Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 22 de agosto de 2010

   A América do Sul começa a ser feliz

     Interessante os desdobramentos da crise política entre Colômbia e Venezuela.
     A Suprema Corte colombiana declarou ilegal o acordo militar com os Estados Unidos, fonte de todo desacordo entre os dois países e também entre a Colômbia e toda a América do Sul, com excessão do Perú, cujo governo também  é aliado de Washington.
     A reação a esse acordo no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Equador foi tão forte, que deixou isolado o governo de Álvaro Uribe e fez com que seu sucessor recuasse na política de enfrentamento com a Venezuela, com quem já normalizou as relações diplomáticas.
     Parece que os govenos democráticos sul-americanos vão conseguindo consolidar uma política continental de solidariedade e cooperação, que vai deixando para trás os tempos de submissão aos americanos e inaugurando uma nova era de paz e prosperidade, enquanto o gigante do norte se afunda em guerras intermináveis e uma crise econômica profunda.
     O sucesso econômico fez com que, inclusive novos governos de direita como o de Piñera no Chile, se alinhassem com as nações do continente no sentido do desenvolvimento baseado em políticas de autonomia e independência. Até o novo presidente colombiano, Santos, parece ter percebido que não há muito futuro em trazer as guerras americans para o nosso território e, a melhor notícia, as Farc pedem negociações e acenam com a integração democrática de suas forças, pois começam a perceber que se tornaram uma desculpa para a intervenção americana.
     O modelo que vai se impondo, na América do sul é a social-democracia, com forte presença do Estado, com respeito às minorias (principalmente aos povos indígenas andinos), comandados por partidos de esquerda que já foram revolucionários, mas permitindo tranquilamente que partidos de direita (que já foram golpistas) como o chileno, possam se integrar.
     O modelo venezuelano, que se equilibra entre a revolução cubana e a social-democracia, foi muito bem em relação as reformas que precisavam ser feitas na Venezuela, destruindo a hegemonia política de uma elite colonizada, que desprezava seu próprio país e seu povo. Mas agora esbarra nas questões econômicas.  
     Chavez, que se diz um admirador do chileno Salvador Allende, parece estar cometendo os mesmo erros que ele, ao priorizar a política em detrimento da economia. Está chegando a hora de definir um modelo econômico eficiente para a Venezuela e a melhor saída, a curto prazo, é se enquadrar no modelito social-democrata, que permite avanços sociais, enquanto mantém calmas as forças da direita (cujas empresas continuam lucrando), tradicionalmente golpistas. Pelo menos até que surja algo melhor no horizonte.
     Enquanto isso, no Brasil, a dianteira de Dilma nas pesquisas, sobre os que defendem o alinhamento com os Estados Unidos (PSDB), mostra que a população sabe o que representa essa eleição para os destinos do Brasil e da América latina.


    
    
   Antagonismos


     Esta semana recebi uma crítica, dizendo que eu preciso de antagonismos, preciso sempre estar comprando alguma briga, em síntese, que eu sou um chato criador de casos.
     Fiquei pensando muito e me lembrei de outra crítica, semelhante a esta, que recebi a poucos meses, e tanto a primeira quanto a segunda, partiram de pessoas que abandonaram seus princípios em busca de vantagens pessoais.
     Seria mesmo verdade que me tornei um antagonista por falta do que fazer, por prazer de ficar perturbando os outros, ou como forma de tentar ser importante ou me achar superior?
     É sempre bom ser lembrado destas coisas, porque às vezes, o fato de ter um espaço para escrever, mesmo que seja um pequeno espaço como este, dá uma sensação de poder que pode nos inebriar e confundir.
     De fato, tenho dois tipos de texto que podem incomodar: o primeiro é o memorialismo, onde cito as pessoas que conheci e vivi. O exemplo clássico é meu livro Contracorrenteza, de 1993, onde citei os primeiros nomes das pessoas e fiz críticas abertas a tudo que achava errado.
     Muita gente gostou e muita gente detestou e até hoje o livro é muito comentado. Referiu-se a uma etapa da minha vida e concentrou críticas sobre o Partido dos Trabalhadores, mostrando as entranhas do movimento popular, as manobras e pequenos golpes, muito comuns, vividos por mim na cidade de Ilhéus.     
     Achei que citando só os primeiros nomes, as pessoas poderiam dizer: não, esse é outro João, não sou eu. Mas não foi assim. A partir daí parei de citar os primeiros nomes, mas mesmo as pessoas se sentem identificadas do mesmo jeito.
     Fica mais difícil quando são pessoas da família, pois é preciso citar o parentesco para que uma história familiar faça sentido. Todo escritor memorialista tem problemas deste tipo com sua família. Isabel Allende cita em um dos seus livros que um dos seus genros a proibiu de citá-lo. mas de qualquer forma ele está lá, como genro.
     O segundo tipo de texto é a crítica política direta, citando nomes de pessoas públicas e criticando sua atuação. É claro que os políticos não gostam, mas se ninguém puder criticá-los não haverá democracia.
     Acontece que, desde o advento do neoliberalismo, se instalou entre nós uma cultura de que críticas são uma coisa nociva, que devemos ter pensamentos positivos, jogar energia positiva, e uma série de coisas desse tipo que deram origem a toda uma literatura de auto-ajuda e às correntes de power-point de fundo religioso que circulam na internet, com mensagens de amor e de como ser mais feliz, etc.
     Essa ideologia de que é preciso ser bonzinho para ser bem-sucedido é típicamente corporativa, ou seja, é usada nas empresas para que os funcionários se conformem e procurem se ajustar aos seus interesses. O espírito crítico sempre foi muito mal visto pelos empresários, que o associam com rebeldia.
     Essa mentalidade propõe que ser crítico é criar problemas para si próprio, ou seja, propõe que em troca de benefícios pessoais (muito discutíveis) a pessoa finja que não está vendo as coisas erradas.
     Mesmo na política essa visão vem ganhando adeptos. Vejam o PT e o próprio Lula, que começou tão rebelde, criticando tudo. Hoje vivem de conchavos e mediações, preferindo um consenso construído nas costas do povo a um embate verdadeiro. Tudo bem, pode até ser um a estratégia de desmobilização do adversário, mas não deixa de reforçar essa idéia de que ser crítico é trabalhar contra você mesmo.
     Então a mensagem é: pense em você em primeiro lugar e pare de ficar se preocupando com ética e honestidade.
     Bom, amigo leitor, fico me perguntando para onde irá o mundo se cada um se preocupar apenas consigo próprio e abandonar seus valores? Para onde irá nossa democracia se não houver mais espírito crítico? Para onde irá nossa liberdade se tudo não passar de uma competição entre interesses particulares?
     Prefiro continuar acreditando em justiça e liberdade, lutando pelos meus valores e pelo interesse público no meu pequeno espaço, do que ser feliz egoisticamente, consolado na minha solidão pela auto-ajuda, que melhor seria chamada de auto-anestesia.
    Sei que pago um preço alto por isto, mas esse é o preço a ser pago por quem pretende ser um livre-pensador, realmente independente.
     Na verdade, ser livre e poder dizer o que penso é a minha melhor ajuda a mim mesmo,
   Histórias de outras vidas (25)

UM SEGUNDO EM UM CACHORRO


     Essa aconteceu em Rio de Contas mesmo, em 2004.
     Tenho um cachorro chamado Aladim, um cachorro diferente.
     Tudo começou em 1999, quando dei de presente à um amigo uma cadela pastor-alemão, não muito pura, que estava numa gaiola na frente da loja de animais em Vitória da Conquista.
     Meu amigo havia comentado que precisava de um cão para tomar conta da casa, e era aniversário dele na mesma semana. Não resisti àquela cadelinha tão simpática que parecia tão desamparada na gaiola.
     A cadela ganhou o nome de Lola e no início de 2001 depois deu a luz a dez cachorrinhos. Isso mesmo: dez! Eu estava na casa dele e ajudei no parto, que durou mais de seis horas. Aparei nove filhotes e achei que já tinha acabado. Já tarde da noite fui dormir e no dia seguinte ao contar à ninhada vi que havia mais um, meio vermelhinho.
     Era ele!
     No mesmo ano me mudei para Brasília e meu amigo foi me visitar de carro, levando os três filhotes que lhe haviam sobrado, pois não tinha com quem deixá-los. Foi uma farra quando eles desceram do carro e começaram a subir nas pernas dos meninos e correr pela casa e o gramado.
     Eram dois machos e uma fêmea. Um dos machos era Aladim, o vermelho. Imediatamente ele grudou em mim, como se me conhecesse de longo tempo. De início achei aquilo chato, mas sua amizade era tão forte que ele acabou me conquistando e fiquei com ele.
     Com o tempo Aladim foi revelando suas estranhas habilidades.
     Não há corda que o segure muito tempo. Escala muros de 2,20 de altura com enorme facilidade e uma vez o vi escalar uma pedra, que começa dentro do açude do meu sítio. É uma grande pedra, meio arredondada, de uns três metros de altura, cuja base se encontra dentro d’água. Eu estava na outra margem quando Aladim saltou de dentro da água, agarrou-se com as quatro patas à pedra, como se fosse uma aranha e foi galgando tranquilamente até atingir o topo.
     Se eu não tivesse visto não acreditaria.
     Pois esse é o meu cachorro.
     Hoje ele vive no sítio e quando chego ele gruda em mim como no primeiro dia. Quando saio o caseiro tem que deixá-lo amarrado por umas duas horas para que ele não venha atrás. Mesmo assim, outro dia apareceu pela cidade, depois de percorrer 20 Km e perambulou por tres dias procurando a casa. Pessoas que o conheciam me avisaram e pude encontrá-lo, faminto.
     Pois um dia destes eu o trouxe para a cidade, para ver o veterinário. Depois de medicado ficou uns dias comigo. Quando eu me deitava na rede da varanda ele vinha e se deitava do lado. Nos comunicamos por gemidos, pois descobri que nós humanos e os cachorros conseguimos emitir os mesmos sons de gemidos o que facilita a comunicação. É claro que a interpretação dos significados é subjetiva, mas não é tão difícil assim decifrá-los.
     Pois estávamos nesse afã, eu na rede, olhando as estrelas pela nesga de céu, entre o muro e o telhado e ele ao meu lado, dando gemidos esporádicos para nos comunicarmos, quando notei uma inquietação no bicho. Olhei para ele, no fundo dos seus olhos e então aconteceu uma coisa incrível:

Eu entrei dentro do cachorro e vi o mundo pelos olhos dele!

     Durou apenas um segundo, mas eu estive lá. Não sei se ele também esteve no meu corpo naquele segundo, mas pude sentir tudo que ele sentia e então compreendê-lo muito melhor. Só me lembro de sentir muito medo. Sim, senti o medo com que os cães vêem o mundo, porque não o entendem e então compreendi porque atacam, porque são agressivos. Eles tem medo constante, se sentem ameaçados por tudo que não entendem, e não entendem quase nada, e por isso estão sempre vigilantes. Talvez por isso sejam tão amigos dos humanos, porque precisam de nós para protegê-los dos seus medos.
     Terminado o transe, dei um pulo da rede, apavorado e fiquei olhando cismado para o animal.
     Foi uma experiência perturbadora, que prefiro não repetir. Talvez tudo não tenha passado de minha imaginação, ou quem sabe, pude captar realmente o que se passava em sua mente e seu espírito primitivo.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza