Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 30 de janeiro de 2011

Rapidinhas

Viva a revolução!


     Que coisa boa ver os povos árabes se levantarem contra aqueles ditadores nojentos, sustentados pelos Estados Unidos há décadas por lá. Tunísia, Argélia, Egito, Iemen, Jordânia...falta a Arábia Saudita, o Kuait e os outros emirados árabes, onde famílias reais corruptas recebem bilhões em dólares dos americanos para manterem seus povos oprimidos e defenderem os interesses de israel.
     O ditador do Egito, queridinho de Washington e de Tel aviv, está lá há trinta anos e ainda quer colocar o filho no seu lugar. Enqaunto isso o povo amarga o desemprego, a pobreza, a repressão e a humilhação da fome. Mas na hora em que o povo perde o medo não há repressão que segure, afinal, não dá pra matar todo mundo, senão quem iria trabalhar para os opressores, não é mesmo?
     Devíamos fazer o mesmo aqui para expulsar certas figuras corruptas que nunca saem do poder, como o cínico Sarney, que se prepara continuar presidente do Senado. E ainda diz que está fazendo um "sacrifício"..., coitadinho dele.
     Que Alá proteja a todos nós.


Tente comprar uma tampa de vaso

     Minha mãe é cadeirante e me pediu para substituir a tampa do vaso sanitário por uma acolchoada, dessas macias. Primeiro a moça da loja me corrigiu:
     _Não é acolchoada: é almofadada.
     Que saco! Qual é a diferença? Parece esses cronistas do Correio Braziliense que ficam ensinando como é que a gente tem que falar certo. Depois me perguntou:
     _Qual é a marca do vaso?
     _Não sei, isso faz alguma diferença?
     _Ah, cada marca tem um tamanho diferente.
     _Mas antigamente isso era tudo igual, retruquei, ao que ela me olhou com certo desdém, como se eu vivesse em outro planeta.
     Liguei para casa e pedi para alguém conferir a marca.
     _Mas de qual modelo? Essa marca tem vários modelos diferentes.
     _Já irritado falei que não sabia.
     _Seria bom se o senhor trouxesse uma foto do vaso sanitário.
     Não acreditei que aquilo estava acontecendo. Fui em casa, peguei a tampa rígida e voltei à loja.
     _Asssim pela tampa não dá pra saber qual o modelo. Me disse outro vendedor enfastiado.
     Percorri várias lojas e não consegui achar a tal tampa almofadada para aquele modelo de vaso, cujos parafusos estão em lugar diferente das que encontrei.
     As fábricas de vasos sanitários, ao invés de padronizarem os equipamentos, ficam inventando coisas diferentes para obrigar o consumidor a comprar os "reparos", sejam bóias (cada dia mais complicadas) ou uma simples tampa, da marca deles. Eles chamam a isso de fidelização. Eu chamo de tentativa de escravizar o consumidor a uma marca, o que deveria ser proibido.
     Desisti e pedi pra minha filha comprar. Ela fotografou com o celular e saiu em campo, para tentar encontrar uma coisa que deveria ser muito fácil de achar.
     Alguém deveria tomar uma providência.

O Estilo Dilma

     Definitivamente, gosto do jeito de governar de nossa presidente. Me parece que ela vai do particular para o geral, sem grandes teorizações preliminares. Primeiro observa o que tem e depois traça uma trajetória possível dentro das suas prioridades, deixando as pessoas trabalharem enquanto vai avaliando desempenhos.
     Se continuar assim, muita gente que está neste ministério vai dançar, por falta de competência e de qualidades morais para acompanhá-la. Como diz o velho ditado: é no balanço da carreta que se ajeitam as melancias.
     E aqui vai uma sugestão para nossa Presidente: mande reavaliar o estatuto do funcionalismo púbico, que atualmente inviabiliza que servidores públicos denunciem seus chefes. Os funcionários sempre sabem onde estão as roubalheiras, mas não podem falar nada, senão são perseguidos e mesmo demitidos.
     Se eles pudessem falar, muita coisa seria revelada e muitas quadrilhas que se perpetuam nos ministérios, passando de governo em governo, seriam desbaratadas. Isso traria grande economia para o tersouro e daria uma nova motivação aos funcionários de carreira.
Fazer mais com menos, não é isso Presidente?
 

Histórias de outras vidas (38)

O Testamento do Judas

     Em 1985 fui morar em Itabuna, no sul da Bahia, para trabalhar na prefeitura. Lá conheci uma moça com quem quase me casei e acabei tendo um filho. Ela tinha duas famílias, uma biológica e outra adotiva, que a criou. Fiquei amigo das duas, mas me tornei mais amigo do pai adotivo, Zé Conrado.
     Pouco tempo depois ele ficou viúvo e sua família passou sempre a se reunir em torno dele.
     Quando eu ia a Itabuna passava lá com meus dois filhos pequenos, o neto dele e outro, de um segundo casamento. Ele era um cara especial, alegre, brincalhão, gostava de juntar as família e comer um churrasco tomando umas cachaças em infusão que fazia num quartinho nos fundos.
     Sua casa de dois pavimentos tinha um pátio interno, o que permitia que os churrascos fossem feitos numa área bem arejada, longe dos olhos dos vizinhos da rua. Coisa importante, pois Itabuna é uma cidade muito quente no verão e dada a muitas fofocas também.
     Almoçar lá sempre era um prazer e uma diversão. Na verdade me afeiçoei a Zé Conrado quase como um segundo pai, já que meu pai e eu nunca tivemos muita afinidade.
     Na última vez que o vi, ele estava na cadeira de rodas e saímos para passear justamente no dia dos pais. Fomos ao shopping de Itabuna, e para minha surpresa, perguntado sobre o que gostaria de fazer ele me respondeu que queria tomar um chopp. Tomamos vários chopps, eu, ele e seu sobrinho que fazia as vezes de seu cuidador.
     Sua cabeça estava ótima e a alegria era a mesma e ficou satisfeito ao ser reconhecido por velhos amigos, que o vieram cumprimentar. Conrado era um sujeito conhecido na cidade. Trabalhou como policial no setor de identificação e por isso conhecia quase todo mundo. Foi administrador de Itapé, quando este lugar ainda era um distrito de Itabuna. Muita gente o cumprimentava quando saíamos na rua. Até umas moças de aspecto meio liberal, uma vez vieram cumprimentá-lo num bar, quando estávamos tomando uma cerveja. mas ele fez cara de paisagem e disse que não sabia quem elas eram. Muito engraçado.
     Sair com ele era uma diversão. As vezes ia com toda a turma para minha casa em Ilhéus e na volta me mandava parar num restaurante para comermos Pitú e tomarmos cerveja. Mas ele não bebia muito. Com três cervejas caía no sono e roncava alto.
     Mas o mais engraçado era depois da Semana Santa, em Itabuna. Pra quem não é da Bahia, lá eles tem o hábito de fazer um testamento do Judas, antes da tradicional malhação. Ao contrário do Rio de Janeiro, o Judas na Bahia não é apenas um boneco de pano que se pendura no poste e que as crianças saem batendo com um pau até destroçá-lo. Lá ele é explodido por fogos de artifício enxertados dentro dele e que são acionados através de um fio, onde muitos fogos vão explodindo até que o fogo chegue ao boneco.
        Mas como muitas outras festas na Bahia, a malhação do Judas tem um festeiro oficial, que é o sujeito que organiza a festa, tendo inclusive autorização para arrecadar fundos para comprar os materiais necessários e montar o palanque, em local público, autorizado pela municipalidade. O festeiro oficial também é o testamenteiro, ou seja, ele é quem escreve o tal testamento, que é um monte de piadas com as pessoas da vizinhança.
     Então, vamos que na vizinhança exista uma Dona Maria, muito gorda, o testamento poderia dizer:
     _Para Dona Maria deixo a balança de pesar minhas vacas.
     Ou para um corno conhecido:
     _Para seu fulano deixo um chapéu com dois furos.
     E por aí vai. Mas ninguém pode se zangar com as brincadeiras, que provocam muitas risadas e fazem com que a comunidade se aproxime, numa espécie de lavagem coletiva de seus pecados.
     Pois Zé Conrado sempre foi o testamenteiro da festa do bairro Conceição. Além disso, ele e seu filho mais velho transformavam sua casa num verdadeiro paiol de pólvora, onde eram preparados os fios e as bombas, para o show pirotécnico da explosão final do Judas.
     Era assustador chegar lá na véspera do evento e ver aquela quantidade enorme de bombas e fios, as mulheres montando o boneco com panos e trajes velhos  numa confusão de gente entrando e saindo, e o testamento, ao qual ele dedicava muitas horas de preparo, até que se transformasse num enorme documento, em forma de pergaminho, que na hora da sua leitura era desenrolado num gesto teatral, caindo aos pés do palanque e avançando uns cinco metros em meio à multidão, já provocando muitas risadas pelo seu tamanho.
     O problema é que quando Conrado começava a leitura do enorme documento já tinha tomado algumas doses da sua cachaça especial de jabuticaba, feita numa infusão deixada de um ano para o outro, e começava a ficar sonolento e se atrapalhar com as palavras, o que tornava o evento mais engraçado ainda.
     Finalmente quando o fogo vinha queimando o fio e explodindo as bombas suspensas até chegar no boneco, ele já roncava em alguma cadeira próxima ao palanque, cuidado por seus familiares e por toda a vizinhança que o conhecia.
     Hoje, sem a liderança dele, a malhação do Judas no bairro Conceição não é mais a mesma, mas todas as vezes que me detive em sua casa para saudá-lo, seus olhos zombeteiros ainda me fizeram rir e admirar sua enorme alegria de viver.

     Boa segunda feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza
 


    
 
    



domingo, 23 de janeiro de 2011

Rapidinhas

Hipocrisias

     Obama cobra direitos humanos do presidente da China. Esqueceu-se da invasão do Iraque, que matou centenas de milhares de civis iraquianos e da prisão de Guantanamo em Cuba, onde prisioneiros são mantidos ilegalmente debaixo de tortura?
     O Vaticano reclama das imoralidades sexuais de Silvo Berlusconi. Esqueceram-se dos escândalos de pedofilia que mostram que os padres estrupavam crianças há séculos, protegidos pelo próprio Vaticano?
     Casos explícitos de dupla moralidade. Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço.
                                             Nossa imprensa, como sempre, não questiona nada.

Cultura Global

     Esta edição do Big Brother Brasil 11, parece ter escolhido a escória das ruas para desfilar suas taras sexuais na TV. Dá a impressão que a profissão de modelo virou disfarce para todos os tipos de prostituição, seja masculina, feminina ou gay. Não quero ser injusto nem agressivo, mas ali todos tem cara de garotos ou garotas de programa. Esta é a contribuição da Globo para a nossa cultura?

                            Idiotia
     De nada adiantou construirem uma rodoviária nova em Brasília, com todos os atributos de um aeroporto moderno, tipo praça da alimentação e bilheterias eletrônicas para os receber os cartões de embarque. Os funcionários continuam praticando todas as idiotices implantadas no tempo de Joaquim Roriz. Formam uma imensa fila única para "conferir" os cartões de embarque, tentando impedir que pessoas entrem na plataforma de embarque antes do horário permitido (30 minutos). Com isso criam uma gigantesca confusão que anula toda a capacidade de absorção de público do terminal, com suas quatro bilheteiras para entrada simultânea criando um problema desnecessário para quem já está atrapalhado com suas bagagens.
     Puro exercício de autoritarismo, para mostrar "quem manda". Brasília infelizmente está cheia dessa idiotia de gente que veio dos grotões do entorno e quando consegue um cargozinho qualquer, quer fazer valer seus "pequenos poderes" sobre os outros.
     Além disso o terminal já está imundo, sem varredores que o mantenham limpo e com o único estacionamento privatizado, cobrando R$3,00 para quem vai apenas ficar alguns minutos para receber um parente ou amigo. O resultado é que todo mundo pára ao longo das vias de acesso, congestionando o trânsito, em locais proibidos. Mas lá no meio do estacionamento privatizado, umas 10 vagas são reservadas para uma locadora de automóveis, privilégio incompreensível.
     Em torno da estação existe muito espaço para fazer mais vagas e seria correto haver um estacionamento público e outro privatizado, dando ao usuário o direito de escolha. O próprio acesso à rodoviária obriga a gente a fazer voltas incompreensíveis.
     Tudo errado, governador Agnelo Queiroz. Valia a pena corrigir os acessos, aumentar os estacionamentos e entregar o terminal a um concessionário que tivesse o mínimo de compromisso com o interesse público e com a eficiência.
    
Histórias de outras vidas (37)
O Black and White
     O ano era 1972/73. O lugar; Santiago do Chile.
     Era uma época de grandes agitações sociais no Chile, que vivia sua revolução pacífica rumo ao socialismo, no governo de Salvador Allende. Eu, como milhares de estrangeiros, principalmente latino-americanos, tinha ido morar lá, fugindo da opressão das ditaduras militares que se multiplicavam pela América Latina, patrocinadas pelos Estados Unidos, em nome da defesa do "mundo livre", triste eufemismo.
      Santiago havia se convertido na meca da filosofia política do século XX, em torno da construção de um novo socialismo democrático e também numa Babel, com gente falando todas as línguas do mundo.
     Com pouco mais de 20 anos eu vivia na Calle Merced, num pequeno quarto e sala que dividia com um amigo, estudava e saía nas noites em busca de alegria e divertimento, como costumam fazer os jovens. E havia muito a ver. A Chile Films, uma distribuidora estatal de cinema, trazia filmes de todas as partes do mundo e os exibia em diversas salas próprias, num tempo em que os cinemas ainda não estavam confinados em shoppings. Me lembro de assistir  filmes búlgaros, húngaros, russos, cubanos, chineses, coisa que nunca mais vi.
     Espetáculos de dança e acrobacia chineses e de toda a Europa, frequentavam a cidade, sempre a preços acessíveis e haviam os pequenos bares para se saborear um bom vinho tinto, boates para assistir um autêntico streap-tease ao som de tangos, com seus violinos e bandoneons, além das peñas, casas de música chilena, como a Peña de los Parra, da família de Violeta Parra, onde se podia curtir músicos famosos ao vivo, como Victor Jara, cantando a nova canção chilena.
     Santiago era um burburinho, uma esquina da humanidade, uma festa de política e cultura, antes de se transformar no cemitério de Pinochet.
     E no meio daquela agitação política e cultural havia uma velha casa no centro da cidade, em estilo colonial espanhol, com colunas arredondadas na porta, um telhadão de telhas vermelhas e um piso xadrez, preto e branco, onde funcionava o velho cabaré Black and White.
     Quantas noites inesquecíveis naquele lugar, ouvindo cantores antigos e novos e dançando tangos e cumbias colombianas, com turmas de amigos e namoradas, embebedando-me com pisco-sauers, uma espécie de caipirinha feita com pisco, um aguardente de uva, muito saborosa.
     Mas isso foi num tempo em que lutava-se por ideais e não apenas por cargos como hoje.
     Quando olho para trás e penso nesses tempos heróicos, e vejo no que se transformou a esquerda de hoje, sinto uma tristeza imensa. Não apenas porque os partidos de agora não levantam mais nenhuma bandeira de libertação da humanidade, mas também pelos que morreram por elas e por ideais que foram vendidos tão baratos na "bacia das almas".
     Os próprios socialistas chilenos, nunca mais tiveram coragem de se levantar e hoje apoiam o neoliberalismo. No Brasil o PT tentou apagar a memória da luta dos comunistas e socialistas, como se a história tivesse começado em 1981, ano da fundação do partido e do seu discursinho social-democrata.
     O Black and White fechou, foi demolido, não existe mais, mas sua memória resiste naqueles que ali um dia se encontraram, embalados pelos sons da música latino-americana e pelos sonhos da construção de um novo mundo.

     Boa segunda-feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza
   

sábado, 15 de janeiro de 2011

Rapidinhas

   Horror!

     Já não se pode falar apenas em falta de planejamento urbano para justificar tragédias como as da serra fluminense. Trata-se de desequilíbrio ambiental mesmo. O degelo dos pólos aumenta em muito a quantidade de água na atmosfera, formando verdadeiros rios aéreos, que vão desaguar sobre cidades indefesas, geralmente em meio as madrugadas, pegando as pessoas desprevenidas durante o sono, momento em que o ser humano está mais desprotegido.
     É preciso dar um novo rumo è economia, parando com essa loucura de querer dar um automóvel a cada ser vivente do planeta, jogando na atmosfera bilhões de metros cúbicos de dióxido de carbono diariamente.
     As mesmas TVs que incentivam o consumo, mostrando o povo comprando e comprando nas liquidações de início de ano, mostram os produtos adquiridos indo enxurrada abaixo e o desespero dos que perderam parentes, suas casas, seus bens adquiridos durante toda uma vida. Tudo uma cruel ilusão.
     Até quando vamos continuar indo nesta mesma direção sem sentido? Até quando vamos chamar a isto de desenvolvimento?

Autocrítica?

     Referindo-se as inundações, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, disse que não é hora de fazer autocrítica, mas sim de ajudar as vítimas. Mas se não procurarmos as causas dos problemas ambientais urbanos eles continuarão se repetindo, como vem acontecendo há décadas naquela região. O que ele quer? Silenciar as críticas sobre a falta de prevenção contra enchentes e contra a ocupação desordenada das encostas no estado mais montanhoso do Brasil?
     O que precisamos é de uma reforma urbana que impeça os imóveis de se valorizarem absurdamente, como vem acontecendo nos últimos 50 anos, excluindo grande parte da população do mercado imobiliário e empurrando-a para as invasões nas encostas.
     A especulação imobiliária provoca a concentração da propriedade imobiliária nas mãos de uma minoria. Intervir neste mercado é democratizar a propriedade fundiária, aproximando-a mais do seu valor de uso do que do seu valor de troca, como fazem todos os países civilizados. Isto, aliado a planejamento e fiscalização sobre o uso do solo e investimetnto em transporte público de qualidade e as favelas desapareceriam. Mas seria preciso coragem para enfrentar o lobby das empresas de ônibus e dos especuladores imobiliários, grandes financiadores de campanhas políticas.

Plano Diretor

     Tive acesso à íntegra do projeto de Plano Diretor para o Município de Rio de Contas e posso dizer que trata-se de um documento sério, dentro das possibilidades de um governo sem diálogo com a população, como o que temos atuamente na cidade. Conheço o esforço de Paula Soares, ex-Secretária de meio Ambiente para conduzir os trabalhos que levaram a sua elaboração e creio que, a continuar como vai, esta será a única contribuição decente deste governo para a história da cidade.
     Gostaria de sugerir aqui, publicamente, que fosse incluída uma cláusula proibindo a instalação de bares a menos de 100 metros de escolas, já que estes servem apenas como pontos de vendas de drogas e fontes de perturbação sonora para os colégios.
     Parabéns aos que tiveram estômago para continuar neste governo e fizeram acontecer esta melhoria para todos nós e espero que a Câmara de Vereadores o aprove, após um debate mais intenso com a sociedade, se é que isto ainda é possível. Disto pode depender que se evitem no futuro desastres ambientais como os que ocorreram na região serrana do Rio, em nossa cidade também serrana.
     A César o que é de César.

     Devido a necessidade de viajar neste domingo, excepcionalmente o blog vai ao ar hoje, sábado.
Histórias de outras vidas (36)

     Seu Portinho

     Em 1975, voltei de um exílio voluntário na Europa e fui morar em Porto Alegre, com minha companheira. Ela, gaúcha, havia saído de lá para morar no Rio, onde a conheci. Depois fomos para a Bélgica onde ficamos um ano. Na volta decidimos ficar no Rio Grande do Sul e sua família nos recebeu muito bem.
     Me lembro que ao chegarmos, a guerra do Vietnã estava no auge e eu, que torcia pelos vietnamitas, tinha medo de comemorar, em plena ditadura militar, as vitórias que eles alcançavam contra os Estados Unidos.
     Um dia, ao ouvir no rádio que os comunistas finalmente estavam tomando Saigon e expulsando os americanos não me contive e disse:
     _Que coisa boa, precisamos comemorar! 
     Seu pai me olhou, então, como se estivesse me vendo pela primeira vez e disse:
     _Que bom, eu tenho um genro comunista!
     Pois é, Seu José Porto, ou Seu Portinho para os amigos, era um velho combatente da revolução brasileira dos tempos de João Goulart, e à partir desse dia ficamos muito amigos. Ele, porém, já havia sido ferido de morte pelo golpe militar. Haviam tomado suas tres casas na cidade de Alegrete e distribuído entre os ricos. Seu Porto teve a audácia de ganhar dinheiro numa cidade de grandes fazendeiros e famílias que se consideravam tradicionais e onde os pobres tinham que ficar recolhidos ao seu lugar. Ele, que era apenas um pedreiro autodidata, transformou-se num empreiteiro de sucesso e colocou as filhas no melhor colégio da cidade, junto com os velhos sobrenomes. Além disso era comunista, lutava pela justiça social numa época em que a esquerda sacudia as massas, mostrando que o povo não precisava se curvar à arrogância dos ricos, mas podia sim tomar o poder e construir um outro mundo, onde os burgueses não teriam lugar.
     Lula foi filho dessa luta. Sem ela, ele não teria sido possível. E mesmo agora que saiu do poder a imprensa golpista não lhe dá trégua, reclamando por ninharias como um secador de cabelo e um bangalô oferecido a sua família numa base militar. A velha direita não lhe perdoa por ter realizado no Brasil o sonho do operário no poder, que ousou melhorar a vida das massas trabalhador, num país de escravocratas.
     Pois é, depois de 64 tiraram tudo de Seu Porto menos sua coragem. Teve que bater em retirada para a capital com a família, no gigantesco êxodo rural que se seguiu ao golpe, causado em parte pela vitória dos grandes proprietários de terra que voltaram a pagar salários miseráveis no campo.
     Suas filhas herdaram sua coragem e disposição para o trabalho e logo conseguiram se aprumar. Uma virou enfermeira, outra funcionária pública e outra é hoje alta funcionária da Petrobrás. Seu filho mais novo é funcionário federal, embora na época fosse uma criança.
     De uma forma ou de outra todos se ajeitaram, mas o desencanto de Seu Porto, ferido na alma pela derrota para a direita e pelas injustiças que sofreu, até hoje os afeta. Nunca mais foi o mesmo, dizem, e se tornou uma sombra do que era. Talvez por isto alguns filhos não o perdoem, mas eu que o conheci já assim, entendi logo sua dor. Seu profundo senso de justiça não lhe permitia ser feliz naquele mundo de injustiças em que o Brasil se converteu. Era uma realidade dura demais para ele.
     Na impossibilidade de construir o mundo que sonhou, se dedicava a coisas divertidas nas horas de folga, como criar morcegos em uma caixa, no fundo do quintal, aos quais dava tocos de cigarro só para vê-los fumar até queimarem seus pequenos dedos. E como fumavam!
      Adorava cozinhar. Me chamava e dizia com enorme orgulho:
      _Vamos comer um arroz? Como se fosse a iguaria mais rara do mundo.
       Me ensinou a fazer arroz colocando água aos poucos e até hoje, quando ainda tenho a oportunidade de cozinhar, o vejo ao meu lado com sua alegria triste.
     Não era homem de muitas palavras mas sabia dar uns bons murros em que o ofendia. Sim, ele sabia ser violento quando acuado, mas sabia ser um pai zeloso que revelava aos filhos as verdades deste mundo.
     Nenhum de seus filhos, mesmo os que nunca compreenderam suas posições políticas, se tornou um alienado. Impossível se alienar convivendo com a derrota política dentro de casa. Alguns voltaram as costas para suas posições, outros simplesmente seguiram em frente ignorando como podiam sua dor, mas todos eles carregam em si a capacidade de se indignar com erros e injustiças, além do virus da sua inteligência perspicaz, capaz de advinhar nos menores gestos os preconceitos e as burrices crônicas entranhadas na cultura nacional, seja entre ricos ou pobres.
    São gente inteligente. Talvez não percebam, mas são dotados da melhor forma de inteligência que existe, a transmitida pela cultura de um pai, que os ensinou a observar e a enxergar as coisas que a maioria não vê, anestesiados pela televisão, neste Brasil ainda dominado pela velha burguesia, apesar dos governos ditos de esquerda.
     Seu Porto morreu cedo, como não podia deixar de ser. Carregava dentro de si tanto desencanto que fumava e bebia muito. O câncer corroeu sua garganta e levou primeiro suas cordas vocais, para depois devorar-lhe os pulmões. Mas antes de morrer me escreveu algumas cartas que guardo até hoje, como guardo a lembrança da amizade que nos unia. Nelas me falava de um outro mundo que estava vislumbrando em meio a sua doença. Ele, que nunca foi religioso, começara a ver através da realidade material um outro lado, espiritual. Mas não se encheu de piedade por si mesmo nem se arrependeu de nada, apenas aguçou seus olhos cansados e começou a ver do outro lado, mesmo antes da partida.
     Era sua inteligência se voltando para o desconhecido e já começando a ver o que a maioria dos mortais não via. Em 1986 ele se foi mas deixou plantadas muitas sementes de coragem, criatividade e especialmente de amor próprio, não por si mesmo, nem apenas pela sua família, mas pela humanidade que ele sabia ser capaz de se libertar das mentiras que a sujeitavam.
     Assim como soube inventar máquinas, nos seus tempos mais produtivos, assim como soube construir uma luta política e formar uma bela e unida família, junto com sua esposa que ainda nos alegra e sua velha mãe que se foi muito depois dele, Seu Portinho deixou marcas profundas na minha vida, me ensinando que cada passo é importante, que longas caminhadas se fazem lentamente e que a alegria de viver pode estar nas coisas mais simples, como uma panela de arroz. Mas principalmente, me ensinou que a arrogância é apenas uma arma, usada por aqueles que não aceitam que o povo seja dono de seu destino e que não é preciso se deixar abater por ela.

     Boa segunda-feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

    
    

domingo, 9 de janeiro de 2011


Rapidinhas


   Anacronismos

     Gente, alguém precisa avisar o governo que aquele Rolls Royce, 1952, assim como o Cadillac 1968, usados na posse dos presidentes são ridículos. Porque será que ainda usam aquelas velharias? Porque são conversíveis? Será que a oitava economia do mundo, um dos quatro países emergentes mais influentes, não tem dinheiro pra comprar carros conversíveis novos? Além disso é uma temeridade, num mundo cheio de terroristas, expor presidentes em carro aberto daquele jeito. Eu estava lá, no meio da multidão em frente ao Rolls Royce esperando a chegada da presidente e dois meninos que estavam comigo subiram numa árvore bem em frente ao carro. Note-se que chegamos ali, em frente à catedral de Brasília, sem que ninguém tivesse nos revistado. Lá em cima tinha um monte de gente, inclusive um sujeito com uma mochila nas costas, oculto pelas folhas da árvore, de forma que poderia ter tirado uma arma e atirado em Dilma Roussef sem que nenhum daqueles policiais postados em cima dos ministérios tivesse percebido.
     Sempre achei ridícula a carruagem da Rainha Elizabeth e o trono do Papa. Acho que parecem alegorias carnavalescas, mas a Rainha em si é ridícula, assim como o Papa. Eles simbolizam poderes que não existem mais, dos tempos em que a Inglaterra era um império onde o sol nunca se punha e o Papa comandava exércitos e administrava principados por toda a Europa. Hoje são apenas lembranças de um passado. Ridículos sim, mas tem uma referência. E o Rolls Royce da Presidência da República, significa o que? Saudades do tempo em que a Inglaterra mandava no Brasil? E o velho Cadillac, nostalgia dos anos dourados dos Estados Unidos? Qual o significado histórico daqueles veículos?
     Por favor, senhores, mandem aqueles carros para o Museu da República, no antigo Palácio do Catete, no Rio de Janeiro e comprem uma limusine, dessas com teto transparente à prova de balas, de bazucas, de granadas e tudo mais, uma bela Mercedes Benz ou um carro feito sob encomenda no Brasil e enterrem esse passado, que mais parece um filme de terror daqueles antigos.

    Pacote contra a pobreza


     Muito legal as primeiras medidas de Dilma contra a pobreza extrema. Até que enfim alguém lança um programa real contra a pobreza que não vise apenas beneficiar indiretamente setores empresariais, como a construção de casas (apoiada pelo Sindicato da Construção Civil). Vamos ver se não vai ter o mesmo destino do Fome Zero, lançado com tanto espalhafato e que depois foi minguando até desaparecer, permanecendo apenas o Bolsa Família, que era apenas um dos seus componentes.


    Desequilíbrios

      A mortandade de pássaros nos Estados Unidos, seguindo uma linha que corta o país de sul para nordeste, indica algum fenômeno novo, ainda não identificado pelos pesquisadores. A repetição do fenômeno na Suécia, muito mais ao nordeste, mas seguindo a mesma linha, indica que o que aconteceu teve uma trajetória definida. Talvez um experimento militar seguindo a rota de um satélite ou míssil americano, talvez simplesmente uma nova manifestação de desequilibrio ambiental, só o tempo dirá.
     Quanto às enchentes no mundo inteiro é facil entender: trata-se simplesmente do degelo dos pólos jogando muito mais água no ciclo das águas do planeta, aumentando as precipitações. Uma evidência que coloca em cheque as previsões de secas catastróficas feitas pelos que preconizam a privatização da água.   
     Enquanto isso continuamos comemorando o aumento da produção de automóveis que lançam bilhões de toneladas de dióxido de carbono no ar, causando o efeito estufa que derrete os pólos e continuamos aguentando os falsos ambientalistas que insistem em mandar o cidadão comum fechar a torneira de casa para evitar a escassez de água.
     Até quando vamos ficar repetindo as bobagens que a televisão, atrelada aos interesses corporativos, nos empurra diariamente goela abaixo?
Battisti

     Não apoio nenhum tipo de terrorismo, que significa matar pessoas inocentes para criar um clima de terror na sociedade. Cesare Battisti era participante de um grupo comunista revolucionário, na Itália dos anos 70o que não significa necessariamente que ele fosse um terrorista. Em geral o terrorismo era utilizado apenas pela direita. A esquerda atacava os representantes dos governos que combatia e não pessoas inocentes. Mas alguns grupos podem derivar para ações inconsequentes e não se pode saber exatamente o que aconteceu neste caso específico
     A alegação de que aquele era um governo democrático foi desmentida nos anos seguintes pela Operação Mãos Limpas, levada a cabo por juízes italianos, que colocaram na cadeia os principais políticos que a esquerda armada italiana combatia. Pode-se dizer que essa limpa geral promovida foi fruto indireto da luta dos esquerdistas, que não suportavam mais a farsa de uma falsa democracia que servia para que grupos se apoderassem dos recursos públicos, numa grande armação da qual participavam quase todos os partidos e políticos importantes da Itália.
     A condenação de Battisti foi feita quando o estado italiano estava sob "leis de excessão", feita por esses governos corruptos para enfrentar os grupos armados que estavam estragando sua festa. Por isso ela não foi aceita em vários países democráticos, como a França, que chegou a conceder asilo político a ele. Durante seu julgamento, alguns membros do seu grupo armado foram beneficiados com delação premiada, o que significa que bastava denunciar alguém para ter sua pena reduzida. Como Battisti estava foragido, os outros jogaram toda a culpa nele, que nunca pode se defender no tribunal, sendo julgado à revelia. Ele sempre negou a participação nos atentados que provocaram a morte das quatro pessoas de que é acusado. Testemunhas oculares do fatos, falaram em um homem alto e louro. Battisti é baixo e moreno.
     Tudo isso indica que pode haver um erro judiciário no caso dele, daí a decisão de Lula de não extraditá-lo para a Itália. É claro que nossos telejornais não contam essa história, chamando-o apenas de terrorista e de assassino. Vale lembrar que o atual governo da Itália representa os mesmos setores que Battisti combatia e não pode ser considerado democrático, já que seu primeiro ministro é dono dos jornais, das televisões, fez passar uma lei no parlamento que proibe que ele seja processado e governa à favor dos mesmos grupos que se beneficiavam das tramóias que a esquerda combatia nos anos 70.
     Se alguém quiser ter uma idéia mais clara do caráter fascista do governo Berlusconi, sugiro assistir o documentário Viva Zapatero, de Sabina Guzzanti (nada a ver com o primeiro ministro espanhol Zapatero), que conta em detalhes como a direita italiana intimida jornalistas e estabelece a censura sobre todos aqueles que ousam criticar Berlusconi.(para ver uma sinopse do filme entre em http://www.youtube.com/watch?v=2zgOM8jbWHk&feature=related). Pude assisti-lo no canal Telecine Cult, no dia 01 de janeiro, na Sky.
     Battisti significa tudo que os neofascistas italianos mais odeiam, porque é um combatente que não se rendeu e não se submeteu. Se ele é culpado ou não só saberemos quando a Itália tiver novamente um governo decente e verdadeiramente democrático, capaz de reabrir seu caso e permitir que ele se defenda.     
     Enquanto isso não acontecer, acho correta a decisão de Lula de permitir sua permanência no Brasil e considero vergonhosa a decisão do presidente do STF, Cesar Peluso, de reabrir o caso, depois do tribunal ter decidido que a palavra final ficaria com o Presidente da República. Peluso parece estar com medo da reação italiana e jogou a decisão para o ministro Gilmar Mendes, cujas posições direitistas são fartamente conhecidas.
     Esperamos que isso ainda possa ser revertido. Com a decisão de Lula, a permanência de Battisti na prisão entrou na área da ilegalidade e sinaliza um julgamento político, influenciado pela ultra-direita italiana, que pode comprometer a imagem da justiça brasileira.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 1 de janeiro de 2011

Dilma e o futuro

     Acabo de vir da posse de Dilma.
     Muita chuva e uma multidão considerada pequena para a Esplanada dos Ministérios, que é excepcionalmente grande e não se enche assim à tôa.
     Tirando as tradicionais  e chatinhas claques petistas, foi uma posse bonita e marcada pela emoção do presidente que saía e da presidente que entrava. Os discursos de Dilma não trouxeram nada de novo e apenas pontuaram seus compromissos gerais de campanha, marcando o estilo gerencialista que deve imprimir ao seu governo, o que não é necessáriamente ruim. Se Dilma for uma boa administradora e conseguir fazer avançar a economia com eficiência, vencendo os gargalos que já se apresentam à nossa frente, o Brasil poderá alcançar um patamar de desenvolvimento definitivo, nos libertando dos anda-pára da economia que adiou por tantas vezes nossos sonhos de nos tornarmos uma nação livre, justa e próspera.
     Mas além dos gargalos de infraestrutura e da deficiência dos serviços públicos, a agenda dos nossos presidentes precisa incorporar algumas reformas, que nunca foram aunciadas e nem fazem parte das suas agendas. Há anos, quando se fala em reformas, pensa-se sempre nas reformas neoliberais, voltadas para fortalecer o mercado e enfraquecer o estado, e que estão na base do contencioso entre PT e PSDB, esquerda e direita no Brasil e no mundo.
     Há anos atrás, quem pedia reformas era a esquerda. Lutava-se pela reforma agrária e outras, o que chegou a embasar o slogan brizolista reforma ou revolução, dos anos 60. Hoje, com a vitória da social-democracia e a crise do neoliberalismo, ambas, esquerda e direita, parecem ter perdido seu poder de magnetizar as multidões.
     Mas para aprofundar nossa democracia, precisamos de mudanças de rumo importantes, o que implica em algumas reformas que eu não vejo em nenhum programa de governo. A primeira é uma reforma da educação. Não adianta ficar falando em educação de qualidade se não mudamos nosso sistema educacional, cuja base está entregue aos entes mais pobres e desinteressados pela educação do povo, os municípios.
     Esse é um debate antigo e ninguém tem coragem de mexer nele. Confunde-se municipalização com descentralização. É democrático descentralizar, mas entregar a educação básica às prefeituras tem o efeito contrário de transformar as escolas e o patrimônio de conhecimento brasileiro em instrumento de barganha política da mesquinha política do interior, centralizando as decisões nas mãos dos prefeitos. A verdade é que é preciso federalizar as escolas brasileiras, todas elas, e dar a cada uma uma autonomia financeira e curricular capaz de criar uma verdadeira descentralização, envolvendo as comunidades na sua administração em lugar das prefeituras.
     Outra necessidade é a de retirar qualquer ranço religioso que ainda paire sobre as escolas públicas, como aulas de religião e outras formas disfarçadas de reintroduzir o conrole das igrejas, especialmente da igreja Católica, sobre a formação do povo brasileiro, o que infelizmente ainda está muito presente e é muito facilitado e até estimulado pelas prefeituras, que temem perder o apoio dos padres nas eleições municipais do interior.
     Outra reforma importante é a reforma carcerária. Até quando vamos continuar fingindo que não vemos o que acontece dentro dos nossos presídios, que tratam nossos apenados como animais? Não existe democracia sem jutiça e o sistema prisional faz parte dela. Nossas prisões estão na idade média. São verdadeiros campos de extermínio. Como podemos querer eliminar a criminalidade a aplicar a lei se não damos a mínima garantia de sobrevivência ao cidadão que é jogado ali dentro?
     Por fim, outra mudança de rumo fundamental está no meio ambiente. Não basta crescer e distribuir renda, é preciso construir uma outra economia, que não seja a do desperdício e do consumismo desenfreado. O PV começou falando nisso, nas eleições, mas depois Marina Silva deixou de ser a candidata do Partido Verde e virou a candidata da Assembléia de Deus, se voltando para posições moralistas retrógradas que só serviram para amesquinhar o debate, perdendo a oportunidade de rediscutir essa economia do crescimento sem fim e sem responsabilidade.
     Na postagem passada, linkei um artigo de um economista mexicano que propõe um socialismo ecológico e fiquei muito satisfeito de ver que suas posições correspondem ao livreto que lancei no ano 2000, intitulado Uma nova agenda para a esquerda. É bom saber que eu não falei besteiras, mas infelizmente o contencioso político brasileiro ainda está muito atrasado, às voltas com as tentativas de José Dirceu de impor um voto em lista na tal reforma eleitoral, cujo único objetivo é eternizar o PT no governo, uma reforma tributária que já deveria ter sido feita há 20 anos e outros itens de uma agenda do século XX.
     Não me parece que Dilma seja capaz de alçar voo sozinha e perceber a necessidade dessa nova agenda para a sociedade brasileira. Se isso não ocorrer, e com a mesmice do PSDB e da direita, temos a chance de ver durante o seu mandato, novos atores e novas idéias começarem a circular pela sociedade brasileira, preparando a sucessão do PT e desses partidos que ainda se proclamam de esquerda.



Sou índio

     Apesar do meu sobrenome meio alemão, meio português, tenho descendência indígena, de parte do meu pai, que era paraense. Como se sabe os índios do Pará não são tupi-guranis, mas do tronco Karib, que deu nome àquela parte do Oceano Atlântico que banha a América Central. Talvez pelas artes desconhecidas da genética que nos transmite o inconsciente coletivo, de que falava Young, eu tenha herdado um pouco da memória atávica deles.    
     Talvez por isto, quando eu era muito jovem, sonhava em ser índio.
     Sim, prezado leitor, meu ideal de vida era viver no meio da floresta, usando apenas o essencial, me dedicando a obter apenas o que eu precisasse para sobreviver e participando de uma comunidade, de seus rituais e dos papéis que reservasse para mim.
     Como homem jovem seria um caçador, depois escolheria uma linda cunhantã e teria filhos, índiozinhos que cresceriam livres brincando nos rios enquanto eu caçaria o seu sustento. Depois que envelhecesse, me tornaria um sábio que daria conselhos e por fim me afastaria para morrer em meio aos espíritos da natureza, que assim absorveria de volta meu corpo, me libertando dessa existência material.
     Desnecessário dizer que esse ideal se revelou impossível para mim, nascido numa família civilizada que esperava de mim outra performance, como curso superior, casamento burguês, dinheiro e prestígio. 
     Mas na prática, nunca fui nem um, nem outro.
     Sempre que me aproximei do sucesso ou da possibilidade de ter o tal prestígio e fortuna, me afastei em direção a mim mesmo, buscando dentro de mim o velho índio que me dizia que tudo aquilo não representava nada. E sempre que estudei (e gosto muito de estudar) foi para entender melhor o mundo e não para obter posições mais vantajosas na sociedade. Como os índios, nunca aceitei um saber fragmentado, mas sempre quis entender o cosmo do qual fazia parte, não aceitando que especializações me mantivessem dentro de um escaninho estreito de conhecimentos, como se o resto do mundo não me interessasse.
     A rigor tudo me interessa, mas nada que me interesse pode me afastar do amor pela minha própria liberdade e desprendimento. Assim, pertenço a tudo e ao mesmo tempo não pertenço a nada, o que provoca reações irritadas de incompreensão entre os que esperam de mim atitudes  ditas normais de luta pelo poder ou de preservação de prerrogativas conquistadas.
     Apenas uma coisa me fascina nesse mundo dos não índios, que é conhecer e procurar transmitir o conhecimento aos mais jovens. Talvez por isso, ser professor foi uma das experiências mais gratas da minha vida, assim como ser pai.
     Cuido dos meus filhos, a quem procuro abrir a cabeça para que não se transformem em idiotas egoístas, mas em participantes lúcidos, pelo menos conscientes desse universo do qual fazem parte.
     Quase sempre tive sucesso nessa empreitada, embora amargue pelo menos um insucesso com um filho que não me compreende, mas ainda tenho esperança de que isso possa mudar, porque a compreensão é aliada do tempo e vem com ele, apesar de tudo.
      Por isso também escrevo, porque escrever é uma forma de transmitir as coisas que já vivi e também de aprender, pois ao compor as palavras, as idéias vão se arrumando na cabeça da gente e tomam forma de entendimento, embora ninguém esteja livre de errar e escrever bobagens.
     Dia 27 de dezembro assisti a uma entrevista no programa Roda Viva da TV Brasil (muito bem repaginado agora, sob o comando de Marília Gabriela) com a crítica de teatro Barbara Heliodora e ela falou uma coisa que me fez pensar muito. Disse que a sociedade brasileira vive um momento de tensão entre posições políticas, ideológicas, éticas e morais.
     Concordo com ela e confesso que enxergar isso com tanta naturalidade me fez ver que não é necessário se angustiar tanto e que é possível vivenciar essa situação numa sociedade democrática, de forma mais tolerante e ir levando nossas posições, na dialética do debate, embora os que eu considero meus adversários, nem sempre pensem assim.
     E quem são esses adversários? Com certeza são aqueles que acreditam numa sociedade de empilhamentos e vertigem. Explico: são aqueles que acham que ser feliz é empilhar coisas, seja dinheiro numa conta bancária, sejam troféus da fama em qualquer ramo de atividade, seja acumular poderes. São  também os que acreditam nas vertigens da sociedade do espetáculo e das celebridades, da velocidade e das drogas, das ilusões do consumo e das aparências.
     Mas na minha contradição de meio índio numa sociedade que se pretende europeizada, admiro muito o progresso da ciência e da tecnologia e procuro lutar pelo meu país. Sou, portanto, um guerreiro, mas não não sei competir por meus próprios interesses, embora saiba ir à guerra por minha tribo. E infelizmente esses que considero meus adversários só pensam em competir por si próprios e não pela nação, o que gera o embate político-ético-moral, que citei anteriormente.
     A todos eles olho com muita pena, porque acho que não vão a lugar nenhum  e enquanto, como meio-europeu, sonho com a poesia aventureira do meu lado português e sigo em frente com a determinação do meu legado alemão, minha alma índia se entristece e se recolhe, cismando, e pedindo apenas que enterrem meu coração na curva do rio,
Boa segunda-feira a todos

Feliz 2011.

Ricardo Stumpf Alves de Souza