Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



O Pêndulo de Foucault

      Pois é, queridos amigos, num domingo chuvoso em Ilhéus, sem a mesmice da televisão, encontrei numa banca de revistas uma edição de bolso deste livro, de Umberto Eco, (Edições Bestbolso, 2009 - Rio de janeiro) por apenas R$19,90.
      Eu, que já tinha lido O Nome da Rosa e Como se Faz uma Tese, do mesmo autor, tinha (e tenho) a melhor impressão dele e já havia visto esse título nas livrarias, sem a menor idéia do que fosse.
      Italiano, Umberto Eco é uma das mentes mais brilhantes da nossa época, junto com Noam Chomski, o linguista norte-americano. São dois pensamentos livres, sem compromissos com ideologias, partidos ou mesmo com seus países de origem. Olham o mundo e formulam seus pensamentos, doa a quem doer, mostrando sem medo o que estão vendo. A diferença entre eles é o fino senso de humor de Umberto Eco.
      O livro é de 1988, com tradução brasileira de 2009. Pena que esperamos tanto tempo por uma reflexão que tem muito a ver com os anos 80, embora isso não diminua sua importância.
      Na verdade não é um livro fácil de ler. A erudição do autor nos brinda com uma fartura tal de citações, que se fossem explicadas todas em notas de pé de página, o livro, no mínimo, duplicaria suas 676 páginas.
      Citações em inglês, francês, italiano, alemão e latim, não são traduzidas. Cada um se vire como puder. Referências a lugares dentro de cidades também não. Do mesmo jeito que se refere aos bairros de Milão e Paris com a maior naturalidade, também fala de Salvador e Rio de janeiro, onde se desenvolve um dos capítulos da história.
      O estilo as vezes se torna cansativo, quando encontramos uma voz dentro da outra, dentro da outra. Mas aos poucos vamos entendendo que toda essa confusão de lugares e citações vai compondo um painel, uma espécie de mosaico, onde encontramos toda a cultura do século XX, com sua dinãmica política, econômica e artística, painel que ele usa como pano de fundo para uma história muito maluca.
      Um grupo de funcionários de uma editora, às voltas com autores esotéricos que eles não consideram sérios, começam a seguir uma pista trazida por um deles, sobre uma conspiração muito antiga, ligada a um segredo dos templários, lendários cavaleiros guardiões do templo de Jerusalém, na época das cruzadas.
      Meio de brincadeira eles começam a reconstruir o que seria o Plano dos templários e aos poucos vão se envolvendo numa conspiração real, cujo final surpreendente nos faz refletir sobre a necessidade que a nossa cultura tem de se nutrir de segredos e conspirações.
      Ao mesmo tempo que reflete sobre as aspirações e frustrações humanas, Eco nos revela um mundo aristocrático, dominado pelo segredo, pelos subterrâneos e pelo obscurantismo, um mundo que o cristianismo combateu, justamente por que ele nega a revelação da luz.
      O ocultismo que prefere a obscuridade, a violência, idolatra a morte e o privilégio de um conhecimento secreto, despreza a vida humana e a própria natureza da matéria, que também é uma criação divina.
      Mas na sua trajetória confusa, a narrativa vai nos revelando a origem das idéias e o encadeamento dos pensamentos, desde os primórdios místicos no Egito e na Mesopotâmia e de como esse misticismo se transforma através dos rosacruzes no iluminismo de Francis Bacon (um maçon), e desagua nos revolucionários jacobinos franceses, nos movimentos operários anarquistas, depois marxistas e ecologistas, sem que haja uma ruptura entre eles, mas uma evolução contínua, que se desenvolve em círculos secretos ou em correntes mais amplas, que interagem entre si.
      Ao final, compreendemos finalmente que todo delírio místico não consegue ultrapassar a verdade silenciosa da matéria, da qual somos feitos, que encerra em si todos os mistérios, inclusive o do eterno ciclo de destruição e renovação da vida. A matéria, portanto, não se opõe ao mundo espiritual, já que é parte da criação divina e  viver correndo atrás de segredos e conspirações é negar a própria vida e desperdiçá-la olhando para abismos sombrios ao invés de aproveitar as planícies ensolaradas desta vida breve.
      Mas o livro nos dá também um panorama da história do pensamento europeu, com todas as influências que recebeu dos judeus, dos árabes, dos indianos e dos chineses. Na época em que ele escreveu, ainda não havia Al qaeda e o terrorismo árabe que ele, sem querer, nos explica a partir da seita dos assassinos.
      Sim, era assim que se denominava uma seita muçulmana que treinava jovens para matar aqueles que atrapalhassem os planos de seu líder, que pensava deter o segredo de uma revelação divina.
      Esse nome passou a significar gente que mata sem nenhum motivo, com crueldade. É impossível ler sobre eles sem pensar em Bin Laden e seus homens bomba, lutando contra os impérios, sem respeitar nada nem ninguém, sacrificando inocentes, sem dó nem piedade.
     Assim, Umberto Eco nos mostra a origem das barbaridades contemporãneas, vindas do ocultismo oriental que nossos esotéricos tanto idolatram e, também, que talvez seja chegada a hora de parar de procurar mistérios e olhar o mundo com mais simplicidade.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf