Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Rio de Contas: a cultura abandonada

Produtores

Dando sequência a série de entrevistas, continuamos com os produtores culturais, entrevistando Rosa Soares, coordenadora do Ponto de Cultura.
A pergunta é a mesma de sempre: O que você acha da situação atual da Cultura em Rio de Contas?

Rosa
Faltam maiores incentivos às manifestações e à produção cultural no município. Ações que dêem mais visibilidade aos nossos artistas.

Falta um reconhecimento por parte do poder público em relação aos nossos artistas. A maioria trabalha como voluntário e não tem apoio financeiro quando quer realizar algum projeto.

O Ponto de Cultura tem como objetivo trazer arte para a cidade, contribuir com a educação das nossas crianças e com a formação dos professores. Para isso precisa desenvolver uma parceria forte com o município, mas parece que não há muito interesse.

Veja o caso da Conferência estadual de Cultura: Rio de Contas não mandou nenhum representante e essa ausência, essa falta de representatividade, se traduz em grande prejuízo para a cidade, na hora em que precisamos de reconhecimento para nossas iniciativas.

Para 2010 esperamos mais apoio para desenvolvermos os projetos que foram aprovados para o Ponto de Cultura, como o Agente Escola Viva (Programa Cultura Viva do MinC), que visa a promoção do teatro e da arte dentro do Colégio Estadual Carlos Souto, além dos micro-projetos culturais aprovados, como o do povoado de Caiambola.

A importância do apoio institucional para essas iniciativas é fundamental.

Sou a favor de uma Secretaria de Cultura, se os artistas da cidade puderem indicar nomes para  que o governo municipal escolha uma pessoa competente e que dialogue com a classe artística, para ocupar a Secretaria.

(Ana Rosa Soares Silva é coordenadora do Ponto de Cultura e participante do programa Ação Griô Nacional, em Rio de Contas).

Abraço a todos



Ricardo Stumpf

domingo, 29 de novembro de 2009

RIO DE CONTAS: A CULTURA ABANDONADA III

PRODUTORES CULTURAIS

Prezado amigo leitor, na sequência das entrevistas sobre a cultura riocontense, publicamos hoje a entrevista com Carlos Landulfo, mais conhecido como Kal da Rádio.

Kal é o âncora da rádio comunitária de Rio de Contas, prestando inúmeros serviços à comunidade. Fizemos a ele duas perguntas: a primeira foi a mesma feita aos entrevistados anteriores: O que você acha da situação atual da cultura em Rio de Contas?



Acho que antes existiam mais manifestações culturais do que hoje. Tinha a Marujada, Terno das Africanas, a Festa da Primavera e havia também casas de candomblé, que desapareceram. Isso mais pelo lado da cultura negra.

Ainda existem cantores na cidade, sem incentivo, sem produção e sem capacitação, enquanto os poucos professores de música são mal remunerados.

Quando os cantores locais são contratados para algum evento é disponibilizado para eles, o pior som e o pior palco, sendo que ainda recebem menos que os artistas de fora. Muita gente que tocava em ternos de reis trocou o terno por um teclado, para ganhar mais.

Temos o Terno de Reis da Várzea, o do Pirulito e o de João de Lúcia, que não quer mais sair por ter sido discriminado (chamado de jegada, que é outra coisa).

Muita gente chega aqui, filma as manifestações e depois some. Os artistas daqui já ficam desconfiados, pois não sabem o que vai ser feito com as imagens, se vão ganhar dinheiro em cima da imagem e da arte deles.

As domingueiras foram um fracasso, em termos de produção. Tudo improvisado e sem qualidade.

Seria necessário fazer um levantamento das manifestações culturais do município, separando o que é folclore, do que é cultura viva, o que é arte do que é artesanato.

Folclore é cultura parada no tempo, serve mais para que as pessoas se reconheçam, uma coisa de identidade mesmo, embora muito bonita e festiva. Cultura viva é arte contemporânea, em movimento constante. As duas tem que ser estimuladas.

Artesanato é habilidade repetitiva. Arte é criação. As duas atividades são importantes e tem que ser incentivadas. A verdade é que não existe cultura sem apoio, sem incentivo, sem financiamento.

Veja a Rádio Comunitária: nós gastamos muito para legalizar a rádio e hoje concorremos com uma rádio comercial, não recebemos nenhum incentivo do governo federal, estadual ou municipal, para nos manter, ao contrário, vivemos prestando serviços gratuitos para o governo local e para a sociedade. Por isso não podemos manter uma programação de melhor qualidade, porque precisamos faturar comercialmente para cobrir os custo de manutenção e temos que trabalhar para todos os públicos.

A segunda pergunta foi:

Você tem uma produção de documentários, batalhou e conseguiu o cinema digital para a cidade (que ainda não foi instalado). Você acha que temos condições de criar um pólo de produção de cinema, documentários e animação, em Rio de Contas?

Não falta talento. O que falta é incentivo, estrutura.

Temos atores, atrizes, músicos, roteiristas, compositores... O que falta é um espaço. O Teatro está todo esbagaçado, sem som e iluminação. Temos inclusive um filme feito aqui, no ano passado, para as eleições. Foi uma experiência muito positiva. Deveríamos ter cursos de arte e música. Para implantar um pólo de cinema seria preciso aprimorar os artistas e técnicos locais. Faltam cursos de arte em geral.

Sobre essa polêmica entre carnaval tradicional e axé, sou a favor da diversidade musical, mas com controle de qualidade.O carnaval é o único momento em que vejo os músicos de Rio de Contas tocando, embora ganhando muito menos (e sempre os últimos a receber).

Mas ainda acho que um carnaval diferenciado atrairia um outro tipo de turistas e daria mais renda para a cidade. Um carnaval mais tranqüilo, com mais cor e mais máscaras.

Eu apóio a criação de uma Secretaria de Cultura.

(Kal é presidente da Associação Comunitária Idéias e Ações dos Nativos de Rio de Contas. É conselheiro eleito e atuante do Conselho Tutelar, comunicador da Rádio Rio de Contas FM e também produtor de documentários)



Abraço a todos



Ricardo Stumpf

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

RIO DE CONTAS: A CULTURA ABANDONADA II



FALAM OS ARTISTAS

Prezado amigos leitor, antes de passar a palavra aos artistas, preciso esclarecer que minha indignação com o abandono da cultura e especialmente do Teatro São Carlos, em Rio de Contas, é legítima. Porém, não desejo que essa indignação se transforme em instrumento político para quem quer fazer oposição ao governo municipal. Meu objetivo é levantar a discussão sobre o tema é tirá-lo do ostracismo em que se encontra.
Acho que a Cultura, numa cidade como a nossa, merecia mais do que uma coordenação, ela precisaria ter uma Secretaria, chefiada por alguém que conheça e dê valor a cultura e que saiba correr atrás das verbas necessárias.

Acho que para isso a classe artística da cidade precisa se unir e levantar suas reivindicações.

Por isso inicio hoje uma série de entrevistas com artistas (nascidos ou radicados) em Rio de Contas e aproveito para dizer que é preciso acabar com essa bobagem de diferenciar quem é de fora ou nascido aqui. Somos todos brasileiros e como em todo lugar do Brasil existem baianos, inclusive riocontenses, aqui também têm direito de viver os cariocas, paulistas, gaúchos, ou seja lá de que pedaço desse Brasil forem. Inclusive alguns estrangeiros se tornaram autênticos rioconteses, por amor a essa terra. Num tempo de integração e globalização, esse tipo de preconceito não faz mais sentido.

Começo essa série entrevistando Claudete Eloy e Jairo Albuquerque. A pergunta para eles foi a mesma: O que você acha da situação atual da cultura em Rio de Contas? O desdobramento da resposta também foi na mesma direção, indicando algumas proposições.

Claudete Eloy

Não há nenhum incentivo à cultura em Rio de Contas. O teatro está abandonado, sendo que é o segundo teatro mais antigo do Brasil em funcionamento.

Existem muitas pessoas na cidade querendo fazer teatro e sem condições, como eu. Grupos de adolescentes amadores é que fazem seus trabalhos sem nenhum apoio. Os que se destacam têm que sair da cidade para progredir.

Há potencial para formar uma companhia permanente para jovens, adultos e também para a terceira idade (teatro-terapia). Na verdade faltam atores idosos no mercado. Muitos começam fazendo teatro como terapia e descobrem a carreira artística.
Vejo a possibilidade de realizar um FESTIVAL DE TEATRO UNIVERSITÁRIO na cidade. As universidades financiam o transporte e estadia dos seus grupos teatrais, o que barateia o custo da realização de um evento como este. A cidade já é um cenário especial, com seu patrimônio histórico e as belezas naturais, o que atrairia mais público, incentivando um turismo de alto nível, chamando a atenção de todo o Brasil e trazendo mais cultura para Rio de Contas. Acho que seria necessário também oferecer cursos de artes plásticas, para formar verdadeiros artistas aqui, e não apenas artesãos. Talento é que não falta. Precisamos aqui, de uma verdadeira Secretaria de Cultura.
(Claudete Eloy é formada em Belas Artes e pós-graduada em cenografia pela UFBA, onde é professora da escola de Teatro. Encontra-se licenciada e vive em Rio de Contas desde 2002. Tem no seu currículo mais de 80 espetáculos teatrais realizados, em 30 anos de trabalho, todos muito bem recebidas pela crítica).

Jairo Albuquerque













Nós temos aqui dois espaços culturais abandonados; o Teatro São Carlos e o Club Riocontense.
O Clube foi fundado em 1902.  Sua sede foi dimensionada para a época, mas hoje não serve mais para um clube. As festas realizadas lá incomodam muito a vizinhança, com o som eletrônico em alto volume. Os registros foram perdidos, não existe mais uma secretaria, nem registro dos sócios, nem uma diretoria que, no entanto, poderia ser recomposta à partir dos estatutos que se encontram no arquivo público. É um espaço que deveria ser utilizado exclusivamente para a cultura.

Faltam cursos na área da cultura, arte, música, dança, etc. O Museu Zofir e o Museu Arqueológico, são realidades que também precisam contar com o apoio do governo municipal.

Nós precisamos reunir a classe artística para discutir a temática cultural, buscando soluções conjuntas com as pessoas ligadas ao meio, para definir objetivos e reivindicações. Eu apoio a criação de uma Secretaria de Cultura.
(Jairo Albuquerque é artista plástico, já foi Secretario de Turismo, Meio-ambiente, Cultura e Desporto, em governo anterior. Escultor e pintor, trabalha com miniaturas em giz, pintura à óleo e aquarela. É autor do monumento em homenagem aos bandeirantes, existentes na Praça da Matriz.)


Abraço a todos



Ricardo Stumpf

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O ódio à escola


Não são poucas as demontrações de ódio de alunos pelas suas escolas, em todo o mundo.
Hoje mesmo, dia 24 de novembro de 2009, a rede Globo passou uma reportagem sobre vandalismo numa escola de São Paulo.
Menos mal que no Brasil temos apenas vandalismo. Pior acontece nos países do norte, onde estudantes entram armados atirando contra tudo e contra todos e depois se suicidam, em terríveis atos de desespero.
Aí depois vêm as explicações dos especialistas. Problemas com os pais, culpa da televisão ou da internet, excesso de conforto na vida de classe média, crise de valores, etc.
Nunca vi um desses entendidos falar do óbvio, ou seja, de que os estudantes odeiam as escolas.
Afinal, ninguém ataca aquilo que ama. E se ataca é porque realmente sente raiva.
Nem é tão difícil entender o porque de tanta raiva.
Quem já ouviu o discurso dos professores sobre educação? É uma coisa de doido.
Um monte de teorias completamente desligadas da realidade das escolas e da prática dos professores.
Mas não é só nas escolas que existe esse abismo entre teoria e prática, ele está por toda a parte.
Já observaram a quantidade de conselhos que existe nas cidades brasileiras? Tem conselho pra tudo, pra saúde, educação, cultura, turismo e por aí vai, e tome discurso sobre cidadania pra justificar a participação do povo em tudo o que o governo faz, como se os governos realmente ouvissem algum conselho.
Pra que serve tudo isso? Pra justificar uma prática autoritária e mentirosa daqueles que controlam o dinheiro público e as nossas vidas.
Todos nós sabemos que a educação no Brasil foi montada para impedir os pobres de progredirem.
Isso está entranhado nos professores, diretores e nos próprios alunos, que não esperam outra coisa. Sabem que é tudo uma grande farsa.
Como os conselhos disso e daquilo, que só servem como escada para quem quer fazer carreira na política, com algumas honrosas excessões.
A verdade, amigos leitores, é que vivemos num mundo de faz de contas, em que a realidade é mascarada pelo conluio entre a grande imprensa e os grandes grupos econômicos que controlam tudo.
Quem quiser ir contra isso não consegue nada, é banido, fica mal visto, é chamado de maluco.
Então, algumas pessoas menos comprometidas em "ser alguém na vida", resolvem mostrar que estão vendo a grande mentira e, como não tem um canal legítimo para se expressar, desembocam no quebra-quebra.
Nos países do norte onde a vida é muito mais regrada e controlada pela polícia, se alguém fizer isso corre o risco de ir parar no sistema penintaciário, que não dá mole pra ninguém.
Então melhor se matar logo, mas antes levando um monte de gente com eles.
Quem eles levam junto? Os otários que teimam em acreditar que estão vivendo numa democracia, que não conseguem enxergar a grande manipulação.
Muito triste tudo isso.
Mais triste ainda é ver a cara de pau de quem se presta para achar explicações, colocando a culpa nos alunos. É um discurso antigo: o aluno é sempre o culpado.

Contraponto



Na contramão de tudo isso, boas práticas na escola rendem imediato alto astral entre alunos, professores e funcionários e o que é bom tem que ser dito.
É o caso da II Feira de Ciências, Arte e Cultura no Colégio Estadual Carlos Souto, em Rio de Contas.
Parabéns à direção, aos alunos, professores e funcionários, que numa sinergia muito boa, deram uma demonstração do que pode ser o entusiasmo pelo conhecimento.
Nada como um trabalho em equipe.
Uma feira de Ciências vale mais do que mil discursos sobre educação.
Viva Rio de Contas!



Abraço a todos

Ricardo Stumpf

domingo, 22 de novembro de 2009

Rio de Contas: a cultura abandonada


O Teatro São Carlos

Pois é, amigos leitores, parece que nessas plagas do sudoeste baiano, a cultura não vale mesmo nada.
Vejam o caso de Rio de Contas, cidade-monumento nacional, onde a cultura foi relegada, não digo nem ao segundo plano, mas ao décimo-quinto plano.
Não existe uma política de cultura para a cidade, muito menos uma agenda cultural.
E vejam o estado em que se encontra o Teatro São Carlos, uma jóia da arquitetura do século XIX, exemplo de pequena casa de espetáculos do interior, no tempo em que muita gente prosperava com o ouro e os diamantes aqui na região.
Hoje serve como local de experimentação para grupos amadores, para festinhas do dia das mães e coisas do gênero, sem falar nos dias em que é utilizado como oficina de carpintaria para fazer palanques ou cartazes para os dias de festa.
Sem cadeiras, com sua pintura descascada, paredes rachadas, portas carcomidas, é o retrato do abandono e do desprezo pela cultura.
Não é compreensível que a prefeitura, proprietária do imóvel, tenha pintado tantas casa na cidade, onde instalou suas secretarias e até mesmo o muro do colégio que a Igreja Católica tomou dos cidadãos, e não tenha sobrado uma mãozinha de tinta para este local fantástico.
A coordenação de cultura foi usada para acomodar aliados políticos, na campanha eleitoral, sem a menor preocupação em colocar alguém realmente vinculado à cultura. Ficou como uma espécie de resto, atribuído a quem não sabiam onde colocar.
Isso é uma afronta à uma cidade cuja maior patrimônio é justamente sua cultura.
Que me perdoe meu amigo Márcio, mas isso é uma vergonha!


Teatro São Carlos: retrato do abandono


Onde estão as cadeiras? E a cortina do palco?


A porta lateral da fachada e o muro ao fundo, apoiado por um pedaço de pau para não desabar.

Um dos banheiros destinados ao público

Por iniciativa de um diretor de teatro radicado na cidade, foram feitos apelos pela recuperação do prédio, ainda na gestão passada. Me ofereci para fazer o projeto gratuitamente, o que foi feito e junto com um relato sobre a história do Teatro foi enviado ao Governador Jaques Wagner, que se comprometeu.
Quando eu estava chefiando o escritório local do Iphan, elaborei um plano de ação, para executar a obra, que resultou na inclusão do prédio no PAC das cidades históricas.
Enquanto isso, de parte da Prefeitura, nada. Absolutamente nenhuma iniciativa. Nem mesmo uma obrinha de conservação para maquiar o abandono.
Mas o abandono da cultura não se restringe apenas ao teatro. Na verdade não há nenhuma iniciativa sobre o tema. Há apenas o imobilismo, de quem não tem nenhum compromisso com a cultura de Rio de Contas.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Fantasmas da Tortura

Bucarest 187, este é o título do livro de Patrícia Verdugo (Editorial Sudamericana, Santiago do Chile - 1999), que acabo de ler, na edição em espanhol. Pesquisei na Livraria Cultura e não achei esse título em Português. Achei outros três (A Caravana da Morte; Como os EUA derrubaram Allende, ambos pela editora REVAN e Salvador Allende: o crime da Casa Branca, Ed. Campo das Letras) da mesma autora.

A jornalista Patricia Verdugo

Patrícia,jornalista chilena premiada, falecida em 2008, (Prêmio Maria Moors Cabot da Colúmbia University – EUA – 1993 e Prêmio Nacional de Periodismo , Chile – 1997), católica por formação e democrata-cristã por convicção, permaneceu vivendo e trabalhando no Chile enquanto milhares eram, presos, torturados, assassinados ou deportados para o exílio, pela política fascista enlouquecida dos militares que assaltaram o poder.
A revista Ercilla, ligada ao Partido Democrata-Cristão, foi o único órgão de imprensa de oposição tolerado pelo regime, embora vigiado de perto e sob rígida censura.
Seu depoimento impressiona por não se tratar apenas de denúncias, nos dando um panorama amplo sobre o que as pessoas falavam, sentiam, como era a vida nessa época e como era difícil, quase impossível, fazer um jornalismo de oposição naquele contexto, nos dando uma dimensão do terror que foi imposto àquele povo por 18 anos.
O título se refere à Rua Bucarest, no 187, endereço da casa de seus pais em Santiago, de onde seu pai foi levado numa noite para ser assassinado. A busca de uma explicação para sua morte se torna uma obsessão que a leva ao longo de 20 anos a buscar descobrir o ocorrido, e por aí vai desvendando toda a estrutura do aparelho repressivo da ditadura e sua impressionante seqüência de crimes, dispondo livremente da vida de qualquer cidadão, com requintes de crueldade inexplicáveis.
Aliás, já comentei aqui o livro de João Ubaldo Ribeiro (Diário do Farol), que tenta reconstruir a personalidade de um torturador desde a sua infância, criando supostas motivações para as distorções que surgem no seu caráter.
Patrícia comenta sobre isso também, mas não apenas sobre os torturadores. Comenta que numa ditadura (de direita ou de esquerda) se libertam todos os mais baixos instintos dos seres humanos criando-se um ambiente extremamente propício para que todo tipo de baixeza e vilania seja perpetrado por aqueles que tem prazer nisso ou que, por qualquer motivo, não tenham uma formação moral e ética que os obrigue a agir responsavelmente. É a famosa caixa de Pandora da mitologia grega: uma vez aberta não há como controlar o mal que sai dela.
Esse tema da tortura já foi bastante explorado no Brasil, especialmente na década de 80, e eu não queria ter de tratar do assunto na visita ao Chile, mas acabou sendo inevitável porque todos tem alguma história a respeito para contar. É um país cheio de cicatrizes, muitas ainda abertas.
Mas uma dessas histórias me pegou de surpresa, porque ultrapassa a simples memória e as questões de justiça envolvidas. Observem.
Uma psiquiatra recebe como paciente um ex-torturador e mesmo tendo uma forte repulsa pelos atos que ele cometeu não pode se negar a tratá-lo, por uma questão de ética médica. Nos seus depoimentos o militar não se mostra arrependido de nada e relata as atrocidades cometidas com frieza, mas ao mesmo tempo começa a relatar umas visões que tinha com uma moça que havia sido torturada e morta enquanto estava grávida, fato testemunhado por ele. Ela lhe aparece sempre agressivamente, fazendo-o se sentir muito mal. Ele conta à psiquiatra que as aparições já duram anos e o atormentam a ponto de não deixá-lo dormir, trabalhar ou se relacionar com sua própria família.
A médica finalmente um dia lhe aconselha que pergunte à moça o que ela quer com ele.
Ele segue o conselho e surpreendentemente a aparição lhe pergunta sobre seu filho, sem saber que ele havia morrido também. Ele explica a ela o que aconteceu e uma grande transformação ocorre. A jovem deixa de ser agressiva, passa a tratá-lo com compreensão e pede que ele visite sua família.
O ex-militar atende seu pedido e após a visita finalmente alcança compreender todo o mal que tinha feito, mergulhando numa profunda crise de consciência. A jovem continua a aparecer e a dialogar com ele, ajudando-o a superar sua culpa até que ele consegue se recuperar, volta ao seio de sua família e reinicia sua vida com novo trabalho, recebendo alta do tratamento psiquiátrico.
O dilema da psiquiatra era saber se tudo aquilo não passava de obra de uma mente doentia ou se realmente houve um contato espiritual com a vítima. Como médica tinha que se ater à ciência, mas como pessoa não podia deixar de acreditar que tinha testemunhado um encontro extraordinário.
O mais interessante nessa história é a força do perdão como caminho para a reabilitação de um espírito atormentado.
Uma lição sobre a qual todos nós deveríamos refletir.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Novo Endereço

Prezados amigos

A partir de agora estarei escrevendo neste endereço.
O motivo para esta mudança foi a grande limitação do blog da UOL.
O blogspot permite uma variedade muito maior de configurações, exibe comentários sem necessidade de abrir outra página, e facilita a inserção de fotos.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf