Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 19 de dezembro de 2010

Rapidinhas


Presentimentos

     Não adianta. Já tentei ser otimista, falar de coisas boas, acreditar que o mundo vai melhorar, mas não consigo me livrar de um pressentimento ruim sobre 2011. Também já pensei muito sobre isso, tentando entender o porquê. Não se trata de nada pessoal nem familiar, é sobre o mundo mesmo e sobre o Brasil também.
     Será que só eu estou vendo que os governantes estão agindo de forma descoordenada de qualquer ideal, agindo em função de interesses imediatistas e mesquinhos? Vejam o governo Dilma, com todo respeito, mas dá a impressão de que esse ministério que está sendo formado exclusivamente sobre acordos políticos que não levam em conta o interesse da nação, mas apenas interesses particulares. Vejam os Estados Unidos, onde Obama mantém uma política externa contrária a tudo que prometeu, à serviço dos interesses das suas multinacionais enquanto a oposição se comporta irresponsavelmente, na base do quanto pior melhor. E a Europa? Governos conservadores destróem a economia, com suas políticas neoliberais e depois quem paga a conta são os trabalhadores, com cortes dos programas sociais. Na Itália um fanfarrão consegue se manter no poder corrompendo o parlamento, na Suécia um governo de direita, à serviço dos Estados Unidos, tenta calar o fundador do Wikileaks, contrariando os princípios da liberdade de expresão.
      Na Coréia do Sul, não cessam as manobras militares provocativas, determinadas por Hillary Clinton, outra irresponsável. Israel faz o que quer e se prepara para atacar o Irã, que corre para fazer sua bomba atômica enquanto apedreja mulheres.
     Não sei não, mas houve época em que haviam ideais. Hoje parece que a pequenez tomou conta dos governantes. Disso tudo não pode sair coisa boa.

Relatório macabro

     E por falar em irresponsabilidade, desde 1999, quando a OTAN interviu na ex-Iugoslávia para acabar com a tentativa de Milosevic de impedir que a província de Kosovo se separasse do país, já existiam muitas denúncias de que os combatentes kosovares eram criminosos, encobertos pelas forças do ocidente para ajudar a dividir o último país socialista da Europa.
     Milosevic foi levado a julgamento numa corte internacional e morreu misteriosamente na prisão (seu filho denuncia que foi assassinado) enquanto em abril de 2007, um ex-presidente finlandês, Marti Ahtisaari, enviado especial do Secretário Geral das Nações Unidas, com apoio de George W. Bush, aceitou irresponsavelmente a independência de Kosovo, reconhecida por pouquíssimos países, para jogar uma pá de cal sobre um povo que soube resisitir sozinho ao nazismo na segunda guerra mundial e foi o único que derrotou as tropas alemães sem a ajuda de ninguém.
     Agora, 10 anos depois, quando as primeiras eleições do novo "país" acontecem, surge o relatório da União Européia, do ex-magistrado suíço e atual parlamentar do Conselho da Europa Dick Marty, apontando o vencedor das eleições e líder dos kosovares, Hashim Thaci, como um criminoso que "engordava" prisioneiros em campos de concentração clandestinos, para depois assassiná-los e vender seus órgãos. Tudo isso sob o olhar complacente das forças da OTAN.
     O relatório está no site do jornal espanhol El País para quem quiser ler. Vejam abaixo:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2010/12/17/relatorio-macabro-detalha-trafico-de-orgaos-em-kosovo.jhtm

Orfandade

     Enquanto isso na aldeia, mais irresponsabilidade.
     O prefeito Márcio Farias, de Rio de Contas, ganhava R$12.000, descobriram agora (mais do que o presidente Lula), para administrar um município de 13.000 habitantes.
     Ele apoiou Geddel Vieira nas últimas eleições, que além de não ser eleito, perdeu qualquer poder político e levou o PMDB estadual a uma situação de quase desaparecimento.
     Agora Márcio está órfão politicamente, sem trânsito junto aos governos estadual e federal. Seu principal assessor político, João Souto, é sobrinho de Paulo Souto, ex-governador da Bahia, ligado ao grupo de Antonio Carlos Magalhães, o falecido oligarca que governou a Bahia com mão de ferro por décadas.
     Ambos, órfãos politicamente, tentam se manter no poder usando métodos arcaicos de perseguição e intimidação contra os adversários. Não aprenderam a lição de Lula de abraçar os desafetos e trazê-los para o seu lado. O resultado é um aumento dos ressentimentos, tanto da oposição que cresce cada vez mais, quanto do próprio governo que se sente perdido e não sabe como agir, a não ser perseguindo mais e mais a população, que já dá mostras de revolta e indignação.
     E dizer que este governo se iniciou sob o signo da esperança na renovação.

Histórias de outras vidas (34)

Duendes na estrada


     Pois é, amigos leitores, agora que vamos chegando no Natal, de repente me deu uma saudade enorme do meu pai, falecido em 2007.
     Foi no primeiro aniversário de Cecília, minha neta mais jovem, que me dei conta de como ele gostaria de te-la conhecido.
     É interessante como as pessoas nos fazem falta. Nunca fomos muito amigos, tivemos sempre muitas diferenças, mas após a sua morte, parece que todas elas desapareceram e só me lembro das coisas boas, dos bons momentos que vivemos juntos.
     Meu pai era um viajante por natureza. Desde que nos mudamos para Brasília, em setembro de 1960, não paramos mais de viajar, quase sempre de carro. Rodamos o Brasil todo e ele, junto com minha mãe, chegaram a se aventurar pela América do Sul, indo à Argentina (eu fui junto) em 1964, num Aero-willys, indo ao Paraguai de Fusca, em 1969 e indo ao Chile me visitar, quando eu morava lá, em 1973, num Opala 1969.
     Algumas dessas viagens pelo Brasil foram memoráveis, como a viagem à Bahia, em 1963, quando inauguraram a Rio-Bahia, ou a Belém do Pará, em 1966. num outro Fusca, fazendo 2.200 Km por uma Belém-Brasília ainda de terra. Nessas duas fomos, eu, ele e meu irmão.
     Mas além dessas epopéias pelo Brasil, ele fazia sempre uma pequena viagem para Corumbá de Goiás, onde tinha um loteamento. Acho que herdei sua tendência a mexer com terras, pois parece que elas correm para minha mão, mesmo que eu não queira.
     Corumbá é uma cidade histórica de Goiás,  tombada pelo Iphan, e que na época se resumia ao centro histórico. Hoje está cercada por bairros que não tem nada a ver com a arquitetura colonial formando uma outra cidade, estranha, feia e descaracterizada.
     Mas na década de 1960 ele ia muito à Corumbá, por uma estrada de terra que entrava em Alexânia, passava em Olhos D'água, um pequeno povoado que ainda não havia sido descoberto pelos hippies e onde velhas senhoras papudas (de bócio, uma doença causada pela falta de sal) nos olhavam pelas janelas. Depois seguíamos pela beira de riachos e matas lindas, onde às vezes parávamos para beber água e apreciar a paisagem.
     Nem minha mãe, nem meu irmão gostavam de ir com ele, então eu era o seu companheiro naquelas viagens de fim de semana.
     Seu carro na época era uma Kombi, daquelas que tinham uma janelinha pequena atrás, cinza e branca, com um enorme escudo da Volkswagen na frente. Tinha vidro duplo, o do motorista e o do passageiro.
     Não havia cinto de segurança e eu viajava na frente com ele, pelo meio daquelas estradinhas deliciosas.
     Mas foi no aniversário de minha neta que me veio à mente, não sei porque, uma imagem curiosa de uma daquelas viagens.
     No meio de uma pequena serra, entre árvores muito altas, de manhã cedo, quando íamos para Corumbá, duas pequenas figuras atravessaram correndo na nossa frente. Era um casal de velhos, talvez com 60 ou 70 anos, medindo no máximo 1,50m, que atravessaram com uma agilidade incomum para a idade que aparentavam. Não olharam para nós, nem nos saudaram, como era costume naquelas bandas, mas se meteram pra dentro de uns matos na beira da estrada, como se tivessem sido surpreendidos e não quisessem ser vistos.
     Meu pai viu aquilo e disse:
     _Que tipos estranhos!
     Eu, na ingenuidade dos meus 10 ou 11 anos, não entendi e perguntei porque ele os achara estranhos, já que todo povo daquela região sempre me parecia muito estranho. Sim, vocês não tem idéia do êrmo que era Goiás ao ser construída a nova capital no Planalto Central, e quanta gente vivia isolada por ali.
     Mas ele me respondeu uma coisa que me surpreendeu e que eu nunca esqueci:
     _Parecem duendes.
     Bem, eu não tinha a menor idéia do que fossem duendes e ele não quis mais falar no assunto, já que era agnóstico e não gostava de nada que tivesse a ver com religião ou superstições.
     Anos depois tentei falar com ele sobre o assunto mas ele desconversou.
     Hoje não sei se tivemos a oportunidade de ver duendes de verdade, numa região que ainda estava intocada pelo "progresso", ou se eram apenas pessoas baixinhas e arredias, que viviam isoladas e não gostavam do contato com aqueles forasteiros que começavam a se aventurar pelos seus domínios.
     Nunca saberei, mas naquele dia pude sentir um pouco da magia que existe nas matas e que inspiraram tantas histórias fantásticas no interior desse Brasil imenso.
     Foi muito bom me lembrar dele e desta história no primeiro aniversário de minha neta. Talvez um recado de que a presença dele não depende de um corpo físico e que juntos vivemos coisas que durarão para sempre na memória. Talvez também um recado de que o amor dos nossos próximos é o que dá sentido às nossas vidas e de que há coisas que a razão não explica.
     Boa segunda-feira e feliz Natal à todos.

     Ricardo Stumpf Alves de Souza