Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 29 de agosto de 2010

RAPIDINHAS

Onde há fumaça...


     Prezados leitores.

     No dia 12 de junho, publiquei uma nota neste blog sobre um possível encontro entre o PT e o DEM de Rio de Contas e fui desmentido veementemente no blog de Altemar (Notícias de Rio de Contas) por Regis, um militante do Partido, e por um anônimo,que me chamou inclusive de desonesto.
     Agora recebo novamente a informação de que teria havido uma reunião entre a ala da direita riocontense que está na oposição e o PT local. Ou melhor a ala do PT local que atualmente controla o partido depois de uma batalha judicial contra a parte do PT que participa do governo Márcio, o que inclui seus 2 vereadores.
     Então temos o PT dividido em duas partes: uma que apóia e participa da direita que está no poder e outra que negocia com a direita que está na oposição.
     Confuso? É claro que sim. Mas essa é a realidade atual.
     Desta vez resolvi consultar o próprio PT e enviei e-mail para Alfredo Neto, ex-candidato pelo PT à prefeito em 2008, para quem inclusive fiz campanha.
     Em sua resposta, neto confirma a reunião nos seguintes termos:

     Estive presente na reunião, juntamente Regis, Carlinhos, Gerado Júnior (Diretor do HGVC), Ricardo, Edson, Júlio Cézar e João de Bráulio; solicitada por vereadores do PSDB de Rio de Contas para tratar da decisão dos mesmos em apoiar o Governador Jacques Wagner e Senadores da Coligação Pra Bahia Seguir em Frente (Pinheiro e Lídice) e me coloquei à disposição para levar ao comando da campanha o apoio à reeleição do nosso Governador. Aproveitei a oportunidade para pedir votos para Marcelino Galo e Valmir Assunção por quem não revelaram apoio, dizendo-se comprometidos com outras candidaturas parlamentares.
     Vale ressaltar que o Diretório Municipal do PT foi formalmente convidado para a conversa, diferentemente de representantes de quem hoje dirige o município que buscou "minar" o partido, tratando com lideranças isoladamente. Além de não ter tratado de forma nenhuma o pleito de 2012, nenhum dos presentes se apresentou como liderança do Democratas.
     Complementando a informação prestada sobre a adesão de Vereadores à campanha de Wagner e Dilma , também estiveram presentes na reunião do San Felipo os companheiros Huxley e Renê.

     A pergunta que faço é a seguinte: será que o PT ainda pode ser um vetor de mudanças para Rio de Contas?
     Deixo a resposta para os leitores.


João Cândido

     Atenção pessoal do movimento negro e todos os que prezam a nossa liberdade: dia 22 de novembro próximo, completam-se 100 anos da chamada Revolta da Chibata no Rio de Janeiro, quando o marinheiro João Cândido liderou uma rebelião para acabar com os castigos físicos usados pelos oficiais (brancos) da Marinha Brasileira, contra os marinheiros, na sua maioria negros.
       João Cândido, que ficou conhecido como o Almirante Negro liderou a revolta que tomou quatro dos maiores navios da marinha de guerra da época e ameaçou bombardear  o Rio de Janeiro, antiga Capital da Repúbllica.
     Os encouraçados São Paulo e Minas Gerais assim como o Barroso e o Bahia, ficaram sob domínio dos revoltosos até o dia 26 de novembro, quando o Congresso aprovou uma lei abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos.
     Mas logo após a rendição os amotinados foram presos e acusados de traição, sendo que 16 deles tiveram uma morte não explicada na prisão. Os que sobreviveram, inclusive João Candido, foram finalmente absolvidos no julgamento que se seguiu.
     Ele morreu pobre e tuberculoso, trabalhando como peixeiro no Rio de Janeiro.
     Só em 24 de julho de 2008, através da publicação da Lei Federal nº 11.756/2008 (assinada por Lula) no Diário Oficial da União, foi concedida anistia post mortem a João Cândido Felisberto, e aos demais participantes do movimento.
     O museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro tem um depoimento dele gravado no final de sua vida. Esse depoimento foi tomado em sigilo pelo museu, em plena ditadura militar e hoje constitui uma das jóias do seu acervo.
     Vamos homenagear João Cândido e os marinheiros de 1910, heróis do povo brasileiro.


Cena Contemporânea

      Está acontecendo entre 24 de agosto e 5 de setembro, o Festival Internacional de Teatro de Brasília - Cena Contemporânea, 2010. Além de vários grupos brasileiros este ano estão participando espetáculos da Espanha, Sérvia, Israel, Colômbia, Cuba, Suíça e Itália.
     A programação inclui:
     TILL - A SAGA DE UM HERÓI TORTO (Grupo Galpão/MG) PAISAGEM COM ARGONAUTAS (Kabia - Espacio de Investigación Dramática de Gaitzerdi - Espanha- foto ao lado);ILHAR ( Michelly Scanzi - DF); NÃO PRECISA CHORAR  (Teatro Viento de Agua/Cuba); NEVA ( Teatro en Blanco/Chile); TERAPIA DE RIS(C)O - POR UMA OUTRA VIA (Grupo S.A.J./DF); A CARTA DO ANJO LOUCO (William Lopes/DF); KABUL (Cia Amok de Teatro/RJ); DIZER CHUVA E QUE CHOVA ((Kabia - Espacio de Investigación Dramática de Gaitzerdi/Espanha); A BALADA DO PALHAÇO ( Grupo de teatro Artes & Fatos/GO); ENTREPARTIDAS ( Teatro do Concreto/DF); ABRACADABRA ( Luiz Päetow/SP); A COMÉDIA DOS ERROS (Adriano e fernando Guimarães/DF); O FILHOTE DO FILHOTE DO ELEFANTE (Esquadrão da Vida/DF); DESAVERGONHADA! (Anita Mosca/Itália); CABARÉ DAS DONZELAS INOCENTES (Murilo Grossi e William Ferreira/DF); CANÇÃO PARA SE DANÇAR SEM PAR (André Alfaia e Artur Tadeu Curado/DF); A DONA DA HISTÓRIA (Trup Estreante e Pé Nu Palco Grupo de Teatro/PE); TECENDO FIOS D'ÉTER (Companhia Fios de Éter/DF); ODISSEUS CHAOTICUS (ISH Theater/Israel); O JARDIM DO MUNDO (Creaciones Artísticas Las Cuatro Esquinas/Espanha); IN ON IT (Enrique Diaz/RJ);DULCE (RJ/Portugal); MEMÓRIA DA CANA (Os Fofos Encenam/SP); COISAS DE MULHER (As Caixeiras/Cia de Bonecas/DF); O BEIJO (Cia. Nova Dança 4/SP); A GALINHA CEGA (Corporación Gassho/Colômbia); FEDEGUNDA (Karen Acioly/RJ); AS TERRAS DE ALVARGONZÁLEZ (Centro Dramático Nacional e Geografias teatro/Espanha); A CELA (Cia Teatral Mapati/DF); SOLITÁRIO COWBOY ( Cie Phillippe Saire/Suiça).
     Maiores informações no site http://www.cenacontemporanea.com.br/.


  
     Pois é, amigos leitores, o site Operamundi é uma ótima alternativa para quem gosta de notícias na internet.
     Com uma visão bem mais à esquerda que os sites tradicionais, pertencentes ao que Paulo Henrique Amorim batizou de P.I.G. (Partido da Imprensa Golpista), o Operamundi traz notícias dos movimentos sociais no mundo e uma visão de sustentabilidade que passa muito longe dos indicadores de crescimento que os principais jornais nos fornecem, como se fossem uma coisa boa.
     Transcrevo abaixo um artigo tirado deste site, para os que não o conhecem.
A Globalização da revolução

     Institucionalizada pelos atenienses, a democracia tem perdido seu significado e valor nas mãos de séculos de incontáveis tiranos que a corromperam por completo. Seu significado inicial, claro e direto que diz “o poder do povo” tem pouco significado hoje. A palavra se enfraqueceu, ficou ultrapassada. Todo cidadão, isto é, aqueles que não eram escravos ou estrangeiros, podia representar-se no governo da cidade.
     A representação cidadã é hoje em dia pouco menos que uma ilusão, quase um mito. A chamada democracia é atualmente um eufemismo com poderosos efeitos sedativos sobre uma população sonolenta. Os chamados governos democráticos mantém seus súditos em estado hipnótico, fazendo-os crer que seus interesses como cidadãos, estão representados e protegidos por um grupo de pessoas que pouco ou nada tem em comum com eles.
     Para isto, os usurpadores das democracias modernas se serviram de poderosas armas de controle da sociedade. Tradicionalmente utilizou-se a fé e a bala contra o povo, e mais recentemente, a palavra.
Com a fé, em franco e claro retrocesso, e a bala destinada a democratizar distantes países ricos em recursos naturais, a palavra se tornou uma forte arma para usurpar as democracias ocidentais. A palavra foi moldada à imagem e semelhança do capitalismo globalizador, que a converteu na mais eficaz das armas já usadas contra o povo. Os meios de comunicação de massa tornaram-se a ultima etapa de aperto do pescoço do povo com a corda do capitalismo.
     Agora já não precisam ameaçar-nos com deuses que estão nos céus nem sequer com balas que levam gravada a palavra “democracia”. A palavra é agora a droga que se força o povo a consumir até deixar completamente anulada sua capacidade de pensar por si mesmo. Lança-se um slogan que é repetido por quase todos os meios, e a sensação estereofônica adquire uma nova dimensão com um efeito demolidor da vontade do individuo, e afinal, em sua liberdade. Cada qual é livre para pensar o que eu lhe inculto, se diria que repitam até a saciedade. Em uma espécie de Admirável Mundo Novo, que Huxley teria reescrito o sistema totalitário que é o capitalismo, pensa por nos, consome por nós, fala por nós, vive por nós. Tudo por nós, mas nada para nós. Sem nós. (observe neste mesmo texto que a palavra “nós” perde seu significado depois de tanta repetição. Tome-se este como um bom exemplo das práticas globalizadoras do capitalismo).
     Como povo, nos roubaram a palavra e a puseram a seu serviço, contra nós e contra a democracia. Servem-se dela para nos usar, nos manipular, para nos transformar em um número de uma grande lista de escravos ou estrangeiros a quem permitem uma representação e uma participação direta nisto que só eles chamam de democracia.
     Não é a democracia o sistema que se coloca contra o povo, não é a democracia o sistema de governo que prega o interesse privado de alguns poucos e atenta contra o interesse geral. Como temos permitido que se continue utilizando o termo “democracia” para definir justamente o contrário?
     Mas ainda há esperança, ainda temos algo a fazer pelo povo pisoteado. Como se tivesse passado despercebido, depositaram em nossas mãos um tipo de poder que emana de nós: o dinheiro, seu dinheiro, o alimento desta fera voraz, devoradora de homens e corruptoras de almas que é o capitalismo. O circulo formado pela corda ao redor do nosso pescoço só se fechará se deixarmos escapar este poder. O circulo só se fechará se consumimos e devolvemos ao circuito financeiro todo o dinheiro que esperam que geremos.
     Além do essencial, não consuma.
     Além de uma vida digna e suficiente, não consuma.
     Além de preservar o planeta, não consuma.
     Além do que seja moral, não consuma.
     Além do que te satisfaz, não consuma.
     Além do que consideraria justo e racional para teu vizinho, não consuma.
     Se não consumirmos além disto, essa máquina que nos degrada como pessoas se deterá, cedo ou tarde.
     Todo cárcere precisa de seus presos, todo supermercado precisa de seus clientes, todo capitalismo precisa de suas vitimas.
     Ficou demonstrado então que não vivemos em uma democracia, vivemos como aqueles escravos ou estrangeiros que esperavam em Atenas uma liberação que não chega, que temos que sair procurando onde quer que esteja. Juntos podemos encontrar.

Outro mundo é possível.

Victor J. Sanz
Histórias de outras vidas (26)                     

 Animalidades

     O ano? Talvez 1958 ou 59. A cidade: Rio de Janeiro.
     Éramos sócios do Fluminense, sim o clube de futebol das Laranjeiras.
     Íamos à pé de casa, na Marquês de Abrantes, passando pela Rua Paissandú, com suas enormes palmeiras imperiais, até a Avenida Pinheiro Machado, onde fica a sede centenária do clube.
     Muitos domingos de minha infância foram passados lá e vi a inauguração da grande piscina de saltos, no final da década de 50, com seu enorme trampolim-plataforma, de dez metros de altura.
     Um dia meu pai apresentou, a mim e meu irmão, Castilho, o grande goleiro.
     Meu pai tinha mania de mostrar tudo pra gente e mesmo sem conhecer as pessoas, se metia no meio e nos levava juntos.
     Os domingos no Fluminense eram agitados.
     Meus pais se encontravam com conhecidos e ficavam conversando, enquanto meu irmão ia nadar com seus amigos. Eu também tinha uma turminha de meninos mas, às vezes, gostava de me afastar e ficar sozinho, andando pelas instalações do clube.
     Ia para o estádio, subia nas arquibancadas e ficava lá sentindo aquele espaço enorme, vazio, aquelas vibrações deixadas no ar pelas torcidas de tantos jogos famosos.
     Gostava de subir nas plataformas da nova piscina de saltos e ficar sentado no último andar, no cantinho, vendo os atletas saltarem, dando aquelas piruetas no ar.
     Um dia um garoto me empurrou lá de cima.
     Eu estava distraído, pensando, quando senti o empurrão e me vi no ar, caindo, de barriga e rosto diretamente sobre a água. O impacto foi tão grande que perdi a consciência por alguns segundos. Quando voltei a mim já havia pessoas me tirando da piscina e o moleque que me empurrara ia sendo retirado pelo braço, sob intensa reprimenda de uma mulher, que parecia ser sua mãe e olhares gerais de reprovação.
     Ao contrário dos clubes de hoje, a vida social no Fluminense não girava em torno de comida e bebida na beira da piscina, mas de esportes mesmo.
     As pessoas se sentavam para conversar, mas não me lembro de garçons servindo bebidas, apenas mulheres de toca plástica de nadador e homens molhados ou com uniformes de tênis ou futebol.
     Muito mais saudável.
     Mas o que mais me impressionava era o vestiário.
     Na hora de ir embora, íamos para o vestiário tomar banho e trocar de roupa e eu ficava impressionado com a mudança no cenário.
     Homens que há pouco se vestiam com roupas boas, que diferenciavam sua condição social, circulavam agora completamente nus, aparentando grande naturalidade e continuavam conversando como se ninguém reparasse naquilo.
     Eu achava muito estranho.
     Se a roupa era tão importante lá fora, porque de repente naquele espaço amplo (o vestiário me parecia enorme) ela parecia não ter nenhuma importância.
     Mais do que isso, parecia nunca haver existido a roupa, nem a necessidade dela.
     Eu olhava para o rosto daqueles homens e não via nenhuma alteração. Era a única parte do corpo que se via igual, com ou sem roupa. Era a identidade da pessoa; o rosto.
     E o resto do corpo, não significava nada?
     Barrigas grandes, peitos peludos, pernas finas, bundas murchas ou gordas, ninguém parecia ver o corpo do outro.
     As genitálias eram um espetáculo à parte.
     Cabeludas, com seus pênis murchos e encolhidos, de todos os tamanhos e cores, sacos grandes, sacos miúdos, chamavam a atenção no meio do corpo, a maioria muito feia, mas era como se não existissem. Ninguém olhava para aquela parte tão visível do corpo.
     Naturalmente temiam que qualquer olhar pudesse ser interpretado como uma manifestação de interesse e, o pior, que o olhar fosse correspondido pelo outro com uma ereção. Aprendi ali a me comportar em vestiários masculinos, compreendendo aqueles códigos de conduta tão estranhos.
     Mas enquanto criança eu ficava espantado com aquela exibição toda, enquanto meu pai me ensinava que aquilo tudo era muito natural. Mas eu não entendia porque então não se podia andar pelado na rua, se era tão natural. Porque só ali era natural?
     Porque aqui todos são homens, explicava ele.
     Sim, então só não era natural para as mulheres, devia ser isto.
     Ele então me explicava que no vestiário feminino as mulheres também podiam ficar nuas.
     Mas depois, quando saíamos e aqueles mesmo homens se encontravam com suas famílias, já cobertos pela marca social das suas roupas, eu não podia deixar de ficar imaginando como seria aquela gente toda pelada, conversando.
     Pensava em como seria engraçado vê-los como realmente eram e como seria mais difícil manter as poses com que tentavam se diferenciar.
     Foi a minha primeira noção do ridículo da espécie humana.
     Um monte de homens nus, por mais que tentem manter a dignidade, ficam bem mais próximo de animais. E a animalidade é tudo que mais tentamos esconder de nós mesmos.
     Apenas o rosto é treinado para ser civilizado, o resto é pura animalidade.
     Para o meu olhar espantado de criança, essas convenções humanas me pareciam assustadoras.

     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 22 de agosto de 2010

   A América do Sul começa a ser feliz

     Interessante os desdobramentos da crise política entre Colômbia e Venezuela.
     A Suprema Corte colombiana declarou ilegal o acordo militar com os Estados Unidos, fonte de todo desacordo entre os dois países e também entre a Colômbia e toda a América do Sul, com excessão do Perú, cujo governo também  é aliado de Washington.
     A reação a esse acordo no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Equador foi tão forte, que deixou isolado o governo de Álvaro Uribe e fez com que seu sucessor recuasse na política de enfrentamento com a Venezuela, com quem já normalizou as relações diplomáticas.
     Parece que os govenos democráticos sul-americanos vão conseguindo consolidar uma política continental de solidariedade e cooperação, que vai deixando para trás os tempos de submissão aos americanos e inaugurando uma nova era de paz e prosperidade, enquanto o gigante do norte se afunda em guerras intermináveis e uma crise econômica profunda.
     O sucesso econômico fez com que, inclusive novos governos de direita como o de Piñera no Chile, se alinhassem com as nações do continente no sentido do desenvolvimento baseado em políticas de autonomia e independência. Até o novo presidente colombiano, Santos, parece ter percebido que não há muito futuro em trazer as guerras americans para o nosso território e, a melhor notícia, as Farc pedem negociações e acenam com a integração democrática de suas forças, pois começam a perceber que se tornaram uma desculpa para a intervenção americana.
     O modelo que vai se impondo, na América do sul é a social-democracia, com forte presença do Estado, com respeito às minorias (principalmente aos povos indígenas andinos), comandados por partidos de esquerda que já foram revolucionários, mas permitindo tranquilamente que partidos de direita (que já foram golpistas) como o chileno, possam se integrar.
     O modelo venezuelano, que se equilibra entre a revolução cubana e a social-democracia, foi muito bem em relação as reformas que precisavam ser feitas na Venezuela, destruindo a hegemonia política de uma elite colonizada, que desprezava seu próprio país e seu povo. Mas agora esbarra nas questões econômicas.  
     Chavez, que se diz um admirador do chileno Salvador Allende, parece estar cometendo os mesmo erros que ele, ao priorizar a política em detrimento da economia. Está chegando a hora de definir um modelo econômico eficiente para a Venezuela e a melhor saída, a curto prazo, é se enquadrar no modelito social-democrata, que permite avanços sociais, enquanto mantém calmas as forças da direita (cujas empresas continuam lucrando), tradicionalmente golpistas. Pelo menos até que surja algo melhor no horizonte.
     Enquanto isso, no Brasil, a dianteira de Dilma nas pesquisas, sobre os que defendem o alinhamento com os Estados Unidos (PSDB), mostra que a população sabe o que representa essa eleição para os destinos do Brasil e da América latina.


    
    
   Antagonismos


     Esta semana recebi uma crítica, dizendo que eu preciso de antagonismos, preciso sempre estar comprando alguma briga, em síntese, que eu sou um chato criador de casos.
     Fiquei pensando muito e me lembrei de outra crítica, semelhante a esta, que recebi a poucos meses, e tanto a primeira quanto a segunda, partiram de pessoas que abandonaram seus princípios em busca de vantagens pessoais.
     Seria mesmo verdade que me tornei um antagonista por falta do que fazer, por prazer de ficar perturbando os outros, ou como forma de tentar ser importante ou me achar superior?
     É sempre bom ser lembrado destas coisas, porque às vezes, o fato de ter um espaço para escrever, mesmo que seja um pequeno espaço como este, dá uma sensação de poder que pode nos inebriar e confundir.
     De fato, tenho dois tipos de texto que podem incomodar: o primeiro é o memorialismo, onde cito as pessoas que conheci e vivi. O exemplo clássico é meu livro Contracorrenteza, de 1993, onde citei os primeiros nomes das pessoas e fiz críticas abertas a tudo que achava errado.
     Muita gente gostou e muita gente detestou e até hoje o livro é muito comentado. Referiu-se a uma etapa da minha vida e concentrou críticas sobre o Partido dos Trabalhadores, mostrando as entranhas do movimento popular, as manobras e pequenos golpes, muito comuns, vividos por mim na cidade de Ilhéus.     
     Achei que citando só os primeiros nomes, as pessoas poderiam dizer: não, esse é outro João, não sou eu. Mas não foi assim. A partir daí parei de citar os primeiros nomes, mas mesmo as pessoas se sentem identificadas do mesmo jeito.
     Fica mais difícil quando são pessoas da família, pois é preciso citar o parentesco para que uma história familiar faça sentido. Todo escritor memorialista tem problemas deste tipo com sua família. Isabel Allende cita em um dos seus livros que um dos seus genros a proibiu de citá-lo. mas de qualquer forma ele está lá, como genro.
     O segundo tipo de texto é a crítica política direta, citando nomes de pessoas públicas e criticando sua atuação. É claro que os políticos não gostam, mas se ninguém puder criticá-los não haverá democracia.
     Acontece que, desde o advento do neoliberalismo, se instalou entre nós uma cultura de que críticas são uma coisa nociva, que devemos ter pensamentos positivos, jogar energia positiva, e uma série de coisas desse tipo que deram origem a toda uma literatura de auto-ajuda e às correntes de power-point de fundo religioso que circulam na internet, com mensagens de amor e de como ser mais feliz, etc.
     Essa ideologia de que é preciso ser bonzinho para ser bem-sucedido é típicamente corporativa, ou seja, é usada nas empresas para que os funcionários se conformem e procurem se ajustar aos seus interesses. O espírito crítico sempre foi muito mal visto pelos empresários, que o associam com rebeldia.
     Essa mentalidade propõe que ser crítico é criar problemas para si próprio, ou seja, propõe que em troca de benefícios pessoais (muito discutíveis) a pessoa finja que não está vendo as coisas erradas.
     Mesmo na política essa visão vem ganhando adeptos. Vejam o PT e o próprio Lula, que começou tão rebelde, criticando tudo. Hoje vivem de conchavos e mediações, preferindo um consenso construído nas costas do povo a um embate verdadeiro. Tudo bem, pode até ser um a estratégia de desmobilização do adversário, mas não deixa de reforçar essa idéia de que ser crítico é trabalhar contra você mesmo.
     Então a mensagem é: pense em você em primeiro lugar e pare de ficar se preocupando com ética e honestidade.
     Bom, amigo leitor, fico me perguntando para onde irá o mundo se cada um se preocupar apenas consigo próprio e abandonar seus valores? Para onde irá nossa democracia se não houver mais espírito crítico? Para onde irá nossa liberdade se tudo não passar de uma competição entre interesses particulares?
     Prefiro continuar acreditando em justiça e liberdade, lutando pelos meus valores e pelo interesse público no meu pequeno espaço, do que ser feliz egoisticamente, consolado na minha solidão pela auto-ajuda, que melhor seria chamada de auto-anestesia.
    Sei que pago um preço alto por isto, mas esse é o preço a ser pago por quem pretende ser um livre-pensador, realmente independente.
     Na verdade, ser livre e poder dizer o que penso é a minha melhor ajuda a mim mesmo,
   Histórias de outras vidas (25)

UM SEGUNDO EM UM CACHORRO


     Essa aconteceu em Rio de Contas mesmo, em 2004.
     Tenho um cachorro chamado Aladim, um cachorro diferente.
     Tudo começou em 1999, quando dei de presente à um amigo uma cadela pastor-alemão, não muito pura, que estava numa gaiola na frente da loja de animais em Vitória da Conquista.
     Meu amigo havia comentado que precisava de um cão para tomar conta da casa, e era aniversário dele na mesma semana. Não resisti àquela cadelinha tão simpática que parecia tão desamparada na gaiola.
     A cadela ganhou o nome de Lola e no início de 2001 depois deu a luz a dez cachorrinhos. Isso mesmo: dez! Eu estava na casa dele e ajudei no parto, que durou mais de seis horas. Aparei nove filhotes e achei que já tinha acabado. Já tarde da noite fui dormir e no dia seguinte ao contar à ninhada vi que havia mais um, meio vermelhinho.
     Era ele!
     No mesmo ano me mudei para Brasília e meu amigo foi me visitar de carro, levando os três filhotes que lhe haviam sobrado, pois não tinha com quem deixá-los. Foi uma farra quando eles desceram do carro e começaram a subir nas pernas dos meninos e correr pela casa e o gramado.
     Eram dois machos e uma fêmea. Um dos machos era Aladim, o vermelho. Imediatamente ele grudou em mim, como se me conhecesse de longo tempo. De início achei aquilo chato, mas sua amizade era tão forte que ele acabou me conquistando e fiquei com ele.
     Com o tempo Aladim foi revelando suas estranhas habilidades.
     Não há corda que o segure muito tempo. Escala muros de 2,20 de altura com enorme facilidade e uma vez o vi escalar uma pedra, que começa dentro do açude do meu sítio. É uma grande pedra, meio arredondada, de uns três metros de altura, cuja base se encontra dentro d’água. Eu estava na outra margem quando Aladim saltou de dentro da água, agarrou-se com as quatro patas à pedra, como se fosse uma aranha e foi galgando tranquilamente até atingir o topo.
     Se eu não tivesse visto não acreditaria.
     Pois esse é o meu cachorro.
     Hoje ele vive no sítio e quando chego ele gruda em mim como no primeiro dia. Quando saio o caseiro tem que deixá-lo amarrado por umas duas horas para que ele não venha atrás. Mesmo assim, outro dia apareceu pela cidade, depois de percorrer 20 Km e perambulou por tres dias procurando a casa. Pessoas que o conheciam me avisaram e pude encontrá-lo, faminto.
     Pois um dia destes eu o trouxe para a cidade, para ver o veterinário. Depois de medicado ficou uns dias comigo. Quando eu me deitava na rede da varanda ele vinha e se deitava do lado. Nos comunicamos por gemidos, pois descobri que nós humanos e os cachorros conseguimos emitir os mesmos sons de gemidos o que facilita a comunicação. É claro que a interpretação dos significados é subjetiva, mas não é tão difícil assim decifrá-los.
     Pois estávamos nesse afã, eu na rede, olhando as estrelas pela nesga de céu, entre o muro e o telhado e ele ao meu lado, dando gemidos esporádicos para nos comunicarmos, quando notei uma inquietação no bicho. Olhei para ele, no fundo dos seus olhos e então aconteceu uma coisa incrível:

Eu entrei dentro do cachorro e vi o mundo pelos olhos dele!

     Durou apenas um segundo, mas eu estive lá. Não sei se ele também esteve no meu corpo naquele segundo, mas pude sentir tudo que ele sentia e então compreendê-lo muito melhor. Só me lembro de sentir muito medo. Sim, senti o medo com que os cães vêem o mundo, porque não o entendem e então compreendi porque atacam, porque são agressivos. Eles tem medo constante, se sentem ameaçados por tudo que não entendem, e não entendem quase nada, e por isso estão sempre vigilantes. Talvez por isso sejam tão amigos dos humanos, porque precisam de nós para protegê-los dos seus medos.
     Terminado o transe, dei um pulo da rede, apavorado e fiquei olhando cismado para o animal.
     Foi uma experiência perturbadora, que prefiro não repetir. Talvez tudo não tenha passado de minha imaginação, ou quem sabe, pude captar realmente o que se passava em sua mente e seu espírito primitivo.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 15 de agosto de 2010

Histórias de outras vidas (24)

O CAVALO DISPAROU
     O ano era 1957? Talvez 58 ou 59, não sei. Sei que já tinha coordenação suficiente para andar à cavalo.
     Cavalgava-se em pelo, ou sem sela.. No máximo jogava-se sobre o lombo do animal um pequeno acolchocado, forrado com panos quadriculados, que minha mãe fazia na sua máquina de costura.
     O cavalo era o Castanho, que normalmente puxava a charrete e que tinha o mau hábito de disparar quando se assustava, principalmente com o apito do trem, a velha maria-fumaça que levava camarões de Cabo Frio para Niterói e passava em Araruama, às 7,05 da manhã.
     Nosso sítio ficava nos arredores da cidade, na saída para São Vicente. Tínhamos 365 coqueiros anões, que nos forneciam farta produção de cocos, que meu pai abria para nós no carramanchão de sapê que ele mandou construir para isso e também para servir de garagem para o carro, almoços e encontros familiares, com as redes preguiçosas que se entrelaçavam ligando os pilares de madeira.
     Me lembro dele ainda jovem, embora já careca, com um facão na mão, abrindo os cocos para mim numa taboa que funcionava como uma espécie de balcão. Eu bebia a água e devolvia o coco, que ele abria com um golpe seco e me devolvia para comer a polpa. Sua habilidade e força no manejo do facão me impressionavam e me faziam sentir seguro e protegido. E ele parecia gostar de me impressionar.
     Meu único irmão, cinco anos mais velho, tinha outros amigos, outras brincadeiras e não havia uma cumplicidade real entre nós. Ao contrário, houve sempre uma rivalidade, baseada em algum tipo de ressentimento por eu ter acabado com a sua posição de filho único. Mas nessa época, antes que a modernidade de Juscelino Kubitscheck nos envolvesse no turbilhão da mudança para Brasília, ainda havia alguns interesses comuns entre nós.
     Um dia, em Araruama, o pai e mãe tinham saído e ele me olhou com aquele jeito meio sádico que ele tinha, quando queria me torturar um pouco, e me propôs pegarmos o Castanho para dar uma volta. Sem arreio, jogamos a manta em cima, ele montou e me colocou na garupa, dizendo que eu me segurasse na sua cintura, enquanto se agarrava na crina do cavalo.
     Descemos a rua lateral, à passo. Essa rua só dava acesso à nossa casa e por isso estava sempre tomada de mato, um capim alto que ameaçava tomar conta do caminho marcado pelas rodas do velho Standard, o carro inglês de meu pai. Embaixo, viramos à esquerda e tornamos a subir, desta vez em direção a São Vicente, na rua principal, onde passava o único ônibus, vermelho e amarelo, do Expresso Araruama, dirigido por Durval, seu proprietário.
     O cavalo ia tranqüilo e fomos subindo. Paramos no topo, uns dois quilômetros adiante, para olhar a paisagem. Não me lembro se íamos adiante ou não, mas o fato é que o cavalo se assustou com alguma coisa e disparou ladeira abaixo, no rumo de casa, enquanto nos segurávamos como podíamos, eu magrinho e leve, agarrado na cintura dele, e ele no pescoço do cavalo.
     O acolchoado começou a deslizar para o lado esquerdo, nos levando juntos. Ao nos aproximarmos da esquina, onde certamente o cavalo iria virar, ele me gritou para pular no capinzal, assim que ele desse o sinal, enquanto continuávamos a escorregar para o lado e para trás. O cavalo dobrou à toda e ele gritou:
     _Agora!
     Me joguei e saí rolando no mato, que amorteceu minha queda. Logo adiante o vi despencar para o lado esquerdo, enquanto o cavalo passava galopando pela porteira aberta. Ninguém quebrou nada, mas ele se queixou de dores no braço e na perna e sob severas ameaças me proibiu de contar qualquer coisa para o pai ou a mãe.
     Nesse dia, sua maneira de me oprimir revelou o que eu veria nele pelo resto da vida: fragilidade.
     O ciúme e o ressentimento que o levavam a tentar me machucar, faziam com que ele se machucasse mais do que eu.
Rapidinhas

Tampando o nariz

Prezados amigos, juro que eu ia mesmo votar em Marina Silva, porque achava que ela era uma grande ecologista, de renome internacional, capaz de levar o Brasil a um novo caminho, liderando uma economia verde em um mundo cansado de guerras e poluição.
Mas o que estou vendo é outra coisa. Saiu a ambientalista e entrou a crente fundamentalista, contra o aborto, contra o casamento gay e finalmente contra as pesquisas com células tronco. Sou a favor das tres coisas, como posso votar nela?
Como entregar o futuro do país a quem coloca premissas religiosas à frente de direitos civis?
Nesse caso, mas uma vez será preciso tampar o nariz e votar no PT.
Porque Serra é o que há de pior para o Brasil. Ele representa o retrocesso total à uma política de traição da pátria e entrega das nossas riquezas ao capital internacional.
Acho ainda que o governo de Dilma será uma incógnita, pois não sabemos o que ela realmente pensa. Até agora é uma boneca criada pelos marqueteiros. Gostava mais quando ela era aquela velhinha invocada, com os óculos na ponta do nariz. Mas fazer o que? Tem que ser Dilma mesmo.

Parando de sofrer

Fim de semana muito bom, com mãe, filhos, netas e amigos, muita alegria, música e gente nova chegando.
Interessante os ciclos da vida. Às vezes a gente se acomoda no sofrimento só pra depois descobrir que a alegria estava a um passo e que era só deixar o medo de lado para enfrentar o desconhecido.
A vida se renova por si mesmo e é sempre mais forte que o medo e a desesperança.
A família também não é uma coisa estática, se renova sempre, como todo agrupamento humano. É dinâmica,
principalmente quando é composta de gente inteligente e livre, apesar das forças conservadoras que querem que nada mude.

Jornais

Gente, os jornalões impressos estão acabando.
Outro dia me surpreendi no Setor Comercial Sul de Brasília, procurando uma banca de jornais e...não achei.
Foi a maior dificuldade para comprar um exemplar do Correio Braziliense, que além de tudo é muito ruinzinho. Enchem páginas e páginas com fotos enormes e manchetes sensacionalistas, mas conteúdo mesmo, muito pouco. Salvam os classificados e alguns colunistas, porque quando o jornal chega de manhã as notícias já estão velhas na internet.
Parece que estamos caminhando rapidamente para um mundo saturado de informações, cada vez menos manipuladas pelos grupos tradicionais (as famílias donas das mídias, como a família Marinho, dona da Globo) e mais democrática também, embora com muito lixo circulando por aí.
Além de tudo, já repararam quanto papel desperdiçado nessas edições de domingo? Que coisa mais anti-ecológica! Quantas árvores derrubadas para imprimir tanta informação manipulada.


Nota: apartir de hoje passo a publicar cada artigo separadamente, de forma a permitir aos leitores fazer comentários específicos sobre cada texto.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Uma Escola Família Agrícola
para Rio de Contas

     
 O projeto da EFA de Rio de Contas: um verdadeiro campus para desenvolver a agricultura no município    

     Pois é, amigos leitores, esse é o bonito projeto da Escola Família Agrícola, com que a arquiteta Scarlett Porto brindou o município de Rio de Contas.
     O projeto se situa na confluência das estradas que levam ao distrito de Mato Grosso e aos povoados de Fazendola e Caiambola, em terreno de propriedade do Sr. Carlos Bittencourt, pessoa muito comprometida com as questões sociais e que, em princípio, concordou em ceder a área para construção.
     Scarlett Porto me procurou há mais ou menos um ano atrás, porque buscava um tema para o seu trabalho final de graduação (TFG) na Faculdade de Arquitetura da UFBA, em Salvador. Seu interesse era fazer uma escola rural dentro da filosofia da Escola Família Agrícola. Alguém recomendou meu nome e eu a recebi em Rio de Contas, levei à Secretaria de Meio Ambiente, que demonstrou interesse pelo projeto e a encaminhou a algumas pessoas que poderiam fornecer dados sobre educação no município.
     Só agora, em julho, Scarlett me procurou novamente me convidando para fazer parte da sua banca de graduação, convite que aceitei com muito prazer.
     No dia 9 de julho participei da banca, em Salvador, que a aprovou.
     Na minha intervenção na banca, lembrei a importância do projeto para Rio de Contas, principalmente para os jovens do campo, sempre obrigados a migrar para as cidades por falta de perspectivas econômicas nas áreas rurais e lembrei-a também do seu compromisso com a cidade, coisa que ela prontamente reiterou.
     O projeto atenderia os jovens dos 12 povoados dos gerais em regime externo e ainda os jovens do baixio, em regime de semi-internato, 15 dias na escola e 15 dias em casa, pois é assim que essa filosofia se propõe a trabalhar com os estudantes de áreas mais distantes.
     A EFA de Rio de Contas tem o apoio da Associação de Pequenos Produtores Rurais (Citrus) e espera contar também com o apoio da Prefeitura local, em benefício do desenvolvimento da agricultura e da educação no município.
     A deputada federal Alice Portugal já se comprometeu a lutar pelo projeto na Câmara, em Brasília. Procurada por mim, em Vitória da Conquista, ela disse: gosto muito de Rio de Contas, tenho inclusive uma boa votação lá, mas nunca pude fazer muito pelo município. Quem sabe esse não será meu primeiro projeto para Rio de Contas?
    Oxalá seja! Deus abençoe Scarlett Porto, Carlos Bittencourt, Alice Portugal e todos aqueles que queiram ajudar Rio de Contas a ter uma agricultura moderna, produtiva, ecológica, assim como uma juventude rural resgatada do isolamento e antenada com o futuro.

Debate

     Poxa, que debatezinho chocho este da Band.
     Dilma pareceia mais preocupada com a imagem do que com as propostas. Serra, muito experiente e ágil, mas parece não ter proposta nenhuma, ou melhor, esconde suas verdeiras intenções (privatizar tudo, como sempre), para falar de saúde, educação, etc. Marina Silva é aquela coisinha sem graça, falando da sua vida de pobreza no Acre. História requentada. Plíno Arruda poderia ter pelo menos feito uma plástica. Aos 80 anos é um sacrifício ficar olhando para aquela cara tão feia, lançando propostas fora de contexto, de um modelo socialista que não existe mais.
     Aliás, igualdade nunca foi uma bandeira socialista, mas sim da revolução burguesa (liberdade, igualdade e fraternidade). Os marxistas sempre defenderam a cada um segundo a sua necessidade e de cada um segundo a sua capacidade. Ou seja, cada um dá o que pode e recebe o que precisa, o que é um reconhecimento de que igualdade é uma coisa utópica e racionalista, muito distante da realidade diversa da humanidade.
     Valia mais a pena ver São Paulo x Internacional na Globo, coisa aliás que a maioria dos telespectadores fez (o Ibope da Band foi de apenas 5% no debate).
     Acho engraçado o foco eterno em saúde, educação e segurança. Esses são serviços prestados pelo Estado (faltou o transporte). Mas governar não é cuidar apenas do que é obrigação do Estado, é principalmente formular políticas públicas em todas as áreas, para que o país se desnvolva mais e de forma equilibrada.
     Acho que os apresentadores da Band ainda estão em 1989.
    
    
Histórias de outras vidas (23)

   UM LAGO NOS ANDES

     O ano? Final de 1972. O lugar? San Fernando, Chile, onde fui passar um fim de semana na casa de meu amigo Lucho.
     Desde que havia chegado ao Chile, em junho de 1972, eu evitava a colônia brasileira formada por exilados e preferia ter amigos chilenos.
     Eu pensava que se havia ido morar naquele país devia conviver com o povo de lá, para entender sua cultura e conhecer a experiência do socialismo democrático de Salvador Allende.
     Muitos brasileiros que chegavam à Santiago, como eu, só se relacionavam com outros brasileiros e desenvolviam uma atitude negativa, falando mal do Chile e de seus costumes. Depois de algum tempo percebi que isso era uma espécie de síndrome comum em colônias de exilados. Acho que no fundo é um medo de se adaptar e não querer voltar mais ao seu país de origem.
     Lucho era meu colega na faculdade de arquitetura e às vezes me convidava para ir a San Fernando, sua cidade natal, que ficava mais ou menos a uma hora de trem de Santiago.
     Sua família morava num velho casarão de estilo espanhol com um pátio interno, avarandado, para onde todos os cômodos abriam portas e janelas. Sua jovem mãe era muito atenciosa comigo, me tratando como se fosse um filho.
     Quando eu chegava ela me cortava as unhas do pé, costurava minhas roupas e se preocupava com a minha saúde. Claro que eu gostava. Num país estrangeiro, sem família ou amigos brasileiros, encontrei ali um lar alternativo que me aquecia muito o coração. De vez em quando eu ia para San Fernando, passar o fim de semana.
     Daquela vez Lucho me convidou para ir à uma festa com sua família, numa área rural. Era uma espécie de almoço de fim de ano de colegas de trabalho de sua mãe. Ficamos lá um tempo, mas logo a reunião se tornou um pouco cansativa para nós, que não pertencíamos àquele grupo. Ele então me convidou a fazer uma trilha. Saímos e fomos subindo a encosta da cordilheira.
     Sim, a Cordilheira dos Andes é uma presença constante na vida chilena. De qualquer lugar do país em que se olhe para oeste, ela está sempre lá. Algumas cidades ficam ao pé da montanha, como Santiago e San Fernando e também o tal clube onde acontecia a festa.
     Fomos subindo e respirando aquele ar puro e tudo foi ficando muito bonito, a vegetação foi ficando rarefeita e continuamos até encontrar um lago.
      Lucho me disse que às vezes vinha até ali sozinho, quando queria pensar, e tomava banho sem roupa, em comunhão com a natureza. Achei a idéia ótima. Logo tiramos nossas roupas e nos metemos na água, que estava gelada, naquele domingo de verão.
     Lá de cima podíamos observar a cidade embaixo e as montanhas ao redor.
     O contato daquela água no corpo e a visão daquele ambiente fantástico, fez com que eu me sentisse vivo de uma maneira inesquecível. Era como se de repente todos os desígnios da minha vida ficassem claros.
     Naquele momento senti como se todas as barreiras que me separavam da natureza subitamente desaparecessem e eu conseguisse voltar à ela, me sentir parte dela.
     A consciência do meu lugar neste mundo, intrinsicamente ligado à natureza foi se reforçando ao longo da vida. Os valores materiais do mundo nunca me interessaram muito. Sempre vivi como alguém que está de passagem, observa tudo, sente as coisas e se vai, experimentando novos caminhos.
     Um observador participante, ávido por conhecer, sentir, experimentar. Talvez sabendo no subconsciente que esta vida é só um estágio, nesse planeta belíssimo, e que logo o estaremos deixando e colhendo os frutos das nossas ações por aqui.
     Uma consciência que fui adquirindo aos poucos, mas que naquele momento mágico, se tornou clara para mim, na água gelada de um lago tão alto, tão isolado e silencioso.

     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 1 de agosto de 2010


   Odorico e Isabel

     Dois fatos muito distintos se entrelaçaram esta semana, me levando a pensar no futuro do Brasil. O primeiro foi assistir ao filme O Bem Amado, com Marcos Nanini no papel de Odorico Paraguaçú e Matheus Nachtergale como Dirceu Borboleta.
     Ao contrário do eu supunha, não se trata apenas de uma versão para o cinema, da famosa história de Dias Gomes, que já virou novela e seriado. O filme procura entrelaçar a história do prefeito corrupto com a história recente do nosso país, exibindo inclusive flashes de documentários antigos sobre a guerra fria, a renúncia de Jânio Quadros, a posse e a derrubada de João Goulart, à resistência à ditadura e o movimento pelas diretas.
     A atuação de Marcos Nanini é excelente, como sempre, apesar de que suas falas, cheias de neologismos, são um pouco rápidas demais. Para quem já conhece o personagem dá pra entender bem, mas para os mais jovens deve ser difícil compreender o significado daquela torrente de palavras estranhas.
     Matheus Nachtergale está impecável como o funcionário público exemplar, tendo que conviver com os desmandos de um prefeito completamente desligado da ética e capaz das piores artimanhas para se manter no poder, situação recorrente no Brasil.
     A ligação entre a história fictícia de Odorico e a realidade brasileira só fica clara ao final, quando sobre um globo terrestre mostrado sobre um fundo estrelado, o nome Brasil é trocado por Sucupira, sobre o mapa do nosso país, numa alusão clara à corrupção generalizada na vida política nacional.
     O Brasil teria se tornado uma grande Sucupira, a cidade de Odorico Paraguaçú.
     Apesar do mal-estar causado por essa alusão ao final do filme, saí do cinema pensando se este não seria realmente o grande problema atual do Brasil. Apesar das conquistas políticas, econômicas e sociais dos últimos anos, resta um travo de amargura na população brasileira em relação à falta de seriedade dos nossos políticos e da nossa justiça, que se mantém numa postura burocrática em relação ao cumprimento das leis, com a brilhante exceção do Ministério Público.
     E porque o Brasil não consegue ser um país sério? Porque toda troca de comando no poder nacional sempre cheira a acordos espúrios? Foi assim na redemocratização, com a posse de Sarney, ex-líder da ditadura, fruto de um arranjo que deu mais 20 anos de fôlego à velhos figuras carimbadas da política a la Sucupira, como Antonio Carlos Magalhães e outros.
     Foi assim também com a ascenção de Fernando Henrique Cardoso, cujo passado esquerdista desapareceu num acordo com o antigo partido da ditadura (atual DEM), mantendo Sucupira no poder. O mesmo se deu com Lula, quando na sua famosa Carta aos Brasileiros (muito pouco divulgada antes das eleições), detalhou as bases do acordo feito com as elites brasileiras para que permitissem que fosse ungido presidente, abandonando as principais promessas e princípios da sua trajetória política e tomando um rumo que, na prática, o compromteu a não mexer nos interesses da grande Sucupira que se esconde na sociedade brasileira.
     Assim, os discursos foram virando vento, a legalidade voltou a ser uma coisa relativa e o Brasil continuou a ser um país de faz de conta, que frustra a maioria do nosso povo. Mas esse é um tema que está fora da campanha eleitoral deste ano, onde os tres principais candidatos parecem colocar como pressuposto manter o seu compromisso com Sucupira, para não perturbar essa falsa social-democracia em que o Brasil se transformou, onde a cidadania continua sendo um mito.
     Mas o segundo fato, a que me referi no início, foi a comemoração de 164 anos de nascimento da Princesa Isabel, no dia 29 de julho, muito oportuno para lembrar que nem Dilma, nem Marina seriam as primeiras mulheres a governar o Brasil.
     Isabel, filha meio rebelde de D. Pedro II, assumiu a regência por três vezes: na primeira promulgou a Lei do Ventre Livre, libertando os escravos nascidos a partir daquela data; na segunda se envolveu com a questão religiosa e separou a Igreja Católica do Estado no Brasil e na terceira aboliu a escravidão.
     Embora sendo uma aristocrata, Isabel nos deu um exemplo sadio de rebeldia, de quem estava cansada de discursos vazios e partiu para a prática, terminando efetivamente com a estrutura arcaica do Estado brasileiro, com imperadores e escravos. Suas ações estão na base do nascimento de um Brasil moderno e republicano, mas que nunca conseguiu se libertar dos conchavos das elites para estabelecer uma verdadeira democracia, onde o povo exerça livremente o seu poder.
     Então a pergunta que fica é: até quando vamos ter medo dessas elites que nos mantém subjugados?
     Até quando vamos nos submeter a esses acordos espúrios e tolerar a corrupção e a inércia da justiça para promover e proteger privilégios?
     Quem sabe a rosa branca, símbolo da luta contra a escravidão adotado também pela princesa Isabel, nos inspire novamente. Quem sabe, como na música de Zé Ramalho, tenhamos novamente aquela vontade de sairmos do poço, da garganta do poço, na voz de um cantador....


Modelos
     Faz quase 40 anos, uma delegação chinesa visitou o Brasil para conhecer nosso modelo econômico. Foi na época do chamado "milagre brasileiro", tempo de grande dinamismo econômico, com o Brasil crescendo a 9% ao ano sob a ditadura de Garrastazú Médici. Os chineses, que na época viviam uma economia estagnada de privações e pobreza, queriam entender como podíamos crescer tanto.
    Viram, entenderam e trataram de aplicar na China (na época totalmente estatizada) a fórmula brasileira, que mesclava economia privada com controle estatal. Tínhamos grandes estatais que puxavam toda a economia, um Estado forte que regulamentava tudo para alavancar o setor privado que, em parceria com o Estado, sabia que podia investir pesadamente que o retorno era garantido.
     A base dessa economia mista era o planejamento, ferramenta desenvolvida nos países socialistas e adotada no mundo inteiro, como garantia de desenvolvimento.
     Passados alguns anos, desceu por aqui Henry Kissinger, então Secretário de Estado americano, para reclamar que nossa economia estava estatizada demais, que era preciso privatizar. Isso, se não me engano, já foi no governo de Ernesto Geisel.
     Daí em diante começou a se desevolver essa campanha pela desestatização, como se a presença do Estado na economia fosse um pecado. Com a queda da União Soviética, então, a privatização fez a festa. O baluerte socialista tinha caído e era hora dos privatistas avançarem. Daí em diante foi o que se viu. Sarney começou, Collor acelerou, Itamar continuou (privatizou a Açominas) e Fernando Henrique detonou. Privatizamos e desregulamentamos tudo. Resultado: paramos de crescer, mergulhamos numa crise profunda da qual só começamos a sair com o governo Lula, que parou de privatizar, embora não tenha tido a coragem de reestatizar.
     Lula governa com o máximo de consenso possível e não gosta de mexer em vespeiros. Se a recriação da Telebrás e a criação da pequena Petro-Sal já provocam náuseas nos privatistas, reestatizar as comunicações seria uma verdadeira guerra (muito embora a fusão da Brasil Telecom com a Oi e agora com a Portugal Telecom, possam ser uma forma de abrir espaço para a compra de ações por parte do governo, criando uma estatal gigante).
     Nesses 40 anos, primeiro faliu o modelo estatista soviético, depois o privatista veio abaixo, com a crise americana de 2008, fazendo o governo dos Estados Unidos regulamentar pesadamente o sistema financeiro e colocar dinheiro do tesouro americano nas empresas, rompendo com os famosos "novos paradigmas" e voltando à velha intervenção estatal.
     Enquanto isso a China desenvolveu nosso antigo modelo com muito sucesso, chegando a ser a segunda economia do mundo e se preparando para nos próximos anos, ultrapassar os Estados Unidos como maior economia mundial.
     Ou seja, nós os ensinamos como crescer, mas depois, com governos que representavam uma elite submissa e colonizada, injetamos em nós mesmos os venenos preparados pelos estrangeiros para nos impedir de assumir nosso papel de liderança no mundo.
     O grande mérito de Lula foi romper com esse complexo de vira-lata brasileiro e relembrar que podemos ter projetos próprios (como tívemos nos governos Vargas, Kubistcheck e Goulart), que podemos defender nossos interesses no mundo, que podemos ser um país que se leva à sério, (apesar dos seus acordos eleitorais com a velha Sucupira).
     Mas o modelo chinês, também tem seus percalços, pois não é democrático e é extremamente consumista.
     Qual seria então o futuro?
     O modelo de economia mista já provou que funciona bem, garantindo espaço para os investidores, que no entanto estão limitados pelo poder do Estado, um fiscalizando o outro. A tal economia de baixo carbono, proposta por Marina Silva, parece que se preocupa apenas com as emissões, mas não aborda com clareza a questão dos recursos não renováveis (com excessão do petróleo), que estão se esgotando rapidamente com o aumento contínuo da produção industrial.
     Parece que a solução aponta na mudança de uma economia de consumo de produtos, para uma economia de serviços.  Explico: a produção de bens descartáveis ou pouco duráveis seria substituída por bens duráveis, por exemplo: um automóvel seria feito para durar 20 anos e não 3, como hoje. Os modelos não mudariam todo ano, como agora, estimulando a troca, mas se manteriam por muito tempo. Seriam produzidos muito menos automóveis e a economia giraria em torno da manutenção desse veículos, vendendo peças de reposição, oferecendo regulagens periódicas e muito trabalho humano que pode ser aplicado a um veículo.
     Novidade? Nada disso: assim eram as economias socialistas, onde os bens eram feitos para durar e não para serem jogados fora. Só que isso era feito através de um planejamento burocrático, muito distante dos consumidores, o que engessava todo o processo. E mesmo no Brasil, há algumas décadas atrás, nada era descartável e o consumo era muito reduzido. Os mais velhos se lembram.
     O desafio seria planejar o consumo dentro de um processo democrático, dialogando com todos os setores da sociedade, sempre de olho na resiliência (capacidade de recuperação) da natureza do planeta.   
     Só que hoje em dia isso não poderia mais ser feito em cada nação isoladamente. Seria preciso algum tipo de governança global que monitorasse o quanto ainda temos de petróleo, minério de ferro, etc, para saber o quanto poderia ser gasto anualmente, sem ameaçar nossa existência, e buscasse fontes alternativas, renováveis, para substituir os recursos finitos.
     Além disso, muito trabalho humano poderia girar a economia de serviços em muitos outros setores, como o da educação, cultura, artes e ciências, além da uma agricultura que abandonasse o agro-negócio envenenador de solos e produtos, por uma agricultura ecológicamente correta.
     Não seria fácil fazer essa conversão, adotando um modelo planejado e racional, onde os negócios estariam muito mais regulamentados Também não seria fácil substituir a mentalidade consumista que se formou na população nos últimos anos, cujo melhor exemplo é o slogan da Ford: viva o novo, que teria que ser substituído por viva o durável!
     Esse é o modelo que vai se formando no horizonte possível: economia mista, democraticamente  planejada, voltada para os serviços e baseada na sustentabilidade.
     Quanto à governança global, as potências militares, que ainda acreditam no poder nacional, resistem à integração democrática, tipo União Européia e Mercosul, mas as crises econômicas e ambientais começam a falar mais alto e vão moldando na prática as leis globais.
     Quem viver verá.

    

   Histórias de outra vidas (22)

   VINCENT


     O lugar era Bruxelas, na Bélgica e o ano 1974 ou 75, não tenho certeza.
     Eu tinha ido para a Europa em 1974, fugindo da repressão do governo Médici que estava prendendo todo mundo que havia estado no Chile, cujo governo socialista acabara de ser derrubado por Pinochet.
     Fui sozinho na frente e alguns meses depois minha nova companheira, que eu havia conhecido no Rio, foi também. Lá alugamos um porão na casa de um casal belga, que achava que estava ajudando o terceiro mundo por nos receber. Jean Pierre e Myriam formavam um casal interessante: ele judeu e ela muito católica, os dois simpáticos e gentis.
     Quando chegamos ela estava grávida. Eles já tinham um pequena filha chamada Muriel, muito meiga e simpática. Logo nasceu Vincent.
     Nossa vida era muito corrida. Primeiro tentamos estudar e depois de alguns meses resolvemos voltar para o Brasil. Então nos dedicamos a trabalhar e juntar dinheiro para as passagens de volta.
     Saíamos bem cedo e voltávamos à noite, cansados. Às vezes nos encontrávamos no centro para tomar uma cerveja na Grand Place ou na Porte Louise. Que cervejas deliciosas são as belgas. Os Pubs nos protegiam do frio e da neve do inverno de 74/75, que gelava os ossos e a alma de qualquer brasileiro.
     Aos domingos, às vezes recebíamos algum amigo ou íamos a casa de outros, da grande colônia latino-americana que se formou após o golpe de Pinochet. Os exilados que estavam no Chile, fugindo de outras ditaduras latino-americanas, implantadas pelos americanos, foram para a Europa e a Bélgica recebeu um grande número deles.
     Um dos que nos visitava era o Gordo, exilado uruguaio, cujo nome verdadeiro nunca soube, já que ninguém perguntava essas coisas aos exilados políticos. Gordo era muito alegre e engraçado. Fumava charutos e gostava de sentar com a gente e ficar tomando cerveja a tarde toda de domingo, enquanto proseávamos e minha companheira fritava rosquinhas, que todos nós adorávamos.
     Sucede que os Belgas dão uma criação muito estranhas às suas crianças. Na porta de algumas lojas estava escrito: proibido entrar cachorros e crianças (Não sei se esse costume permanece até hoje). Parece que eles não gostavam muito dos pequenos e os reprimiam com severidade, segundo eles, para que crescessem disciplinados.
     Sabíamos disso, mas um domingo daqueles estávamos no nosso porão, bebendo e fumando e o choro de Vincent (lê-se Vançam) começou a nos incomodar. Fazia horas que o menino chorava e pensamos que talvez o casal não estivesse ouvindo. Subimos para verificar e achamos o pequeno no seu carrinho, na beira da escada que levava ao nosso porão, sozinho, todo assado e precisando urgentemente trocar as fraldas (que naquela época eram de pano).
     Minha companheira subiu para avisar Myriam, mas eles nos disseram que era assim mesmo, que ele precisava se acostumar a ficar sozinho, passando suas dificuldades e que com o tempo pararia de chorar.
Chocados voltamos ao nosso porão inconformados com aquela situação.
     O menino tinha no máximo dois meses e não podia ser deixado à própria sorte dessa forma. Como a situação não se alterava resolvemos levá-lo às escondidas para baixo. Lá ele foi trocado, recebeu fraldas limpas (não me lembro onde conseguimos) e depois foi colocado de volta no carrinho, dormindo profundamente.
     Muitas horas depois, Myriam desceu para nos explicar que Vincent havia finalmente se aquietado, porque compreendera que tinha que lidar com seus próprios problemas.
     Pode?
     Conversando com uma brasileira exilada que fazia psicologia na universidade de Louvain, ela nos falou que aquilo era comum na Bélgica. Que eles eram extremamente duros e até cruéis com as crianças, acreditando que aquilo os faria ter um temperamento forte para enfrentar as adversidades da vida. Talvez algum costume bárbaro herdado das hostes germânicas que invadiram o império romano e formaram os países do norte da Europa.
     Mas o fato é que esse tipo de criação endurece os adultos e talvez esteja por trás de tantas barbaridades cometidas pelos europeus em suas infinitas guerras. Os belgas mesmo cometeram verdadeiras atrocidades no antigo Congo Belga, sua colônia na África, que até hoje não se recuperou desse processo violentíssimo.
     Muitos domingos se sucederam e Vincent sempre ficava na escada, chorando.
     Nós, já sabendo da situação, comprávamos fraldas e fazíamos mamadeiras para dar a ele nos domingos. Ele passava a tarde conosco, entre cervejas, rosquinhas, as risadas de Gordo e adorava. Sorria muito para nós, agradecido dos cuidados e do conforto. No final da tarde voltava para seu carrinho e dormia satisfeito, antes que sua mãe fosse buscá-lo e ficasse também satisfeita de ver como seu pequeno varão estava se tornando um verdadeiro guerreiro e já não chorava mais.
     Onde andará Vincent, hoje com 35 anos? Terá se tornando um indivíduo mais fraco por ter recebido esse amor clandestino, ou quem sabe se tornou um adulto melhor, mais capaz de amar e ser amado?

Abraço a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza