Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 30 de maio de 2010


Histórias de Outras Vidas (13)


LADRÕES DE FEIJOADA


     Pois é, amigos leitores, essa história se passou em Ilhéus, em 1998.
     Eu era amigo de uma turma muito alegre. Havia de tudo: meninas bonitas, rapazes jovens, outros mais velhos, gays, às vezes os pais de alguém também se enturmavam, enfim, gente que gostava de se divertir, beber e comemorar a vida.
     Assim iam escorrendo os fins de semana, sempre com muita cerveja, encontros do pessoal, churrascos e reggaes. Pode-se dizer que foram alguns verões divertidos.
     Um dia, um casal gay resolveu fazer uma festa de casamento, ou de ajuntamento, com uma feijoada. Assim nos reunimos para comer e comemorar a união dos dois rapazes, que apostavam numa nova vida juntos.
     A panela de feijão era impressionante, não só pelo tamanho, mas pela quantidade de carnes, das mais diversas, e da melhor qualidade, que transbordavam. Sem dúvida a comida daria para alimentar meio batalhão e o aroma delicioso que exalava, não deixava dúvida sobre as qualidades gastronômicas do cozinheiro.
     O dono da casa se esmerou em servir a todos, enquanto seu parceiro preparava caipirinhas e buscava na esquina as cervejas que faltavam. A tarde passou muito agradável, e quando finalmente o calor cedeu e a brisa da tarde percorreu o apartamento, todos já estavam saciados e razoavelmente embriagados.
     O problema começou na hora da saída. Uma amiga, convidada, perguntou se podia levar um pouquinho de feijoada para seu vizinho, que era muito amigo de todos e enquanto os donos da casa permaneciam na sala, a jovem, muito discretamente, tirou da sacola algumas tigelas plásticas, dessas de microondas, e foi para a cozinha providenciar a encomenda.
     Fiquei por último observando da varanda os amigos irem em direção ao ponto de ônibus, se despedindo como sempre, com muitas risadas e brincadeiras. 
     Na cozinha, como acontece nessas ocasiões, reinava o caos. Tampinhas de cerveja pelo chão, copos e pratos sujos, garrafas por toda a parte, bagaços de limão das caipirinhas que tinham caído fora da lixeira.  E no canto, reinando absoluta, a imensa panela de feijoada...vazia!
     Meus amigos não entediam direito do que havia acontecido. Eles olhavam para a panela e não se lembravam, preferindo deixar pra pensar no dia seguinte. Tratei de ir embora.
     Muitos dias se passaram e o assunto caiu no esquecimento.
     No fim do ano resolvi me mudar para Vitória da Conquista e para me despedir, resolvi fazer uma festa de Natal para as crianças do bairro São Miguel, uma colônia de pesca onde eu morava.
     Convidei vários amigos, entre eles o casal de rapazes e sua turma. Eles me ajudaram a organizar uma programação intensa: fizemos uma campanha de doações de roupas, para a realização de um bazar, que arrecadou os recursos para as despesas da festa. Foram muitos dias de preparação.
     O dia da festa transcorreu com muita agitação: promovemos uma gincana pela tarde, com premiação em medalhas para as três primeiras equipes. À noite houve o Natal ecumênico, com representante de várias igrejas, terminando com bolo, refrigerante e distribuição de presentes para as crianças.
      As crianças do bairro compareceram em peso fazendo uma tremenda algazarra, tanto durante a gincana, quanto após a cerimônia ecumênica, na hora de comer o bolo. O ponto alto da competição foi a corrida de gaiamuns (uma espécie de carangueijo azulado que vive na terra), disputadíssima, vencida pelo menor de todos, que em meio a uma fila de crianças gritando desesperadamente, correu reto para a chegada, levando sua equipe à vitória.
     Na cozinha, montanhas de comida, trazidas por vários participantes, entre elas uma enorme panela de feijoada presenteada pelo presidente do Partido Comunista, do qual eu era militante.
     Ao final da distribuição do bolo, os participantes foram de dispersando e a turma muito cansada, resolveu encarar a cozinha. Alguém então se lembrou da feijoada, esquecida no meio de tanta confusão.
     _Puxa, esquecemos de servir a feijoada! - eu disse, dirigindo-me à panela.
     _Vou guardar para amanhã.
     Mas quando tirei a tampa...nada. A panela estava vazia, raspada.
     Lembrei então da menina, a mesma da festa dos rapazes, e do seu vizinho, que estavam presentes e não desgrudaram da cozinha o tempo todo. Sim eram eles. Só podiam ser eles, com suas enormes sacolas cheias de tigelas plásticas estrategicamente preparadas.
     Lembrei-me então de vários aniversários infantis que eu tinha visto na Bahia, onde as crianças ficavam morrendo de vontade de comer o bolo depois do parabéns, mas este era deixado para depois e ia desaparecendo rapidamente nos tapewares, levados por várias mulheres, ...um pedacinho pra D. Lourdes, outra para a comadre, um para minha filha que ficou doente e não pode vir.
     Era o famoso bolo de fotografia, intensamente fotografado, mas nunca devidamente comido pelas crianças. Era um tipo de gente que adorava carregar comida de festas.
     Mas esse caso era diferente, não era como levar pedacinhos de bolo autorizados pelo dono da festa: era uma especialidade em roubar feijoadas inteiras, completas!

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf

quarta-feira, 26 de maio de 2010


ENERGIA E ALEGRIA

     
      Prezado amigo leitor.
      Quem assistiu ao programa Roda Viva, na TV Brasil, esta semana, teve a oportunidade de conhecer Jorge Caldeira, o historiador que escreveu História do Brasil com empreendedores (Editora Mameluco – São Paulo, 2009) e também Mauá, empresário do Império, O Banqueiro do Sertão, A nação mercantilista, entre outros.
     Caldeira defende uma revisão histórica, que nos liberte do maniqueísmo dos nossos atuais livros de história, que geralmente apresentam o povo brasileiro sendo formado como vítima das decisões cruéis de senhores de engenhos e colonizadores escravocratas.

     Nessa visão tradicional, o povo é sempre passivo, nunca é agente de sua própria história e fica sempre à mercê das boas intenções de algumas almas boas das elites, que defendem seus interesses, inclusive contando a sua história.
     Já escrevi antes sobre este assunto aqui, quando analisei a obra de Steve Biko, o sul-africano que morreu lutando contra o apartheid na África do Sul. Os negros sul-africanos também tiveram esse problema da tutela ideológica das elites brancas que julgavam saber o que eram melhor para os negros, pobres vítimas incapazes de construir seu próprio destino.
     Steve Biko rompeu com essa tutela com o livro Escrevo o que eu quero, onde questionou a visão passiva que os brancos tinham dos negros e propôs novos caminhos para o movimento negro, se afastando dos liberais brancos (na cultura anglo-saxã, ao contrário da nossa latina, o termo liberal designa pessoa de esquerda. No Brasil ser liberal significa ser de direita).
     A tradição historiográfica brasileira é um pouco assim, na medida em que quem escreveu sobre o povo foram sempre pessoas de famílias abastadas e/ou tradicionais, como Sergio Buarque de Hollanda e Caio Prado Junior.
     O que Jorge Caldeira tentou explicar no debate (ainda não li o livro) é que as análises históricas desprezaram a participação popular, principalmente na economia, já que seu livro tem principalmente um viés de história econômica.
     Em nenhum momento do debate ele levou a questão para o lado ideológico, nem contestou a validade dos estudos que formaram a visão histórica que temos hoje, apenas diz que não havia pesquisa histórica suficiente na época em que Caio Prado e Sergio Buarque escreveram suas obras fundamentais (década de 1930), para compreender o que era a economia colonial.
     Embora a direita tenha comemorado (a Veja adorou), na verdade Caldeira tenta desqualificar essa vitimização do povo brasileiro e do país-nação em que nos transformamos, que só serviria para construir desculpas para o nosso atraso econômico histórico, não contribuindo para enxergarmos os fatos históricos de forma objetiva.
     E quando olha para os novos fatos encontrados observa que nossa população foi muito ativa, procurando sempre alternativas econômicas, interligando as regiões através de tropeiros, garimpeiros, e outras iniciativas pessoais em busca de ganhos, que contradiziam as diretrizes colônias de manter o Brasil sempre trabalhando exclusivamente para a metrópole, criando assim um dinâmico mercado interno que fez nossa economia, já no século XVIII ser maior que a de Portugal.
     Resumindo, ele quer dizer que o povo sempre se virou sozinho, não ficou esperando a política, nem a legalidade e nem mesmo a independência para procurar melhorar de vida. A distância entre uma legalidade feita de cima e uma economia feita por baixo até hoje é facilmente verificada, observando a economia informal.
     Embora o SEBRAE insista com seu modelito de abrir empresas e pagar impostos, os mais pobres sabem que a melhor maneira de prosperar é não se registrar, trabalhar na informalidade o máximo possível, e tratar de fazer sua própria economia, pois as leis favorecem sempre os grandes em detrimento dos pequenos.
     O povo trabalha como pode, mas é ele que reinventa o Brasil todos os dias. O conceito de empreendedorismo é muito mais amplo do que propõe a direita. Não se trata de apoiar o capitalismo, nem de nenhuma questão ideológica, mas de ter iniciativa e não ficar esperando pela tutela dos governos nem pelas promessas dos políticos. Lula é o exemplo do empreendedorismo na política, é o retrato do Brasil reinventado ou reinterpretado à luz do seu povo ativo e prático.
     Fiquei muito satisfeito ao encontrar as idéias de Jorge Caldeira, porque sempre as defendi, sem contar com nenhum respaldo no meio acadêmico. Meu primeiro artigo publicado (1979) foi Arquitetura e Cultura Popular, onde defendia a aplicação da visão estética e construtiva das edificações espontâneas, na arquitetura feito por arquitetos.
     Na vida pessoal sempre admirei e procurei me aproximar de pessoas do povo (inclusive em dois casamentos) por sentir essa energia, mas sempre encontrei barreiras em pessoas que diziam que eu me relacionava com pessoas que não estavam à minha altura.
     Interessante isto, como essa crença na incapacidade do povo de pensar é arraigada nas nossas classes médias, quando na verdade, onde encontro incapacidade de formulação é na própria classe média, sempre copiando idéias importadas da Europa ou Estados Unidos, sempre surfando nas ondas do momento e sempre procurando se mostrar afinada com as idéias de pessoas famosas e prestigiadas.
     Jorge Caldeira nos deu um dado surpreendente sobre isto. Ele disse que a primeira obra literária a apresentar um personagem popular na primeira pessoa (eu) foi de Guimarães Rosa, na década de 30. Até aí o povo era sempre visto de fora (ele), por alguém que o analisava com curiosidade.
     Tenho dois filhos negros e me lembro de como eles detestavam estudar a história da escravidão na escola. Eles diziam que só tinha coisa ruim e que eles não gostavam daquele passado, que deveria haver alguma coisa de bom. Talvez Jorge Caldeira tenha aberto uma nova janela sobre a nossa história, nos mostrando de onde veio tanta alegria e tanta energia desse povo maravilhoso que é o brasileiro.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf
    

segunda-feira, 24 de maio de 2010



   

    Amor Virtual

     Prezados amigos leitores, estive no Rio de Janeiro em abril para rever amigos e resolver problemas particulares na minha cidade natal. Aproveitando a visita e o reencontro com uma amiga chilena, resolvemos procurar outra amiga comum dos tempos de Chile, que não víamos há 25 anos.
     As buscas na internet e nos velhos catálogos telefônicos que encontramos no apartamento do Rio não foram suficientes para encontrá-la e então resolvemos tentar seu último endereço, na verdade o enderêço de seus pais, que já eram idosos na última vez que a vimos.
     Meio sem jeito, minha amiga chilena desceu do carro em Copacabana, enquanto eu dava a volta no quarteirão, pois vagas ali eram impossíveis, e foi à portaria do edifício perguntar se alguém já tinha ouvido falar na nossa amiga. O porteiro disse que não apenas a conhecia, mas que ela ainda morava ali e estava em casa.
     Voltamos mais tarde com aquela tensão de quem vai para um reencontro sem saber direito o que vai acontecer, depois de tanto tempo. Mas fomos muito bem recebidos e posso dizer, fiquei mesmo emocionado por rever uma pessoa de quem sempre gostei muito.
     Ela continuava a mesma, alegre, engraçada, inteligente, bem informada e ligada em tudo. Conversamos e rimos muito, lembrando histórias do passado e pondo os assuntos em dia.
     Foi quando ela falou de um amigo virtual. A princípio achei que era apenas alguém que ela tinha conhecido na internet, mas depois, pelo seu tom de voz, percebi que havia algo maior.
     Imagine, amigo leitor, que ela conheceu um internauta tcheco, isso mesmo, da República Tcheca, e que eles conversaram durante anos pela internet, em inglês, se vendo apenas pela webcam, mas trocando idéias sentimentos e experiências de vida.
     Pelo pouco que conversamos deu para ver que a correspondência virtual havia se transformado numa grande amizade e mais do que isso, em amor.
     Mas seria possível alguém amar outra pessoa assim, à distância, sem nunca tê-la tocado ou sentido seu cheiro, ou posto seus olhos pessoalmente sobre ela?
     Ela me disse então, que estava muito preocupada, porque sabia que ele tinha um câncer e já faziam algumas semanas que ele, antes tão assíduo nas conversas, não entrava na internet.
     Segui minha viagem para Brasília e depois para Rio de Contas e só aí ela (agora na minha lista de bate-papo) me disse que ele realmente havia morrido. Depois de mandar muitas mensagens, finalmente havia recebido uma resposta de uma neta de seu amigo, dizendo que ele havia falecido durante o sono no mês de março.
     Muito emocionada me disse ainda que passou a se corresponder com essa jovem e através dela teve certeza de que era um bom homem, amado e respeitado por todos.
     Minha amiga agora se consola dizendo que ganhou uma neta, mas não esconde sua dor pela perda de um amor, que embora virtual, foi tão verdadeiro quanto qualquer outro.
     Isso me fez refletir sobre a imensa capacidade de amar que os seres humanos tem e de como essa enorme energia dentro de nós transforma constatemente o mundo, apesar daqueles que teimam em colocar o dinheiro no centro das coisas.
     Uma vez um desses filósofos disse a respeito do que importava na política de uma nação: é a economia idiota! A frase ficou famosa e é repetida sempre que alguém tenta pensar em ideais elevados, como uma forma de trazer as pessoas de volta à realidade.
     Mas não sei se por ser um idealista crônico, um sonhador de nascença, um construtor de utopias, prefiro acreditar que o que move o mundo é essa gigantesca energia do amor que existe dentro de nós e que foi tão bem resumida por aquele amigo que nos visitou há dois mil anos:
     Amai-vos uns aos outros!

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf
    
    
    

sábado, 22 de maio de 2010

Histórias de outras vidas (12) 

 O LAGO

     Todos haviam ido embora e eu fiquei sozinho em Manaus. Na verdade havia deixado meu pequeno filho com meus pais, em Brasília, por causa de uma hepatite e voltei à Manaus para trabalhar, ainda em recuperação, com medo de perder o emprego.
     O tempo foi passando e acabei passando aquele ano, de 1992, praticamente sozinho. Nos finais de semana me aborrecia na cidade quente, ia ao cinema no shopping, sábado à noite, e aos domingos de manhã ao centro comprar a Folha de São Paulo para ler em casa.
     Um dia cansei daquilo e resolvi arriscar. Eu sabia que aos sábados saíam barcos do porto flutuante em direção às praias do Rio Negro, onde os aguardavam acampamentos previamente montados para receber os turistas de fim de semana.
     Pagava-se de acordo com a dormida. Levando rede para dormir no acampamento era bem barato. Barraca de camping era mais caro e cabine no barco mais ainda. Não era preciso comprar com antecedência. Era só chegar, escolher um e embarcar.
     Peguei minha rede e embarquei em um que já estava cheio, com uma turma animada. O barco saiu em festa com o som à toda no bar, que ficava no tombadilho superior, e depois de mais ou menos uma hora aportamos em uma imensa praia de areias brancas, numa das ilhas Anavilhanas, situadas ao norte de Manaus.
     O acampamento se dividia em duas partes. Uma mais alta, numa espécie de duna, uns cem metros à frente do barco e outra numa lateral à esquerda, onde a areia descia em direção a um braço do rio.
     Como todos, procurei também um lugar para me instalar, o que no meu caso significava procurar um lugar para atar minha rede. Eu já tinha aprendido que dormir na mata, mesmo no meio de um monte de gente, tem os seus segredos. Um deles é tratar de ficar a pelo menos 1,5m do chão, para evitar ser alcançado por cobras ou outros bichos peçonhentos que se arrastam por perto durante a noite.
     Tive sorte e encontrei duas árvores próximas, que cresciam numa encosta, de forma que suas raízes ficavam na beirada e os troncos se inclinavam sobre o declive. Assim, a rede ficava próxima o suficiente da beirada, para que eu pudesse subir, e suspensa sobre o pequeno abismo de areia criado pela duna, me deixando fora do alcance de qualquer animal que tentasse alcança-la à partir do solo.
     Era julho, mês de seca, e a probabilidade de chuva era remota.
     Ali me estabeleci e procurei logo fazer amizade com as pessoas que se instalaram ao redor, procedimento de segurança e também de integração, já que mais do que um acampamento, tratava-se de uma espécie de happening, uma verdadeira festa ao ar livre, atividade eminentemente coletiva. Dentre essas pessoas percebi logo uma moça gordinha e simpática.
     Durante a viagem visto que outra moça me olhava e comentava com os amigos. Sua turma parecia ter grande cumplicidade com ela, que exercia algum tipo de liderança sobre eles, e todos me olhavam esperando que eu aceitasse a paquera e ingressasse na sua tribo, como amante da sua líder.
     Estranhei aquela situação, me sentindo intimado a me submeter aos caprichos daquela liderança desconhecida. Como a gordinha também me olhava de modo bastante receptivo, resolvi ignorar o outro grupo e me aproximar dela.
     Nos entendemos bastante bem e tratamos de ir comprar cervejas e participar do luau que ia se armando em volta de uma grande fogueira, enquanto o som do barco enchia a praia com o som brega, então em moda em Manaus.
     Curiosamente ficamos sabendo que a parte baixa do acampamento era gay, e a de cima hetero. Achei engraçado e fiquei satisfeito de poder contar com a alegria contagiante daquele pessoal.
     Nossa noite foi alegre, mas sem intimidades, já que não tínhamos um espaço com a privacidade necessária. Entrar na floresta à noite, nem pensar. Dormimos cada um na sua rede, embora próximos e de manhã bem cedo nos levantamos para o banho de rio.
     O acampamento foi despertando aos poucos e reinstalando o clima de festa e brincadeira. Após o café, servido no barco, resolvemos explorar um pouco os arredores.
     Saímos pela lateral, atravessando o acampamento gay e fomos seguindo pela margem do pequeno igarapé que desembocava ali. Ficamos surpresos ao ver ao longe uma pequena cabana, com um morador idoso na porta, sem dúvida um pescador, pois lidava com uma rede de pesca. Ele nos acenou amigavelmente de longe, com um cigarro de palha pendurado na boca.
     Seguimos por uma trilha que certamente era usada por ele e pouco adiante, observamos que havia água. Seguimos em frente e fomos dar num lago. Era incrível a clareza daquelas águas cristalinas, em comparação com as do Rio Negro, a apenas uns 100 metros dali.
     Contornamos o lago, com suas bordas de areias brancas cobertas de uma relva macia e encontramos um lugar aprazível para o banho. Mergulhamos e sentimos o frescor daquelas águas.
     Era estranho estar ali, tão próximos do acampamento que ainda podíamos ouvir seus ruídos, e próximos também de um morador (como existem tantos às margens dos rios amazônicos, gente que cansou da cidade e resolveu viver sozinho), mas ao mesmo tempo nos sentíamos completamente isolados.
     Sentimos um conforto muito grande e também uma segurança estranha. Parecia que aquele lugar tinha sido feito para nós, que estava nos esperando. Ali permanecemos um bom tempo, a princípio nos banhando e depois nos entregamos ao amor, com uma calma que parecia vir daquele lago. Nos amamos dentro da água várias vezes, numa espécie de febre de sensualidade, uma energia tectônica, que aquelas águas nos transmitiam.
     Passamos ali a manhã toda e enfrentamos uma tormenta tropical repentina, cheia de raios de trovões, quando nos refugiamos sob a copa de uma árvore. Foi aí que vimos o estranho fenômeno dos raios horizontais. A faísca riscou o lago, saindo da margem que ia dar na cabana para a outra e continuou sobre a terra, em direção ao Rio Negro. Ficamos assustados e imóveis. Foi a única vez que aquele solitário habitante se dirigiu a nós. Saindo de sua pequena habitação veio ver se estávamos bem e disse que aquele tipo de descarga elétrica era muito perigosa, principalmente se estivéssemos dentro d´água, disse ele.
     Depois o sol reapareceu e nem vimos mais a hora passar. Não sentimos fome nem sede, e depois de um tempo que não conseguíamos mais medir, fomos despertados do torpor pelos apitos do barco.
     Resolvemos voltar e o encontramos já pronto para partir, parado na curva do igarapé, apenas esperando por nós.
_Estamos apitando há mais de meia hora. Já íamos embora, pensamos que vocês tivessem se perdido. Íamos chamar a polícia para procurar vocês! - nos gritou o capitão lá de cima.
     Subimos ao barco envergonhados, sob os olhares de todas aquelas pessoas, e fomos embora com a sensação de que havíamos vivido algo diferente, algo que durante a volta foi desaparecendo, como se despertássemos de um sonho.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf

quarta-feira, 19 de maio de 2010



Uma nova esperança

     O acordo entre Brasil, Turquia e Irã, e a reação negativa dos Estados Unidos, me fizeram lembrar das palavras de Sadam Hussein quando viu seu país ser invadido em 2003.
     Esta será a mãe de todas a batalhas, disse ele.
     Na época isso pareceu mais uma fanfarronada de um ditador, mas hoje acho que talvez ele estivesse enxergando com mais clareza do que nós, aqui no chamado ocidente, um futuro sombrio.
     A guerra começou no Iraque, depois passou para o Afeganistão e logo para o Paquistão. Os atentados terroristas já sacodem a Índia regularmente, país que estava fora do conflito quando começou a invasão do Iraque. Agora a histeria de Hillary Clinton contra o Irã mostra claramente que o militarismo, que domina a política externa de EUA e Israel, quer iniciar uma nova guerra.
     Por trás de tudo isto está a absurda situação do Estado de Israel, país que não respeita nenhuma resolução da ONU, que não aceita inspeção da Agencia Internacional de Energia Atômica, que tem armas nucleares clandestinas, conhecidas por todos, que pratica uma política racista e expansionista invadindo continuamente o território palestino, expulsando e massacrando impunemente sua população, baseado no apoio incondicional dos Estados Unidos para fazer o que quer, desrespeitando a tudo e a todos.
     Os americanos parecem dispostos a pagar qualquer preço para proteger Israel porque esse pequeno país funciona como uma ponta-de-lança dentro do mundo islâmico, usada para garantir a presença dos interesses norte-americanos na área, especialmente assegurando o fornecimento de petróleo, do qual os EUA são completamente dependentes para manter sua economia perdulária.
     Corremos o risco de ver essa guerra se expandir continuamente, já que ela alimenta um sentimento de fanatismo religioso anti-americano e anti-ocidental que não dá mostras de enfraquecimento, ao contrário, só parece ficar mais e mais decidido na medida em que o mundo muçulmano é mais agredido.
     O Brasil mostrou sua capacidade de negociar dando uma possibilidade à paz.
     Com isso nossa política externa nos deu, pelo menos, a garantia de que não nos envolveremos nos conflitos, ficando fora do alcance dessas bombas.
     A possibilidade de sermos ouvidos pelas grandes potências parece pequena, pois elas não querem novos atores mexendo no "seu" tabuleiro de xadrez e acredito que esse foi o principal recado que Hillary quis passar ao desprezar o acordo.
     Mas nossa voz foi ouvida e como toda mensagem nova talvez custe a ganhar crédito. Com certeza vai conquistar alguns interlocutores abrindo uma brecha nessa triste lógica do militarismo e da dominação do mundo por meia dúzia de países.
     Pode ser o primeiro passo de uma nova esperança para a humanidade.
    
     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf

terça-feira, 18 de maio de 2010



Estresse Hospitalar

     Pois é, amigos leitores, em recente visita ao Chile, fiquei hospedado na casa de amigos, onde conheci uma jovem estudante de medicina, que se dizia muito desapontada com a profissão. Ela havia trancado a matrícula na faculdade e se debatia numa crise de consciência sobre continuar ou não o curso.
     Curioso, perguntei os motivos de tanta desilusão. Ela me respondeu que não concordava com a maneira como eram tratados os pacientes nos hospitais, que médicos e enfermeiras não eram preparados para lidar com eles como seres humanos, mas apenas como corpos, cujas necessidades afetivas e psicológicas não eram levados em consideração.
     Sua família achava que isso era bobagem, uma crise tardia de adolescência ou algo assim, e naturalmente se preocupava com seu futuro querendo que ela se formasse. Mas gostei da maneira como ela encarava a questão e fiquei pensando se aquilo não era fruto de uma nova geração que já encontra os problemas básicos principais resolvidos (a existência de um serviço de assistência médica eficiente no Chile) e começa a olhar por ângulos novos uma prática antiga que pode ser aperfeiçoada.
     Pois na semana passada me lembrei muito da jovem chilena, quando minha mãe teve que ficar internada por oito dias devido à uma pneumonia.
     A princípio muito eficiente, o hospital em Brasília tomou todas as medidas necessárias para debelar a infecção além de lhe proporcionar um atendimento correto no quesito hotelaria, com um quarto individual, com geladeira, televisão, ar-condicionado, cama para acompanhante, etc.
     Os primeiros dias, quando nossa preocupação era com a infecção, transcorreram ótimos, mas à medida em que ela melhorava e recobrava sua percepção das coisas ao redor começou a se queixar de ruídos. Passei uma tarde com ela e realmente percebi que havia uma obra num andar abaixo e se ouviam barulhos abafados de furadeiras e marteladas.
     Depois percebi que a parede, na sua cabeceira, fazia divisória com o balcão da enfermagem e de lá vinham também ruídos, junto à parede.
     Mas ela se queixava também de ruídos à noite, quando não havia obras nem muito movimento na enfermagem. Era ruídos de passos no corredor, que vibrava muito e reverberava os saltos de sapatos das funcionárias.
     Depois ela foi parando de comer. Dizia que estava enjoada, que nada lhe apetecia e começou a sentir dores nas pernas e coceiras nas costas. Percebi que a comida (aquela típica de hospital) quase não variava.
     Pedimos fisioterapia no quarto para as pernas e ela passou a ter dores no peito. Assustado chamei o médico que fez um eco-cardiograma e um eletro-cardiograma que não indicaram nada. Por via das dúvidas ele a deixou mais um pouco em observação e mandou lhe dar remédios contra enjoos.
     Aí ela não conseguiu mais dormir, o que levou o médico a recitar calmantes. Então começou a vomitar: mais insegurança do médico e mais remédios.
     Por fim começou a confundir as coisas, deixando todo mundo apavorado.
     Então me lembrei da chilena e também do que eu conhecia de minha mãe e percebi que ela estava apenas estressada do hospital, de tantos dias deitada, de tanto ser furada por injeções e soros, de tantos remédios recebidos nas horas mais impróprias, ministrados por uma enfermagem que parecia não enxergá-la como uma pessoa, mas apenas como um objeto de trabalho.
     Calmantes para dormir as 4 da tarde, laxantes ás 11 da noite, exames de sangue à 1 da manhã para verificar a glicemia, acendendo a luz na sua cara depois que, com muita dificuldade ela conseguia cochilar e outras práticas abusivas que a iam deixando cada vez mais fora de si
     O médico aparecia uma vez por dia, muito gentil, mas não ficava mais de 10 minutos. Se alguma coisa acontecesse na sua ausência era preciso esperar o outro dia ou ligar pra ele. Expliquei a ele meu ponto de vista, que acabou se convencendo e dando alta no oitavo dia.
     Quando chegamos em casa, depois de todo o sofrimento, ela comeu um prato enorme de comida, deitou-se na sua cama, dormiu 12 horas e acordou em ótimo estado, provando que eu estava certo: aquilo era estresse causado pelo próprio hospital, que depois de algum tempo deixou de ser um meio de cura e passou a ser, ele mesmo, a doença.
     O engraçado é que os médicos e enfermeiras não se dão conta disso. Parece que nunca ouviram falar no assunto e que isso é chatice de família.
     Hospitais públicos querem se livrar logo dos pacientes, para economizar. Hospitais particulares querem retê-los ao máximo para lucrar. Nenhum deles dialoga efetivamente com eles e não percebem o quanto de influência do próprio hospital pode resultar no agravamento do seu estado.
     Estava certa a jovem chilena.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf
    

segunda-feira, 17 de maio de 2010




Histórias de Outras Vidas (11)

O HOMEM QUE CABIA ENTRE OS MEUS DEDOS


     O ano? Nem sei. 1957, 58...
     Só sei que eu era pequeno e ficava em casa de manhã com minha mãe, enquanto meu irmão mais velho ia para a escola e meu pai ia trabalhar. Meu avô morava com a gente e gostava muito de sair e nunca dizia aonde ia.
     Nosso apartamento, do antigo IAPI, na Rua Marquês de Abrantes, zona sul do Rio, ficava em um enorme edifício que começava de frente para a rua e ia se desdobrando em quatro, cinco portarias, cada uma com seu elevador, sendo que a última era a nossa, virada para o Morro Azul, nos fundos.
     O terreno do edifício subia pelo morro até um imenso muro, que devia ter uns cinco metros de altura.
     Do lado de cá do muro o Rio de Janeiro branco, de classe média, do lado de lá, o mundo do trabalho. Negros pobres, misturados a brancos e mulatos igualmente pobres, se espremiam numa favela que crescia pelas encostas de rocha nua, rumo às árvores da mata atlântica, situadas no alto, onde havia uma chácara.
     Nosso apartamento era grande, três enormes quartos, como já não se fazem hoje. A sala, avarandada, se debruçava sobre o morro, indiferente à pobreza e ao sofrimento daquela população, carregando latas d’água na cabeça como em algum pitoresco samba antigo.
     Da lateral da varanda observávamos a centenária Casa dos Expostos, conhecida antigamente como A Roda, onde mães que tinham filhos de amores proibidos deixavam as crianças recém-nascidas na porta, numa plataforma giratória, que permitia o abandono sem que a pessoa fosse vista de dentro. Depois era só tocar o sino que as freiras vinham recolher o enjeitado.
     Meu quarto, que eu dividia com meu irmão, tinha uma janela lateral de onde se via uma nesga da rua, por onde passavam bondes na mão e na contramão, ônibus, automóveis, aqueles carrinhos com duas rodas puxados por um homem, conhecidos no Rio como burros-sem rabo, e outros prestadores de serviço que já não se vêem mais, como os afiadores de faca, vendedores de vassouras e carvoeiros, na sua maioria portugueses. Dali via-se também a entrada da favela com seu burburinho incessante, hoje substituída pela entrada da estação Flamengo do metrô.
     O grande edifício de 12 andares era uma invasão de modernidade no que restava do Rio antigo, colonial, presente ali em todos aqueles negros e portugueses. Talvez por isso foi morada de pessoas importantes:   Clarisse Lispector e seu filho Pedro, os irmãos Assis Brasil, gêmeos geniais, um pianista e o outro saxofonista, a primeira garota propaganda da TV carioca, que anunciava as lojas Tonelux.
     Depois de tomar café e fazer meus deveres do colégio, que minha mãe transformava num exercício militar de obrigações e horários rígidos, eu brincava sozinho. Meu armário de brinquedos, situado no meu lado do quarto, era embaixo da janela, convenientemente protegida por uma grade de madeira.
     Eu gostava de pegar os carrinhos e colocar no parapeito de mármore. Me abaixava e olhava por dentro e as pessoas que passavam na rua ficavam do mesmo tamanho dos brinquedos. Tinha a sensação de que os brinquedos eram de verdade, os carrinhos misturados aos automóveis da rua e aos transeuntes.
     Às vezes, também, acompanhava pessoas que iam passando, colocando-as entre meu indicador e o polegar, como se fossem também meus brinquedos e falava com eles como velhos conhecidos.
    Um dia, sozinho no quarto, peguei entre os meus dedos um homem que ia passando e fui conversando com ele, imerso no meu mundo infantil. Mas de repente: surpresa! O homenzinho se materializou, daquele tamanho mesmo, e ficou em pé entre meus carrinhos. Me olhou e falou comigo.
     Desperto da brincadeira, fiquei paralisado olhando para ele.
     Me olhava e falava comigo com uma certa malícia, como se estivesse se divertindo com aquilo.
     Assustado gritei pela mãe. Ela respondeu:
     _Que é? Mas não veio.
     O homenzinho continuava ali, andando e falando comigo, com uma voz baixa e rouca. Com medo corri para chamá-la.
     _Mãe, tem um homenzinho na janela!
     Ela me disse, um pouco irritada, que estava ocupada, mas veio até o quarto. Não havia mais nada.
     _Ele estava ali! Apontei.
     _Ele quem?
     _O homenzinho que ia passando na rua e eu peguei ele!
     Ela resmungou alguma coisa sobre imaginação e hora de tomar banho e se foi.
     Desconfiado, revistei todos os brinquedos para ver se ele não havia se escondido por ali. Guardei tudo e tratei de ir tomar banho e me aprontar para a escola.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf

sábado, 15 de maio de 2010

Entrepartidas: o teatro do concreto

Prezados amigos leitores.

     Uma emergência me trouxe a Brasília, onde estou há uma semana, e me deu a oportunidade de participar (mais do que assistir) à peça Entrepartidas, encenada pelo grupo Teatro do Concreto.
     A peça tem como característica principal a de ser encenada nas ruas, praças e bairros da cidade. O espectador entra num ônibus, que parte da rodoviária do Plano Piloto (de onde saem os ônibus urbanos) que o leva à uma praça na W-3 sul , depois a uma casa de onde se volta caminhando à praça.
     Nesses locais se desenvolvem várias histórias de pessoas que vivem ou passam pela cidade, sempre focando amor, solidão, perdas...
     O ônibus também funciona como palco pois na medida em que se desloca pela cidade, vai dando carona a alguns personagens que vão também contando suas histórias para o motorista (também um ator) e para os passageiros (o público).
     Ao contrário de outras peças que interagem com o público, as atuações não são agressivas, nem fazem brincadeiras com os espectadores para constrangê-los, mas muito serenas, tranquilas, comuns mesmo, embora as histórias que retratem estejam cheias de paixão e dor.
     Ao longo do trajeto alguns atores fazem performances que vão dando recados aos passageiros sobre os assuntos que são tema da peça. Numa esquina um mulher cheira uma enorme flor e dança pelas ruas. Em outra um vulto de mulher coberto por um véu negro arrasta um terno masculino e uma roupa de noiva pelo chão, assustando pedestres e desavisados. Mais adiante um homem com um cartaz no semáforo avisa: lavo, passo e dou carinho, enquanto uma jovem abraça ternamente um grande bicho de pelúcia.
     Antes da partida, ainda na rodoviária, um homem sem camisa, vestido com uma saia de ballet branca, com sapatos de salto alto, faz evoluções acrobáticas e fala coisas sobre a vida. Ele se mantém ao longe em quase todas as cenas de rua.
     Nas cenas dentro da casa, onde se chega após caminhar por dentro de uma quadra residencial, momentos de paixão, dor, separação e solidão, falam das limitações e misérias da alma humana e falam também, muito, de amor.
     A peruana que procura a mãe, em vão, na cidade que ela abandonou há muitos anos, o menino de rua que se apaixona por uma mulher e aprende a cantar para conquistá-la, a mulher que decide se libertar através da poesia e parte sem rumo, a mulher solitária em casa, onde recebe o público em sua cozinha, oferecendo chá e bolo de verdade, numa atuação impressionante, muito próxima ao público, interagindo com ele, mas se mantendo sempre na distância que seu papel exige, são alguns personagens que vão revelando a Brasília humana por trás da arquitetura e dos imensos parques públicos do Plano Piloto.
     Ao final, quando caminhamos para a última praça, uma cena, meio ao longe, me impressionou e emocionou muito. Uma mulher está na quadra de esportes, em posição de goleiro e há uma bola parada no meio. Ela grita: chuta Mateus, chuta! Eu estou aqui!, mas não há nenhuma criança para chutar a bola. Por fim ela senta e chora, encostada a uma das traves. Sem dúvida uma alegoria cruel sobre a perda de um filho.
     Entrepartidas me evocou coisas longínquas do tempo da minha juventude em Brasília. Me lembrou como os espaços abertos da cidade desenhada por Lúcio Costa estimulam a libertação mental e física dos seus habitantes, especialmente dos jovens que ainda não tem seu tempo totalmente comprometido com atividades competitivas e com sonhos de construir/adquirir coisas materiais.
     Me lembrou como a cidade do planalto faz as pessoas olharem para si mesmas de um modo diferente, livre de tradições, e coloca dúvidas e anseios diferentes nos seus habitantes, que se sentem capazes de construir algo de novo em territórios virgens, como foi construída esta capital, já cinquentona.
     Entrepartidas já é algo de novo. Uma experiência marcante para que participa dela.
     Para conferir a ficha técnica e ver mais fotos e depoimentos, assim como outros trabalhos do grupo, visite o site http://www.teatrodoconcreto.com.br/

Abraço a todos

Ricardo Stumpf


      


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Rapidinhas

Quem é baderneiro?    

     A polícia de José Serra continua matando.
     Pra quem idolatra o PSDB e suas velhas propostas neoliberais, aconselho dar uma olhada em como o Estado de São Paulo, sob comando dos emplumados tucanos, trata o povo.
     Os professores são tratados como bandidos e suas manifestações são reprimidas à bala e cacetete pela polícia tucana, sob pretexto de que seriam baderneiros.
     Esse adjetivo é sempre usado pela direita quando quer desqualificar um protesto popular. É bom lembrar que a greve é um direito legítimo dos trabalhadores, amparado pela Constituição Federal. Lutar por direitos e por melhoria de vida não é fazer baderna. Na verdade quem arma a confusão é sempre a polícia, como fez na saída do estádio do Pacaembú quando atacou as torcidas do Flamengo e do Coríntians.
     As torcidas são violentas? Não necessariamente.
     Existem pessoas e grupos violentos nas torcidas, que precisam ser identificados e presos e não atacar todo mundo, inclusive mulheres e crianças que iam saindo do estádio.
     O elitismo tucano ataca também os motoboys. Dois foram assassinados recentemente por policiais, sendo que o último na frente de sua mãe, no dia das mães, por andar com uma moto sem placa.
     O fato é que há um preconceito herdado do século XIX, mas ainda presente nas nossas elites mais atrasadas, de que as classes trabalhadoras são classes perigosas, porque se organizam para fazer greves e agitações políticas e também porque são pobres, deseducadas e vistas pela burguesia como fonte de todos os vícios e maus hábitos. É claro que esse preconceito está sendo transmitido para a polícia, pelo governo paulista.
     Esse tipo de atitude não decorre de erros, que se resolvam com pedidos de desculpas, mas dá pra identificar um padrão na violência policial, baseado no elitismo Tucano. Já pensou em como seria o Brasil governado por essa gente? Do que seria capaz uma Polícia Federal, perseguindo pobres, negros e trabalhadores pelo Brasil afora?
     Acho que já tivemos bastante disso na ditadura.

O futuro da Igreja Católica

     Quando a gente dizia que a Igreja Católica era hipócrita, vinham com um monte de reprimendas, de que isso era preconceito, etc e tal. Agora está aí, desmascarado o escândalo. Séculos de violência sexual nas escolas e conventos, ocultos pela hipocrisia de padres, bispos e papas.
     Um segredo de polichinelo. Todo mundo sabia, mas ninguém podia falar nada.
     As vítimas agora estão tomando coragem, vencendo a vergonha e o preconceito e o escândalo não para de crescer.
     Por trás do discurso preconceituoso contra os homossexuais, todo mundo sabe que a maioria dos padres é homossexual e pratica o sexo dentro e fora das igrejas. A pedofilia vem dos hábitos solitários de padres e freiras e do contato diário com jovens e crianças de ambos os sexos, nos orfanatos e nas escolas onde os pequenos ficam indefesos diante dos que deviam cuidar deles.
     O discurso hipócrita do celibato, que todos sabem que é uma mentira, apenas serve para encobrir as taras desenvolvidas por aqueles que são proibidos de viver uma sexualidade sadia, através de casamentos que lhes proporcionem uma vida sexo-afetiva que todo ser humano precisa para ser feliz e equilibrado.
     Mas esta igreja está emparedada em seus dogmas e preconceitos e parece incapaz de se reformar, principalmente com este papa, que já pertenceu a juventude hitlerista (nazista) quando era ainda um rapaz.
     Respeito muito a fé de qualquer pessoa, o que inclui os católicos. O que não respeito são as instituições humanas, que procuram se mascarar de divinas, para esconder ambições de riqueza e poder.

O medo de Dunga

     Pois é, meus amigos, nosso técnico optou pela cautela em oposição à ousadia. Preferiu uma seleção de atletas na casa dos trinta, já provados e testados em detrimento das revelações jovens e ainda indisciplinadas, mais difíceis de controlar.
     É o caso de se pensar se controle demais, cautela demais, não acaba sendo uma espécie de retranca prévia, um medo de avançar e arriscar.
     Se for assim, tudo bem que nossos craques trintões são excelentes, mas nos arriscamos a ter um desempenho medroso, talvez buscando mais preservar o que já foi conquistado em termos de fama e respeito, do que avançar para novas conquistas.
     Quem sabe no decorrer da copa, Dunga perca esse medo e solte as feras em campo, lembrando a famosa frase de João Saldanha, quando disse que queria onze feras em campo, daí o apelido de "feras do Saldanha", para a seleção de 70 (que Zagalo já recebeu prontinha, por interferência do ditador Emílio Médici, que não queria que o comunista João Saldanha levasse os méritos de campeão do mundo).
     Coragem Dunga, solte as feras do Santos na África do Sul!

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

sábado, 8 de maio de 2010

     

     Histórias de outras vidas (10)

     O MAR DA VARANDA



     O ano era 1998, a cidade: Ilhéus.
     Foi um ano difícil, como costumam ser os anos pares para mim. Em agosto defendi minha dissertação de mestrado, em Salvador, me libertando do laço mais forte que me prendia ali (meu estudo de caso era Ilhéus), mas minha casa ainda estava lá e meus filhos pequenos, que moravam comigo, ainda tinham alguns meses até o fim do ano na escola.
     Há muito eu já vinha me preparando para partir. Muitas lutas políticas, que resultaram até em ameaças de morte e algumas desilusões pessoais, selaram definitivamente o meu rompimento com aquela cidade, para a qual dediquei um livro de poesias: Uma Lágrima para Ilhéus.
     Uma vez, ao me preparar para atravessar a rua com os meninos em frente ao colégio,  um carro parou ao meu lado e dele saiu um sujeito corpulento, uns 40 anos. Apontou para eles, primeiro um, depois o outro, e fez um sinal de faca na garganta, depois entrou no carro e saiu cantando os pneus.
     Poucos dias depois, um tipo meio soturno entrou na minha lojinha de xerox, no bairro do Pontal e pediu cópias de seu cartão bancário e de sua identidade. Achei estranho, ninguém tira cópias de cartão de banco. Enquanto eu atendia o pedido ele manuseava uma máquina fotográfica e de repente... um flash.
     Olhei para ele.
     _Ah, disparou, desculpe...
     Já desconfiado continuei e de novo outro flash. Aí encarei o problema:
     _Você está tirando fotos de mim, afirmei.
     _O que você quer? Quem é você?
     O cara ficou nervoso.
     _Vou ficar com a cópia da sua identidade, disse eu.
     Ele se levantou e tentou tirar a cópia da minha mão. Consegui desviar. Ele pegou os documentos e saiu correndo.
     Desse dia em diante a situação ficou muito difícil, porque vivíamos num condomínio na beira da praia, cuja construção ainda estava no final, e éramos os únicos moradores. Não havia ainda cercas e apenas o vigia da obra dava umas voltas de vez em quando, preocupado mais com os materiais de construção.
     À noite, depois que os meninos adormeciam, carregava o dois para a minha cama e ficava na varanda vigiando. Antes que as primeiras luzes do dia aparecessem no horizonte eu os colocava novamente em suas camas, para que eles não percebessem minhas preocupações. Então dormia um pouco, entre 5 e 7 horas da manhã.
      Andava exausto, cansado de tudo aquilo. Nos finais de semana, às vezes, dormia de dia, enquanto os meninos iam para a praia com os amigos fazer o que eles chamavam de excursões de bicicleta.
     Passei a ficar muito tempo na varanda, vigiando durante à noite e cuidando de observá-los de longe durante o dia. Não agüentava mais ler depois do esforço do mestrado e só queria esvaziar a cabeça e descansar.
     Então comecei a olhar o mar.
     O oceano estava ali em frente, imenso. Há anos eu morava ali e nunca tinha parado para olhar o mar, pelo menos não do jeito que comecei a olhar. Comecei a perceber que eu olhava apenas a praia. Sim, a praia é uma coisa e o mar, lá dentro, lá no fundo, é outra.
     Passei a ficar horas admirando aquelas ondas imensas que se formavam longe da costa e comecei a tomar consciência da imensidão, das profundezas, do potencial de toda aquela água.
     E se aquilo tudo se levantasse contra nós? E se viesse nos arrastar? E se fossemos lá, como seria? O que seria a vida nas profundezas, que mistérios se escondiam sob aquele deserto líquido? Como podíamos viver à beira de uma coisa tão grande e desconhecida sem nos inquietarmos?
     Por aqueles dias conheci um homem que havia caído de um barco de pesca e que agora era entregador em um caminhão. Seu colega me disse que ele nem chegava mais perto da praia.
     Não resisti e perguntei. Ele contou que era um pescador experiente e um dia, numa tempestade, caiu do barco de pesca e ficou 10 dias à deriva no mar, sozinho, sem uma tábua para se agarrar.
     Como não se afogou?
     Meio constrangido ele me disse que não sabia, apenas lutou pela vida procurando boiar. Passou fome e sede, dormia boiando mas às vezes era despertado, no escuro, por animais enormes passando junto dele, coisas que ele nem soube reconhecer.
     Dez dias depois foi resgatado.
     Sua história me impressionou e o medo que ele demonstrava do mar mais ainda.
     Eu admirava as extraordinárias mudanças naquela enorme massa líquida que variava de cor, movimento e volume com as mudanças do tempo, a lua e as marés.
     Nos dias de chuva e vento, quando se tornava cinza e violento, eu também mudava de humor. Ficava mais melancólico, mais sonhador, conformado em esperar passar aqueles meses para poder sair dali. E quanto mais olhava o mar, mais coisas surgiam. Dei pra fazer pesquisas na internet sobre o fundo dos oceanos e descobri coisas interessantes.
     Descobri a imensa cordilheira submersa que divide o Oceano Atlântico, de norte a sul, e que muitas ilhas são picos dessa imensa massa de montanhas submersa. Descobri que a ilha de Santa Helena, onde morreu Napoleão, fica em frente a Ilhéus, no meio do oceano e também que o movimento das águas molda as montanhas submersas, tornando-as roliças e pontiagudas.
     Um almirante aposentado, que freqüentava minha xerox para copiar livros, me explicou que a plataforma submarina ali é a menor da América do Sul, tendo apenas 3 Km em média, e que no seu limite havia um enorme paredão onde os submarinos inimigos se encostavam durante a segunda guerra, quietinhos, para emboscar os navios brasileiros que passavam para a Europa.
     Ilhéus tem muitas histórias de guerra relacionadas ao mar.
     Ele contou que após o paredão havia uma profundeza abissal de 5 km, que ainda estava sendo mapeada.
     Cada descoberta ia me revelando um mundo novo e eu olhava para as pessoas na praia aos domingos, crianças brincando, velhos passeando, totalmente alheios àquele universo fantástico em cuja fronteira vivíamos. Sim, a praia era apenas a borda daquele mundo gigantesco e desconhecido.
     Olhar o mar e perceber a extensão dos seus mistérios me ajudou a enfrentar aqueles dias tão difíceis, até que finalmente chegou o fim do ano. Em dezembro já estávamos em Vitória da Conquista.
     As lutas políticas que tanto me desgastaram em Ilhéus pareciam que nunca dariam resultado e que haviam sido apenas uma perda de tempo e energia para mim e tantos outros que lutaram, mas as sementes lançadas frutificaram.
     Hoje Ilhéus e a Bahia tem governos democráticos e continuo frequentando o mesmo apartamento e a mesma praia. O mar continua lá, imenso, misterioso, insondável e, às vezes, olhando aquele universo estranho parece que ele está me dizendo que não basta chegar até a praia, é preciso mergulhar nos mistérios do mundo se queremos mudar alguma coisa.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

sexta-feira, 7 de maio de 2010



Sementes

   



   Pois é, amigos leitores

     Confesso meu cansaço.
     Tenho transformado este blog numa trincheira, de onde luto pelas coisas que acredito e me protejo das tristezas deste mundo. Também é aqui que lavo minha alma e reflito sobre as coisas da vida. Mas o que mais me derrota é a traição e a covardia, disfarçadas de ingenuidade e de esperteza. O espírito mesquinho triunfa em meio à mediocridade, que é o seu mar, são as águas por onde navega, e precisa deste meio para sobreviver, mas neste mundo não lhe falta oxigênio.
     No fundo é uma luta entre amor e incapacidade de amar, entre a criação e aqueles que odeiam os criadores, porque se sentem incapazes de criar. É uma luta entre os que fazem e os que roubam as suas idéias para se sentirem importantes, numa forma de mentir para eles mesmos e ocultar sua miséria interior.
     Mas a criação e o amor sempre se impõe, como o capim que nasce na terra calcinada pelo fogo. É a vida com toda a sua força, que teima em renascer nos nossos corações, das sementes plantadas pelo vento e pela força divina que existe em cada um de nós.
     Então, quando vejo só tristeza à minha volta, olha para as montanhas, procuro me alimentar de natureza e de sonhos, ouço a algazarra dos jovens e o latido dos cães, vejo a paixão nos olhos dos namorados, sinto a força da vida na criança que chora e no pássaro que pousa no fio e percebo que meu mundo é apenas uma gota no oceano do universo e que a tristeza não tem importância, porque a vida seguirá e as coisas que os criadores fizerem permanecerão e a história dos mesquinhos desaparecerá e que eles não conseguirão deter a marcha da vida transbordante.
     Recupero então minha esperança e volto a olhar para a frente, traçando meu rumo, dentro das poucas possibilidades que temos de escolher rumos, e aceitando os fardos que escolhemos carregar.
     E assim me conecto novamente à vida e volto a semear e a colher, mesmo sabendo que lá atrás alguns virão tentando destruir as sementes lançadas à terra. Não conseguirão extirpar todas e, como sempre acontece na história humana, algumas florescerão e abençoarão com seus frutos a existência dos que virão.
     E é nesse renascer que lavo meu cansaço, como quem lava roupa suja, e renasço das cinzas da descrença, me lançando com alegria na vida e no dia que começa.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

quarta-feira, 5 de maio de 2010



Rapidinhas

    




Duetos    

     Gente, o novo CD de Zé Ramalho, Duetos, está muito bonito.
     Especialmente a faixa 2, onde ele canta com Ivete Sangalo a música Amar Quem eu já Amei, de João do Vale e Libório, e a faixa 13 gravada com Tetê Espínola, uma versão fantástica de Águas de Março, de Tom Jobim.
     A voz especial de Tetê Espínola nunca foi tão bem aproveitada quanto nesta gravação, onde ela canta em falsete quase todo o tempo, um falsete incrível, de soprano, contrastando com o baixo de Zé Ramalho.
Em alguns momentos sua voz é tão fina qu se confunde com as cordas da guitarra. O arranjo musical também é muito legal, especialmente no final, quando a percussão vai tomando conta e tetê faz um contraponto extraordinário.
     Outras faixas ótimas são; A Dança das Borboletas (faixa 1), gravada com o Sepultura e a tradicional  Ave de Prata (5) com Elba Ramalho.
     Vale a pena conferir.

    




Paulo Coelho

     Depois de muito tempo, retomei a leitura do mago, Paulo Coelho, lendo A Bruxa de Portobello (2007) e O Zahir (2005), ambos da Coleção Paulo Coelho, da Gold Editora (São Paulo). Eu já tinha lido os primeiros livros dele, O alquimista e Brida (e mais outro cujo título agora me foge) e recentemente assisti ao filme Verônica Decide Morrer, baseado num livro dele.
     Gostei bastante dos primeiros, especialmente de O Alquimista, mas depois comecei a achar meio cansativo todo aquele misticismo. Com o filme, que é muito interessante, retomei o interesse pela sua obra e agora, depois de ler esses dois confesso que não sei o que pensar.
     Tive a mesma impressão que ao ler Isabell Allende, nas suas memórias e depois na trilogia em que relata aventuras em tres continentes, voltadas para o público jovem. Parece que grandes escritores que fazem sucesso com obras iniciais, depois são contratados por editoras importantes, com a obrigação de produzirem livros todos os anos, numa verdadeira indústria cultural, que os fazem perder a densidade e até a qualidade.
     Há momentos que se percebe perfeitamente que o escritor está fazendo um esforço para completar um certo número de páginas exigido, mesmo que ele tenha uma história pra contar.
     Paulo Coelho sabe tecer uma história, sabe criar situações inesperadas e finais intrigantes, sabe desenvolver temas que questionam o vazio da vida cotidiana, a perda de um sentido de ligação com a natureza e mistura isso com alguns temas exotéricos que estão muito na moda, como o culto à Deusa, assunto tratado em muitos outros livros, como As Brumas de Avalon, além de descambar frequentemente para um tipo de filosofia muito próxima da auto-ajuda, aquela bem comercial mesmo, de que nossas livrarias estão cheias.
     Gostaria de saber a opinião dos leitores: Paulo Coelho é um gênio ou só mais um escritor de best-sellers, a fim de ganhar muito dinheiro?
     Por favor, mandem suas opiniões.

    



Sapos

     Por falar em opiniões, tem gente querendo censurar o meu blog. Toda vez que faço alguma crítica à prefeitura recebo recados de que estou prejudicando a ARCA, porque podem confundir minhas opiniões com as da Associação.
     Então, embora ache isso meio ridículo, quero deixar bem claro que as opiniões expressas neste blog, representam apenas o meu pensamento, não tendo nada a ver com a ARCA, que quando necessário saberá se fazer ouvir através da sua diretoria.
     Eu também sou vascaíno, mas minha opiniões não representam de jeito nenhum a diretoria do Vasco da Gama. Sou arquiteto, mas minhas opiniões não representam o CREA ou o IAB. Sou presidente da CITRUS e nunca ninguém lá me pediu que deixasse de me expressar.
     Minhas opiniões não representam também as muriçocas que habitam a minha casa ou os sapos que moram na represa da minha roça. Representam apenas a mim mesmo e com certeza, não representam esses que querem que eu me cale.
     E apenas para refrescar a memória deles, o artigo 5o. da nossa Constituição diz:

É livre a manifestação do pensamento.

     Abraço a todos

     Ricardo Stumpf

segunda-feira, 3 de maio de 2010


Histórias de outras vidas (9)

     UM DENTE DE ALHO

     O ano? Acho que era fins de 1989 ou início de 90.
     O lugar, o bairro São Miguel, em Ilhéus, onde eu tinha minha pequena casa de pescador. A casinha era um charme: tijolo em baixo, madeira em cima, assoalhada, telha de barro, meia água, fundos para a foz do Rio Almada, que vinha cortando muitas cidades pela Bahia, passava pela Lagoa Encantada e vinha acompanhando o mar, por alguns tranqüilos quilômetros até desaguar ali.
     Comprei o terreno ao lado expandindo um pouco o sufoco de viver em três metros de largura e fiz um telhado para guardar o carro. Sem dinheiro para construir no restante do terreno plantei coqueiros, um pé de abacate, uma jaboticabeira e debaixo do telhado fiz um pequeno balcão, em semicírculo, onde montei um bar.
     Eu trabalhava em Itabuna, cidade vizinha a 26 quilômetros, e nos fins de semana abria o barzinho pra me divertir um pouco. Meu sócio era meu amigo José Mário, que morava ao lado e estava desempregado.
Ele era muito caprichoso em tudo que fazia. Arranjou umas toalhas amarelas, que mantinha sempre impecáveis, e preparava umas caipirinhas muito gostosas, além de um camarão ao alho e óleo que ficou famoso.
     Vinha gente de longe para curtir aquele cantinho escondido na beira do rio. Tínhamos até umas mesas bem fora da visão da rua, para agrado de certos executivos do Distrito Industrial de Ilhéus situado lá perto, senhores respeitáveis que vinham com umas moças muito jovens, parecendo secretárias.
     Uma noite de sexta-feira, meio chuvosa, não havia aparecido ninguém e nos preparávamos para fechar quando um desses senhores apareceu com uma bela garota e pediu duas caipirinhas e um camarão alho e óleo.
     Tudo parecia bem, até que José me fez sinal, com cara de preocupado e disse:
     _Acabou o alho, e não tenho mais nada para oferecer além do camarão.
     Respondi que não se preocupasse que eu iria pedir um dente de alho pela vizinhança. Saí pela rua à procura de alguma casa aberta mas não encontrei nada: tudo estava deserto.
     Percorri a rua do rio, que era a nossa, e todas as casas estavam fechadas. Na colônia de pesca todos se recolhem cedo, antes das dez, pois os pescadores saem para o mar às quatro da manhã.
     Preocupado, passei então para a rua do mar, que era a outra que havia, já que nosso bairro era uma espécie de língua de areia, entre o mar e o rio: tudo fechado, tudo apagado.
     Só o vento do mar batia, frio.
     Já desanimado dei a volta, retornando até a igreja, onde havia uma travessa que dava quase em frente a minha casa. Tudo quieto, só o barulho do vento e do mar agitado e já ia desistindo quando vi uma pequena luz vermelha sob uma imensa amendoeira. A princípio não distingui o que fosse mas logo identifiquei uma brasa de cigarro. Alguém estava ali fora fumando no meio daquela ventania.
     Meio cismado, ia virando a esquina quando uma voz me chamou:
     _Procurando o que, Seu Ricardo?
     Encabulado, retornei e fui até o cigarro. Era uma velha senhora que morava na casa bem debaixo da amendoeira. Já tinha falado com ela algumas vezes, mas não me lembrava seu nome.
     Sentada num banquinho a velha fumava, saboreando o vento e a fumaça.
     Expliquei a situação e ela rapidamente entrou, me trazendo não um dente, mas uma cabeça de alho.
     _Pode levar!
     _Quanto é?
     _Ôxe, o que é isso Seu Ricardo, não é nada não...
     Agradeci, dei boa noite e corri para levar o alho para José Mário, já desesperado com a demora.
     O camarão saiu e o cliente ficou satisfeito, custando a ir embora. Quando fechamos já passava de meia-noite.
     No outro dia, sábado, vi a aglomeração perto da igreja. Fui saber e me informaram que uma senhora havia morrido na outra rua. Fui lá e dei com a mesma casa da véspera. Assustado fui espiar: era ela.
     Perguntei às pessoas na porta e me disseram que ela havia ido dormir cedo e morreu durante o sono. Tive um arrepio.
     _Como durante o sono? Perguntei.
     _Ela foi dormir e não acordou mais. Me respondeu o filho, choroso.
     Não falei a ninguém o que ocorrera, afinal ela podia ter levantado à noite para fumar sem que ninguém visse. Mas tudo era meio estranho, ela sozinha à noite, seu chamado sem me conhecer muito, a oferta generosa do alho e a morte súbita.
     Eu que detesto velórios tratei de ir naquele e o povo de lá, que não me conhecia muito, não entendeu porque eu me sentei com eles e fiquei até a hora do caixão sair, rezando e pedindo por aquela alma.

     Abraço a todos
 
     Ricardo Stumpf

domingo, 2 de maio de 2010




                                      Amor e Desamor

     Prezado amigo leitor.
    
     Alguém já disse que a solidão é uma coisa diária.
     Tem dia que é mais fácil, tem dia que é mais difícil e vai-se administrando essa dificuldade diariamente para ir sobrevivendo.
     Fácil falar mas perder um amor é uma coisa muito difícil. A gente ama e odeia ao mesmo tempo, toma resoluções definitivas que só aumentam a insegurança, quando bate a saudade quer voltar, quer esquecer, quer fugir, mas o vazio está ali, enorme, envolvendo a gente.
     Difícil seguir em frente tentando não olhar pra trás e ir juntando os cacos do coração partido em mil pedaços. Difícil se olhar no espelho e tentar reerguer o amor-próprio, fazer algum plano, qualquer plano, pra dar sentido a uma vida desnorteada pela ausência repentina de sua metade.
     Mas é a inércia da rotina que vai colocando as coisas no lugar e a memória da dor nos leva a seguir em frente, sabendo que voltar atrás é impossível. E a estrada parece tão árida e sofrida até que começamos a perceber uma flor aqui, um pôr de sol bonito lá adiante, um perfume inesperado da manhã e então, sem que percebamos, a alma vai cicatrizando, vai renascendo e sentimos reacender aquela chama da vida que nos dá alegria de estar nesse mundo, de habitar um corpo, e surgem as idéias, novas idéias, que nos impulsionam para algum lugar novo no nosso imaginário humano pleno de inquietudes e curiosidades.
     E o sofrimento nos ensina a humildade de saber-se pequeno e frágil, nos ensina que precisamos muito dos outros, que precisamos até das pedras da rua, que fazemos parte de um todo e que somos ao mesmo tempo parte e todo, indivíduo e coletivo, competição e cooperação e nos faz olhar as coisas que antes julgávamos tão importantes com misericórdia e desprendimento.
     E assim entendemos finalmente que somos pouco, mas fazemos parte de um muito, somos pequenos mas pertencemos a algo grande e que não vale a pena apequenar a alma, amesquinhar a existência, perder-se desse sentido de grandeza.
     Nossa alma pertence a uma grande alma coletiva da humanidade (assim como pertencemos também à grande biosfera terrestre), à um cortejo de almas que caminha pelas sendas da evolução e que aprendemos na alegria e na dor, na dificuldade e na vitória e que todo amor vale a pena, mesmo quando foi perdido.
     Mas o bálsamo para consolar aqueles que perdem um amor é saber que a vitória está sempre com quem amou, mesmo que sofra pela perda, e que a verdadeira derrota nesta vida é não saber amar.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf
    
    

sábado, 1 de maio de 2010

GIRO

Prezados amigos

Depois de duas semanas viajando entre Rio de Contas, Rio de Janeiro e Brasília, estou de volta à terrinha.
No Rio de Janeiro, pela primeira vez em mais de 40 anos vi governos se mobilizando para remover favelas. Aleluia! Precisou morrer tanta gente.
Mas os políticos oportunistas de plantão já estão se mobilizando para defender as comunidades da remoção.
Pode? Até quando nossa política vai ser esse comércio oportunista de favores, contra o interesse comum?

Por falar em política, em Brasília a indignação é grande. Arruda era um político popular e estava fazendo muitas obras. A revelação de sua corrupção e a extensão dela a tantos outros políticos, fez o brasiliense se tornar descrente de tudo e apostar numa renovação total.
Acredito que deve dar Agnelo Queiroz, do PT, nas próximas eleições para governador. O problema é que o PT fechou aliança com o PMDB local, seguindo a receita de Lula para apoiar Dilma, e dentro do PMDB estão muitos corruptos citados pelo Procurador Geral da República, que pede intervenção no DF.
E ontem Ciro Gomes disse que o PMDB é um ajuntamento de assaltantes.
Novidade...

Não deixem de ver O Segredo de Seus Olhos, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro esse ano. O filme, argentino, é muito bom, uma beleza mesmo e muito impressionante pelo conteúdo humano. A fotografia é bem diferente e tem uma tomada num estádio de futebol que é realmente incrível.

Enquanto isso, em Rio de Contas, gente de Emerson Leal (pra quem não conhece é um antigo político carlista que agora faz parte da base aliada)aparece oferecendo apoio a quem quiser, dizendo que estão com o dinheiro de Wagner na mão. Não entendo mais nada. Parece que nosso prefeito aqui anda cada dia mais desprestigiado. Deve ser o efeito Geddel. Acho que também é o efeito poste. Quem não dialoga com a sociedade e deixa o segundo e o terceiro escalão aprontar à vontade, promovendo vinganças contra os adversários, vai ficando cada dia mais isolado.
Triste fim de Policarpo Quaresma.

E hoje é dia daqueles que acordam cedo para carregar o Brasil nas costas: viva o trabalhador brasileiro!

Abraço a todos

Ricardo Stumpf