Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 14 de outubro de 2012

O Paiz
 
 
Mensalões
 
 
     O julgamento do núcleo político do mensalão do PT não surpreendeu ninguém. Todos já haviam entendido que o grande esquema de compra de apoio ao governo Lula, organizado por José Dirceu, havia transformado nosso Congresso Nacional num grande balcão de negócios, repetindo em nível federal o que é comum em Câmaras Municipais pelo país afora, especialmente nas pequenas cidades.
     Na verdade um dos objetivos de Dirceu era realmente desmoralizar o Congresso e os partidos que ele chama de burgueses mostrando que eles trabalham apenas em prol dos seus próprios interesses.
     Não contava, porém, com a tradição da Câmara brasileira, que já abrigou grandes nomes em grandes batalhas pelos direitos do povo. Quis achincalhar o poder constituído, no intuito de destruí-lo, mas calculou mal e quem saiu destruído foi ele.
     O mais impressionante neste caso é que, ao contrário dos outros partidos, o PT não expulsou nenhum dos que foram condenados, pelo contrário, ainda insiste em que a Corte Suprema errou, como disse José Genoíno e recebe com aplausos um criminoso condenado, numa reunião partidária.
     O desempenho do PT no primeiro turno das eleições provou que as figuras de Lula e Dilma continuam descoladas dos aventureiros que quase afundaram um projeto político que vem dando certo. A insistência em defender os criminosos é que vai minando sua credibilidade. Porque será? Terão medo que os condenados abram a boca e comprometam mais gente do Partido, e por isso lhes fazem esses afagos?
     A tentativa de José Serra de usar este caso no segundo turno das eleições municipais paulistanas, não vai funcionar, já que o próximo caso a ser julgado pelo STF é o chamado mensalão mineiro, que não passa de uma cópia do petista, só que a nível estadual envolvendo o PSDB de Eduardo Azeredo, então governador de Minas, na compra de apoio de parlamentares estaduais.
     No Distrito Federal já tivemos o mensalão do DEM, que resultou na prisão e destituição do então governador Roberto Arruda. Assim, também ACM Neto, no segundo turno da eleição em Salvador, não poderá alegar que o mensalão é uma prática exclusiva do PT.
     A eleição de Joaquim Barbosa como presidente do STF, abre perspectivas ótimas de que essas práticas corruptoras sejam efetivamente punidos e extintas no Brasil, moralizando a atividade política. Junto com a lei da ficha limpa, temos dois avanços importantes no aperfeiçoamento da nossa democracia, que devem jogar no limbo uma boa parcela dos corruptos e aventureiros.
     Esperamos que todos eles sejam condenados a penas muito duras, para que sirvam de exemplo aos que ainda acreditam na impunidade para transgredir e enlamear nosso sistema político.
     Seria importante que a justiça aperfeiçoasse seus procedimentos, dando a eles a agilidade necessária para punir também os transgressores municipais, esses muito mais numerosos e difíceis de serem apanhados nas malhas da lei.
Rapidinhas
 
Solidariedade e egoísmo
 
 
     Duas propagandas me chamaram a atenção na televisão: uma de um presunto, em que um sujeito vai comer um sanduíche e quando percebe que sua mulher também quer, vai se virando de costas para impedir que ela coma. A idéia é que ele não compartilhe seu sanduíche com sua própria companheira.
     Em outra, semelhante, da cadeia de lanchonetes Bob's, um adolescente vê uma moça se aproximando, fica todo animado com a possibilidade do encontro, mas depois pensa na possibilidade dela querer um pouco do milk shake que ele está tomando. Então arranca a camisa numa atitude agressiva para espantar a jovem.
     As duas passam a idéia de não compartilhar alimentos com pessoas próximas. Aliás a do milk shake, ainda posta um endereço intitulado incompartilhável.com.
     Tudo muito triste.
     Propaganda explícita de atitudes egoístas como se fossem engraçadas, ou espertas.
     Esses estímulos, que o capitalismo lança a todo instante para a população, são responsáveis pelo crescimento da violência e da intolerância entre as pessoas.
      Que diferença, na minha pequena Rio de Contas. Outro dia fui comer um pastel na lanchonete de Nem, e um senhor ao meu lado se sentiu constrangido por tomar uma Coca-Cola sozinho.
     _O senhor está servido? me perguntou ele, quando eu já ia pagar minha conta.
     Agradeci feliz, certo de que o mundo ainda tinha jeito.
 

Ruas vazias
 
     E por falar em propaganda, já perceberam como os anúncios de automóveis apresentam sempre um modelo novo andando por ruas vazias?
     Que delícia dirigir um desses modelos por uma São Paulo sem ninguém nas ruas!
     Acho que eles devem filmar essas propagandas as cinco horas da manhã, porque a realidade é que enfrentar centenas de quilômetros de engarrafamentos não é agradável em automóvel nenhum. Muito melhor andar de metrô, que apesar de cheio, pelo menos anda.
 
 Pobre Democracia
 
 
     Democracia ainda é um sonho distante nas cidades do interior brasileiro.
     Após os resultados as agressões contra os perdedores se intensificam. Soltam-se foguetes de madrugada na porta de pessoas que votaram no candidato perdedor, carros de som se vangloriam da vitória e convidam os que votaram no eleito para comemorar, como se ele (ou ela) fosse governar apenas para os seus eleitores e tem gente comemorando com um até 2018! Que eu saiba o mandato de prefeitos é de quatro anos, portanto o certo seria até 2016! Será que não sabem fazer contas?
     Mas a julgar pela disposição do TSE de limpar a pauta nos processos contra candidatos, muitos eleitos prometem não chegarem até lá.
     Pior do que isso, pessoas civilizadas e educadas, continuam postando provocações na internet, gente que antes se cumprimentava educadamente, se olha como se fossem inimigos, parentes deixam de se falar, enfim, o que devia ser apenas uma escolha de governantes vira uma guerra sem fim, que atormenta os perdedores de hoje e atemoriza os vencedores, por medo de serem também hostilizados amanhã, se um dia vierem a perder, o que é muito normal numa democracia onde há alternância no poder.
     O nome disso é falta de formação democrática.
     Em lugares civilizados os candidatos se cumprimentam após as eleições, desejam bom governo aos vencedores e a vida segue normal.    
     De que adiantam as lições sobre democracia na escola, ou as propagandas do TSE dizendo que a eleição é uma escolha democrática de governantes, se grande parte da população age desta forma? Que exemplo é dado aos futuros cidadãos, às crianças brasileiras por adultos que tomam essas atitudes?
     Afinal não fingimos (pelo menos) acreditar que a liberdade, a responsabilidade e a tolerância são elementos fundamentais para construir uma verdadeira democracia?
     O exemplo começa em casa!
     A eleição acabou e pronto. Parabéns aos vencedores, que façam alguma coisa pelo bem da sua cidade e vamos trabalhar minha gente.
 
    Poesia da Semana
 
Outubro

 
Trago a nova: eu mudo
lento, e é tudo
Sinto ser assim
por estações: aos turnos
 
Posso voltar
Ao ponto de partida
Mas luto
 
Sei que vem outubro
Flores, fruto de seiva
romperão no mundo
(Trabalho duro:
sugar de pedras,
rasgar os caules,
colher ar puro)
 
Lento e bruto
Eu mudo
Sei que vem
Outubro
 
Nei Duclós

 

 

Europa: a crise é um golpe
 
       Cada vez mais vai ficando claro que a crise na zona do euro é um golpe perpetrado pelo FMI, Banco Central Europeu e União Européia, capitaneado pelo governo conservador da Alemanha, liderado por Angela Merkel, para destruir as conquistas dos trabalhadores europeus e transferir renda dos mais pobres para os mais ricos.
       Nada justifica jogar na miséria grande parte da população para salvar bancos que especularam irresponsavelmente, injetando neles bilhões de euros às custas da vida de povos que tinham um bom nível de vida.
     O empobrecimento da população e a retirada de seus direitos trabalhistas, beneficiando os bancos é uma brutal trasnferência de renda, planejada pelos conservadores, também, para quebrar o poder dos sindicatos, que já preparam uma greve internacional em todo o bloco.
     O primeiro país a sofrer com a crise, desencadeada nos Estados Unidos, foi a Islândia, que não seguiu nenhuma das recomendações do FMI e já se recupera satisfatoriamente, sem prejudicar seu próprio povo.
     Veja, abaixo, artigo de Salim Lamrani transcrito do site Opera Mundi.
 

Islândia mostrou o caminho ao rechaçar a austeridade

País nórdico recusou receituário do FMI, deixou bancos quebrarem e condenou os responsáveis pela crise
     Quando, em setembro de 2008, a crise econômica e financeira atingiu a Islândia – pequeno arquipélago no norte da Europa, com uma população de 320 mil habitantes –, o impacto foi desastroso, tal como no resto do continente. A especulação financeira levou os três principais bancos à falência, de modo que seus ativos representavam uma soma dez vezes superior ao PIB do país, com uma perda líquida de 85 bilhões de dólares. A taxa de desemprego se multiplicou por nove entre 2008 e 2010, ao passo que, antes, o país gozava de pleno emprego.
     A dívida da Islândia representou 900% do PIB e a moeda nacional se desvalorizou 80% em relação ao euro. O país caiu em uma profunda recessão, com uma diminuição do PIB em 11% em dois anos.
     Em 2009, quando o governo quis aplicar as medidas de austeridade exigidas pelo FMI em troca de uma ajuda financeira de 2,1 bilhões de euros, uma forte mobilização popular o obrigou a renunciar. Nas eleições antecipadas, a esquerda ganhou a maioria absoluta no Parlamento.
     No entanto, o novo poder adotou a lei Icesave – cujo nombre provém do banco online que quebrou e cujos correntistas eram, na maioria, holandeses e britânicos – com a finalidade de reembolsar os clientes estrangeiros. Essa legislação obrigava os islandeses a reembolsar uma dívida de 3,5 bilhões de euros (40% de seu PIB) – nove mil euros por habitante – em quinze anos e com uma taxa de juros de 5%. Diante dos novos protestos populares, o presidente se recusou a assinar o texto parlamentar e o submeteu a um referendo. Em março de 2010, 93% dos islandeses rechaçaram a lei sobre o reembolso das perdas do Icesave. Quando foi submetida novamente a referendo em abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rechaçá-la.
     Uma nova Constituição, redigida por uma Assembleia Constituinte de 25 cidadãos eleitos por sufrágio universal entre 522 candidatos, composta por nove capítulos e 114 artigos, foi adotada em 2011. Ela prevê o direito à informação, com acesso público aos documentos oficiais (Artigo 15), a criação de uma Comissão de Controle da Responsabilidade do Governo (Artigo 63), o direito à consulta direta (Artigo 65) – 10% dos eleitores podem pedir um referendo sobre as leis votadas pelo Parlamento –, assim como a nomeação do primeiro-ministro pelo Parlamento.
     Assim, ao contrário das outras nações da União Europeia na mesma situação, que aplicaram escrupulosamente as recomendações do FMI que exigiam medidas de austeridade severas, como na Grécia, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu uma via alternativa. Quando, em 2008, os três principais bancos do país – Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing – desmoronaram, o Estado islandês se negou a injetar neles fundos públicos, tal como havia feito o resto da Europa. Em vez disso, realizou sua nacionalização.
     Do mesmo modo, os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos com taxas variáveis que superavam 110% do valor dos bens imobiliários, o que evitou uma crise de subprime, como nos Estados Unidos. Por outro lado, a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos ajustados a divisas estrangeiras que foram outorgados a particulares, obrigado assim os bancos a renunciarem a seus créditos em benefício da população.
     Quanto aos responsáveis pelo desastre – os banqueiros especuladores que provocaram o desmoronamento do sistema financeiro islandês –, não se beneficiaram da mansidão que se mostrou diante deles no resto da Europa, onde foram sistematicamente absolvidos. Com efeito, Olafur Thor Hauksson, Procurador Especial nomeado pelo Parlamento, os perseguiu e prendeu, inclusive ao ex-primeiro-ministro Geir Haarde.
     Os resultados da política econômica e social islandesa têm sido espetaculares. Enquanto a União Europeia se encontra em plena recessão, a Islândia se beneficiou de uma taxa de crescimento de 2,1% em 2011 e prevê uma taxa de 2,7% para 2012, além de uma taxa de desemprego de 6%. O país até se deu ao luxo de realizar o reembolso antecipado de suas dívidas ao FMI.
     O presidente islandês Olafur Grímsson explicou este milagre econômico: “A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos quebrarem. Eram instituições privadas. Não injetamos dinheiro para salvá-las. O Estado não tem por que assumir essa responsabilidade”.
     Agindo contra qualquer prognóstico, o FMI saudou a política do governo islandês – o qual aplicou medidas totalmente contrárias às que o Fundo preconiza –, que permitiu preservar “o precioso modelo nórdico de proteção social”. De fato, a Islândia dispõe de um índice de desenvolvimento humano bastante elevado. “O FMI declara que o plano de resgate ao modo islandês oferece lições nos tempos de crise”. A instituição acrescenta que “o fato de que a Islândia tenha conseguido preservar o bem-estar social das unidades familiares e conseguir uma consolidação fiscal de grande envergadura é uma das maiores conquistas do programa e do
Salim Lamrani
 governo islandês”.
     No entanto, o FMI omitiu omitiu a informação de que esses resultados só foram possíveis porque a Islândia rechaçou sua terapia de choque neoliberal e elaborou um programa de estímulo econômico alternativo e eficiente.
     O caso da Islândia demonstra que existe uma alternativa crível às políticas de austeridade que são aplicadas na Europa. Estas, além de serem economicamente ineficientes, são politicamente custosas e socialmente insustentáveis. Ao escolher colocar o interesse geral acima do interesse dos mercados, a Islândia mostra o caminho ao resto do continente para escapar do beco sem saída.
      Num momento como este, em que a União Européia investe contra a democracia e as conquistas sociais, a outorga do prêmio Nobel da Paz a UE, é no mínimo uma ironia e apenas confirma a tendência direitista dos que decidem sobre esta premiação. Uma lástima.