Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 25 de setembro de 2011

Uma nova arquitetura?
 
     
 Dentro de um seminário acadêmico sobre Correntes contemporâneas de arquitetura realizado na disciplina de projeto que ministro, numa faculdade de arquitetura, foram analisados oito temas contemporâneos, na seguinte ordem: arquitetura tradicional brasileira (ela existe?); arquitetura vernacular, movimento moderno internacional, arquitetura moderna brasileira, arquitetura pós-moderna, arquitetura high tech, arquitetura orgânica e arquitetura sustentável.
     Os trabalhos foram muito interessantes e o debate que conseguimos mais ainda, aproveitando um período em que a arquitetura mundial não tem uma tendência dominante muito forte, aceitando vários tipos de contribuições e se revelando um campo relativamente aberto a novas tendências.
     Tenho discutido muito com os alunos de graduação sobre a possibilidade de iniciarmos um novo momento na arquitetura brasileira, na medida em que vivemos também um novo momento político e econômico no Brasil, superando os maneirismos e decorativismos da febre consumista que nos atingiu, especialmente no âmbito da arquitetura de interiores.
     É natural que a nova classe média e até a nova classe rica queira consumir, e nosso mercado de consumo precisa mesmo crescer agregando novos produtos e materiais, o que nos abre um leque considerável de opções para criar coisas novas. O problema é dar uma organicidade a essas novas possibilidades, de forma a permitir que nossa arquitetura recupere a inciativa sem perder a qualidade, sem cair na tentação fácil do consumismo fútil e vulgar.
     Dentre todas as correntes analisadas, todas vigentes simultaneamente neste início de século, as mais recentes, como a orgânica e a sustentável, se destacam pelas preocupações ambientais, embora a sustentável não seja propriamente um estilo, já que a variável de sustentabilidade pode ser agregada a qualquer expressão formal. A orgânica sim surge como um estilo, voltada para as formas da natureza, embora seu surgimento esteja lá atrás no início do modernismo, com Frank Lloyd Wright nos Estados Unidos e Alvar Aalto na Finlândia, que fundaram a chamada corrente organicista do movimento moderno, representada especialmente pela famosa Casa da Cascata de Wright (acima à esquerda).
     Muitos alunos me perguntaram se Oscar Niemeyer ainda é moderno, pois pesquisando na internet, a Wikipédia (...) cita algumas de suas obras como pós-modernas  e outras até como orgânicas.
     Tenho explicado a eles que os arquitetos transitam pelos movimentos ao longo de suas vidas profissionais, mas que Niemeyer decididamente não é pós-moderno. Talvez algumas de suas obras tenham incorporado muito do organicismo, especialmente a famosa Casa das Canoas (a direita), muito integrada à natureza, mas que as curvas são uma característica sua desde o início de sua carreira, com o conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, e que ser moderno não significa necessariamente usar linhas retas, muito identificadas com o chamado estilo internacional.
     Na verdade o modernismo, de tão duradouro, permitiu que várias gerações de modernistas se sucedessem, dando a esse movimento a possibilidade de se reinventar ao longo de décadas, sendo hoje muito mais livre de cânones do que inicialmente, podendo incluir manifestações de cor (como as de Fernando Peixoto na Bahia) e de alegria e ludicidade como em alguns projetos orgânicos, se afastando da rigidez funcionalista inicial.
      Outra constatação interessante foi feita sobre o movimento high tech, que estetizou a aplicação de materiais de alta tecnologia e usa amplamente a técnica de modelagem computadorizada para projetar volumes, que seriam impossíveis de serem desenhados com as técnicas projetivas tradicionais. Geralmente os autores desses projetos realizam grandes obras governamentais ou empresariais, se destacando as grandes torres (à esquerda), algumas já chegando perto de um quilometro de altura.
     Perguntei aos alunos porque o Brasil não está construindo alguma torre dessas, com pretensão de ser a mais alta do mundo, e fiquei satisfeito com a resposta de que esse tipo de arquitetura é, antes de tudo, uma manifestação de poder e que o Brasil não precisa disso, ao contrário, precisa de mais democracia, mais distribuição de renda e de uma arquitetura mais voltada para as necessidades da sua população.
     Depois dizem que a juventude de hoje não tem uma visão de mundo.
     É claro que as técnicas da modelagem tem que ser incorporadas à prática dos novos arquitetos, não apenas na modelagem das formas mas também das informações, usadas nos softwares conhecidos como BIM (Building Information Modeling), mas a intenção formal e a responsabilidade social e cultural serão sempre dos profissionais arquitetos, que definirão o rumo que a arquitetura brasileira vai tomar, podendo superar sua atual fase que prima pela falta geral de ousadia (com grandes excessões).
     Mas pensando sobre os resultados do nosso pequeno seminário, tive o pressentimento de que talvez uma quarta geração de arquitetos ainda muito marcada pelo modernismo mas já voltada para o orgânico (como na obra do japonês Kotaro Ide, à direita) e, certamente para  a sustentabilidade, possa nos dar uma nova safra de bons projetos, aliando a simplicidade e o despojamento modernista com a poesia das formas da natureza, usando para isso as técnicas da modelagem e incorporando alguns elementos da tradição brasileira, seja ela erudita ou vernacular, da qual faz parte a alegria do nosso povo, representada pelas nossas cores e ritmos.
    
    
    
    
    

      

Rapidinhas
    
Dilma na ONU


    Nossa presidente e deu bem na ONU, fazendo um discurso equilibrado, mas incisivo, defendendo as posições do Brasil. Aos poucos Dilma está conseguindo impor seu estilo firme e tranquilo e, talvez por isto, esteja conseguindo o respeito e o apoio de setores que tinham contradições com o jeito popular de Lula.
     Bem legal a ênfase na questão feminina, quado ela disse se sentir representando todas as mulheres do mundo, especialmente as que sofrem, as mais pobres, etc. Bom também ela ter comentado tranquilamente que sofreu torura no cárcere e fazer sua profissão de fé na justiça e na democracia.
     O apoio ao ingresso da Palestina na organização foi claro e inequívoco.
     A comparação com o discurso vacilante e populista de Obama é inevitável.
     Muito estranho ver o Brasil puxando as orelhas dos países ricos por não fazerem o "dever de casa". Confesso que não esperava viver pra ver o Brasil assumir este protagonismo.

Dois irmãos

     O Filme argentino Dois irmãos é mais uma surpresa agradável que o cinema portenho revela, depois do sucesso de O segredo de seus olhos.
     Com muita delicadeza e um ritmo tranquilo, o filme vai desenrolando a história de um casal de irmãos maduros, que tem que refazer a vida após a morte da mãe, na tranquila cidade uruguaia de Vila Laura.
     Os atores Antonio Gasalla e Graciela Borges, dirigidos por Daniel Burman, nos fazem refletir sobre a possibilidade de resolução velhos conflitos familiares e de redescobertas de vida na terceira idade.
     Vale a pena conferir.
    
     
     Por trás dos palácios...



     Interessante a reação às críticas que fiz à Brasília dos anos 60. Foi como tocar em um nervo exposto.
     Ainda está por ser contada a história da formação da sociedade conservadora que se instalou no Plano Piloto de Brasília, na década de 1960, formando sua primeira elite, e sua contradição com as cidades satélites.
     No início da cidade, a repressão aos trabalhadores foi feroz, com muitos massacres em canteiros de obras, comandados pela antiga GEB (Guarda Especial de Brasília), enquanto a nova classe média se divertia no Iate Clube.
     Poucos historiadores se dedicaram a pesquisar este período.
     Essa geração que produziu políticos como Collor, Luis Estevão, Paulo Octávio e José Roberto Arruda, dominou a cidade por muitas décadas, num ambiente que misturava provincianismo com modernidade e que ainda repercute no imaginário de seus cidadãos.
     Brasília, de projeto democrático, quase socialista, de cidade, se transformou num verdadeiro apartheid, com os pobres segregados e reprimidos em cidades dormitórios, servidas por péssimos (e caros) transportes e dotadas de indicadores urbanos muito inferiores aos do Plano Piloto, sem equipamentos de cultura e lazer.
     Como exemplo, o projeto do Centro de Cultura de Ceilândia que elaborei para o GDF em 1986, continua inacabado, 25 anos depois.
     Do projeto inicial foram construídos apenas a biblioteca e o pavilhão de cursos, faltando o teatro de arena, o cine-teatro, as quadras poliesportivas e a cobertura do forró.  
     Mesmo assim o Centro (que deveria ser cultural e desportivo), foi eleito pela população como um dos símbolos da cidade. Quem sabe o governador Agnelo Queiroz não resgata essa dívida com o povo da maior cidade satélite de Brasília.
     
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sábado, 17 de setembro de 2011

Rapidinhas

Pina Bausch

     Confesso minha ignorância: eu já tinha ouvido falar, mas não conhecia o trabalho de Pina Bausch, até assistir a defesa de tese em Artes Cênicas da diretora Carmem Pasternostro, em Salvador. Mas o fato é que estou apaixonado por tudo que essa fantástica bailarina e coreógrafa alemã fez.
     É impressionante a força da dança teatro, uma dança dramatizada, que emociona e faz a gente viajar junto com ela. Vi apenas umas poucas coisas, baixadas do Youtube, entre as quais a montagem de "A Sagração da Primavera", cujo link vai abaixo.
     Sugiro aos leitores que cliquem para assistir essa maravilha. No Youtube há muito mais, inclusive uma chamada Vallmond (lua cheia), em que os bailarinos dançam na água, que é fantástica. Há uma outra chamada´"Água", dedicada ao Brasil. Muito bonito.
     Pina nos deixou inesperadamente em 2009, aos 68 anos. Morreu apenas cinco dias após ser diagnosticada com câncer, enquanto estava em plena atividade.
    
O Pré-sal e a saúde

     Não dá pra entender. Os políticos ficam brigando pelos enormes recursos que vão entrar do Pré-sal, com Municípios e Estados lutando pelos "royalties" (impostos) que serão cobrados por um petróleo extraído a mais de 300 Km da costa.
     Por outro lado o governo arma estratégias para criar um novo imposto para financiar a saúde, que está com poucos recursos para atender sua expansão e cumprir sua finalidade constitucional de garantir atendimento gratuito e de qualidade a todfos os cidadãos brasileiros.
     Porque não destinar parte dos recursos do pré-sal para a saúde? Acho que esses recursos, retirados fora das águas territoriais brasileiras (embora estejam na zona econômica exclusiva do Brasil), não pertencem a Estados e Municípios, simplesmente porque estão em frente a eles. Pertencem à todo o povo brasileiro.
     Deveria ser feito um plebiscito a respeito do destino dessa riqueza toda, afinal ela é nossa e não dos políticos.

A semana da palestina

      Dia 23 de setembro, o Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apresenta à ONU o pedido de reconhecimento do seu Estado Palestino.
      Mais de 130 países do mundo, inclusive o Brasil, já reconhecem o Estado Palestino, baseado nas fronteiras anteriores à guerra árabe-israelense de 1967, quando Isarel invadiu e ocupou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, até então ocupadas por países árabes.
     A desocupação e o reconhecimento do Estado Palestino abrirão às portas para a paz no Oriente Médio, coisa que o atual governo de Israel, comandado pelo conservador Benjamin Netanyahu, não desejam de jeito nenhum, pois contraria sua política expansionista, de ocupação dos territórios palestinos.
     O governo do Israel vem sofrendo um isolamento cada vez maior no mundo inteiro, devido à sua intransigência em negociar e à política de construir assentamentos judaicos nos territórios ocupados, para criar um fato consumado que impeça a devolução dos territórios.
     As revoluções democráticas no Oriente Médio e a crise na Europa e nos Estados Unidos, deixam seus principais aliados sem muita energia para ajudá-los. Europeus e norte-americanos, ás voltas com seus próprios problemas, começam a apresentar cansaço em relação a Israel e ao governo de Netanyahu. É hora do povo israelense tirar esse radical do poder e eleger um novo governo, capaz de entender que o mundo mudou e Israel não poderá continuar fazendo o que bem entende, como disse recentemete o primeiro ministo da Turquia.
     Nossa presidente, Dilma, que vai abrir a Assembléia Geral da ONU, deve fazer um discurso em defesa do reconhecimento da Palestina. O Brasil tem moral para isso, pois foi o brasileiro Oswaldo Aranha quem propôs, em 1947, na ONU, a partilha da Palestina , para dar origem a dois estados, Israel e Palestina. Até hoje a Palestina tem sido impedida de existir. Talvez seja chegada a sua hora.

Saudosismo e Facebook

     Pois é, amigos leitores, outro dia me inscreveram numa comunidade do Facebook (Brasília 1960), sem me consultarem, dessas que a gente reencontra gente de muitos anos atrás. Fiquei curioso e comecei a olhar as pessoas que estavam na lista. Não me lembrei de quase ninguém, mas recebi algumas mensagens de gente que me conhecia.
     Alguns eu me lembrei quem eram, outros não, pois não tenho o hábito de ficar cultivando coisas antigas, pelo contrário, meu costume é ir deletando tudo e sempre olhando pra frente.
     Mas fiquei impressionado com o espírito saudosista de pessoas que parecem ter parado no tempo.
     Alguns, aposentados, parecem viver do passado, como se não tivessem mais nada a ganhar da vida. Lembram-se de velhos produtos que não existem mais, de velhos hábitos e uma senhora me mandou um anúncio do Fusca 1961, acompanhado de uma legenda onde se lia: "bons tempos".
     Francamente, não acho que 1961 tenha sido um tempo bom. Me lembro da renúncia de Janio Quadros, da CASEB, colégio em que estudei em Brasília e do qual não tenho boas recordações. Me lembro também do atraso em que vivíamos, num país em que não havia divórcio, analfabetos não podiam votar, as mulheres tinham que ser submissas aos homens, os filhos tinham que ser obedientes e de muita caretice, como festas de debutantes, cabelos cortados à escovinha e coisas do gênero.
     Me lembro também do machismo reinante, dos assassinatos de mulheres em nome da "defesa da honra", do preconceito contra os gays, dos valentões da escola, das meninhas idiotas e da guerra fria, que nos ameaçava diariamente com um holocausto planetário.
     Acho que sou muito mais feliz hoje, com meus 60 anos, e muito mais produtivo também.
     Continuo descobrindo coisas novas, amando e vivendo com muito mais intensidade do que naqueles anos de atraso.
     Acho que a vida é uma sucessão de ciclos, que vão passando e a gente tem que ir vivendo todos eles. Outro dia me dei conta de que, na minha idade, não tenho mais muita vida pela frente. Foi um choque. Eu nunca tinha pensado nisso e confesso que fiquei meio deprimido durante algum tempo. Mas depois pensei: isso é como um sorvete gostoso, só porque ele vai chegando ao fim não vamos deixar de saboreá-lo.
     A gente faz o que pode, erra, acerta, faz grandes amizades (poucas), vive paixões que um dia terminam, casa, cria filhos, mas o importante é saber recomeçar, saber reconhecer as pessoas que realmente amam a gente e as que valem a pena ser amadas.
     É claro que existem pessoas que entram na vida da gente para sempre, outras apenas passam. A maioria passa, assim como a gente também passa por eles.
     Mas hoje, se eu pudesse voltar, não retornaria de jeito nenhum. Não gostaria jamais de retornar no tempo e sigo sempre curioso sobre o que o amanhã me reserva em termos de coisas novas para aprender, mesmo que elas representem algum sofrimento.
     E agradeço a Deus todos os dias por poder ter percorrido todo este caminho, semeando frutos e colhendo também. Peço sempre por todos que amam, pelos que sofrem, pelo Brasil e pela humanidade e tenho mania de ser otimista, como Cora Coralina, que no fim de sua longa vida escreveu: nunca se esqueçam de que o presente é sempre infinitamente melhor do que o passado, o que é uma idéia fantástica, partindo de uma senhora de 90 anos.
     Não quero fusca 61, nem quero viver de saudosismo. Quero construir mais e mais coisas boas, enquanto tiver forças para trabalhar e amar.

     Abraço a todos
    

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rapidinhas
11 de setembro
     Dia 11 se completaram dez anos do atentado das torres gêmeas e 38 anos do golpe no Chile, patrocinado pelos americanos. A grande imprensa só fala das torres, onde os americanos foram as vítimas, esquecendo-se do golpe de Estado orquestrado pelo goveno dos Estados Unidos, que bombardeou o Palácio Presidencial de La Moneda, matando o Presidente Allende e causou mais vítimas que o atentado da Al Qaeda, destruindo a democracia e os sonhos de um país, que até hoje luta para se recuperar das consequências de quase 20 anos de ditadura fascista, como se vê pelos protestos diários dos estudantes chilenos, contra o modelo de ensino implantado pelo ditador Pinochet.

     Sou absolutamente contra qualquer tipo de terrorismo, principalmente porque vitima pessoas inocentes, mas não dá pra esquecer que os Estados Unidos já causaram milhões de vítimas civis em outros países, para defender seus interesses econômicos e políticos, o que não deixa de ser um terrorismo de Estado.
     Então, ao vê-los amargar a decadência depois de 10 anos dos atentados,  não dá pra deixar de ter aquela sensação de; aqui se faz aqui se paga.
      
A privatização dos cartórios na Bahia

     Pronto, eles conseguiram de novo. No Brasil, sempre que se quer privatizar algum serviço público, segue-se um modelinho de sucatear o serviço e colocar a culpa no Estado, depois faz-se intensa propaganda de que só a privatização pode resolver e aí, com a opinião pública favorável, fica fácil defender os interesses daqueles que querem se apoderar do setor para auferir lucros enormes.
     Agora, que a Assembléia Legislativa aprovou a privatização, exige-se que os cartórios ampliem seus serviços, fazendo concursos para contratar mais funcionários e aumentem seu horário de funcionamento. Antes ninguém cobrava essas providências do Estado.
     Os titulares dos cartórios, que estão por trás dessa campanha, vão ganhar muito dinheiro e quem vai pagar somos todos nós, os contribuintes. Com certeza muita gente está levando dinheiro nessa história.

Água com fluor: uma ameaça?

     Muito interessante e instigante o artigo de Claudia Rodrigues, no Operamundi, sobre os possíveis malefícios que a adição de fluor na água pode causar à saúde humana. Depois de décadas ouvindo as autoridades dizendo que era preciso fluoretar a água para proteger nossos dentes, agora vem uma opinião radicalmente contrária, dizendo que essa história começou na Alemanha nazista.
     Um alerta sobre a introdução indiscriminada de produtos químicos na nossa dieta diária. Vale a pena ler. no link abaixo:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/AGUA+FLUORETADA+UMA+HERANCA+NAZISTA_1606.shtml
Um recado para a Embraer
     Pois é, amigos leitores, sempre fui um aficcionado por aviões. Quando menino colecionava postais de empresas aéreas e escrevia para os fabricantes de aviões americanos pedindo fotos para colocar em um álbum. Também sou um passageiro tarimbado. Nos meus 60 anos de vida já voei em muitos modelos e empresas aéreas, do Brasil e do mundo.
     Meu primeiro voo comercial foi num Costellation da saudosa Panair do Brasil (à esquerda), na rota Rio-Belém, em 1959. Seis horas de voo direto, com muito conforto e glamour, coisas que desapareceram nessa era de transporte aéreo de massa. Já voei também nos antigos DC-3,  DC-6  e Avro 748, da FAB, DC-4 e Curtiss Comander, da extinta Paraense Transportes Aéreos, a PTA, como chamava minha tia Suzette lá de Belém.
Depois a empresa comprou uns turbo-hélices para se modernizar, os Fokker 27, também conhecidos como Hirondelle nos quais também voei, quando ia passar férias na ilha do Marajó. Outros turbohélices foram o Electra II da Varig e os Viscount da Vasp, ambos excelentes aviões. Os Electra II (abaixo à direita) tinham uma sala de estar no fundo, pra gente sentar e ficar lendo jornais e revistas. Uma delícia.
Nos jatos voei em quase todos. Caravelles da Panair, da Varig, da Cruzeiro do Sul (abaixo à esquerda), e da SAS numa viagem à Suécia, entre Estocolmo e Gotemburgo.
Nessa mesma viagem peguei um DC-9 (abaixo à direita), de Frankfurt para Estocolmo. Tinha uma asa pequenininha de dar medo.
Andei no Boeing 720 (abaixo à esquerda) da antiga PanAm, na Rota Brasília-Cidade do Panamá (com conexão para Miami num 727), no 707 da Varig, nos 727 da Varig, Vasp (o antigo super-200) e Transbrasil, nos 737 (de todas as séries), 747, 757 esses dois últimos da Ibéria, numa viagem à Europa em 1996, e nos 767 da Transbrasil.
Só não conheço os 777. Voei também no DC-10 da Varig, na rota São Paulo-Manaus. Uma delícia de avião. Nos Airbus voei no primeiro, o A-300 da Vasp, que era grandão, depois nos A-320 e A-330 da TAM, empresa em que não voo mais depois daqueles dois acidentes horríveis em Congonhas. Não acredito na manutenção dela e no treinamento de seus pilotos. Tem um dos maiores índices de acidentes do mundo.
     Na antiga Ocean Air, agora Avianca, voei nos Fokker 100 (da TAM também) e nos turbo-hélices de asa alta, Fokker 50, da Ocean Air e da Nordeste linhas aéreas, subsidiária da Varig. Também pela Nordeste e pela antiga TABA (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica) voei de Bandeirante e depois pelos Brasília e ERJ-145 da Passaredo (abaixo à esquerda), todos fabricados pela Embraer. Só não andei ainda nos ERJ-190 da Azul.
     Voei também nos velhos Ilyushin 62 soviéticos, (à direita) da Cubana de Aviación, entre Rio e Havana, em 1997. Uma beleza de avião, com quatro turbinas na cauda. Tinha uma estabilidade enorme, nem se mexia quando estava lá em cima.
     Ultimamente tenho viajado nos novos ATR (42 e 72) da TRIP (abaixo à esquerda), que pousam em Vitória da Conquista. Um turbo-hélice de asa alta, muito simpático e confortável, feito pela mesma fabricante dos Airbus.
     Essa experiência como passageiro e minha inquietação natural de arquiteto que me faz ficar sempre pensando em organizar melhor os espaços,  me trazem algumas idéias sobre a próxima geração de aviões que a Embraer está preparando. Sei que a empresa está esperando para ver o rumo que o mercado vai tomar, para se decidir se passa a fabricar aviões maiores, para competir com os Boeings e Airbus, ou se fica mesmo no mercado regional, com aviões médios, quem sabe retornando aos turbo-hélices que abandonou.
     Como passageiro experiente, embora não seja engenheiro aeronáutico, queria dar algumas sugestões, à nossa fabricante de aviões, a terceira maior do mundo, desde o ponto de vista do usuário.
     Creio que a Embraer deveria continuar a pensar mais nas rotas curtas, de cidades médias, que estão se expandindo muito no Brasil e também na integração cada vez maior da América do Sul, que deve levar no futuro a ligações internacionais entre cidades médias (principalmente do Mercosul), ou seja, mais voos com muitas escalas.
     O problema com os aviões atuais é que eles são muito compridos e estreitos. Leva-se muito tempo para entrar e sair e mais um tempo enorme esperando as malas, especialmente em aeroportos regionais. Os novos aviões da Embraer poderia ser mais largos, para se manterem curtos. Explico.
     Pegando uma fuselagem do tamanho de um Boeing 747, por exemplo, que tem dois corredores (foto abaixo) e 10 cadeiras em cada fileira (3, 4 e 3), a Embraer poderia inovar e fazer mais um corredor, por exemplo, com uma configuração de 2 cadeiras do lado da janela, um corredor, mais 2 cadeiras, outro corredor, mais 2 um terceiro corredor e mais 2 na janela do outro lado. 
Assim teríamos 8 assentos por fileira, dois a dois, sem o incômodo assento do meio. Além disso as cadeiras poderiam ser mais largas. Assim, com apenas 20 fileiras de 8 assentos, o avião poderia levar até 160 passageiros, sem ficar tão compridão, podendo inclusive pousar em pistas mais curtas.
     Com tres corredores, os passageiros poderiam entrar e sair com mais rapidez e também se movimentar durante os voos sem aquela chatice de ficar esperando aquele carrinho do serviço de bordo passar.
     Além disso os bagageiros internos poderiam ser maiores, permitindo que a gente levasse bagagens de mão maiores, diminuindo o tempo no chek-in, as perdas de bagagens e o tempo que a gente espera pelas malas.
     Deviam também acabar com o serviço de bordo que atualmente é ridículo, oferecendo barrinhas de Nutre ou biscoitinhos que não enchem a barriga de ninguém. Melhor seria instalar umas máquinas de refrigerantes, sucos e sanduíches no fundo do avião e quem quisesse ia até lá, colocava sua moedinha e pegava o seu lanche.
     A largura extra da cabine podia inclusive permitir fazer mais banheiros e, quem sabe, até uma sala de estar como a do antigo Electra II, no fundo, com mesinha para quem quisesse comer seu lanchinho por lá mesmo. Como os voos em geral duram entre 30 minutos e duas horas, daria tranquilo para as pessoas circularem, evitando aquela sensação ruim de ficar preso à poltrona.
     Mais conforto, rapidez e economia.
     Ainda por cima o avião poderia ser espichado, a depender da demanda por aviões maiores capazes de cruzar o oceano, sem precisar refazer todo o projeto.
     Outra coisa que faz falta é um elevador para cadeirantes e corredores internos com largura suficiente para as cadeiras de rodas. Até nos ônibus urbanos o elevador para cadeirantes virou obrigatório (foto à esquerda). Não entendo porque não existe uma legislação que obrigue os aviões a adotá-los. É humilhante para os que andam em cadeiras, serem carregados escada acima em aeroportos que não tem os tais "fingers", que são aqueles tubos, tipo sanfona, que se esticam até a porta do avião pra gente desembarcar sem precisar de escadas.
    Aliás esses "fingers" restringiram a entrada e saída às portas dianteiras, atrasando o embarque e desembarque. Melhor seria usar aviões de asa alta, que ficam mais próximos do solo e tem escadas com poucos degraus e criar coberturas altas nos aeroportos, como se fossem hangares abertos, de um jeito que os aviões entrassem por baixo, protegendo os passageiros do sol e da chuva, sem nenhum "finger". Aí o avião poderia ter muitas portas e permitir uma saída rápida por todas elas. É claro que isso implicaria numa mudança na arquitetura dos aeroportos para atender uma nova geração de aviões. Mas não é isso que sempre acontece?
     Em relação à segurança, porque não colocar flutuadores sob as asas, como nos primeiros aviões transatlânticos, permitindo que eles pousem na água em caso de emergência? Qualquer rio ou lago serviria de pista de pouso, salvando muitas vidas e evitando catástrofes como a do Airbus da Air France na rota Rio-Paris.
     A Embraer está desenvolvendo um jato de asa alta para transporte militar, o KC-390 (à direita),  que talvez pudesse atender a essas especificações, se fosse adaptado para uso civil .
Quem sabe a Embraer possa introduzir um diferencial de conforto e segurança nos seus projetos, ao invés de ficar copiando velhos modelos americanos e europeus.



 

domingo, 4 de setembro de 2011

Rapidinhas

Carmem


     Foi com prazer que assisti, na terça-feira passada, dia 30 de agosto, em Salvador, à banca de doutorado em Artes Cênicas, da diretora teatral Carmen Pasternostro Schaffner, intitulada: "Da dança expressionista alemã ao teatro coreografado da Bahia: aspectos interculturais e pós dramáticos em Dendê e Dengo e Merlin." 
     A autora fez um histórico do surgimento da dança expressionista na Alemanha, mostrando como essa escola influenciou o teatro baiano, através de profesores alemães que vieram para cá após a guerra, e a repercussão disso nos espetáculos montados por ela, intitulados Dendê e Dengo e Merlin, na década de 1990.
     Além da belíssima exposição da doutoranda (agora já doutora), a banca de altíssimo nível a arguiu durante mais de duas horas, demonstrando conhecimento profundo do seu trabalho e dos temas por ela abordados, resultando numa verdadeira aula para os assistentes.
     Um dos aspectos mais intrigantes, levantados pelo trabalho, foi a relação proposta por ela entre a dança expressionista alemã e o nazismo, que teria se apropriado de muitos elementos presentes no imaginário dessa escola para criar o mito da raça superior, do corpo perfeito, etc.
     Muitos desses mitos, que surgiram no início do século na Alemanha, como o naturismo, o vegetarianismo, a busca pela saúde, perfeição e beleza do corpo, ainda estão presentes na sociedade atual, sem que essa relação nunca tivesse se revelado para mim.
     Também a questão da colaboração entre artistas da época e o regime nazista provocou celeumas muito interessantes, fazendo eco a situações contemporãneas, como a possibilidade de que artistas brasileiros tenham também colaborado com a nossa ditadura militar e a espécie de censura que o neoliberalismo exerce hoje em dia sobre as artes, através de sua lógica mercadológica.
     Valeu a viagem.
    
Chega de Corrupção


     Não dá mais.
     A absolvição de Jaqueline Roriz, em votação secreta, pela Câmara dos Deputados, foi um tapa na cara dos cidadãos brasileiros.
     Não podemos nem saber quem votou a favor de tal vergonha.
     Está na hora de mudar um sistema que permite essas coisas e que mantém uma presidente, que está disposta a fazer uma faxina ética, como refém de grupos de ladrões, escondidos dento do Congresso Nacional.
     Não dá mais pra aguentar prefeitos roubando ou permitindo que seus protegidos roubem, e fazendo o que bem entendem, enquanto uma justiça lerda não consegue impedir que merenda escolar seja desviada e crianças fiquem passando fome na escola, porque a lei permite sempre mais um recurso, mais um adiamento, mais uma forma de enganação, e nosso dinheiro continua indo para o bolso dos ladrões.
     O Brasil precisa de duas reformas urgentes: uma na justiça e outra na política. Na justiça pra que ela se desburocratize e possa ser fiscalizada pelos cidadãos e na política para que se formem maiorias estáveis no Congresso Nacional, que não dependam de apoios de patidos de aluguel, onde se alojam a maioria dos corruptos.
     Uma solução seria o parlamentarismo, onde a maioria governa e pronto. Mas isso á foi rejeitado duas vezes, em plebiscito, no Brasil. Quem sabe adotamos a solção francesa, que mistura os dois sistemas, dividindo poderes entre o presidente e o parlamento.
     Nada a ver com a tal reforma política que gente do PT, ligada à José Dirceu, quer aprovar, que é o tal voto em lista, que na prática significa a cassação do nosso direito de escolher e a consagração dos grupinhos corruptos, que ficariam livres para montar seus esqueminhas no Congresso, amarrando as eleições aos seus interesses.
     Ao contrário, o que precisamos é acabar com as listas e coligações eleitorais, para que os mais votados entrem, sejam eles do partido que forem, acabando com essa prática de transferir votos de um candidato para outro.
     Só assim pequenas minorias conseguirão ser representadas.
     Depois, dentro do Congreso, baseado em interesses coletivos claros e explícitos, poderão se formar coligações.
     Está na hora do Brasil se levantar contra tudo isso, caso contrário nunca seremos um país forte e desenvolvido e permaneceremos para sempre reféns desses bandidos engravatados.

O ovo da serpente

     Quando Ingmar Bergmann fez o filme O ovo da serpente, em 1977, expôs o nervo mais frágil do sistema capitalista: o fascismo adormecido, intrínseco ao sistema, que poderia ressurgir à qualquer momento, como um ovo deixado por uma serpente dentro do guarda-roupa de uma casa, depois de uma reforma.
     A terrível revelação das experiências médicas realizadas pelos americanos na Guatemala, nos anos 1940, e no próprio território americano, em cidadõas negros do sul, revela que ele tinha razão.
     Médicos americanos inocularam virus de doenças venéreas em pessoas saudáveis na Guatemala, inclusive crianças, simplesmente para usá-las como cobaias, observando o avanço de doenças como sífilis, gonorréia e outras, de modo a poder desenvolver medicamentos contra essas doenças. 
     Essas pessoas não sabiam que estavam sendo usadas, mas antes, achavam que estavam sendo cuidadas pelos médicos. A comparação com as experiêncas nazistas em seres humanos não é mera coincidêcia.
     Observem o conteúdo racista das "experiências", feitas em latinos-americanos e negros e nunca em caucasianos brancos. 
     Nos Estados Unidos, as experiências prosseguiram, pasmem, até 1972.
     Como reação às revelações devastadoras, o presidente americano pediu "desculpas". Só isso? Ninguém vai ser preso? Ninguém vai ser indenizado? Não haverão investigações para saber se as indústrias farmacêuticas, agora mesmo não estarão fazendo outras experiências em países da África ou da América Latina (como no filme O jardineiro fiel de Fernando Meireles)?   
     Essa é a pátria da democracia e dos direitos humanos?

Adiós Piñera 


     O presidente do Chile Sebástian Piñera já provou que não tem nada a dizer ao povo.
     Continua insistindo em manter a educação privatizada, modelito implantado pelos americanos, adeptos do ultra neoliberal Milton Friedman, nos anos 90, durante a ditadura de Pinochet, quando tentaram transformar o Chile numa vitrine do neoliberalismo na América Latina.
     Aliás nossos colonizados meios de comunicação continuam repetindo essas besteiras, de que o Chile é um país desenvolvido, o país mais civilizado da América do Sul e outros coisas do gênero. 
     Estive lá em 2009 e, tirando alguns espigões de muito mal gosto construídos no centro, encontrei a mesma pobreza de quando eu vivi por lá, há quase 40 anos atrás, com a diferença de que naquela época havia muita esperança de transformação e agora o povo não aguenta mais uma transição para a democracia que não acaba nunca.
     O que o Chile precisa é de uma Assembléia Constituinte, livre e soberana, para reconstruir suas instituições destruídas pela direita e retirar o que no Brasil chamávamos de "entulho autoritário", ou seja, um monte de leis feitas pela ditadura e que impediam o livre exercício da democracia.
     Os estudantes querem educação pública e gratuita em escolas públicas. Não é uma coisa lógica?
     Ao se negar a dialogar, Piñera assina seu atestado de óbito político e prepara o terreno para uma renovação das esquerdas chilenas. Entre as novas lideranças que surgem está a belíssima líder estudantil, Camila Vallejos, de 23 anos.
     Adiós señor Piñera. Viva Chile!

10.000 acessos


     Esta semana atingimos a marca de 10.000 acessos, nos dois anos do blog.
     Para um blog de opiniões, creio que é uma marca expressiva e agradeço aos leitores eventuais e aos meus 28 seguidores pelo interesse e participação.
    
Políticas Públicas:
A experiência dos comunistas

     Esse é o título do livro organizado pela Fundação Maurício Grabois e publicado pela Editora Anita Garibaldi, reunindo experiências de gestores pertencentes ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, nos dois governos do Presidente Lula e em alguns governos estaduais e municipais.
     Dividido em 12 temas, Gestão Pública; Esporte e Lazer; Energia; Cidades, Meio Ambiente e Sustentabilidade; Identidades e Segmentos Populacionais; Cultura; Educação, Ciência e Tecnologia; Saúde; Regularização Fundiária e Reforma Agrária; Trabalho e, finalmente, Políticas públicas: o papel da coordenação política, o livro se divide em 29 artigos, além de uma apresentação, de Adalberto Monteiro, um prefácio de Mário Pochmann e uma introdução de Renato Rabelo, o Presidente do Partido.
     Os artigos, relatando experiências de membros do PCdoB na gestão pública tem algumas coisas em comum e outras muito diferentes.
     Entre as coisas em comum, a mais frequente é a referência a um novo projeto nacional de desenvolvimento (subtítulo do livro), projeto este que não fica claro em nenhum momento, a não ser em alguns aspectos mais ligados às suas consequências sobre o bem estar da população, como a "busca por mais empregos, melhores salários, salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres, ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários; pela formalização do mercado de trabalho" (pg 402), o que configura uma antiga agenda trabalhista.
     Outra coisa em comum, mais significativa, é a busca pelo reaparelhamento e reorganização do Estado, de forma que este possa desempenhar seu papel de transformar a vida das pessoas, trazendo melhorias e ampliando seus direitos. Também a questão da busca pela probidade administrativa e do combate aos interesses personalistas em detrimento do interesse público, parece estar presente em quase todos os depoimentos. Coisas positivas, num Brasil que padece do mal crônico da corrupção.
     Como não podia deixar de ser, os depoimentos diferem na maneira de expor os fatos e na visão dos gestores. Alguns fazem mera propaganda dos seus trabalhos, ocultando as dificuldades e os méritos de seus antecessores,  talvez usando a publicação como trampolim para alguma futura oportunidade eleitoral, como o artigo de Orlando Silva e Cássia Damiani intitulado "O Esporte e o projeto de Desenvolvimento para o Brasil".
     Outros relatam suas experiências, contorcendo-se entre justificativas para trabalharem sob o capitalismo, dando a impressão de se sentirem mal nos postos, como se estivessem traindo a revolução, desconfortáveis pelo fato de serem responsáveis por políticas públicas dentro de um sistema que condenam, embora sigam em frente e apresentem bons resultados.
     Há ainda os que tem muito a apresentar, mas o fazem em forma de verdadeiros relatórios de prestação de contas, o que torna a leitura cansativa, como no caso do Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, ou tem pouco a mostrar e se perdem em palavras de ordem e bonitas intenções, como no caso da Coordenadoria da Juventude do Rio de Janeiro.
     Mas há os que são tranquilamente honestos e relatam suas dificuldades, suas lutas para vencer a burocracia, a ineficiência, destacando também as contribuições de pessoas que não são do Partido, mas que tiveram participação importante, revelando transparência de caráter e nos passando um panorama mais real da administração pública no Brasil.
     Dentre estes gostaria de destacar os textos "Construindo um sistema municipal de esporte e lazer", de Luiz Carlos Orro de Freitas, que conta sua interessante e criativa experiência como titular da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Goiânia; "Experiência exitosa em regulação de serviços públicos na capital do Rio Grande do Norte", de Urbano Medeiros Lima, descrevendo a experiência de transformar uma pequena e desprestigiada agência reguladora de águas em um órgão atuante e ligado ao movimento social; " Não é fácil", de Célo Turino, que descreve a importantíssima experiência de implantação dos pontos de cultura no Brasil à partir do Minstério da Cultura e faz uma análise devastadora da lógica da burocracia; "Jogo de Xadrez", do médico João Ananias, relatando sua administração à frente do Município cearense de Santana de Acaraú e depois como Secretário de Saúde do Ceará e "Superintendência do Patrimônio da União no Pará: uma fábrica de cidadania", de Lélio Costa da Silva, sobre o excelente trabalho de regularização fundiária realizado pelo SPU no Pará.
     É claro que uns tem o dom de escrever melhor, o que não desmerece as outras experiências, mas o que salta aos olhos é o caráter subalterno da maioria das repartições públicas atribuídas ao PCdoB, com grandes excessões, como a Agência Nacional de Petróleo, dirigida por Haroldo Lima, cuja competência e compromisso com os interesses nacionais ninguém questiona.

     Mas é nas pequenas experiências que o caráter inovador e reconstrutor do papel do Estado se destaca.
     A impressão que se tem é que dão ao PCdoB, inicialmente, órgãos públicos completamente desaparelhados e desmoralizados, coisas que ninguém quer, talvez apenas para satisfazer um partido minoritário na divisão de cargos, talvez na tentativa de desmoralizar os comunistas, apostando no seu fracasso, ou ambos. E é aí que os comunistas fazem mais bonito, recuperando, reaparelhando, criando legislações, reorganizando carreiras, formando quadros funcionais, colocando a casa em ordem e botando pra funcionar órgãos propositalmente esquecidos por décadas de abandono e, o mais importante, construindo laços entre o poder público e a população através de uma prática democrática participativa.
     Realmente uma nova escola de gestão pública, que vai, inclusive, muito mais fundo na ligação com o movimento popular do que os governos petistas, mais limitados nas suas consultas ao povo, através dos seus orçamentos participativos.
     É claro que existem também alguns depoimentos ruins, inclusive o que fecha a edição, do deputado Aldo Rebelo, se dizendo orgulhoso em defender o governo no episódio daquela triste reforma da previdência feita logo no início do primeiro governo Lula, em defender o governo das denúncias do mensalão, em defender Severino Cavalcanti na presidência da Câmara dos Deputados e, finalmente, em defender o novo Código Florestal, que anistia os desmatadores, do qual ele foi inclusive relator.
     Justifica tudo isso dizendo que o mais importante era "defender o governo". Podemos imaginar onde isso poderia parar, na medida em que em seu depoimento parece não existir princípios a defender, mas apenas circunstâncias favoráveis que tinham que ser preservadas a qualquer preço.Um filme antigo, de trágicas consequências em muitas partes do mundo, que levou inclusive à derrocada do socialismo no leste europeu.
     Mas prefiro ficar com as palavras de João Ananias, o médico cearense, este sim muito sensível ao sofrimento do povo e às suas necessidades, além de um excelente escritor. Fazendo uma analogia entre o ato de governar e o de jogar xadrez, ele encerra seu artigo com essas bonitas palavras, que me encheram de esperança na possibilidade de renovação do Brasil:

     
  "..., digo enfaticamente que o jogo de xadrez continua. E que nosso adversário - esse modelo econômico que nega a um número cada vez maior de pessoas a satisfação de suas necessidades, que constrói um cinturão de miséria na periferia das grandes cidades, que alimenta a concorrência no lugar da convivência, que permite famílias inteiras sobreviverem sob os mais terríveis e insalubres dos ambientes - não sabe ou não quer definir um destino adequado para seu lixo, negligencia na tarefa de cuidar de seus rios, lagos e florestas e expõe para o mundo a mão estendida de milhões de seus filhos. Este modelo deve ser reconhecido como uma das nossas mais nocivas epidemias."

     As diferenças nos depoimentos me fazem pensar que uma nova geração de comunistas está surgindo, construindo na prática a possibilidade real de superar o capitalismo através de um novo socialismo democrático.
     Parabéns à Márvia Scárdua e Ronald Freitas, organizadores do livro. Se mais administradores se expussem desta forma, talvez a gestão pública no Brasil fosse objeto de um debate mais amplo e significativo, escapando do mero denuncismo da grande imprensa, e pudesse nos levar a outros e melhores caminhos.