Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 5 de setembro de 2010

    
Primavera

Prezados amigos

     Escrevo hoje desde Porto Alegre, onde vim visitar meu filho Gustavo, empenhado na camapanha eleitoral da deputada Manuela do PCdoB.
     Muito bom rever esta cidade onde morei nos anos 70 e início dos 80, quando fazia arquitetura na UFRGS. Achei  o astral um pouco triste. O Parque da Redenção, ícone da cidade está praticamente abandonado. Mas os jacarandás e os ipês amarelos começam a florescer, dando sinais da primavera que se aproxima. Oxalá também a política local se renove, para que Porto Alegre e o Rio Grande possam também florescer.
     Muito bom também rever velhos amigos, Hannelore, D. Iracema e sua família que me recebem como se eu nunca tivesse ido embora. Sempre que volto é como se eu tivesse ido apenas ali na esquina, não importa quantas décadas tenham se passado.
     Isso sim é um privilégio.
     A vida vale a pena por essas pequenas coisas. Obrigado a todos vocês, meus amigos.
     Obrigado ao meu amigo lá de cima, por me permitir rever Porto Alegre na primavera.
CENAS

     Prezados amigos leitores, assistir ao Cena Contemporânea 2010, Festival Internacioal de Teatro de Brasília,  foi um privilégio. Infelizmente, devido a uma viagem, não pude assistir a mais espetáculos, mas aqui dou conta do que vi em pequenos comentários.
    Nem tudo foi bom, mas a sensação de ver expressões artísticas de vários países reunidas em um evento como este é muito impactante.

     Decir lluvia y que llueva

     Espetáculo apresentado pelo grupo espanhol Kabia-Espacio de Investigación Dramática de Gaitzerdi Teatro.
     Teatro experimental, investigativo, livre interpretação do imaginário poético do poeta basco Joseba Sarrionaindia. Espetáculo de grande beleza plástica, utilizando água, fogo, areia e efeitos de iluminação combinados com a utilização de adereços com grande significado cênico, como as sombrinhas que se abrem e fecham sob luz vermelha, como batidas de um coração.
     Apesar da beleza plástica e do excelente desempenho dos atores em cena, falta um enredo, um discurso novo, que ultrapasse a mera contestação gasta do mundo urbano e consumista.
     A impressão que se tem é a de que quando não se tem nada a dizer parte-se para o experimentalismo.

Balada de um Palhaço

     Apresentado pelo Grupo de Teatro Artes e Fatos, de Goiás, o excelente texto de Plínio Marcos se perde um pouco nas falas excessivamente gritadas e nos palavrões escancarados ao público, se tornando um pouco arrastado e cansativo. No final a trama ganha consistência e tem seu ponto alto na oração à vocação, texto incrivelmente belo e atual do autor, muito bem interpretado, dando um fecho emocionante ao espetáculo.

Odysseus Chaoticus

     O ISH Theater de Israel apresenta este espetáculo, criação de seus três atores, que gira em torno de uma família italiana, cujo marido procura fugir do cotidiano se imaginando protagonista da Odisseia de Homero.
     Embora a qualidade dos atores seja evidente, o espetáculo não consegue ultrapassar a barreira do humor fácil, tornando-se uma espécie de besteirol israelense. Para nós brasileiros é difícil entender a atmosfera cultural de um país tão longínquo, mas percebe-se nitidamente a influência americana nas piadas e gags. Tinha tudo para ser uma boa história, mas não é.
     Destaque para o ator Noam Rubinstein quando utiliza recursos de mímica, especialmente na cena com Poseidon, em que flutua no mar e se afoga. É realmente muito bom.
     O público braziliense contribui para a sensação de banalização do teatro. Ri de qualquer coisa, aplaude de pé qualquer espetáculo, bate palminhas quando os atores dançam. Desisti de tentar entender.

   O Jardim do Mundo

     A peça encenada pela companhia Creaciones Artísticas Las Cuatro Esquinas, da Espanha, foi construída sobre um poema de Walt Whitman e tem como inspiração o livro A morte e a donzela, de Ariel Dorfman.
     O espetáculo fala sobre a tortura, mas não do modo como estamos acostumados a falar no Brasil, como uma coisa do passado, algo horrível que aconteceu durante um período e passou. Fala sobre a tortura presente no mundo inteiro, como uma prática constante, que existe hoje.
     Apresenta os discursos dos torturados, dos torturadores, dos que preferem não ver e dos que não voltaram pra contar suas histórias.
     Fala da convivência dos torturados com os torturadores, coisa que vivenciamos hoje no Brasil e em toda América Latina, que ainda vive à sombra de ditaduras recentes.
     Fala sobre o absurdo das técnicas que despersonalizam as pessoas para arrancarem informações, sobre o desprezo pela dignidade do ser humano e pela vida humana, do prazer em fazer sofrer e em matar pessoas comuns.
     Fala direto às nossas consciências que procuram não ver o absurdo, porque tem medo de não aguentar e assim permitem que o absurdo prossiga.
     Muito importante o texto e o trabalho deste grupo.
    Visualmente o espetáculo é pobre, sem cores, o que está adequado à temática.

Dulce

     Espetáculo criado e apresentado pelos atores Michel Blois e Thiare Maia, do Brasil e Nuno Gil e Claudia Gaiolas, de Portugal.
     Dois casais de classe média jantam juntos e aos poucos vão mostrando suas contradições.
     O título Dulce, faz referência a uma história antiga, contada por um dos casais, sobre uma noiva que passa a vida esperando por um noivo que morreu.
     Reflexões sobre o ódio, o ciúme, a frivolidade, o conservadorismo, mas sobretudo sobre o amor.
     Atuações maravilhosas desses atores criadores. Um cenário intimista, em que se entra pelo palco do pequeno Teatro II do Conjunto Cultural do Banco do Brasil, um semi-arena, com uma platéia pequena (talvez 60 lugares). Ao entrar, a mesa posta e um atriz já em cena, sentada tomando um copo de vinho enquanto lê distraidamente um livro.
     A diferença dos sotaques, nos coloca no centro de uma comunidade internacional de língua portuguesa  em ascenção, o que nos leva ao encontro de uma identidade lusa, que se afirma sobre os oceanos que separam seus povos.
     Tudo muito bonito e cativante. Uma beleza. Para mim, o melhor do Cena Contemporânea 2010, dentre as cinco peças que pude assistir.