Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 31 de janeiro de 2010




Marcelo e a revisão da anistia


Prezados amigos

Me emocinonei ao ler o artigo de Marcelo Rubens Paiva no jornal O Estado de São Paulo, do dia 30 de janeiro.
Marcelo, um escritor talentoso, é filho de um deputado assassinado pela ditadura e manda uma carta aos generais, almirantes e brigadeiros, chefes das forças armadas brasileiras, que resistem à revisão de uma lei de anistia feita pela ditadura para esconder seus próprios crimes.
Em muitos países da América latina essas leis já foram revistas e os criminosos mandados para a cadeia, permitindo que se conhecesse a verdade sobre o que ocorreu naquele triste período em que os Estados Unidos implantavam as ditaduras no que eles consideram seu quintal, aliados as elites locais, que desejavam exorcizar de qualquer jeito o sonho socialista de seus povos oprimidos e empobrecidos.
Na Argentina e no Chile, só para falar dos nossos vizinhos mais importantes, essa revisão foi feita, com toda dificuldade que um assunto tão espinhoso requer.
Não se trata, como alguns insistem, em revanchismo das esquerda, nem em anistiar um dos lados e deixar os crimes do outro lado impunes, já que eles dizem que houve uma "guerra" onde os dois lados cometeram excessos. Esquecem de diferenciar a violência dos que oprimem da violência dos que lutam contra a opressão, um direito reconhecido até na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Não que não hajam excessos também do lado da esquerda. Houve sim e deveriam também ser investigados, mas a essência mesma da luta dos que se opunham à ditadura era legítima: lutar pela libertação do Brasil de um regime que o oprimia para defender interesses estrangeiros.
Trata-se de colocar no banco dos réus aqueles que, em nome de uma ideologia (o capitalismo), acharam que podiam destruir a democracia, a Constituição e tratar seu próprio povo como inimigo. Mais do que isso, podiam desrespeitar a condição humana dos brasileiros, tratando-os com frieza e crueldade, sem o mínimo respeito,que até um animal exigiria de qualquer ética.
A tortura, implantada com auxílio "técnico" de especialistas americanos (como bem retrata o filme Pra Frente Brasil), foi aplicada indiscriminadamente em homens mulheres e crianças, mulheres grávidas inclusive, seguidas de assassinato puro e simples, com desaparecimento dos corpos e nenhuma satisfação às famílias. Tudo isto está documentado no livro "Tortura Nunca Mais", resultado de uma comissão de investigação dos anos 80.
Nada de novo, portanto.
A novidade no artigo de Marcelo, é que ele se dirige aos militares de hoje e lhes faz uma pergunta que todos os democratas deste país gostariam de fazer: porque eles defendem os torturadores?
Porque identificam os torturadores com as próprias forças armadas, como se estas fossem culpadas do que aconteceu? Condenar esses criminosos seria libertá-las de um estigma que não lhes pertence.
As primeiras vítimas dos fascistas que tomaram conta do Brasil, foram os próprios militares que resistiam à quebra de conduta representada pela inversão do seu objetivo fundamental, defender a nação brasileira.
Muitos militares foram mortos e torturados também. Perderam suas patentes, viram suas carreiras terminarem, para que os golpistas controlassem as armas.
Quando o Brasil se redemocratizou, Exército, Marinha e Aeronáutica também mudaram, se modernizaram, retomaram seus objetivos fundamentais, dentro de uma nova Constituição.
Porque então tratar o que aconteceu como um tabu? Porque não abrir esse segredo que todo mundo conhece e deixar que os culpados pelo desvirtuamento das nossas forças sejam punidos. Porque essa identificação com eles?
Marcelo pergunta:

Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, como em Nuremberg? Porque não limpar a fama da corporação?

E a seguir resgata a honra das nossas forças armadas:

Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das forças armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.

Ao final conclui:

Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.

Faltava alguém dizer isso e ninguém melhor do que ele que perdeu um pai, cujo corpo nunca foi encontrado.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf