Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 21 de novembro de 2010

Cidades Sustentáveis IV

Mobilidade urbana

     Mobilidade urbana é a capacidade das pessoas circularem pela cidade. Ela tem um custo para os cidadãos e para as municipalidades. Tema obrigatório para a copa do mundo de 2014, a necessidade de dotar nossas cidades sedes de uma adequada mobilidade urbana, trouxe à tona décadas de erros e atrasos nesta área.
     Na verdade nem são erros, mas resultados de políticas equivocadas que visaram favorecer a venda de automóveis, em detrimento da racionalidade, resultando no caos atual, onde ruas e avenidas são sempre ampliadas a um custo elevado, mas não conseguem dar conta do volume de veículos despejados nelas diariamente pelas montadoras, tornando o trânsito inviável.
     Em cidades feitas para o automóvel, como Brasília, esse custo para o cidadão é altíssimo. Praticamente cada filho de uma família de classe média que começa a trabalhar ou fazer faculdade precisa comprar um carro, já que os transportes públicos, feitos principalmente por ônibus movidos a diesel, são lentos caros e sub-dimensionados. No caso de Brasília o metrô existente é insuficiente, com sua única linha atendendo apenas a parte sul do DF. As composições tem apenas quatro vagões (e as estações acompanharam o tamanho das composições, criando um problema para expandir o sistema).
     Em São Paulo, com a maior malha de metrôs, as linhas estão sempre correndo atrás do problema. Não se constrói novas linhas para induzir o crescimento da cidade, mas para atender regiões já saturadas.
     Para se ter uma idéia, em nenhuma capital brasileira os metrôs atendem aos aeroportos (apenas a algumas rodoviárias) o que demonstra uma visão elitista do transportes de massa. Na cabeça dos nossos planejadores os aeroportos foram feitos para quem tem alta renda e só anda de táxi.
     Dois erros: o primeiro é que metrô não é apenas para pobres, mas para que todo cidadão se locomova rapidamente pela cidade. O segundo foi pensar que o transporte aéreo nunca se popularizaria no Brasil.
     Só para se ter uma idéia de como os aeroportos eram elitizados, nossa primeira seleção campeã do mundo, em 1958, teve que sair por um portão dos fundos do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao chegar da Suécia, porque não ficava bem jogadores de futebol passando por dentro do terminal.     
     Na emergência de ter que dotar de mobilidade urbana ao menos as cidades sedes da copa do mundo de 2014, há que se fazer escolhas rápidas.
     Hoje estão disponíveis os sistemas de metrôs, os corredores de ônibus (tradicionais ou articulados), os VLTs (veículos leves sobre trilhos- foto ao lado) e os VLPs (veículos leves sobre pneus).
         Os metrôs são mais caros (cerca de US$100 milhões por km) e geram maior transtorno para sua construção, mas quando subterrâneos tem a vantagem de não impactar a paisagem urbana. Os corredores de ônibus, já existentes em muitas cidades brasileiras, tem o inconveniente de usar veículos movidos a diesel, poluidores, provocando o estreitamento das vias existentes, que passam a ficar mais congestionadas. Seu custo também é alto (US$20 milhões por km). Se forem configurados como um sistema fechado, em que o passageiro paga apenas uma vez para ingressar e pode mudar de linha, chamam-se BRTs (Bus Rapid Transport). No Brasil o melhor e mais antigo exemplo é o de Curitiba. São Paulo construiu um BRT sobre via elevada, que é o Expresso Tiradentes, de custo alto e performance duvidosa.
     Os VLTs e os VLPs, exigem uma calha exclusiva, semelhante a dos corredores de ônibus, mas podem ter a calha suspensa. As calhas suspensas tem a vantagem de simplificar a intervenção urbana, diminuindo as desapropriações e o volume de obras (não há grandes escavações), e podem cruzar sobre avenidas existentes, parques, praças, rios e outros obstáculos.
      Brasília começou a construir um VLT ligando o aeroporto ao estádio e ao setor hoteleiro, mas a obra foi embargada pelo Tribunal de Contas e se tornou um esqueleto herdado do governo Arruda. O projeto, se fosse executado, implicaria na derrubada das árvores cinquentenárias da Av. W3, ao longo de 6 km. Só por isso já seria um absurdo.
O custo de um VLP suspenso, também conhecido como monotrilho, são relativamente menores que o do metrô (entre 37 e 50 milhões por Km). São Paulo se prepara para construir várias linhas suspensas de VLPs (ao lado).  
     Manaus está fazendo a licitação do seu primeiro transporte de massa, que será também um VLP, tipo monotrilho.
     O custo da passagem do VLP ou VLT varia entre a
passagem de ônibus e a de metrô, dependendo da sua capacidade de transportar mais ou menos passageiros. O metrô é mais caro mas transporta mais passageiros.
      Vários metrôs também tem trechos suspensos. Salvador está construindo um metrô cuja primeira etapa é quase toda sobre calha suspensa, mas pode se expandir com trechos subterrâneos. O que os diferencia é o tipo de trens. Metrôs tem aceleração e frenagem rápida e capacidade maior de transportar passageiros.
    A empresa canadense Bombardier, está propondo um VLT sobre calha suspensa, mais rápido e com maior capacidade, para São Paulo. Seria o primeiro desses sistemas a ser implantado no mundo.
          Todos esses sistemas podem e devem ser integrados a sistemas convencionais de trens e ônibus, configurando uma grande malha que atinja toda a cidade.
     O importante nessa corrida pela mobilidade urbana é que a mentalidade rodoviária seja suplantada pela do transporte coletivo de qualidade que funcione como uma restrição ao transporte individual, liberando os espaços públicos, hoje entulhados de carros, para os pedestres, os parques, as bicicletas e para a natureza.
     Perdem as montadoras, perde o modelo consumista, perdem os bancos que movimentam via crédito todo esse consumo, perdem os interesses imobiliários, mas ganha a racionalidade e a qualidade de vida.
     Mas tudo isso ainda são paliativos para mega-cidades que cresceram sem planejamento, ao sabor de interesses corporativos. O futuro estará em pequenas cidades planejadas, livres de automóveis, mais democráticas, funcionais e limpas.

Rapidinhas

Dia de Visita
     Atenção amantes do teatro e das artes plásticas: vai começar a mostra Dulcina de Teatro e Artes Plásticas, que ocorre duas vezes por ano, com trabalhos dos alunos da faculdade Dulcina de Moraes, em Brasília.
     Antes da estréia, porém, está em cartaz (último dia hoje, 21 de novembro às 20,00h.) um sucesso da penúltima mostra, agora em circuito comercial:  Dia de Visita, baseado em duas peças de Plínio Marcos que tratam sobre o sistema carcerário brasileiro: Barrela e Mancha Roxa.
     Encenado nos subterrâneos do Centro Comercial Conic, o público é tratado como se fosse uma turma que vai visitar um presídio, sendo recebido pelos "guardas" que os encaminham para as celas. Aí pode-se escolher entre as celas masculina e feminina, em corredores diferentes. Em frente às celas, pequenas arquibancadas para assistir aos espetáculos que se desenrolam atrás das grades. Ao final das encenações o público se dirige a outra cela e assiste ao outro espetáculo. Assim, as duas peças são encenadas duas vezes seguidas. Barrela (na cela masculina) é uma das primeiras peças escritas por Plínio Marcos e A Mancha Roxa (na feminina) a última.  
     Curiosamente as duas tratam do mesmo tema, o precário sistema carcerário brasileiro, embora o abordem sob foco diferente (violência sexual e DSTs nas prisões).
     Bom programa para nossos distraídos parlamentares que nunca se preocupam com o destino dos presos no Brasil. O espetáculo é chocante, na crueza do seu realismo, mas dá voz aos que nunca tem voz, especialidade do autor.
Dirigido por de Francis Wilker e Nei Cirqueira.
Produção; Cia Fábrica de Teatro/DF.




Um Terrível Equívoco


     Acabo de passar 6 anos e meio na selva colombiana junto com Ingrid Betencourt, lendo o impressionante relato do seu sequestro pelas Farc, a guerrilha colombiana, no livro Não há silêncio que não termine (Cia Das Letras, São Paulo - 2010).
     Venho sofrendo há dias com essa leitura pela qual eu ansiava desde que Ingrid fora solta. Já havia comprado um pequeno livro com a carta que ela escrevera à sua mãe desde o cativeiro, mas nada se compara a este tremendo panorama memorialista com que ela nos brinda, no seu excelente texto, para nos fazer cair na realidade da tragédia latino-americana.
     Minha primeira reação ao terminar de ler o livro foi me olhar no espelho e chorar envergonhado, me perguntando como pude apoiar as Farc, como pude ter simpatia por esse grupo capaz de cometer tantas desumanidades em nome de uma revolução que não faz mais sentido, embora sempre tenha me posicionado contra os sequestros?
     Que terrível equívoco! Agora entendo o silêncio dos cubanos, que há anos não apóiam mais esse movimento, que se desvirtuou para uma espécie de afirmação personalista de heróis do campo, sem ideologia maior que a própria grandeza que tentam construir.
     Pobres de nós, latino-americanos, espremidos entre o império norte-americano e nossas próprias incongruências absurdas.
     Nós brasileiros, que lutamos tanto pela democracia não podemos apoiar um movimento que se dá o direito de escolher indiscriminadamente pessoas que vai retirar da vida civil, inclusive crianças e idosos, submetendo-os à um submundo, uma vida de cão, que consiste em ser arrastados pela selva acorrentados pelo pescoço, sem nenhuma dignidade, para serem usados como moeda de troca.
     Nada justifica o que eles fazem, nem mesmo a indiferença da burguesia colombiana em relação à miséria do seu povo, principalmente nas áreas rurais, nem o horror dos paramiliatres e da corrupção, num país em que o tráfico de coca corrompeu até os revolucionários.
     Está na hora da Colômbia ter um governo democrático de esquerda que distribua suas riquezas e encerre de vez essa guerra absurda.
     Pensei que Ingrid fosse ser candidata a presidente da Colômbia nas últimas eleições. Mas como poderia voltar à vida pública sem antes tirar dos seus ombros essa imensa carga de sofrimento? É isso que ela acaba de fazer através do seu depoimento.
     É muito impressionante, não apenas pela descrição detalhada dos fatos, das experiências vividas, da maneira como as Farc se organizam, dos flagelos inflingidos aos prisioneiros, mas pelo olhar humano que soube descobrir as belezas ocultas, revelar as sombras, levantar os véus do que se passava em cada ser humano envolvido nessa trama terrível.
     Liberta pelas suas palavras, quem sabe Ingrid possa dar um jeito naquele país, que ninguém melhor do que ela conhece agora. Não deixem de ler.

Reencontro


     Convidado por Regina Reis, participei sábado, dia 20, do jantar de confraternização da turma de 1985, da faculdade Dulcina de Teatro, onde fui professor em 1984. Fiquei emocionado com a lembrança e a amizade dela e também com os reencontros calorosos no restaurante Le Jardim, no Clube de Golfe.       
     Muito bom ver os talentos que nasceram ali e floresceram, vindos agora de todo o Brasil, se reencontrando e traçando planos para o futuro. A Dulcina continua sendo a alma do teatro braziliense. Antes fomos assistir à peça Última Cena para Lorca, concepção e direção de André Amaro, no teatro Caleidoscópio.  Belíssimo espetáculo, de um rigor impressionante, tanto nas atuações quanto na parte musical, passando ao público toda a energia e a musicalidade do povo espanhol. Lindo!
No domingo mais reencontros num almoço no Beirute.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza