Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

quarta-feira, 21 de abril de 2010



Histórias de outras vidas (7)

FRANK

     Corria o ano de 1994, eu havia voltado de Manaus para Brasília e conseguido entrar na Universidade de Brasília como professor temporário, para dar aulas na Faculdade de Arquitetura.
     Como até 1990 eu tinha participado ativamente da militância política que me levou ao PT e depois ao velho PCB, e já tinha sido muito perseguido por isto, eu tinha por hábito esconder minhas idéias, até que soubesse com quem estava lidando.
     A direita brasileira identifica logo a gente. Já fazia quase dez anos que a ditadura tinha acabado, mas a esquerda ainda era muito marcada, pois na transição eles haviam mantido o controle da Constituinte e estavam levando o Brasil para o neoliberalismo, uma ditadura econômica dentro da democracia formal, onde qualquer tentativa de governar para os interesses da maioria era rotulada de populismo.
     Percebi logo que o ambiente era dominado pela direita. Imagine que dentro da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília era proibido elogiar Oscar Niemeyer, o gênio criador das mais importantes obras da cidade. Claro que o motivo era sua militância no Partido Comunista, o meu partido.
     Preocupado em manter meu emprego, procurava me manter afastado de polêmicas. Mas eu tinha um amigo lá dentro, Cláudio, que também era simpatizante do Partido. Ele trabalhara com Niemeyer na Argélia e não se intimidava com a campanha raivosa de direitistas remanescentes da ditadura e defendia abertamente a obra e as idéias de Oscar Niemeyer.
     Claro que ele comentou com alguns colegas sobre minha militância, porque logo fui identificado e colocado no rol dos inimigos daquela gentinha miúda, que havia entrado ali no tempo de Azevedo, o reitor militar que dominou a universidade durante muitos anos, com a missão explícita de impedi-la de produzir idéias.
     Começaram logo a implicar comigo, ao ponto de um colega de disciplina chegar a dividir a turma (a metade dele e a minha metade), numa tentativa explícita de me desprestigiar ante os alunos. Percebi a dificuldade que teria em me manter ali, mas fui contornando como pude.
     Um dia recebi um recado que o diretor da Faculdade queria falar comigo. Era um velho professor de nome Frank. Andava meio curvado e tinha uma fala arrastada, lenta. Pensei comigo: pronto, chegou a hora de ir embora.
     Na hora marcada fui ao encontro dele, no seu grande gabinete do andar térreo da faculdade, que fazia parte, do imenso edifício onde se localizavam inúmeras outras faculdades. O prédio projetado por Niemeyer, é um grande arco de 750 metros de extensão e três andares, mais um subsolo, com o pomposo nome de Instituto Central de Ciências, mas carinhosamente chamado pela comunidade acadêmica de minhocão.
     Entrei na sala e fiquei frente a frente com o Professor Frank. Ele me mandou sentar a frente de sua grande mesa e me olhou com ar cansado. Pediu a sua secretária que saísse e fechasse a porta, porque iria ter uma conversa particular. Esperei pelo pior.
     Ele me disse então que havia sabido que eu pertencia ao Partido Comunista e perguntou se era verdade. Pensei então que era hora de levantar as bandeiras e ir à luta. Já havia sido identificado mesmo e o melhor era cair de pé. Confirmei e contei um pouco da minha participação política, justificando minhas atitudes com denúncias sobre as injustiças sociais e todo o meu inconformismo com a submissão do Brasil aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. Enfim, assumi o discurso comunista e me declarei militante, para o que desse e viesse.
     Ele, que me escutara calado, se virou para mim e disse com sua voz cansada.
     _Até que enfim tenho com quem conversar!

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf