais, mas virou uma perseguição contra uma pessoa que escancarou verdades indigestas para os Estados Unidos e seus cúmplices, e que precisa ser calada a qualquer preço.


Noite

     Deixo para os leitores mais uma poesia de minha autoria, que achei nos meus alfarrábios, escrita numa noite silenciosa, em um sítio na Fazendola, distrito da maravilhosa e querida cidade de Rio de Contas.

Lume da Consciência
Vaga
Pela noite quieta
Enluarada
Nessa terra desabitada
Vaga lume
Ao som do riacho
À luz do lampião
E deixa o sentir
Brotar na alma
Deixe que aflorem
As coisas assustadoras
Que se escondem em si
Sepultadas por urgências
Cotidianas e urbanas
A consciência do mal
Da terrível descoberta
De que o mal existe
E está à nossa volta
E que é possível senti-lo
De que é preciso elevar-se
Para se libertar e aprender
E aprendendo ensinar
Que só a elevação é ensinamento
E aprendizado, ao mesmo tempo
De que há um tempo
Para nós na terra
E que é preciso realizar
O sentido da vida
Dentro desse tempo
De que o amor vale a pena
Mesmo que seja ingrato
E que não há derrota
Para quem ama
E se dedica
De que o lume
Da consciência
Se torna chama brilhante
Quando sintonizado
à imensa sensibilidade humana
Normalmente abafada
Natimorta
Ou simplesmente atrofiada
Pelas mesquinharias
E dificuldades deste mundo
Mas que cresce aos poucos
Se deixada flutuar
Como vagalume
Na imensa noite escura
E silenciosa.
Ricardo Stumpf / 2002


A Manilha e o Libambo IV
(final)
A contracosta, Madagascar e o Reino da Etiópia
     Na continuação da nossa viagem pela África, acompanhando o desbravamento do continente pelos portugueses, seguindo a narrativa de Alberto da Costa e Silva, vou inverter a ordem que ele segue no livro, quando passa para o oceano ìndico e começa a descrever a parte norte primeiro.
     Então continuaremos descendo para o sul e depois iremos subindo pela costa do índico, que os portugueses chamavam de contracosta.
Os Hotentotes


     Ao dobrar o Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África, em 1488, Bartolomeu Dias avistou uma baía amena, com gado pastando e seus pastores. Eram o povo Cói, ou Koenas ou Hotentotes.
     Esse povo tinha características distintas dos que vimos até agora. Embora se organizassem de forma semelhante aos demais povos africanos, com seus reis, suseranos e vassalos, e a já conhecida sucessão real patrilenear e matrilinear ao mesmo tempo, (reis que se casavam com várias mulheres de clãs diferentes, cujos filhos eram candidatos a sucessão real, onde cada mãe representava um clã, que assim se revezavam no poder), os hotentotes tinham uma grande diferença: não conheciam a escravidão.
     Seus reis, como os demais, seguiam a religião tradicional, na qual o rei tinha características divinas ou mágicas, que lhe permitiam entrar em contato com os antepassados e regular as chuvas, a fertilidade das mulheres e dos animais.
     Porém, ao contrário dos demais, os reis hotentotes não eram respeitados pela sua ferocidade e truculência, mas pela sua habilidade em conciliar interesses. As decisões nas aldeias eram tomadas em assembléias, onde todos podiam falar e discordar do rei e até criticá-lo. O rei não estava acima da lei e tinha que cumpri-la. Se um indivíduo se sentisse perseguido ou prejudicado, podia se mudar para outra aldeia, levando sua família e seus bois, que eram o símbolo da riqueza.
     O trato com o gado era muito afetuoso e eles aproveitavam o leite, usavam os bois como montaria e só matavam algum gado como complemento alimentar, procurando mantê-los inclusive como moeda de troca. Sua alimentação incluía carneiros, lobos marinhos, mel, mariscos, peixes, baleias e pinguins.
     O gado era treinado para obedecer a assovios e obedecia aos donos, reconhecendo-os.
     Os portugueses tiveram alguns choques com esse povo, talvez pela incapacidade de compreender como eles eram apegados a seus bois, que as naus que ali aportavam queriam comprar para alimentar os marinheiros. O mar violento e as tempestades constantes também devem ter sido causa para o desinteresse dos portugueses por aquele território, que só foi ocupado muito mais tarde pelos holandeses, que ali fundaram uma colônia de fazendeiros (bôers), que daria origem a atual República Sul Africana.

A contracosta

     Ao explorar a contracosta os portugueses deram com o canal de Moçambique e a ilha de Madagascar e se surpreenderam ao encontrar ali cidades de pedra e cal, com casas pintadas de branco, com vários andares e terraços, que lembravam as de Portugal e do Marrocos.
     Ao contrário dos povos da costa atlântica, para quem o oceano era o limite do mundo conhecido, os povos do índico já estavam habituados a comerciar com chineses, indianos, indonésios, persas e árabes, que para ali se deslocavam em grandes barcos.
     As principais cidades eram Sofala (na ilustração abaixo), Angoche, Moçambique, Quíloa,  (na ilustração à direita), Mafia, Zanzibar, Pemba, Mombaça, Gedi, Melinde, Manda, Lamu, Pate, Faza, Brava, Merca e Mogadixo, que integravam a grande rede comercial do índico, comandada pelos muçulmanos.
     Apesar de ficarem admirados com as cidades, os portugueses se lançaram contra elas como verdadeiros bárbaros, pilhando, saqueando e destruindo tudo que encontraram pela frente.
     Essas cidades da região costeira, também conhecida como Azânia, eram habitadas por povos conhecidos como suaílis, (ou swaílis), e competiam entre si pelo controle do comércio com o Iemen, o Egito, o golfo pérsico, as ilhas Maldivas, Comores, o golfo de Cambaia, na costa ocidental da ìndia, para os quais forneciam madeira, carne, tecidos de algodão, instrumentos de ferro, marfim, ouro, e outras mercadorias, além de escravos, provenientes dos sertões africanos, trazidos por uma rede de comerciantes locais, quase todos muçulmanos, que os portugueses chamavam de mussambazes.
     Os barcos que vinham do oriente, não se arriscavam a descer ao extremo sul do continente, devido ao regime de monções, que condicionava os ventos a uma determinada época do ano. Se fossem muito para o sul perderiam a época certa de retornar e teriam que esperar até o ano seguinte. Por isto os hotentotes permaneceram isolados no que hoje é a África do Sul, até a chegada dos portugueses, que buscavam o caminho para a Índia.
     Portugal, e as nações européias que vieram em seu encalço (Holanda, França e Inglaterra), tentaram controlar esse rico mercado, fundando feitorias, tomando cidades e praticando a velha política de explorar as rivalidades locais, apoiando reis que precisassem de apoio militar para combater outros, e assim se imiscuindo nos assuntos deles, tentando submetê-los aos seus interesses.
     Nem sempre conseguiram, mas deixaram muitas fortalezas construídas no litoral africano do oceano índico, como o Forte de Jesus, (foto à direita) em Mombaça, na costa do que hoje é o Quênia.
Madagascar
     A grande ilha ao largo da contracosta era habitada por muitos povos, alguns de origem indonésia e outros provenientes do continente africano. No norte e noroeste da ilha havia cidades muçulmanas, como Nosy Langany, Nosy Manja, Mahilaka, Nosy Mamoko, Sada, Nosy Boina ou Iharana na costa nordeste. Todas eram cidades-estado que faziam parte da grande rede comercial do índico e mantinham ligações com as ilhas Comores, ao norte, com as cidades Suaílis, do continente, com o golfo Pérsico, a península Arábica, a Índia e a Indonésia.
     No planalto interior do sul da ilha, predominavam povos dedicados ao pastoreio, como os Baras, e os Maroseranas. No sudeste viviam, entre outros, os Antemoros, que escreviam na língua malgaxe, porém com caracteres árabes.
     Os povos da ilha, assim como os de Comores, conheciam e praticavam a escravidão, entre si e traficavam com os mouros e europeus.
     Os franceses e holandeses construíram feitorias no sul, para abastecer os barcos que vinham da Europa e precisavam de descanso, para prosseguir rumo à Índia, mas depois da descoberta das ilhas hoje conhecidas como Maurício e Reunião, até então desabitadas, passaram a preferi-las como ponto de parada, abandonando Madasgacar.
     Muitos piratas usavam a grande ilha como refúgio, devido ao seu litoral recortado e cheio de pequenas baías e enseadas.
Os sertões
     Muitos povos viviam nos sertões, cujos rios desembocavam na contracosta, especialmente os rios Zambeze, Save, Limpopo e outros. Os reinos tinham estrutura semelhante, baseada na suserania e na sucessão patrilenear e matrilinear, baseada em clãs, como já vimos, enquanto a religião cumpria papel importante, já que ao soberano eram conferidos poderes mágicos para se comunicar com seus antepassados e influenciar na fertilidade das terras, dos animais, das mulheres e no regime de chuvas.  Um dos maiores reinos da região foi o Monotapa, (no mapa à esquerda)responsável pela construção dos zimbabués, (nas fotos à direita) ou fortificações de pedra, com muralhas muito altas, de forma circular, que deram nome ao atual Zimbabwe. Os reinos de Barue, Manica, Quiteve, Quissanga e Butua, eram tributários do rei Monotapa. Havia também os Lundus, o reino Tonga, os Tsongas e os Vendas. Esses reinos viviam em guerra, suas fronteiras mudavam constantemente e todos praticavam a escravidão, como sistema econômico e participavam do tráfico.
     Na região dos grandes lagos, especialmente o grande lago Vitória (ao centro da foto de satélite à esquerda), o lago Alberto (acima á esquerda), o lago Tanganika (o comprido, abaixo à esquerda) e o lago Malaui (que não aparece na foto, mais ao sul), povos cuxitas, sudânicos, nilóticos e bantos, formavam vários pequenos reinos. A noroeste, logo ao sul do Nilo Vitória (o Rio Nilo se forma no lago Vitória e inicia seu percurso com este nome) ficava Bugungu. A nordeste, Buruli. A leste, Bugerere. A sudeste, na beira do lago Vitória, Buganda e logo adiante Busoga, que se compunha de vários micro-estados: Bukoli, Bulamogi, Bukono, Bugabula e Bugueri. Ao sul Buddu e Bwera. A sudoeste, Kitakwenda e Kiala.Todos eles eram tributários do reino do Bunioro, cujo rei tinha o título de Omukama.
     Observem no mapa à direita que atualmente Uganda, Quênia e Tanzânia dividem o grande lago Vitória, enquanto Tanzânia e Congo (antigo Zaire), dividem o lago Tanganika e o Malawi e Moçambique o Lago Malaui. Observem também os nomes: Rwanda, que hoje é um pequeno país, a esquerda da Tanzânia no mapa, já era um reino naquela época. Também a coincidência de nomes entre a atual Uganda e o antigo reino de Buganda, situados no mesmo lugar, mostra que estão relacionados.
Etiópia


    Mais ao norte, no chamado Chifre da África, estava o reino da Etiópia, uma das civilizações mais antigas do mundo. Os gregos já se referiam à Etiópia, no século IV A.C. Conta a tradição oral, que o país teria se originado do antigo reino de Sabá (da lendária Rainha de Sabá), que já abrangia o chifre da África e parte da península Arábica. Os etíopes são oficialmente cristãos desde o século IV, sempre resistiram às investidas muçulmanas, na suas tentativas de expansão e são o único país da África que não se tornou cristão por influência européia. Sua religião está ligada à igreja Coopta, que reconhece como líder espiritual o Papa de Alexandria, no Egito, embora exista um papa Coopta etíope também.
       Seus primeiros contatos com os europeus datam do século XV, com os portugueses. Estes por várias vezes socorreram militarmente o Negus, título do sobreano etíope, que significava rei dos reis, contra as tentativas expansionistas islâmicas. Inclusive o filho de Vasco da Gama, Estevão da Gama, foi morto numa batalha contra os turcos, quando combatia ao lado dos etíopes.Porém a cooperação não frutificou, devido à falta de interesse dos portugueses, sempre em busca de riqueza fácil.
     Os etíopes também conhecim a escravidão e a praticavam corriqueiramente, tanto no interior do seu país, quanto comprando e vendendo escravos nos mercados do Mar Vermelho.
     O país está situado, na sua maior parte sobre um planalto úmido e fértil, e tem apenas um pequeno pedaço desértico (o deserto de Ogaden). No planalto estão algumas das maiores montanhas do continente africano (acima á esquerda), algumas com mais de 4.000 metros de altitude.
     Lá se encontram as famosas igrejas escavadas na pedra, (na foto a igreja de São Jorge em Lalibela, acima à direita)
    
Conclusão
  
     Como se pode ver pela detalhada obra de Alberto da Costa e Silva, da qual procurei fazer uma resenha em quatro partes, a escravidão não vitimou apenas os africanos, mas era uma prática generalizada no mundo antigo, até o século XV, quando ele começa sua narrativa.
     Os próprios africanos a utilizavam largamente, inclusive os hauçás e Iorubás, nações a que pertenciam muitos escravos que vieram para o Brasil.
     Tampouco eram selvagens, como querem descrever os colonialistas para justificar a posterior partilha da África pelos europeus, mas senhores de muitos reinos, em estágios civilizatório diferentes.
     Haviam reinos muito antigos e civilizados, outros mais primitivos e ainda povos desenraizados que se comportavam como hostes militarizadas. Todos, no entanto, conheciam a fundição dos metais, ferro, cobre, ouro e até o aço, a indústria textil, que fabricava panos de qualidade e a agricultura.
     A colonização européia veio interagir com essas civilizações, ajudando a desestruturar algumas e a desenvolver outras, mas não logrou destruir a cultura africana, que continua viva.
Máscara Iorubá

domingo, 12 de agosto de 2012


O Paiz

     O encerramento das olimpíadas de Londres, teve mais do mesmo: muita pirotecnia e a promoção dos "valores" britânicos. É claro que eles aproveitaram para promover seus produtos, ou que eles ainda tem que possa interessar ao mundo, como a música pop, os automóveis Rolls Royce e até manequins e costureiros que exportam moda.
     O show interminável de música no final, serviu para mostrar a decadência do rock britânico, que começou com uma belíssima apresentação de Imagine, de John Lenon, que o mundo inteiro conhece e que nos enviou uma mensagem inesquecível de paz. O que ele diria hoje do papel dos britânicos no Iraque e nas Malvinas?
     A continuação mostrou como a música que começou contestadora foi se tornando comercial e os ídolos rebeldes foram sendo substituídos por astros bem-sucedidos, que faturam milhões e não tem mais nada a nos dizer.
     A maioria deles são ilustres desconhecidos para os brasileiros.
     A pequena apresentação do Brasil não fugiu muito dos clichês, mas teve alguns méritos. Não mostrou mulheres semi-nuas, o que sempre desvaloriza a mulher brasileira. A dança dos índios com cocares iluminados foi mesmo especial, mas a passagem de Marisa Monte, caracterizada como uma Iemanjá flutuando sobre as águas, cantando a Bachiana n. 5 de Villa-lobos, (à esquerda) foi realmente fantástica.
     Um bom começo para as olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.
     Nossos resultados não foram tão ruins. Chegamos ao recorde de 17 medalhas, mas falhamos nas finalizações, o que nos fez conseguir poucas medalhas de ouro e comprometer nossa classificação, comprovando o que eu comentei na semana passada, que não temos segurança psicológica para enfrentar as finais.
     A excessão, para confirmar a regra, foram as maravilhosas garotas do volei. Parabéns, meninas, vocês deram uma lição de garra e vontade a todos os atletas brasileiros. Que seu exemplo frutifique.

Rapidinhas
Show de humor
     O desfile dos advogados de defesa dos réus do mensalão está se tornando realmente um espetáculo de humor. Não, sei, nunca ouvi falar, não tenho a menor idéia, isso tudo é invenção...
     Coitadinhos tão inocentes!
     Tem um que se chama Jacinto Lamas.
     Ô dó! Quem foi esta mãe cruel que previu o destino deste pobre?
     Espero que ele consiga provar sua inocência para fugir ao destino prenunciado pelo seu nome.
     E ainda falaram mal do Tiririca quando ele se candidatou.
     Quem disse que humorista não serve pra ser político?
Dia dos pais
     Vou pedir licença ao meu amigo Altemar, do blog Notícias de Rio de Contas, para reproduzir esta maravilhosa charge sobre este dia, e a campanha para que os filhos comprem presentes para seus pais. As imagens dispensam explicações.

Umbuzeiro

     Em 2001 trabalhei por seis meses na cidade de Itaberaba, em pleno semi-árido baiano.
     Lá pude conviver e entender um pouco mais o que é esse bioma fantástico, chamado caatinga, e tão estigmatizado pela sua agressividade ao homem.
     Uma verdadeira farmácia, cheia de ervas medicinais importantíssimas, que se fossem pesquisadas talvez nos trouxessem a cura de muitos males que afligem os seres humanos.
     Dentre toda aquela vegetação tão diferente, uma árvore sobressai pelas suas qualidades de dar água (que armazena em bulbos nas suas raízes), frutos (o delicioso umbú) e sombra, em meio à paisagem mais seca do sertão.
     Mexendo nos meus arquivos, achei esta poesia que fiz naquela época em homenagem ao umbuzeiro, à caatinga brasileira e à cidade de Itaberaba.
    

Umbuzeiro
Que dá sombra
E fruta fresca
No meio da caatinga.
Você, como o Umbu-Cajá
E o Cajá-Manga
Oásis e remansos
Do agreste brasileiro.
Me explique, como pode
Uma natureza
Tão agressiva
Frutificar tão protetoramente?
Que gente é essa
Que mora aqui
De onde vieram...
Há quanto tempo vieram?
Terão eles adquirido
Esse contraditório da natureza
Agressivos e espinhentos
Mas capazes dos frutos mais doces?
Suas lágrimas
Serão como seus rios
Intermitentes
E salgados?

Seus corações
Lagoas
Que se enchem e secam
Com a mesma facilidade veloz?
Quem são seus ancestrais?
Aborígenes
Que deixaram pinturas nas pedras
Por toda parte!
Quem são eles
Quem sou eu
No meio deles
No meio dessa aridez?
Dá-me tua sombra generosa
Pé de umbu
Para que eu também me refaça
Sob tua espinhenta proteção.
Deixe-me entender
Tua mensagem agridoce
De equilíbrio e resistência
De elo com o mistério dos antepassados.
Ensina-me essa magia
Da fartura e da fertilidade
No meio das pedras
E do sal

Ricardo Stumpf Alves de Souza - 2001


A Manilha e o Libambo III

O Reino do Congo
Jinga, a Rainha de Angola
     Em 1482, o rei de portugal, D. João II, enviou, em segredo, o navegador Diogo Cão ou Caão (abaixo à direita) para explorar a costa africana, ao sul do golfo da Guiné (então chamado Golfo de Benin), onde os portugueses estavam erguendo o forte de São Jorge da Mina, e tentar descobrir a passagem para o oceano índico e o caminho para a Índia das especiarias.
     Diogo Cão fez duas viagens. Na primeira, em 1483, aportou na foz do Rio Congo, onde foi acolhido pelo mani, ou senhor de Sônio, a província noroeste do antigo Reino do Congo.
     Este rio, que é o maior da África central, nasce no Lago Tanganika, corre para o norte e depois se curva para sudoeste, até chegar ao oceano atlântico.
     Os nativos da etnia bakongo, que viviam na embocadura do rio, o denominavam Nzere, que na sua língua significa o rio que engole os outros rios. Diogo Cão, deformou seu nome para Zaire.
     Diogo Cão ainda desceu a costa africana até a Namíbia, chegando ao litoral do deserto do Kalahari no ponto hoje conhecido como Cape Cross (na foto de satélite abaixo, à direita) e depois retornou, deixando marcos de pedra com inscrições, que ele chamou de padrões.
     Na foto à esquerda o padrão de Diogo Cão no cabo Cross, na atual Namíbia.
     Diogo Cão achou que o Cabo Cross era a extremidade sul do continente africano e por isso retornou à foz do Rio Zaire.
     O navegador, com a concordância do Mani, enviou presentes para o Rei do Congo, que vivia no interior, na cidade de Banza Congo, (ou M'Banza Congo) que naquela época já tinha cerca de 60.000 habitantes, junto com uma embaixada de portugueses (localização de Banza Congo na foto de satélite abaixo). Como seus enviados demorassem a voltar, ele retornou a Portugal levando alguns nativos, que tomou como reféns, prometendo trazê-los de volta dentro de 15 luas.
     Cumpriu o prometido, e em 1485 "...estava de volta, com os reféns em boa saúde, vestidos à européia e falando português. Diogo cão mandou um deles ao Manicongo, com ricos presentes, a mensagem de amizade do rei de Portugal e a proposta de troca dos portugueses que haviam ficado em Banza Congo pelos congueses que levara consigo."
     O Manicongo ficou muito impressionado com os relatos dos que haviam sido levados a Europa e resolveu aceitar a oferta de D. João II para uma aliança, inclusive militar, aceitando o batismo na fé católica. Para o rei de Portugal, seu sonho de encontrar um rei africano que se cristianizasse e se tornasse seu aliado, evitando a concorrência de árabes, espanhóis e holandeses, parecia finalmente se concretizar.
     O rei do Congo, Nzinga a Nkuwa, se tornou D. João I, procurando europeizar seu país segundo o modelo português e seu filho primogênito, Mbemba Nzinga, que o sucedeu (com a ajuda militar portuguesa) derrotando seu irmão Mpanzu a Kitima (que contava com a preferência dos clãs matrilineares que tradicionalmente elegiam o novo rei), se tornaria D. Afonso, um rei muito católico e estudioso das escrituras.
     Mas a tentativa de europeização do Congo não avançou muito, devido ao próprio desinteresse dos portugueses, para quem servir no reino do Congo era quase uma condenação à morte, devido às doenças que os abatiam facilmente. Depois da descoberta do caminho para as Índias, a importância do Congo diminuiu e os portugueses passaram a ver ali, apenas a oportunidade de obter escravos, com os quais tentavam enriquecer rapidamente e voltar à Europa, prática comum inclusive entre os padres enviados para a conversão dos africanos.
     Os mercadores de escravos de São Tomé, começaram a se opor aos esforços da coroa para desenvolver uma colônia no Congo, retendo os padres enviados para lá e muitas vezes escravizando jovens congueses enviados a Lisboa para estudar e que passavam pela ilha.
     O tráfico desenfreado de escravos fez com que o Manicongo tentasse regulá-lo, para impedir que congueses fossem escravizados (apenas os estrangeiros capturados em guerra podiam ser vendidos). Essa medida deslocou o comércio de seres humanos para o lago Malebo (à esquerda, na foto de satélite), muito acima da foz do rio, área de fronteira e constantes guerras entre os congos e os angicos, conflito que produzia uma grande quantidade de cativos.
     A procura por escravos fez com que as guerras se intensificassem e os pumbos, (mercados de escravos), se multiplicassem em volta do lago, sob controle do rei do estado Makoko, da etnia tio, que mandava prear em razzias no centro da África, ambundos, angicos, bobangis, sucus, ianzis, bomas, teges, e cotas. O Manicongo, continuou a lucrar com o tráfico, que pagava tributo para passar por seu território e ainda vendia produtos agrícolas para alimentar os cativos que aguardavam para serem embarcados no litoral atlântico.
     Mais ao sul, a costa era povoada pelos congos até a ilha de Luanda. Porém mais para o interior do continente, na embocadura dos rios Lucala e Kwanza, havia um outro reino, tributário do Manicongo, o reino de Dongo ou Andongo, cujo rei se intitulava ngola a kiluanje, a quem os portugueses chamaram o Angola.
     Esse reino se desenvolvia no planalto que existe à partir da embocadura de dois grandes rios, o Kwanza que deságua ao sul de Luanda e seu principal afluente, o Lucala.

A Invasão dos Jagas
    
     O Angola a Kiluanje era tributário do Manicongo, mas frequentemente negociava diretamente com os mercadores de São Tomé, fornecendo escravos, marfim e tecidos. Essa situação levou a uma guerra entre os dois estados, com a vitória do Angola, que consolidou sua independência, com apoio dos jesuítas que mercadejavam escravos e queriam romper o monopólio do manicongo sobre este comércio.
     Esta situação enfraqueceu o poder do Manicongo, que se viu ás voltas com revoltas internas, estimuladas por intrigas estimuladas pelos portugueses que habitavam o reino, que se aliaram aos pumbeiros do lago Malebo, que também não se conformavam com o controle sobre o tráfico de escravos exercido pelo rei conguês.
     Quando o Manicongo conseguiu controlar a situação viu-se invadido por uma verdadeira horda de bárbaros, os Jagas, que entraram no reino destruindo e matando, abrindo caminho para o oceano atlântico.
     Segundo Costa e Silva, esta onda de violência que desceu sobre o reino Congo foi resultado de uma seca terrível que assolava a região central da África e também do desespero causado nas pequenas comunidades agrícolas pelo crescimento das razzias para captura de escravos, realizadas pelo rei Makoko e os mercadores do lago Malebo.
     Não tendo como sobreviver e cada vez mais à mercê dos traficantes de escravos, os povos da África central começaram a abandonar as estruturas tradicionais de poder dos seus clãs matrileneares e passaram a se reunir em hordas de guerreiros móveis, onde os reis eram escolhidos entre os mais fortes. De vítimas das razzias, passaram a capturar gente, inclusive entre os makokos, para vender aos traficantes. Depois, percebendo que o grosso dos lucros ficava com os mercadores, quiseram abrir eles mesmos o caminho para o mar, para comerciar com os portugueses.
     Contam as lendas que os jagas (ilustração à esquerda) eram antropófagos e matavam seus próprios filhos, para que estes não atrasassem sua marcha, enquanto adotavam os pequenos rapazotes dos povos que iam conquistando pelo caminho, e que iam sendo treinados na disciplina militar. Mas Costa e Silva diz que essas lendas eram propagadas pelos europeus, intimidados por essa nova forma de organização social guerreira, tão distinta das tradicionais sociedades africanas que eles se habituaram a dominar.     O Manicongo, derrotado pelos jagas, refugiou-se numa ilha do Rio Zaire e pediu ajuda aos portugueses, que enviaram 600 homens sob o comando de Francisco de Gouveia, que após 5 anos fez os jagas recuarem para sua região de origem.
     No meio dessa guerra, muitos europeus ficaram no Congo e se misturaram com mulheres locais, criando uma população mestiça que passou a ameaçar o poder do Rei. Tudo isso foi minando as estruturas políticas tradicionais do reino, que ficou cada vez mais à mercê dos europeus e dos seus interesses, alimentados principalmente pelo tráfico de escravos. A sociedade conguesa foi se tornando fortemente escravista. "O Congo passara a girar em torno da escravidão".
     A guerra de Conquista
     Insistentes boatos sobre a existência de minas de prata em território Dongo, fizeram o rei de Portugal, D. Sebastião, se decidir pela conquista do território, abandonando a política de fundar feitorias no litoral e passando à tentativa de fundar uma colônia que avançasse para o interior.
     Para isso criou em 1571, a Capitania e Governança de Angola, no mesmo feitio das capitanias hereditárias do Brasil, cujo primeiro donatário foi Paulo Dias de Novais.
     "Deu-lhe D. Sebastião o que não era dele. Transferiu-lhe o governo e a posse de terras que não pertenciam a Portugal, mas a reis africanos".
     De início o Angola observou à distância o desembarque dos portugueses, já que as terras do litoral pertenciam ao Manicongo. Quando perceberam que os portugueses vinham para ficar, os próprios congueses começaram a lhes dar combate, em 1575, através do seu líder regional conhecido como kassanje
     Mas logo que os portugueses começaram a subir o rio Kwanza, o Angola entrou na guerra dando-lhes combate, já no ano de 1579. Os portugueses responderam com uma violência cruel, decapitando os chefes que faziam prisioneiros e incendiando as cabanas das aldeias com famílias inteiras dentro.  
     Os dongos respondiam com uma tática de guerrilhas, que fustigava os portugueses, com avanços e recuos, levando estes construir um forte na embocadura dos rios Kwanza e Lucala, o forte de Massangano (na foto acima à direita as ruínas do forte atualmente e à esquerda, o rio Kwanza e a igreja de Muxima, vistos do forte, em foto de 1961), onde se entricheiraram e onde morreu e foi enterrado o donatário da capitania, Paulo Dias de Novais, em 1589.
     O objetivo principal dos portugueses era chegar a Cambambe, onde supunham estar as minas de prata, o que só conseguiram em 1603, comandados por um tal Manuel Cerveira Pereira, que tratou de fazer um armistício com o Angola, enquanto verificava que as minas só continham chumbo.
      Muitos haviam morrido por uma quimera.
     Logo os portugueses, que na época estavam dominados pela Espanha, se desinteressaram da conquista e voltaram a mercadejar com escravos. a cidade fundada pelos portugueses, São Paulo de Luanda se transformou num grande entreposto de escravos. Entre 1575 e 1591 contaram-se 52.053 cabeças embarcadas.

     Os Imbamgalas

     As sociedades africanas, tradicionalmente, se organizavam em torno do poder matrilenear e da suserania. Assim um rei, casava-se com várias esposas, cada uma de um clã diferente, e depois da sua morte os chefes dos clãs se reuniam para decidir qual filho do rei morto assumiria o trono, promovendo uma rotatividade do poder entre os clãs.
     Os chefes dos clãs eram vassalos do rei, mas o sucessor real era escolhido por eles, dentre os filhos do rei, num esquema de rotatividade que garantisse a participação de todos os clãs no poder.
     Sociedades guerreiras, como a dos jagas, por exemplo, eram excessões. Nelas, o poder não era hereditário, nem a identidade do grupo era étnica, mas sim ritual. Era através da submissão a um rito que um indivíduo passava a pertencer à sociedade, mesmo que viesse de outro povo.
     Geralmente essa quebra da tradição, transformando uma sociedade tradicional numa sociedade guerreira, se dava quando um grupo entrava em decadência, por questões econômicas-ambientais (uma grande seca por exemplo) ou por pressão de guerras que desestruturavam os micro-estados, levando a migrações forçadas.
     Parece ter sido esta a origem dos imbangalas, que se transformaram numa sociedade guerreira, móvel. Eles vieram do leste e eram comandados por um líder do povo lunda, a quem chamavam de quingúri, originários do centro da África. Na sua marcha para o oeste, os imbangalas encontraram o reino do Libolo, ao sul do rio Kwanza, cuja organização era extremamente centralizada e disciplinada em torno de um exército em constante prontidão, que tinha o nome de quilombo.
     Nesse reino, embora sedentarizado, as estruturas matrilineares tinham se dissolvido e os ritos iniciáticos se davam em torno de uma terrível cerimônia, conhecida como maji a samba, que consistia no preparo de um unguento, à partir de gordura humana, feita com crianças mortas, misturada com ervas, que ao ser passada sobre o corpo dos guerreiros, os tornaria invulneráveis às armas dos inimigos.
     Os imbangalas adotaram o rito do maji a samba, a estrutura militar do quilombo, e se fragmentaram em vários grupos, nos quais bastava um guerreiro se desligar de uma comunidade e se besuntar com o unguento mágico para se proclamar um senhor da guerra ou rei imbangala. Um de seus ritos de iniciação, consistia em arrancar os dentes caninos dos rapazotes, o que fez com que os portugueses, mais tarde, passassem a chamar quem não tinha os dentes da frente de bangalas ou banguelas.        O Angola, deu combate a esses grupos, que acabaram se refugiando no litoral, onde entraram em contato com os portugueses, na foz do rio Cuvo.  Os imbangalas, ao verem as caravelas lusitanas, pediram ajuda para atravessarem o rio, em troca se ofereceram para prear escravos. À partir daí começou uma longa cooperação entre portugueses e os grupos imbangalas, que eram temidos pelos andongos, que os tinham na conta de antropófagos. Os portugueses inicialmente os confundiram com os jagas, que assolaram o reino do Congo e por isto às vezes os chamavam assim.
     Alguns historiadores dizem que o nosso Zumbi dos Palmares seria descendente dos imbangalas (sobre isto ver o link http://omenelicksegundoato.blogspot.com.br/2011/10/zumbi.html).
     O novo governador designado para Luanda, em 1611, Bento Banha Cardoso, se aproveitou dessa colaboração para fazer uma aliança militar com Kulashingo, um líder imbangala e romper o cerco em que viviam os portugueses, nos seus fortes e teve algumas vitórias militares importantes.
     Em 1617, um novo governador Luis Mendes de Vasconcelos, chegou e resolveu tentar novamente fazer a guerra aos andongos,  porém Kulashingo havia desertado, rumando para o sertão, onde se estabeleceu como um novo rei, entre os rios Lui e Cuango. 
     Nessa época, um novo Angola havia assumido, o rei Mbandi. As tropas portuguesas, sem o apoio do principal chefe imbangala, mais uma vez conseguiam avanços temporários, mas depois eram obrigadas a recuar. O Angola mantinha sua tática de se retirar para depois voltar a atacar, fustigando as forças portuguesas.

Jinga, a rainha guerreira

     Em 1621 Portugal enviou um novo governador, Luis Correia de Sousa, que apressou-se a fazer a paz com o Angola. Para negociar a paz, o rei andongo mandou a Luanda sua irmã, Jinga, que muito altameira, avisou os portugueses que estava ali para negociar de igual para igual, fazendo uma séire de exigências para interromper a guerra.
     Dois anos depois, com a morte de seu irmão, ela assumiu o trono do reino Andongo, sendo a primeira mulher a se tornar Angola. Para ser respeitada entre os clãs andongos, ela não aceitava o título de rainha e resolver se tornar socialmente homem, se fazendo chamar de rei, lutando como um soldado à frente de seu exército e mantendo um harém de homens vestidos de mulher.
     Como as negociações com os portugueses não avançassem, Jinga se casou com um chefe imbangala, chamado Kaza, assumindo a importante função que os imbangalas reservavam às mulheres, de ministrar o unguento mágico maji a samba aos seus guerreiros.
    A partir daí Jinga se libertou da estrutura matrilenear dos clãs que comandavam seu reino e imbangalizou seu exército, tanto no recrutramento quanto nas técnicas de combate, declarou guerra aos portugueses e mandou avisar a todos os africanos residentes em Luanda que lhes oferecia proteção e asilo, se eles abandonassem os portugueses.
     De uma hora para outra Luanda se esvaziou de escravos e africanos livres e os portugueses se viram privados de sua mão de obra e de soldados para seus exércitos.
     Como reação os portugueses se voltaram para os velhos clãs andongos, que não aceitavam as transformações promovidas por Jinga e nomeoaram um novo Angola, títere, chamado Ari Quiluanje, que se proclamou vassalo do rei de Portugal.
     Jinga atacou a todos e "...derramou a guerra por toda parte".
     Dois acontecimentos vieram a ajudá-la: uma epidemia de varíola, que matou o angola dos portugueses e boatos sobre uma possível invasão holandesa, que desviaram os esforços lusitanos. Com a morte de Ari Quiluanje, os portugueses entronizaram outro angola e o batizaram com o nome de Filipe.
     Com o apoio dos súditos de Filipe, os portugueses prosseguiram na guerra, tendo uma vez encurralado as forças de Jinga junto ao penhasco da Quina Grande dos Ganguelas. Ela, porém, surpreendeu-os fazendo seus homens descerem o precipício em cipós para o vale dos rios Lui e Cuango.
     Jinga aumentou seu poder conquistando o reino vizinho de Matamba, tradicionalmente governado por uma mulher. Depois passou a guerrear aquele imbangala Kulashingo, isolando-o dos portugueses e conquistando o acesso ao mar, onde passou a adquirir armas dos navios holandeses e a controlar o tráfico de escravos dos pumbeiros.Depois de mais de 15 anos, os portugueses finalmente reconheceram que a guerra não valia a pena e que teria sido melhor negociar com Jinga. "O próprio governo de Lisboa admitiria o erro e recomendaria, em outubro e novembro de 1641, que fosse corrigido, devolvendo-se à rainha Jinga o reino do Dongo, que dela havia sido "injustamente retirado". Era tarde. Em agosto daquele ano, Luanda já tinha sido tomada pelos holandeses".
Maiores informações sobre esta fantástica personagem da história da África podem ser obtidos no site http://www.leyaonline.com/catalogo/detalhes_produto.php?id=204, através do livro intitulado Ginga, Rainha de Angola, de Manuel Ricardo Miranda, 2007, Editora Oficina do Livro, Lisboa.