Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

terça-feira, 29 de dezembro de 2009



UMA ESTRANHA FORMAÇÃO


Ao fazer a monografia final do curso de especialização em lingüística, na Uneb em 2006/2007, escolhi a ênfase na análise do discurso, um campo de investigação muito interessante, que analisa os pensamentos que andam por aí e o que se esconde por trás deles.

Explico: para cada formulação que fazemos sobre a vida, a sociedade, a conduta dos seres humanos, a política, a religião, etc., existe sempre uma base filosófica ou algum tipo de interesse escondido por trás. Descobrir o que há por trás dos discursos e colocar cada um deles como uma pecinha de um quebra-cabeças, nos possibilita ter uma idéia mais clara do que realmente está em jogo.

Cada discurso não é monológico, mas atravessado por vários outros discursos, resultando no que é chamado de formação discursiva.

Faço esse preâmbulo, antes de abordar o discurso sobre o meio ambiente que está por aí, nas TVs, na internet e nos jornais. Para isso escolhi como exemplo o livro Desenvolvimento ao Ponto Sustentável: novos paradigmas ambientais, de Ricardo Braun (Editora Vozes, Petrópolis, 2001).

Na verdade usarei apenas a introdução, para tentar obter uma visão dessa formação discursiva e do que há por trás dela.

A introdução começa com uma análise do que é chamado de processo de modernização através do desenvolvimento tecnológico. Afirma que esse desenvolvimento trouxe melhor qualidade de vida para uma minoria e criou problemas para a maioria, o que demonstraria um desequilíbrio social e econômico que seria o chamado desenvolvimento insustentável.

Depois afirma que, baseado nisso, apenas uma minoria estaria preparada para desfrutar dos benefícios das tecnologias de ponta e que o homem, no seu contexto global, “ainda não está preparado para a vida moderna...dentro de um estilo de vida mais evoluído” (p.7).

A contradição é evidente entre a primeira afirmação, ou seja, de que o desenvolvimento beneficiou apenas uma minoria, o que nos remeteria para um discurso democrático (benefícios para todos) e a segunda, de que o homem não estaria preparado para a vida moderna, que nos remete a um discurso elitista, justificando o benefício para poucos e também entrando num discurso muito comum entre ambientalistas, o das utopias regressivas, ou seja de que tudo era melhor antigamente.

A confusão entre modernização e tecnologia, também é muito comum entre ambientalistas. Eles usam o termo tecnologia de uma forma genérica, vaga, e o termo modernização para significar conforto e consumo.

Na verdade tecnologia sempre existiu. Desde que o homem descobriu como fazer o fogo, ele começou a se apropriar e a desenvolver técnicas que facilitaram a sua vida. Já o conceito de modernização tem muitos significados, o mais frequente ligado aos novos hábitos de vida urbana, construídos na sociedade industrial do século XX.

A confusão entre conceitos é usada para evitar um outro discurso, de corte marxista, que considera como causa da degradação ambiental o consumismo capitalista.

Porque será?

Falam em padrão de consumo em ascensão, colocam a culpa na tecnologia e na modernização, para evitar identificar claramente os verdadeiros culpados pela degradação ambiental.

Ricardo Braun cita a idade média e seus castelos medievais, rodeados de florestas, como exemplo de sustentabilidade, esquecendo-se totalmente das suas preocupações iniciais com os desequilíbrios sociais e econômicos, que eram muito mais profundos na idade média onde os senhores feudais tinham direito de vida e morte sobre seus súditos, que viviam na miséria, enquanto eles dispunham de todo o poder e de todas as riquezas.

Para justificar sua utopia regressiva, cita um “ecólogo” do Banco Mundial, instituição que sustenta as políticas das grandes potências para o desenvolvimento econômico, baseado no aumento contínuo da produção, e compara o consumo das grandes cidades européias de hoje com o dos seus preferidos castelos medievais

Esse discurso ambíguo serve como pano de fundo para introduzir um outro, este de corte místico, que diz que a causa principal dos desequilíbrios planetários estaria no distanciamento do homem da natureza. Fala dos mestres iluminados contemporâneos e suas teorias sobre uma hipotética falha no processo evolutivo do homem causada pela modernização da vida e suas conseqüências, entre elas uma alta densidade sentimental e emocional estimulada pelo individualismo e pelo egoísmo.

A partir daí entra o discurso da mudança interior, que afirma que o processo de salvação do mundo tem de se iniciar dentro de cada pessoa, jogando para o nível individual a responsabilidade sobre a degradação do meio ambiente.

Depois vem o discurso holístico, de que nós somos seres da natureza em evolução espiritual, ou seja, um pouco de Alan Kardeck e um pouco do antigo naturalismo, que pregava a volta do homem à natureza.

Estabelecida essa imensa confusão conceitual, cercada de uma aura mística e cheia de referências a sábios do hemisfério norte, justamente dos países mais industrializados e consumistas, Braun passa aos exemplos de iniciativas e propostas para solucionar os problemas ambientais.

A Ecologia Profunda, baseada em conceitos holísticos, as Ecovilas e as Comunidades Sustentáveis (redes de pequenos povoados ao redor do mundo onde uma classe média consciente dos problemas ambientais se refugia, numa variação das antigas experiências socialistas utópicas do século XIX), a Permacultura (técnicas agrícolas de recuperação e manejo sustentável do solo), no dinheiro alternativo, usado em algumas dessas comunidades ecológicas, na Energia do Ponto Zero, que seria uma energia vital que moveria os planetas no universo (aproveitando um suposto estado vibracional meditativo do ambiente) e na espiritualidade.

O leitor há de convir, que essa imensa salada não identifica objetivamente a causa dos problemas ambientais do planeta, nem aponta soluções para eles, jogando tudo para o nível local, individual e espiritual.

A quem interessa esse tipo de teoria? A que interesses serve desviar o foco das grandes empresas e de todo o processo de crescimento econômico, baseado no consumo desenfreado, para o indivíduo? Porque o Banco Mundial, profundamente comprometido com todo esse processo de degradação teria ecólogos interessados no desenvolvimento holístico?

Poderíamos ainda falar de outros discursos recorrentes, que se misturam a esses, como o que afirma que por causa do aquecimento global, haveriam grandes secas e a água do planeta iria se acabar, que é o discurso da privatização da água, na contramão do que está acontecendo, ou seja, grandes inundações, muitos furacões e aumento da umidade em decorrência do degelo nos pólos.

O aumento do nível dos oceanos, varia de 50 cm a 100 metros, nas previsões catastróficas, nos deixando sem saber onde realmente estão os dados científicos.

Tudo isso é temperado pelo messianismo dos que parecem ter prazer em anunciar o fim dos tempos, como uma punição bíblica pelos pecados da humanidade, numa espécie de discurso do juizo final.

Essa estranha formação discursiva é, ela mesma, insustentável. Enquanto não conseguirmos um mínimo de objetividade nessa discussão, ficaremos a mercê dessa caótica armadilha filosófica, destinada a turvar as nossas vistas, enquanto os grandes conglomerados financeiros continuam de mãos livres para lucrar com a destruição do planeta.



Abraço a todos



Ricardo Stumpf

domingo, 20 de dezembro de 2009




2009

Prezados amigos leitores

A todos vocês que me acompanham neste blog, agradeço o interesse e os comentários e desejo que 2010 seja um ano melhor para todos nós, no Brasil, na América Latina e no mundo, apesar dos pesares.
Temo que, às vezes, me torne maçante nos meus escritos por insistir em um tema específico, e me policio para que isso não ocorra, mas para mim escrever é uma necessidade. Escrevo para não morrer, com tanta coisa entalada na minha garganta, porque minha cabeça ferve de idéias e meu coração também fervilha de emoções.
Não posso me calar quando vejo alguma coisa errada, ou alguma coisa que me emociona.
Preciso dizer!
Por isso peço que me perdoem quando sou enfático demais, como no caso dos acidentes na estrada ou do abandono da cultura em Rio de Contas.
Pois são gritos pela justiça.
Não consigo observar calado pessoas morrendo à tôa ou o nosso teatro morrendo também à tôa.
Preciso falar!
Às vezes, como no caso da estrada, a reclamação funciona. Mas às vezes, como no caso do teatro, nada acontece. E eu não entendo porque!
Nosso jovem Prefeito, que tantas esperanças despertou nos riocontenses, não é nenhum inculto. Porque então não toma uma atitude? Porque está fazendo isso com o nosso município? Porque esse abandono criminoso da cultura?
Lá vou eu de novo... batendo na mesma tecla. Desculpem, mas enquanto isso não mudar eu preciso falar...
2009 teve coisas muito boas. Aliás todos os anos terminados em 9 são bons para mim.
Trabalhei um pouco no IPHAN, onde pude fazer algumas coisas boas e graças a Deus tive reconhecimento da população. Fui ao Chile, onde reencontrei velhos amigos, vi mais uma neta nascer, continuei ajudando como pude meus filhos e minha mãe e todos estão bem. Nunca me esqueço de agradecer aquele amigo lá de cima pela minha saúde e pelos amigos.
Ajudei a fundar a Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Rio de Contas (e acabei virando presidente), junto com pessoas que eu nem conhecia direito e de quem me tornei amigo, coisa que me deu muita satisfação e fez retornar meu entusiasmo pela terra.
Tive a alegria de ver um governo novo em Rio de Contas e minha amiga Paula entrar na Secretaria do Meio Ambiente, despejando sua enorme energia sobre o trabalho e sobre todos à sua volta.
Na política brasileira tivemos boas coisas também; Marina Silva candidata pelo PV, o que me levou até a assinar uma ficha de filiação, coisa que eu não fazia há quase 20 anos. Finalmente temos um novo discurso, uma nova utopia para construir: a economia sustentável, com justiça social. Aleluia!
O Brasil finalmente despontando internacionalmente, com boas coisas, graças ao governo Lula, que todos devemos tirar o chapéu para ele, que o homem sabe governar e tem uma dimensão de estadista, que coloca em primeiro lugar os interesses da nação.
Na economia vencemos muito bem o tsunami provocada pela implosão da economia americana.
Tivemos essa novidade chamada Obama, que trouxe muitas esperanças ao planeta. Só o fato de ter derrotado os dinossauros republicanos já foi um imenso alívio, embora eu nunca tenha me iludido com o homem.
Até agora Obama não reconstruiu a liderança americana com novas idéias, como Clinton havia feito, mas ao contrário, ressuscitou velhas práticas imperialistas na América Latina, apoiando o golpe de Estado em Honduras (embora fazendo cara de quem não teve nada a ver com isso) e montando bases militares na Colômbia, inclusive na fronteira do Brasil, preparando a invasão da Venezuela, que podem ter certeza, é iminente.
Vão inventar um incidente qualquer para invadir a Venezuela e derrubar Chavez, com apoio do fascista , Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, aquele assassino com cara de bonzinho.
Aliás vocês já repararam que Obama fez um discurso para cada continente, menos para nós?
Na Europa falou na Alemanha. Falou no Egito, para o mundo muçulmano. Esteve também na África e na Ásia. Só na América Latina ele não veio. Não teve nenhum discurso para nós, que não fosse a tentativa de derrubar governos democraticamente eleitos que se oponham à hegemonia norte-americana.
Quer nos reduzir novamente ao velho quintal, nos recolonizar.
É isso que ele nos oferece.
E o pior é que não renunciou ao projeto de dominação militar do mundo, engendrado pelos republicanos.
Quer mantê-lo e ampliá-lo, substituindo o que poderia ser uma liderança verdadeira, pelo simples controle estratégico. Não creio que eles tenham mais fôlego para tanto, mas enquanto isso não mudar, as guerras continuarão.
Na negociação sobre o clima foi um verdadeiro fiasco.
Muito fraquinho o rapaz. A mim aquele sorriso não engana mais.
Mas a história da humanidade não pára. Muitos impérios já surgiram e caíram. Vamos ver o que nos reserva 2010. Às vezes tememos por uma tragédia e um milagre acontece. Foi assim com a guerra fria, Quem sabe não veremos ainda um Estados Unidos pacífico, procurando se integrar, ao invés de dominar.
Mas o melhor mesmo para mim, foi ter vocês como leitores, me prestigiando e me fazendo sentir que não soam em vão as palavras que lanço nesse espaço cibernético.
Gosto de me sentir livre, por isso não dou muito certo na política e nos empregos que exigem alguma fidelidade, ou melhor dizendo, nos cargos que tolhem minha palavra, para não desagradar os que se sentem poderosos.
Alías os poderosos, por definição, não gostam de homens livres, que dizem o que pensam. Eles são sempre incômodos para quem gosta de ditar verdade e achar que as pessoas acreditam nelas.
Mas alguém precisa fazer esse papel e às vezes dizer que o rei está nú.
Tenho sido essa pessoa e gosto de ser assim.
Por quanto tempo não sei, mas é muito bom ser livre e ter vocês comigo nessas viagens libertárias.
Bom Natal e 2010 para todos.

Ricardo Stumpf

domingo, 13 de dezembro de 2009

                                                                         Cecília



Pois é, amigos leitores, o ano de 2009 termina para mim com o nascimento de mais uma neta, fruto de uma gravidez precoce, não planejada, embora não se possa dizer não desejada, porque minha casa sempre esteve pronta para mais crianças.

Ter filhos tão jovem, aos 17 anos, é um erro, dirão uns, uma temeridade, dirão outros, uma dificuldade para a mãe, dirá a maioria, pensando numa vida previsível, com formaturas e casamentos.
Mas a vida não é assim, um caminho certinho, pelo
qual vamos andando, sempre sabendo o que nos espera na próxima curva. A vida nos surpreende e isso é bom porque o ser humano precisa sempre de desafios.
Este novo ser surpreendeu a todos, pela força com que irrompeu neste mundo, pela sua vitalidade e serenidade na barriga da mãe e finalmente por não respeitar os calendários calculados pelos médicos.

Sentada e sorrindo nas ultra-sonografias, desafiou alegremente todas as previsões, destruiu docemente muitos planos e nasceu com a força de uma beleza surpreendente.

Meu incorrigível coração de criança recebe com alegria mais essa dádiva que nos chega pelas mãos do criador, assim como um dia me chegou sua mãe (que também chegou desafiando dogmas e enfrentando a vida com coragem e alegria), abençoando mais uma vez a minha casa com esse choro que é mais um canto de vida e de esperança.


Retratos de Amor


Numa tumultuada viagem a Brasilia, conheci Tereza Cristina, mais conhecida como Doutora Tereza, a juíza, hoje aposentada das suas lides jurídicas.

Mas não foi como doutora que eu a conheci, apesar das suas saborosas histórias de casos ocorridos no exercício da profissão. Foi a Tereza Cristina dos banhos de rio em Correntina (junto com a também doutora Noedi, velha amiga de Rio de Contas) e das emoções indesejadas de um imprevisto problema mecânico na estrada, que nos deixou no meio do ermo por algumas horas.

Cheio de coisas para fazer em Brasília, não entendi quando soube que ela havia deixado um presente para mim, que foi parar nas mãos de minha mãe e de meu filho Mário, muito antes de que eu pudesse vê-lo.

Só agora, nesta outra tumultuada visita a Brasília, interrompida pelo nascimento precoce de Cecília, pude ler no ônibus, Retratos de Amor, de Rubem Alves (Papirus Editora; 8a edição, 2002) e, confesso, com grande emoção.

Posso dizer com serenidade que é o livro mais bonito que ganhei de presente em toda a minha vida.

Não pode ser coincidência que tal leitura me tenha caído nas mãos, justamente quando voltava ansioso para conhecer minha neta, que estava nascendo em Conquista.

Falar sobre o amor não é novidade, mas falar com tal desenvoltura, com tanta inspiração e com tanta compreensão sobre os sentimentos humanos, eu nunca vi.

Ler sobre o amor quando se está cheio de expectativas para receber mais um ser amado, que está nascendo, é uma benção.

Gostaria de selecionar algum trecho dessas crônicas deliciosamente poéticas sobre o amor, mas na impossibilidade de escolher uma melhor, já que o livro é um emaranhado de citações e reflexões, todas entrelaçadas, e que vão construindo uma idéia muito interessante das peças desse mosaico de que é feito o amor, transcrevo o que me parece conclusivo, quando Rubem Alves cita Drummond, ao falar do amor de Abelardo e Heloísa:

     O Amor é primo da morte, e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Obrigado Doutora Tereza
Abraço a todos
Ricardo Stumpf

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



Rio de Contas: a cultura abandonada IV



Cultura Negra


Prezados amigos leitores, dando sequência as entrevistas sobre o abandono da cultura em Rio de Contas, conversamos hoje com Gledson Santiago, também conhecido como Malemba.
A pergunta para ele é aquela: O que você acha da situação atual da cultura em Rio de Contas?


  Malemba


A cultura em Rio de Contas não está bem. Eu não vejo nenhuma iniciativa da Coordenação de Cultura para divulgar nossa arte.

Deveria haver um espaço onde os artistas pudessem ensaiar, ministrar oficinas, dar aulas: um espaço cultural. O Centro de Cultura existente não está sendo usado com este fim.

Eu gostaria de saber a quem está servindo o Centro Cultural. Quem controla aquele espaço, que deveria ser dos artistas da cidade?

Hoje funciona lá o Pró-jovem, mais ligado à educação, enquanto na área da cultura os artistas não tem um espaço organizado para ocupar.

Em relação à cultura negra, o riocontense conhecia muito a Folia de Reis, a Jegada, o Bendegó, e outras manifestações que hoje se enfraqueceram.

A cultura negra tem muito a contribuir, mas falta apoio. Não existe espaço, nem recursos para indumentária, instrumentos musicais, para conseguir mais visibilidade. E não existe cultura sem incentivo.

Sou a favor da criação de uma Secretaria exclusiva para a Cultura, que dialogue e apóie os artistas da cidade, para que não aconteça mais como no V Congresso Mundial de Cultura Gueto, quando não pudemos cumprir todas as nossas metas por falta do apoio. Sem incentivo a cultura anda mal.

Acho que é preciso unir forças na classe artística da cidade para crescer.

(Gledson Felipe Santiago é professor de capoeira da Associação Cultural Gueto, que além da capoeira tem grupos de maculelê, samba de roda, puxada de rede e outras manifestações da cultura negra. A sede da Associação está em Salvador, mas suas atividades se estendem a outras cidades, como Rio de Contas).
 
Abraço a todos
 
Ricardo Stumpf