Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 2 de setembro de 2012

 
 
O Paiz
 
 
Privatizações x Concessões
 
     O governo Dilma vem lançando uma série de pacotes de concessões, como forma de relançar a economia, atingida pela crise dos países ricos. Primeiro foram alguns aeroportos, que precisavam ser redimensionados para receber os turistas da Copa de 2014 e para aguentar o aumento do tráfego interno de passageiros, que vem crescendo rapidamente.
     Depois seguiu-se uma nova rodada de concessões, envolvendo ferrovias, rodovias, portos e mais aeroportos, todas baseadas na lei de parcerias público-privadas (PPPs), aprovada durante o governo Lula.
     O PSDB apressou-se em dizer que o PT havia se rendido às privatizações, mas foi logo rebatido pelos petistas e pelo governo, que alegam que conceder não é privatizar, já que a propriedade permanece sendo pública, apenas sendo dada uma concessão de uso por tempo limitado, para suprir a falta de recursos para investir na infraestrutura, que o Brasil precisa modernizar urgentemente.
     Esta semana recebi da minha amiga Lilian Brower Gomes, uma análise sobre as concessões feitas pelo governo francês, ela que mora na França há tanto tempo, criticando este modelo, críticas que reproduzo abaixo:
     Aqui na França o resultado desse sistema de concessões é uma verdadeira catástofre que retira integralmente do Estado qualquer tipo de lucro, o torna dependente do dinheiro privado para a prestação de serviços ao público. Sem falar do roubo do dinheiro da população pois toda essa parte do financiamento à esfera privada vem do dinheiro público. A Sonia Rabelo mostrou isso muito bem com a história da concessão à General Motors de uma parte até agora preservada do Rio de Janeiro. Em geral aqui na França o Estado constrói as pontes e as rodovias com o dinheiro do contribuinte e depois faz as concessões para as empresas privadas que oferecem empregos precários com péssimas condições de trabalho. No caso da inglaterra deixaram a infra estrutura ferroviária se deteriorar até que o Estado fosse obrigado a retomar as rédeas, reinvestir para poder garantir um mínimo de serviço de transportes ao público....para depois fazer uma nova concessão. A empresa de trens da França era realmente ótima. Trens que respeitavam os horários, limpos, empregos sólidos. A parte do frete permitia arcar com a falta de rentabilidade do transporte de passageiros e garantir um serviço público de transportes de qualidade. Com os acordos da OMC o Estado foi obrigado a privatizar a parte de frete ferroviario, a dar em concessão sua infraestrutura feita com dinheiro público para empresas privadas que só exploram os trajetos rentáveis. Quem vai garantir os trajetos necessários ? Com que dinheiro ?
     Esse debate entre público e privado já vem de um tempo, desde o desmonte das economias estatais do bloco socialista, na década de 1990, e embora o modelo neoliberal esteja numa crise profunda, os principais países capitalistas e os agentes financeiros internacionais controlados por eles, como o FMI, o Banco Mundial e a própria Organização Mundial do Comércio, citada por Lilian, continuam a exigir que os governos implementem essas reformas privatizantes, para que recebam aportes financeiros.
     Qual é a lógica de tudo isso? Já não vivemos mais uma disputa ideológica entre capitalismo e socialismo, como no tempo da guerra fria, mas a essência desses dois sistemas parece subsistir nas disputas travadas entre as políticas econômicas implementadas pelo bloco dos países capitalistas, até pouco tempo chamado de centrais, (Estados Unidos, União Européia e Japão) e os países agora chamados de emergentes, dentre eles os chamados BRICS (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul).
     A diferença entre as políticas está no controle das políticas públicas, que no caso da Europa, EUA e Japão, permanece nas mãos do mundo corporativo (o grande capital), que decide os destinos da economia, como um governo invisível, enquanto nos emergentes está nas mãos do Estado. Então não se trata mais de privatizar ou estatizar, mas de impor à sociedade uma lógica que privilegia os interesses das grandes corporações ou sujeitar os interesses dessas corporações aos interesses do Estado, que teoricamente representa suas populações, ou seja, a cidadania dos seus países.
     No Brasil, as privatizações promovidas pelo PSDB foram realmente alienações do patrimônio público, objetivando entregar ao mundo corporativo, ou ao que eles gostam de chamar de mercado, a lógica que moldaria a própria sociedade. As concessões feitas pelo PT, parecem se pautar pelo modelo do capialismo controlado pelo Estado, ou seja, usa-se o dinheiro das corporações mas mantém-se a lógica que regula a sociedade nas mãos da cidadania.
     É claro que esse segundo modelo tem seus riscos, como bem define o comentário da minha amiga Lilian, pois a lógica pode acabar se invertendo, na medida em que o Estado comece a depender desses capitais para sobreviver, ou até para financiar certas campanhas eleitorais.
     É realmente o caso de se abrir esta discussão, para que ela se torne mais clara para o grande público.
 
 
Rapidinhas
 
E agora PT?
 
 
     Uma norma geral, para todos os partidos, é expulsar os membros flagrados em atos de corrupção.
     Todos tem feito isso, desde a direita mais sórdida à esquerda mais infantilóide. A excessão tem sido o PT. Desde o início das denúncias sobre o mensalão, ninguém foi expulso do partido, nem mesmo o ex-deputado José Dirceu, o comissário,(como é chamado pelo jornalista Elio Gaspari, se referindo aos antigos comissários políticos dos tempos das ditaduras stalinistas européias), acusado de ser o chefe da quadrilha.
     Esse tempo todo o partido vem batendo na tecla de que não existiu nenhum mensalão, que tudo foi invenção da imprensa.
     Bem, agora já temos gente condenada pelo Supremo Tribunal Federal: João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. E agora, vão dizer que tudo foi invenção do STF? Não vão expulsar o dito cujo do partido?
 
 Nas asas da Embraer
 
     Esta semana fiz um ótimo voo num jato Embraer 195, da Azul Linhas Aéreas, entre Salvador e Fortaleza. Durante a a viagem, enquanto assistia ao entretenimento no pequeno monitor individual da minha poltrona, fiquei pensando:
     _Quem diria há alguns anos atrás, que o Brasil seria capaz de projetar e construir um avião como este, com a mais alta tecnologia embarcada?
     Os aviões da Embraer, pra quem não sabe, não tem aquela horrível poltrona do meio. São apenas dois assentos de cada lado. Muito conforto e espaço para as pernas.
     Mas quando se trata de automóveis, até hoje não fomos capazes de produzir uma marca própria. As fábricas instaladas no Brasil são todas estrangeiras e fabricam carros ao gosto do público dos seus países.
     Até a propaganda reforça isso, como se fossemos incapazes de fabricar um automóvel nosso. A Volkswagen faz questão de dizer que é alemã. Das auto (o carro), diz, nos seus anúncios. A Citroen também faz questão de dizer que é francesa, com seu slogan criative technologie (tecnologia criativa). E ainda tem aquele anúncio da mulher que congelou o marido até poder comprar um carro japones. Que absurdo! Onde estão nossos valorosos empresários que não são capazes de lançar uma marca brasileira?
     Até os chineses estão invadindo nosso mercado, eles que há alguns anos atrás só fabricavam uns carrinhos desengonçados.
     A Gurgel era nossa única marca, que já fabricava carros elétricos há muitos anos, mas faliu.
     Se somos capazes de fabricar um jato como aquele, podemos muito bem fabricar carros que atendam as nossas necessidades.
     Talvez esteja faltando uma política de incentivo à criação de marcas brasileiras.
 Declaração de voto
 
 
     Não tenho obrigação nenhuma de declarar meu voto, que é secreto, mas em se tratando da luta que se trava em Rio de Contas para libertar aquele município do jugo de uma turma muito negativa que tomou conta do poder há muitos anos, acho que é meu dever fazê-lo aqui, neste espaço semanal em que publico minhas opiniões.
     Não há dúvida que vou votar 12, em Cristiano para prefeito, já que ele representa a mudança, com seu vice do PT, permitindo que um grande arco de forças se forme para resgatar Rio de Contas das mãos dos aventureiros.
     Faltava me decidir pelo voto de vereador. Eu pretendia votar em Magdalena, vereadora atual do PSB que muito tem feito pela região dos gerais, onde tenho meu sítio. Mas em recente visita à cidade fiquei sabendo que manobras políticas do nefasto grupo do atual prefeito a impediram de se lançar a reeleição.
     Nesse caso minha decisão é votar em Angela Guedes. Não apenas porque seja minha amiga, pois temos também nossas diferenças, mas porque é uma pessoa de briga, uma pessoa sem papas na língua, capaz de enfrentar os desmandos dessa gente que está lá e que ainda deve eleger alguns vereadores.
     Precisamos de gente como Angela Guedes na Câmara Municipal, se quisermos mudar o município e meu voto é dela.


Poesia da Semana
 

"Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas não se dizem violentas as margens que o oprimem." (Bertold Brecht)


 Ainda a África

 
Tráfico e preconceito
 
     Os três capítulos finais do livro A Manilha e o Libambo, de Alberto da Costa e Silva, dizem respeito especificamente à vida política e econômica da África Atlântica, entre os séculos XVI e XVIII e à formação do conceito racista que passou a associar escravo com negro.
     Não vou resenhar aqui as extensas descrições da vida africana naquela época, mas apenas assinalar que a multiplicidade de pequenos estados e reinos que surgiam e desapareciam, ao sabor das inúmeras guerras, resultantes das tentativas de muitos deles em se assenhorar das rotas comerciais e submeter outros estados à sua servidão, guerras estas que produziam os prisioneiros que se transformavam em escravos enviados para fora da África subsaariana, pelo oceano ou pelo deserto, todo este processo era resultado da existência de excedentes produtivos, que permitiam a formação de elites econômicas, ou seja classes sociais que acumulavam riquezas e se lançavam à guerra com intuito de aumentar seu poder e suas riquezas às custas dos seus povos e de povos vizinhos.
     O estágio civilizatório da África atlântica, pulverizada em centenas de micro-estados que viviam em guerra constante, sem que nenhum deles consolidasse um poder real e duradouro sobre um território específico, foi o motor do intenso despovoamento vivido pelo continente naquela época, já que aos reinos vencedores das pequenas guerras, parecia urgente se livrar dos inimigos aprisionados, mandando-os para o mais longe possível e lucrando com isso.
     Aos árabes e europeus que compravam escravos, ou os capturavam em várias partes do mundo para movimentar suas economias movidas pelo braço dos cativos, passou a ser cada vez mais fácil fazê-lo na África, onde a oferta era sempre grande.
     "As regiões balcânicas e à volta do mar negro, até então a maior fonte de escravaria para a Europa e o mundo islâmico, tinham sido fechadas aos europeus pelos otomanos, na metade do Quatrocentos." (pg. 851)
     A diferença racial fez com que os negros começassem a ser identificados com o escravo, já que este precisava forçosamente ser uma pessoa etnicamente diferente, para que fosse possível construir uma "justificativa", aceitável para os escravizadores.
     "O que fora o habitual na Roma antiga e na Idade Média européia e sucedera algumas vezes na África tornar-se-ia impensável nas Américas: alguém ter um escravo branco." (pg. 859)
     Apesar dessa situação, os europeus não tinham nenhum domínio sobre os territórios africanos, e viviam reclusos nos 32 fortes que ao final do século XVIII tinham construído na costa atlântica. Só conseguiam penetrar no interior, pagando tributos e fazendo acordos com os reis locais, situação que permaneceria até o final do século XIX, quando se deu realmente a partilha da África entre as nações européias.
     Então temos aqui dois fenômenos:
     O primeiro é a produção de riqueza acumulada pelos excedentes produzidos por uma economia em estágio pré-mercantilista, que enriquecia e empoderava elites locais, que se voltavam à guerra como forma de aumentar poder e riquezas, produzindo um enorme contingente de prisioneiros, que também passava a ser fonte de lucros.
     O segundo é a identificação étnica do negro com o escravo, à partir do século XV, por europeus e árabes, devido a abundância de oferta na África e do fechamento dos mercados tradicionais de escravos nos balcãs e no mar negro.
     É claro que o preconceito racial que vivenciamos hoje tem sua origem nesta identificação entre negro e escravo. É por isto também que a maioria dos brasileiros não se sente indignada ao ver os negros em situação de pobreza ou miséria, panorama tristemente comum no nosso país, mas muitos se opõem a programa compensatórios como o das cotas nas universidades, por achar estranho ver negros doutores, ou por achar que estamos lhes dando algum privilégio ao tentar compensar os descendentes das vítimas da escravidão, até hoje reduzidos à pobreza pela falta de oportunidades ou pelo próprio preconceito.
    
     Nos próximas edições deste blog, pretendo seguir escrevendo sobre a África, à partir de outro livro de Alberto da Costa e Silva intitulado Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África, este bem menor do que o primeiro, do qual espero ter dado conta satisfatóriamente.