Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

segunda-feira, 25 de abril de 2011



Fundação     

     Nos anos 70, o grande debate político dentro da esquerda brasileira se dava entre as organizações armadas, que pregavam a tomada violenta do poder e a instalação imediata do socialismo no Brasil e o velho Partidão (Partido Comunista Brasileiro), que dizia que só um movimento de massas derrubaria a ditadura e que antes de se implantar o socialismo no Brasil seria preciso fazer a revolução burguesa por aqui, criando uma aliança anti-imperialista entre a burguesia nacional e o proletariado.
     Depois, nos anos 80, o movimento das diretas já veio dar razão ao Partido, que o liderava da clandestinidade. A partir do governo Lula, começamos a ter a construção do tal governo nacional-popular que o PCB falava, cujo modelo foi se espalhando pela América Latina e do qual o governo Dilma não é apenas a continuação, mas também a consolidação.
     A crise na oposição, prova que a proposta deles (PSDB e DEM) de desenvolver o Brasil à partir da submissão do Brasil à estratégia de dominação das grandes potências ocidentais, capitaneadas pelos Estados Unidos, está cada vez mais enfraquecida e dá força cada vez mais à velha tese do Partidão, que vai se consolidando.
     O paradoxo é que o Partido praticamente não sobreviveu para ver sua política triunfar. Afogado nas suas próprias contradições, legalmente o PCB ainda existe, mas ficou reduzido a um bando de velhinhos stalinistas que se reúnem para relembrar os velhos tempos, sonhando com a volta de uma ortodoxia que o vento dos tempos levou. Mas para quem conhece o famoso romance Fundação, de Isaac Asimov, parece que eles ainda estão na clandestinidade comandando nosso destino.

A arte antecipa a vida?

     Em A garota da Capa vermelha a Warner, grande estúdio Hollywoodiano de cinema, dá vazão mais uma vez à sua linhagem de violência e de militarismo, presente em todos os seus filmes, inclsuive nos infantis.
A velha história de Chapéuzinho Vermelho e o lobo mau, se transforma no primeiro filme de mais uma série do tipo Crepúsculo, só que desta vez em lugar de vampiros entram os lobisomens.
     O flerte da Warner com as criaturas do mal, típicas do imaginário dos países frios e obscuros do hemisfério norte, me faz lembrar o clássico do cinema alemão O Gabinete de Dr. Caligari, filme de terror produzido nos anos 20, que os críticos dizem ter precedido o surgimento do nazismo.
     Segundo esses críticos, o filme alemão expressava o que ia pela alma alemã, ainda de forma inconsciente, e que se expressaria na barbárie nazista, com suas atrocidades contra a humanidade, em nome da vontade de dominar o mundo e impor uma ditadura mundial, sujeitando todos os povos à uma pretensa superioridade de uma classe superior que se pretendia injustiçada por não ser reconhecida como tal pelo resto do mundo.
     Os filmes da Warner parecem seguir o mesmo caminho, sempre mostrando o poder másculo dos povos anglo-saxões, em contradição com as fraquezas de um mundo dominado por forças fracas e facilmente domináveis, mas que pode ser salvo desde que se faça determinadas alianças com os poderes do mal.
     Mostrar vampiros românticos e injustiçados, ou fazer a Chapeuzinho se apaixonar pelo lobo mau, solitário na sua maldição, não deixam de ser uma forma de preparar as pessoas para a violência que se pretende soltar sobre o mundo, em nome de uma pretensa superioridade norte-americana, cada vez mais desafiada pela emergência de outros povos e países que pretendem dividir a hegemonia sobre o planeta.
     Se é verdade que a arte antecipa a vida, podemos nos preparar para algo de muito ruim, segundo as mais sinistras predições, antes que o mundo alcance realmente um estágio civilizatório em que os povos consigam viver em paz, unidos pela ciência e pela consciência de que somos uma só espécie e que todos os sonhos de dominação se transformam apenas em pesadelos passageiros, que só causam destruição e sofrimento.
    
O Potencial de Rio de Contas II

     Continuando com as propostas para o desenvolvimento sustentável de Rio de Contas, nosso município tão bonito e ainda preservado, creio que poderíamos nos tornar um pólo produtor de produtos orgânicos, já que nossa agricultura ainda tem a sorte de se basear em pequenas propriedades, facilmente organizáveis em torno de Associações (que já existem), embora o grande capital já esteja começando a chegar.
     O clima temperado e de altitude favorecem a produção de quase tudo em termos de fruticultura, desde a manga, a laranja, passando pela maçã, a uva e inclusive a azeitona (que já está sendo plantada por um grupo francês). Além disso temos a cana de açúcar e a produção artesanal de cachaça no baixio, que no entanto precisa de irrigação, pois apesar de Rio de Contas fornecer água pra Livramento e Dom Basílio, sua parte baixa não é irrigada.
     Para isso precisaríamos contar com uma Secretaria de Agricultura que realmente se preocupasse em apoiar o pequeno produtor, prestando assistência técnica e levando suas reivindicações às instâncias mais altas de governo, mas os técnicos do governo atual só vivem em reuniões destinadas a elaborar "projetos" para agariar fundos que só beneficiam um pequeno grupo.
     Assistência técnica de verdade significa colocar um agrônomo para cada 100 pequenas propriedades, fazendo um giro mensal de visitações, ininterrupto, capaz de orientar e tirar dúvidas de agricultores que seguem às cegas, tentando produzir, mas mantendo uma produtividade baixíssima,      
     Como não podemos contar com o atual governo, poderíamos criar um grupo para entrar em contato com a Secretaria Estadual de Agricultura e elaborar um projeto que abrangesse as associações (tanto as associações de pequenos produtores quanto as de moradores dos povoados), de forma que os agricultores do município tivessem um rumo coletivo, sabendo o que plantar, como plantar, onde e para quem vender, como produzir sem a utilização de venenos e, quem sabe, criando uma espécie de selo verde, atestando a produção orgânica para todo o município.
    Da mesma forma que propus a formação de um grupo de pessoas influentes e lideranças da cidade para negociar a questão do curso superior junto a Uesb, esse mesmo grupo poderia fazer a gestão junto ao governo Wagner, já se constituindo na verdade numa espécie de governo paralelo, para obter os benefícios que o município precisa na área da agricultura, inclusive no sentido de conseguir a implantação da Escola Família Agrícola, cujo projeto se encontra em mãos da vereadora Magdalena Mafra, o que beneficiaria toda a região, incluindo os municípios vizinhos.
     É uma boa forma de lutar pelo progresso de Rio de Contas, sem se desgastar mais com brigas e denúncias, enquanto aguardamos o triste fim do governo atual.

Sabadão de Aleluia

     Tem coisa melhor do que reencontrar velhos amigos? Pois então, este sábado de Aleluia finalmente reencontrei uma amiga que eu estava procurando a tempos, em Brasília.
     A arquiteta Lúcia Borges, colega de colégio, personagem importante na minha vida por muitas vivências boêmias e amorosas. Que prazer encontrá-la tão viva, saudável e com o mesmo bom humor e alegria de viver de sempre. O sabadão de Aleluia que ela promoveu em sua deliciosa casa, num condomínio em meio a natureza foi ótimo.
     Obrigado Lúcia por você continuar sendo esta figura marailhosa.


sábado, 16 de abril de 2011

Rapidinhas

FIOL

     Tive acesso ao RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) da Ferrovia de Integração Oeste Leste, que cortará a Bahia pela região sudoeste, saindo de Ilhéus e indo até Figueirópolis no Tocantins.
     A ferrovia passará entre Brumado e Livramento, na altura de Itaquaraí, onde haverá um pátio intermodal, ou seja, onde as cargas dos caminhões serão estocadas para serem embarcadas nos trens.
     É claro que isso irá provocar uma enorme transformação na região, abrindo milhares de empregos e fazendo que uma classe que já foi muito forte no Brasil, a dos ferroviários, recupere sua importância.
     Para ter acesso ao pecurso da ferrovia basta copiar e colar o link abaixo:
     http://www.seplan.ba.gov.br/sgc/arquivos/20100315_121003_mapa_ferrovia_oeste_leste.pdf
     para ter acesso ao rima o endereço é este:
     http://www.seplan.ba.gov.br/sgc/arquivos/20100427_160923_88FOL_RIMA_V2.pdf

Aeroporto de Conquista

      Esta semana pude ler o Plano Diretor de Vitória e o Código de Uso do Solo e de Edificações e Obras de Vitória da Conquista, documentos que me pareceram de excelente qualidade, elaborados na gestão do Prefeito José Raimundo.
      Tudo que reclamamos em artigo anterior, que estaria faltando na cidade em termos de política urbana, está previsto lá, assim como no Código do Meio Ambiente. Falta colocar em prática.
     Parece, no entanto, que a atual gestão não encara esses instrumentos com a devida importância. Porque será?
     À propósito, parece que o novo aeroporto de Conquista vai mesmo sair no povoado conhecido como Pé de Galinha. Dizem as más línguas que Conquista resolveu imitar o Rio de janeiro. Lá o aeroporto é o Galeão, em Conquista será o do Galinhão. Ô gente maldosa...


O potencial de Rio de Contas

     Rio de Contas é um lugar fantástico, cercado pela Serra das Almas, cheio de encanto, de clima muito aprazível e dona de um patrimônio histórico invejável.
     Conheci muita gente que chegou por lá cheia de projetos, dizendo como a cidade deveria ser, mas que na verdade trouxe eses projetos prontos de outros lugares e tentava implantar suas idéias sem consultar os habitantes locais.
     Esses, por sua vez, parecem ignorar tudo isso e seguem sua vida, como se o mundo lhes fosse indiferente, especialmente os moradores das áreas rurais, que viveram muito tempo isolados e se tornaram reféns de políticas clientelistas, geradoras de atraso e pobreza.
     No entanto, o município tem um grande potencial em várias áreas, que eu gostaria de começar a discutir aqui, não como mais uma idéia de alguém de fora, mas como uma tentativa de debater com os leitores desse blog, após tantos anos residindo por lá, conhecendo e observando as riquezas das suas terras e da sua gente.
     Como primeira sugestão gostaria de resaltar que o município tem vocação para sediar várias atividades culturais, entre as quais cursos universitários, a exemplo de Ouro Preto, o que traria grande dinamismo para sua economia sem ameaçar o patrimônio histórico. A própria Universidade do Sudoeste da Bahia poderia abrir um Campus Avançado por lá, criando alguns cursos na área de história, arqueologia, geologia, agricultura natural e outros.
     Quem não gostaria de fazer um curso em lugar tão especial? Creio que se uma comissão fosse à UESB fazer a sugestão, talvez uma comissão formada por alguns vereadores, comerciantes, pessoas influentes da cidade, com a presença de algum deputado estadual e/ou federal, poderíamos ter alguma chance de êxito.
     Acho que ficar esperando uma iniciativa da Prefeitura é uma perda de tempo.
     Está na hora da sociedade local se mobilizar em busca de um futuro melhor para o município e seus habitantes.
    
     O Prazer de Matar

     Não precisa ir muito longe para entender as causas de tantos assassinatos irracionais, com gente atirando nas outras pelo simples prazer de se sentir poderoso. Basta entrar numa lan house em qualquer lugar do Brasil e ver os joguinhos eletrônicos que são franqueados livremente a qualquer criança.
     A maioria deles tem como único tema o assassinato com armas de fogo, onde o jogador é colocado operando uma arma e vai eliminando pessoas que aparecem na sua frente, ensinando aos jovens que matar pode ser uma diversão e que quanto mais pessoas você matar, mais pontos você faz para ganhar o jogo.
     Esse tipo de jogo é uma verdadeira escola de violência e deveria ser proibido, mas logo que se faz uma crítica vem o lobby dos fabricantes que colocam psicólogos para dizer que isso não tem influência alguma sobre a formação do caráter dos jovens.
     Se não tivesse não haveria censura de idade para espetáculos diversos, vedando aos mais jovens o acesso a episódios de violência gratuita.
     Já passou da hora de acabar com isso.
A parte que eu deixei

     Esse é o título do livro de poesias que ganhei do autor, Fillipe Sampaio.
     A impressão que tive ao fazer as primeiras leituras é a de que a poesia brota da alma de Fillipe assim como a água limpa brota da fonte: aos borbotões. 
     A emoção que a leitura de sua poesia provoca também é muito forte. Deixo aqui para vocês uma pequena amostra: 

     Tais questões
E então tais questões tomaram conta dos meus dias. Questões que não me sossegam, que não se respondem; que flutuam o tempo inteiro nos balões. São questões insolucionáveis!
Meus olhos perderam o foco, ficam bêbados ao horizonte do nada, sempre buscando resposta às questões...
Meus lábios perderam o sabor e agora tem sabor nenhum e ousam sempre sorrir ao horizonte do nada, sempre buscando resposta às questões...
Minhas mãos perderam a coordenação, vagam inusitadamente pelo meu corpo de horizonte do nada, sempre buscando resposta às questões.
É tão confuso não pensar ou pensar. É tão confuso, tudo tão confuso e tão claro ao mesmo tempo.
Eu queria saber do clima... Você vai sentir minha falta? Tenho medo que um dia chegue e que você não saiba meu nome, para jogarmos de novo.
Acredite, você é mais que uma melodia e mesmo assim eu canto.

Volte atrás, vire-se.
Às vezes me sinto um pouco só e você nunca está, por perto.
Às vezes eu me sinto um pouco exausto de ouvir o som das minhas lágrimas.
Às vezes me stresso quando penso no melhor dos dias que se passaram.
Às vezes eu sinto um pouco de medo e então vejo o seu olhar.
De vez em quando eu caio em prantos.
Às vezes eu me sinto um pouco sem ar e sonho com algo selvagem.
De vez em quando eu preciso de ajuda e me deito como criança sem seus braços.
Às vezes me sinto um pouco com raiva e sei que tenho que sair e chorar.

E eu preciso de você essa noite, eu preciso de você mais do que nunca e se você simplesmente me abraçar forte, nós ficaremos abraçados para sempre. E estaremos somente fazendo o certo porque nunca estaremos errados. Juntos nós poderemos levar isso até o limite por que seu amor é como uma sombra sobre mim o tempo todo.
Eu não sei o que fazer, estou sempre no escuro, estamos vivendo em um barril de pólvora e soltando faíscas e eu realmente preciso de você esta noite. A eternidade começou hoje à noite.

"Era uma vez... eu me apaixonei" e agora estou simplesmente desabando. Não há nada que eu possa fazer.

Durante algum tempo houve luz na minha vida e agora só há amor obscurecido.
Nada que eu possa dizer.

Às vezes eu sei que você nunca será a pessoa que sempre quis ser.
Às vezes sei que você sempre será a única pessoa que me aceita como eu sou.
E então eu sei que não há ninguém no universo tão mágico e maravilhoso quanto você.
Às vezes eu descubro que não há nada melhor e não há nada que eu não possa fazer.

     Fillipe é músico, poeta e estudante de arquitetura, vive em Vitória da Conquista, na Bahia,  e me autorizou a colocar suas poesias no blog. Atenção editores, aí está um grande talento surgindo.

     

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Rapidinhas


Capitalismo

     A tragédia dos ataques a escolas finalmente chegou ao Brasil.
     Infelizmente a minha cidade, o Rio de Janeiro, foi vítima de mais essa violência covarde, contra crianças indefesas. Até quando vamos ver essa degradação do ambiente social? Primeiro assaltos, depois crime organizado, agora atos terroristas de psicopatas enlouquecidos...
     Os noticiários da semana falam de derretimento excessivo da calota de gelo no Pólo Norte e da Groleândia e do descontrole das superbactérias que provavelmente vão causar grandes epidemias espalhadas pela água. Como degelo significa sempre muita chuva e inundações, o caldo de cultura para o desastre ambiental está completo.
     Associe-se a isso furacões e terremotos com vazamento de usinas nucleares, como no Japão, para termos um cenário catastrófico.
     Isso tudo é fruto do crescimento descontrolado da economia capitalista que só visa a busca de lucros, desestimulando a solidariedade e a paz entre os seres humanos.
     Só o que se fala é de competição, competição, competição...
     O resultado é este.
     Está na hora de voltarmos a falar no socialismo, democrático é claro, e na cooperação, contra a loucura do capitalismo desenfreado.
     
Luz e Trevas

     De repente me dei conta de que o atraso político de Rio de Contas não é apenas obra do acaso, mas paga um tributo a um passado de crimes e coronelismo, de escravidão e banditismo, que dominaram essas serras durante muitos séculos.
     Como esses lugares atrasados que ficam isolados muito tempo, Rio de Contas precisa de uma ruptura com seu passado para se renovar, o que significa tirar a cidade do domínio das famílias que se autoproclamam tradicionais e que não deixam que o novo chegue.
     Só uma coalizão libertadora, sem a presença nefasta de nenhum desses elementos que há tanto tempo poluem a política local pode livrar a cidade do seu passado e trazer a luz para onde reinam as trevas políticas.
     O obscurantismo das bruxarias e outras práticas antigas enraizadas nessa comunidade precisa ser lavado com um rio de almas novas, descomprometidas com as velhas práticas, ao contrário do que dizem esses que se consideram donos da cidade.
     A propósito, o mapa da bruxaria no município leva ao Distrito de Rio da Caixa, passando pelo do Brumadinho, segundo dizem os entendidos. É lá que se praticam essas maldades ocultas, esse lidar com os espíritos primitivos, que mantém a cidade atrelada à escuridão.
     A mudança virá, e isso depende muito dos que aqui nasceram e foram estudar fora. Depende também da chegada de gente nova, com novas idéias e disposição para fazer as mudanças necessárias.
     Água mole em pedra dura...
    
 A Boa Notícia da Semana
     Ollanta Humala, um índio peruano alinhado com as modernas idéias de esquerda, acaba de vencer o primeiro turno das eleições no Perú, passando para o segundo turno junto com a filha do ex-ditador Fujimori, que tem poucas chances de aglutinar em torno de si a centro direita derrotada.
     Caso se confirme a vitória de Humala (o segundo turno será em junho) cai o penúltimo bastião da direita tradicional  na América do Sul, restando apenas a Colômbia. Uma América do Sul unida em torno de seus próprios intereses e voltada para seus próprios problemas é prenúncio de um futuro melhor para todos do continente, nos afastando do perigo de intervenções imperialistas, com suas guerras e com seus desígnios de nos manter dominados e subdesenvolvidos.
     O Chile, apesar de viver um intervalo direitista em uma série de governos de esquerda, deve voltar às mãos da esquerda nas próximas eleições, assim que esta conseguir concluir o processo interno de renovação de seus quadros.
     Viva Humala!
      
Yuri
 
     Dia 12 de abril se completam 50 anos do primeiro voo orbital tripulado por um ser humano, o cosmonauta soviético Yuri Gagárin.
     Gagárin, o primeiro ser humano a contemplar o planeta do espaço declarou durante o seu voo de apenas 108 minutos: A Terra é azul
      50 anos depois, esperamos que a Terra continue azul, para que nela possamos viver em paz, quem sabe relizando o sonho de outro visionário, Jonh Lennon, que na sua música "Imagine". disse: imagine que não existam mais países. Sem países divididos por interesses comerciais despareceriam as guerras e poderíamos construir um futuro comum sobre essa nossa maravilhosa casa azul.
 
  

     Quem acompanha a publicação deste blog já percebeu a natural admiração que tenho sobre Cabo Verde, país lusófono situado na Costa da África, bem em frente ao Brasil.
Já há tempos acompanho o blog Café Margoso do teatrólogo João Branco, daquele país e hoje me atrevo a transcrever um artigo dele, que acho cabe muito bem na situação que o Brasil vive, após o massacre de Realengo, numa semana em que estou fugindo dos noticiários, para não chorar diante das imagens terríveis que as TVs não param de mostrar, em busca de sua audiência macabra.
     Ao ler seu texto me lembrei primeiro da pequena Rio de Contas, cidade onde todos se conhecem e onde vivo a metade da semana, mas depois vi que suas palavras transcendem às pequenas comunidades e dizem respeito a toda humanidade.
     Sugiro aos leitores de todas as partes que reflitam sobre essas palavras.

Somos todos amigos

     Cabo Verde, como qualquer lugar do mundo, tem aspectos formidáveis e outros com os quais é muito complicado lidar. Esta redundância que inicia a presente crónica serve apenas para lembrar o quanto estamos perante um lugar, uma cidade, uma ilha, um pais, uma Nação, que tantas vezes se confronta a si própria, que chora e ri, por vezes de forma leviana, como num zouk love, vezes outras com profundidade sentida, como numa morna. Há alturas em nos deixamos levar pelo ritmo frenético de um funaná e nos esquecemos do parceiro que carregamos na passada e no gingar desvairado das cinturas, com mais ou menos cola, mais ou menos suor, mais ou menos sensualidade latente.
     Assim, aqui encontramos os defeitos dos lugares pequenos e as vantagens de um naipe paisagístico inacreditável que faz com que cada fotografia tirada de uma qualquer máquina se transforme de imediato num cartão postal de beleza inolvidável. Mas aqui como noutros locais, só a natureza conserva a verdade que tantas vezes o coração dos homens conspurca. Só nas montanhas podemos sentir a poesia que não se resume a palavras ocas de quem se alimenta do sofrimento dos outros. Só um banho de imersão neste mar azul deste arquipélago pode lavar a alma de um ser vivente num mundo como aquele em que vivemos hoje.
     Daqui que um dos temas de conversa mais comum que tenho tido com amigos e conhecidos, em cafés reais ou virtuais, seja o tema da amizade, melhor, daquelas amizades que parecendo que o são, mostram não o ser, onde palmadinhas nas costas e anúncios de admiração mútua subitamente se vêem transformados em injúrias, calúnias, maldades, má-língua, conversas de corredor não assumidas, facadas ao virar de cada esquina. A amizade está em declínio e a solidão em ascensão, escreveu o psicanalista brasileiro Raymundo de Lima num brilhante artigo sobre o tema, referindo-se ao conceito de “modernidade líquida”, da autoria do sociólogo polaco Zygmund Bauman, que propõem, por sua vez, uma nova visão sobre a modernidade, voltada para a fluidez das relações inter-pessoais.
     A hipocrisia entre os homens não é símbolo dos tempos modernos, sempre existiu, sempre existirá. Isso parece claro. Em todas as épocas há histórias terríveis de mentiras, traições, golpes palacianos entre aqueles que um dia eram amigos sinceros, no dia seguinte inimigos declarados. Mas há alturas em que a hipocrisia sobressai como a mais possante e tenebrosa característica humana que, tal como os vírus, se entranham sem que os possamos identificar, provocam sintomas estranhos, alguns mesmos provocando a morte e quando damos por ele, já é tarde demais, o mal está feito, os estragos por contabilizar indiciam uma invasão nos corpos, nos genes, na carne, no sangue praticamente irreversível.
     Ninguém é amigo de ninguém, já me disseram várias vezes, geralmente depois de alguma desilusão do género. Eu, teimoso, continuo a acreditar. Que há gente em quem se possa confiar, que há companheiros para uma vida inteira, que há irmãos por afinidade por quem fazemos tudo ou, no mínimo, por quem estamos dispostos a, em qualquer circunstância, dar dois minutos de atenção quando para isso formos solicitados. Como optimista militante, preciso de acreditar que os valores que a amizade precisa e dos quais se alimenta e se justifica não só fazem algum sentido como são possíveis de existir e de acarinhar.
     Devíamos aproveitar mais o tempo e o espaço que as ilhas nos dão. Quando leio as declarações de amor de um homem como Paulino Dias pela sua ilha Santo Antão, fico com alguma esperança de que nem tudo está perdido. Devíamos transformar a dificuldade de viver numa pequena aldeia – todos os habitantes de Cabo Verde juntos não chegam para compor uma cidade de tamanho médio num qualquer pais Sul Americano – em vantagens nossas. Aqui não há lugar para o anonimato, todos se conhecem, todos já tivemos algum tipo de relacionamento com praticamente todas as pessoas com quem nos cruzamos durante um dia normal.
     Andamos na rua e somos cumprimentados de forma afável pelo condutor do camião que faz a recolha do lixo, pelo funcionário da CV Telecom que vem verificar uma avaria da Internet, pela senhora da mercearia Mendes & Mendes, pelo homem que vende os jornais numa cadeira de rodas na rua de Lisboa, pelo gerente do Café Portugal, pelo policia de trânsito que está ali na esquina da Praça Nova, pelo engraxador da Pracinha da Igreja, pelo amigo que temos como salva vidas na praia da Lajinha, que também toca violão e é actor nos tempos livres, por algum anónimo que nos pára na rua e nos pergunta se no próximo fim-de-semana há alguma peça de teatro na cidade.
     Geralmente diz-se que é entre as pessoas da mesma área que os piores sentimentos se acabam por revelar. Não sei se é de facto assim. Procurei sempre, e assim permanecerei, entender as dores e as mágoas dos artistas da nossa terra e nunca me viram, nem virão, maldizer sobre quem quer que seja que dedique a sua vida a essa tão nobre tarefa que é a da criação artística. Muitas das pessoas que mais admiro neste pais são artistas das mais diferentes áreas, na música, na literatura, no teatro, nas artes plásticas, na fotografia, na dança. Mesmo sabendo que muito do meio é dominado pelo disse que não disse, certamente haverá sempre alguma justificação para certas atitudes estranhas que se desviam da importância, da qualidade e do significado das obras dos autores que as produzem.
     As campanhas eleitorais são boas provas para se medir o valor de uma amizade, tal é a radicalização dos discursos. Tive amigos – espero ainda os conservar! – dos dois lados da barricada, e lamento utilizar aqui este termo, porque não devíamos falar de barricada, mas sim de um campo aberto de discussão de projectos, convicções e ideias. Um posicionamento politico é sempre considerado uma tentativa de aproveitamento de alguma mais valia pessoal e talvez por isso mesmo estejamos tão cheios de pessoas que pensam muito sobre tudo e falam rigorosamente nada sobre aquilo que pensam. O campo da opinião pessoal está minado e é compreensível que haja tão pouca gente com coragem para nele entrar sem medo de sair moralmente despedaçado por tal atrevimento.
     Tenho tido a sorte, e a opção, de utilizar diversas plataformas de comunicação para pensar pela minha própria cabeça e é normal que tenha que fazer algum exercício para aguentar a cabeça, o coração e o estômago quando confrontado com certas atitudes que são, acima de tudo, resultados de uma mentalidade que infelizmente ainda perdura e se alimenta. Continuo convencido que não precisamos disso, que devemos utilizar a nossa capacidade de comunicar, olhos nos olhos, e construir amizades sólidas, sustentáculos e barcos de salvação neste mundo à deriva.
     “O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entra e onde se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos”, escreveu Bauman no seu ensaio. Pegando na deixa, direi que vazio ficará o nosso pequeno mundo individual se nele não deixarmos entrar aqueles que acreditamos serem os nossos maiores amigos, aqueles que não te viram as costas, que tem a coragem de te criticar olhando na cara. Para que a palavra alma, que é tão cara à poesia e aos artistas, não se transforme subitamente em lama, como acontece por vezes quando, precipitadamente, redigimos textos sentados diante um computador.





domingo, 3 de abril de 2011

Rapidinhas


   Ficar doente em Conquista

     Cena da última quinta-feira na cidade de Vitória da Conquista.
     Um professor interrompe sua aula ao perceber que uma aluna está chorando. Perguntada sobre os motivos do choro a aluna mostra a mão arroxeada e diz que deu um jeito no pulso.
     O professor a dispensa para que vá imediatamente a um médico. A aluna perturbada diz que não tem dinheiro.O professor recomenda que ela procure um hospital público, mas ela diz que em Vitória da Conquista a única emergência em hospital público é a do Hospital de Base, que é conhecido por não atender ninguém. Não há um Pronto Socorro Municipal, numa cidade de mais de 300.000 habitantes.
     E isso que a cidade é administrada por um médico que já está no seu terceiro mandato.

A Obra de Chico

   Alguém deveria regravar toda a obra de Chico Buarque. Tem coisas lindas e muito atuais.
     Pra quem não conhece, aí vai a letra de "Bom Conselho".

Bom Conselho

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade


Histórias de outras vidas (43)

Bolão

     Tem coisas que as novas gerações não sabem, simplesmente porque foram se apagando da memória coletiva. Uma delas é a origem do apelido bolão, muito comum quando eu era pequeno para os meninos gordinhos, numa época em que quase ninguém era gordo.
     A causa era um jogador do Vasco da Gama, cujo apelido era Bolão, ou melhor, Bolão do Vasco. Coisa rara até hoje, um jogador gordinho. E parece que ficou famoso por ser muito bom mesmo assim, o que prova que nem sempre a famosa barriga de tanquinho, tão endeusada hoje seja pré-requisito para um bom desempenho físico.
     Mas eu tive um amigo cujo apelido era bolão e que era magrinho. Ele explicava que quando era pequeno era muito gordinho e depois que cresceu continuou sendo chamado ele assim.
     Na verdade seu nome era (ou é ainda, pois há muitos anos que não o vejo) Ricardo, como eu.
     Bolão era uma figura. Eu o conheci quando voltei do Chile, em 1973 e fiquei alguns meses morando no Rio, antes de ir para a Bélgica, fugindo novamente da ditadura que nos oprimia.
     No Chile me apaixonei por uma jovem, separada do marido brasileiro, que por acaso vinha a ser o irmão do Bolão. Nosso namoro não foi muito à frente, ela voltou com o seu ex, e depois do golpe nos encontramos todos no Rio. Foi aí que conheci Bolão.
     Ficamos muito amigos e íamos à praia todos os domingos, fazendo o percurso a pé de Copacabana até o Leblon, ida e volta, descalços, como era costume na época, Saíamos de casa assim mesmo, só de sunga, com o dinheiro enfiado do lado, sem sapato, chapéu, protetor solar, chinelo nem nada. Quase nus, numa boa. Pegávamos ônibus e isso era normal no Rio. Ninguém ficava olhando, nem havia nenhuma conotação sensual nisso. Era apenas o exercício da liberdade de ir à praia com o corpo exposto.
     Discutíamos muito a política, influenciados pelos acontecimentos no Chile e pela luta contra a ditadura no Brasil.
     Mas meu amigo não era muito certo da cabeça. Aliás, todos na sua casa eram meio pancadas. Eles eram uma espécie de ramo pobre de uma família tradicional carioca e tinham herdado da família uma pequena vila de casas no bairro de Laranjeiras.
     As vilas no Rio marcaram época, pelo seu aspecto pitoresco e pela ambiente muito agradável que criavam. Eram locais de moradia popular no início do século XX e reuniam poucas casas, todas semelhantes, geralmente numa rua sem saída.
     Até hoje algumas existem, não só no Rio, mas também em São Paulo.
     Aliás, as novelas da Globo usam muito esse artifício, de colocar os pobres em casa de vilas (com aqueles telefones antigos), porque se os colocassem nas favelas onde realmente moram hoje, tudo se tornaria muito chocante.
     Pois a família de Bolão tinha herdado uma vila de casas onde em cima era uma residência e embaixo outra. A casa dele era em cima e ele morava só lá, já naquela época, com pouco mais de 20 anos.
     Trabalhar não trabalhava, mas recebia algum dinheiro dos pais e vivia perambulando pelo bairro. Era um cara bonito, embora meio maltratado. Branco, meio alourado, muito magro e sempre com as roupas meio esculhambadas, numa época em que isso era uma moda da esquerda que significava desapego aos bens materiais.
     Em 1974 saí do Rio e só fui rever meu amigo quase 10 anos depois, quando havia me separado e saído de Salvador para mais uma temporada no Rio. Eu estava muito sozinho naquela época, curtindo a dor de cotovelo do fim de um casamento, já com mais de 30 anos e um dia, enquanto examinava um livro numa livraria no Largo do Machado, ouvi uma voz ao meu lado:
     _Oi Álvaro.
     Era ele. Bolão me chamava de Álvaro devido ao meu sobrenome, Ricardo Alves, que ele trocava por Ricardo Álvaro, não sei por quê.
     Custei um pouco a reconhecê-lo, pois estava muito magro e acabado. Mas logo voltamos a nossa velha conversação de sempre e a amizade ressurgiu, numa época em que eu precisava muito de amigos.
     Voltamos às caminhadas na praia e as conversas sobre política e sobre a vida. Mas percebi que ele estava mais perturbado. Me convidou à sua casa e fiquei impressionado com o estado da residência. Faltavam telhas, chovia dentro, tudo muito sujo, na pia se acumulavam pratos e panelas de semanas, mas ele não parecia se importar.
     Parecia a casa de um mendigo.
     Costumávamos sair eu, ele e outra amiga que eu havia conhecido no Chile. Íamos tomar um chope à noite ou ver algum espetáculo musical com outros amigos.
     Bolão se vestia mal, suas roupas eram grandes demais e pareciam ter sido dadas por algum parente preocupado com seu estado. Às vezes chegava com a braguilha aberta, sem cuecas e tínhamos que chamá-lo a atenção. Ele ria, fechava o zíper e parecia não ligar. Continuava sem trabalhar.
     Acabamos formando uma turma e nessas saídas conhecemos uma menina meio hippie que ficou logo muita amiga dele. Ela parecia meio doidona também e logo eles formaram um casal. Ela se mudou para sua casinha na vila e todos ficamos muito esperançosos de que ela pudesse dar um jeito naquela bagunça e ajudá-lo a tomar um rumo na vida.
     Fiquei poucos meses no Rio e depois saí em busca de trabalho e acabei voltando para a Bahia, quando fui morar em Itabuna.
     Nunca mais ouvi falar dele. Em 2006, passando uns dias no Rio, tive vontade de visitá-lo e fui procurar sua pequena rua sem saída, perto do túnel Santa Bárbara. A Vila estava lá. Fui até a porta da sua casa, mas já haviam se passado mais de 10 anos desde a última vez que o vi. Fiquei parado embaixo sem saber se subia e batia naquela porta, tão acabada estava a casa.
     Será que ele me reconheceria? Será que tinha pirado de vez? Estaria vivo ainda?
     Não tive coragem de subir e me afastei me recriminando pela minha timidez, mas minhas pernas queriam sair dali e se afastar de vez daquele passado, guardando na lembrança aquela amizade do jeito que eu havia deixado, sem coragem de saber o desfecho que teve aquele jeito maluco de viver e de se deixar cair, como se a vida fosse um abismo aberto ao qual alguém se atira, indiferente à sua sorte.