Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 27 de março de 2011

Rapidinhas

   A Ilha Fantástica

     Germano de Almeida é um escritor caboverdiano. Pra quem não sabe onde fica, Cabo Verde é um país, situado num arquipélago em frente à África. Tecnicamente os caboverdianos são africanos, mas onde fica a linha que separa a América da África?
     Ainda não conheço esse país, que fica logo ali após Fernando de Noronha, em muitas das inúmeras ilhas atlânticas, mas para mim eles não são africanos ou americanos ou não pertencem a nenhum continente: pertencem simplesmente ao mar.
     Sua cultura é extraordinariamente parecida com a nossa. Falam portugues e crioulo, que me parece uma corruptela do portugues (que me perdoem os linguistas se estou falando besteira).
     Ler o livro A Ilha Fantástica é como passear um pouco pelo interior do Brasil, nos anos 60, com a diferença de ainda estar preso a Portugal e cercado de mar por todos os lados. Realmente é uma experiência fantástica. Comprei esse livro num stand de Cabo Verde, numa exposição de livros em Brasília e deixei-o dormir na estante, até que este fim de semana embarquei nessa viagem.
     A editora é a Ilhéu Editora, de Cabo Verde mesmo.
     Eles estão bem ali na nossa frente e a gente nem parece estar vendo a sua existência. É um pouco da lusofonia perdida no meio do mar. É um pouco de nós mesmos, açoitados pelos ventos do oceano atlântico.
     Muito bom.

   Bruxarias

     Como dizem os céticos, yo no creo en brujas, pero que las hay...
     Confesso que estou um pouco impressionado com as notícias sobre a prática de bruxarias em Rio de Contas. Parece que algumas pessoas resolveram brincar com as forças do oculto, como se isso fosse uma moda inofensiva. Não gosto muito desses modismos, um pouco porque não acredito, um pouco porque acho perigoso mexer com os espíritos primitivos, espírita que sou.
     Cristo é meu guia e ele disse: deixem que os mortos cuidem dos mortos.
     A vida já é bastante difícil para ficarmos procurando coisas ruins, ainda mais para se divertir com isso.
     Algumas pessoas que admiram o poder, acham que se acercando dessas práticas obscurantistas vão adquirir poder sobre os outros, mas não sabem que terão que pagar um alto preço por isso.
     Não gosto de bruxas nem de bruxarias. Não gosto de obscurantismos. Acho que isso é atraso.
     Gosto da luz e de olhar para o futuro. Gosto de fé e confiança, de democracia e do poder compartilhado entre todos os seres humanos, uns cuidando dos outros com amor, como tem que ser.
     Talvez por isso Rio de Contas esteja na situação tão difícil em que se encontra, dominada pelas forças obscuras.
   Baile Horrendo

     Transcrevo artigo de um jornalista de Alagoinhas sobre a pobreza da música baiana atual. Concordo e se for preciso assino embaixo.

Música baiana

     Pagode baiano usa expressões chulas, palavrões que são reproduzidos por crianças, adolescentes e jovens, e que empobrecem a cultura e reforçam a idéia de um estado analfabeto.
     Quando alguém pronuncia a palavra analfabetismo na Bahia, e se essa declaração parte de um acadêmico, branco ou da elite, parece tratar-se de racismo, discriminação e ódio.
     Quando dizem que o som do berimbau é simplório, e que qualquer um pode reproduzi-lo sem maiores conhecimentos instrumentais, por possuir apenas uma corda, logo diriam, é mais um que odeia as raízes baianas, suas influências e sua cultura. Isso já ocorreu na Bahia e deu muito pano pra manga.
     E quando dizem que a música baiana está cada dia pior, e que o pagode não passa de mais um sonoro palavrão multiplicado por milhares de incautos, ignaros e estúpidos, certamente repetiriam, trata-se de mais um a ver-nos como sub raça, desinformados e inconformados.
     Pois é. E quando essa declaração parte de um pardo, de origem negra e indígena, e que cursou apenas o segundo grau? Aí, certamente dirão, trata-se de um oportunista, um comunicador frustrado ou de alguém que não conseguiu galgar os seus objetivos.
     Pois bem, esse rodeio, meio despretensioso, mas importante, é para falar do grau de imbecilidade a que chegou a música baiana, principalmente ao pagode aqui produzido e consumido. Não falo do Axé, que apesar da mesmice, não usa palavrões nem ridiculariza a Bahia como Estado analfabeto.
     Como estudei numa das escolas mais influentes da Bahia, principalmente nos anos 50 e 60, o Colégio Central, participei da coletânea poética em homenagem ao sesquicentenário da instituição, fiz teatro e poesia nas ruas de Salvador, pronunciar algumas palavras (ões) e gestos obscenos da música baiana é assinar embaixo aos que dizem da Bahia no Brasil afora, a de que é um povo mal educado, e que só gosta de balançar o bundalelê.
     E vendo de perto, em algumas coberturas jornalísticas Bahia adentro, chego a interrogar-me quanto às minhas origens. E chego a duvidar que tivemos em nosso berço um Raul Seixas, um Castro Alves, um Wally Salomão, um Jorge Amado – que mesmo produzindo alguns palavrões, nunca foi um turpilóquio, e tantos outros que enalteceram e alguns que ainda enaltecem e fazem lembrar que tínhamos uma cultura.
     Mas, quando vou ao Campo Grande, e ouço Caetano Veloso dizer que Xanddy é lindo e que ele é uma das novas expressões culturais da Bahia chego a duvidar que sou baiano de verdade, daquele que comeu tripa seca e farinha de rosca pra não morrer de fome. E acho Caetano uma das maiores expressões da música mundial, apesar de requentar vez ou outra alguma música que no passado foi considerada brega.
     Aí me conformo e vou ouvir um pouco de Xangai, onde, entre as suas pérolas, fez o ABC do preguiçoso, que endossa a tese dos sulistas de que o baiano só é gente até o meio dia. E então o que será o baiano durante a tarde? É uma legião de trabalhadores, cujo estigma de preguiçoso foi amplamente difundido pelos meios turísticos, uma forma de falar da tranquilidade, da “maresia” e do sossego baiano.
     O saudosismo aflora e me remete à década de 1980. Lá, até 1985, os shows em Salvador, no projeto verão, no Centro de Convenções da Bahia, eram bastante disputados. No palco, Gil, Caetano, Milton, Beto Guedes, Barão Vermelho e tantos outros que arrastavam multidões. Na Barra, shows com Morais Moreira, Luis Caldas e Armandinho com A Cor do Som, encantavam e lotavam a praia.
     Retorno ao meu trabalho de coberturas de eventos com música baiana, e lá, estampada em minha frente, uma multidão de 20, 30 mil pessoas numa avenida. As meninas, os meninos, dançam como se tivessem sido libertados naquele instante. Mais parece um balé de zumbis, daquele extraído dos filmes de terror das décadas de 70 e 80. Ou então em um orgasmo coletivo, algo do tipo promovido César ou qualquer outro Calígula da nossa imaginação.
     E em uníssono, eles repetem as frases, os refrões e fazem todo o gestual obsceno para completar o enredo empobrecedor. E o vocalista da banda grita, berra e pede para que todos ecoem aos quatros cantos; “Aponte o corno aí, diga que é corno”. E todos riem, como num circo, mas deveriam chorar ao debruçar a cabeça no travesseiro.
     A grande maioria desempregada, deseducada e pobre. Desiludida pela face cruel do ensino que lhes oferecem nas escolas públicas, entregam-se aos bailes horrendos como se fossem a última ópera da vida deles. E se entregam de corpo e alma à missão.
     Os maiores patrocinadores da música baiana no interior são as prefeituras, que gastam somas vultosas em festas, micaretas, aniversários e inaugurações, contratando bandas que em nada enriquecem a cultura popular, em detrimento do folclore, das raízes de cada cidade e de sua história. E lá se vão tubos e mais tubos de dinheiro público pelo ralo.
     E voltam para casa sem saber um verso de Vinícios de Morais, sem ter-se envaidecido em ser brasileiro ao ouvir Pixinguinha, em ter-se delirado com os versos não menos preguiçosos de Dorival Caymi, em ter-se deleitado à sonoridade de Bethania e Gal, ou ter-se maravilhado ao som poético de Gilberto Gil. “Esses moços, pobres moços, a se soubessem o que eu sei”, disse Lupicínio Rodrigues em uma de suas canções imortalizada na voz de Gilberto Gil.
     E aí vão me perguntar o que tenho feito para mudar o que já está construído. Nada. Sinto-me impotente. Apesar de radialista de profissão, jornalista por paixão, não consigo convencer ninguém do contrário. A música baiana vai continuar tocando assim durante muito tempo. Mas um dia acaba. Lutar contra o mercado é muito difícil. É uma máquina de fazer dinheiro a qualquer custo. E ninguém está preocupado com a educação, com a cultura, com o folclore. A mídia baiana enaltece, enobrece, escancara esses palavrórios como deuses. Até que duas meninas aparecem decapitadas numa esquina qualquer. De quem é a culpa?

Vanderley Soares

radialista/jornalista DRT 5892

Editor do Jornal Gazeta dos Municípios/Alagoinhas-Ba