Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 19 de setembro de 2010

Histórias de outras vidas (29)

Viagem A Cuba

     O ano era 1997, quando eu e meu amigo Zé Mário resolvemos ir à Cuba.
     Morávamos em Ilhéus e estávamos filiados ao PCB, Partido Comunista Brasileiro, e a curiosidade por saber o que ocorria por lá após a queda da União Soviética era enorme.
     Me lembro que conseguimos um bom financiamento, com a mesma agência de viagens que tinha me levado à Turquia no ano anterior. Dólar a R$1,00, era uma oportunidade única. Vendemos algumas coisas e compramos um pacote em 10 vezes, para assisitr um congresso, nem me lembro do que, mas tinha alguma coisa a ver com arquitetura, cidades, algo assim.
     Faltou pagar a taxa de inscrição do tal congresso, que na verdade era só desculpa pra ir. A agência de viagem ficou de ver o preço da inscrição mas não conseguiu (naquela época a internet estava apenas começando) e nos disse que não nos preocupássemos, pois devia ser baratinho.
     Nosso pacote incluía seis noites no Hotel Presidente, em Havana, passagens e translados. Precisávamos levar dinheiro só pra gastar por lá. Juntamos 400 dólares e fomos.
    Fomos para o Rio de carro, pois não tinha com quem deixar meus dois filhos pequenos. Uma amiga do Rio, me salvou, ficando com os dois durante uma semana.
     O voo na Cubana de Aviación foi noturno e durou oito horas e meia. Chegamos em Havana de manhãzinha.
     Na chegada, muita emoção em pisar o solo cubano, e logo estávamos em um ônibus de turismo em direção ao nosso hotel. Pelas rua estranhei uma mulheres pelas esquinas, em colants coloridos, sobre saltos plataformas, aparentemente esperando alguém. Uma aqui outra lá, de manhã cedo?
     Mostrei pra Zé Mário e ele disse que deveriam ser as companheiras esperando pra ir trabalhar.
     Pensei comigo: será?
     O Hotel presidente era bem antigo e se orgulhava de ter hospedado Nat King Cole, o cantor negro americano, famoso nos anos 50. Puxa, eu adorava esse cara. Foi bom saber que ele esteve ali e também interessante perceber a ligação forte que havia entre Cuba e os Estados Unidos no passado.
     Logo que nos instalamos, resolvemos ir ao tal congresso, nos inscrevermos. Pegamos um taxi para o centro de convenções e chegando lá soubemos que nossas inscrições custavam 400 dólares, ou seja, todo o dinheiro que tínhamos.
     Fiquei super chateado com a agência de viagens, por nos fazer pagar um mico desses. Disse ao funcionário que estava fazendo as inscrições que então não íamos poder participar e em lugar disso faríamos turismo na Ilha. Ele ficou furioso e nos botou pra fora do centro. Disse que não poderíamos passar dali e nos fez sair por onde entramos. Zé Mário queria brigar mas achei melhor não arranjar confusão e voltamos para o Hotel.
     Depois disso ficamos meio cismados. Aí começamos a caminhar por Havana. Primeiro pelo Malecon, que é uma avenida à beira mar, bem no centro da cidade. Tudo meio abandonadinho, assim, meio decadente. Na ponta do Malecon chegamos à Havana Velha, o centro histórico.
     Parece o centro velho do Rio: Praça Tiradentes. É lá que ficam aqueles táxis antigões, que são uma atração turística à parte. Dizem que os mecânicos cubanos são os melhores do mundo, por manter carros de 50 e 60 anos rodando. Mas são bonitos. Velhos chevrolet e buick, coloridos. Andamos num, não me lembro a marca. Acho que era um Nash ou Dodge dos anos 50. Um barato.
     Na época estava passando a novela brasileira A Próxima Vítima e o pessoal do taxi (o motorista e uma auxiliar, que parecia ser sua esposa) só queria saber quem era o assassino da trama. Uma fissura!
     Os primeiros dias tudo nos pareceu muito estranho, em Cuba. Praticamente não havia comércio. Quisemos fazer um lanche na rua e entramos em algo que parecia um bar. Tinha mesas e balcão e duas atendentes. O balcão de madeira e vidro, meio empoeirado, tinha uns salgados e doces que pareciam estar ali há meses.  Não havia café, nem bebidas, nem refrigerantes, nada. As moças conversavam no balcão com cara de fastio.
     Quisemos comprar filmes para máquina de retrato (que ainda não era digital) e nos informaram que só nos hotéis. Fomos a um e descobrimos que as lojas eram só para turistas e tudo era em dólar.
     A relação entre o dólar e o peso cubano era absurda. Um dólar para eles valia uma fortuna no câmbio paralelo. Oficialmente um dólar valia um peso. Então se íamos ao cinema (e fomos assistir um filme cubano muito bom no cine-teatro karl Marx), pagava-se, por exemplo (não me lembro), dois pesos ou dois dólares, mas se trocássemos os dólares na rua conseguíamos mais de 100 pesos por dólar. Uma loucura.
     Na rua, quando viam que éramos estrangeiros, vinham puxar conversa e em seguida vinha o pedido: me puedes dar un dólar? Era um negócio chato e desanimador. Quando pensávamos que tínhamos feito uma amizade, vinha sempre o pedido.
     Andamos por toda Havana, até ficar com bolhas nos pés. Descobrimos um bar que vendia cerveja em lata (muito boa) e ficávamos sentados lá, no Malecón, no final da tarde vendo o mar.
     Pegamos uma excursão a Varadero e passamos um dia na praia. Foi muito interessante. Barraca de praia, com uma proprietária negona que era a cara da Bahia, tomando cerveja e comendo umas coisas que ela vendia. Com direito a um aviso com cara de bronca, do agente de turismo, de que aquela comida era particular e portanto não tinha garantia do governo. Engraçado.
     Lá vimos uma cena muito desagradável: uma negra sendo expulsa da praia por guardas. Depois soubemos que era uma prostituta e que eles não deixavam que elas se aproximasse dos turistas que estavam nas excursões "oficiais", como a nossa. Aliás, depois de alguns dias constatamos que as mulheres de colant pelas esquinas eram prostitutas mesmo. E como havia!
     Num desses passeios por havana conhecemos duas cubanas, professoras, morenas muito bonitas. Elas nos levaram para conhecer a  Bodeguita, bar famoso onde as pessoas escrevem seus nomes na parede. Pedimos uma bebida tradicional deles (se não me engano era um mojito), mas fiquei chocado com o preço. Parece que La Bodeguita é ótima para uma certa classe média que vai lá curtir o socialismo como férias. Por causa disso achamos que era uma dessas armadilhas comerciais a que estamos tão acostumados por aqui e não quisemos escrever nossos nomes naquelas paredes. Ao contrário da sorveteria Copélia, que fica no meio de uma praça e está sempre lotada de cubanos. Que delícia de sorvetes! Parecem os da Ribeira, em Salvador.
     No segundo dia em que saímos com as cubanas, elas nos disseram que estávamos sendo seguidos. Ficamos intrigados. Seria porque não quisemos participar do Congresso? Bom, naquela época houve uns atentados à bomba em Cuba, provocados por estrangeiros, terroristas financiados pelos Estados Unidos, infiltrados entre os turistas. Mas a sensação foi muito desagradável.
     Uma noite, quando íamos entrando no hotel um homem pediu a Zé Mário que mostrasse la tarjeta. Essa história de tarjeta era um saco. Era um cartãozinho que eles davam, uma espécie de identidade provisória para os turistas. Em todo lugar que a gente ia tinha que ficar mostrando aquilo. Mas desta vez foi pior, porque o tal sujeito, com cara de meganha, pediu a tal tarjeta só para o meu amigo, já na porta do elevador, quando já havíamos passado na recepção e pegado a chave do apartamento. Zé Mário, como bom baiano, se retou e começou a falar alto com o cara. Perguntou se era porque ele era negro. Aí o cara baixou a bola, pediu desculpas e disse que era para nossa própria segurança, etc e tal. Depois ficamos achando que ele tinha pensado que meu amigo fosse cubano, pois eles eram proibidos de entrar nos hotéis.
     Ruim, né?
     Outro dia resolvemos ir à Playa del Este, a praia mais popular de Cuba. Alugamos um taxi particular, um Lada soviético em estado razoável e fomos. Ali sim pudemos conviver com o povo cubano, sem o risco de ver gente ser expulsa da praia. O mar em Cuba é lindo, de um azul claro transparente. Pode-se ver o fundo em qualquer lugar.Lá conhecemos uns rapazes que nos convidaram para ir a uma boite gay.
     Imagine, boite gay em Cuba!
     Topamos e na hora marcada passaram para nos pegar de carro. Fomos por umas ruas meio escuras, pegamos outra pessoa no caminho, descemos e entramos pelo corredor lateral de um edifício até chegar na boite: cheia de turistas.
     Muito interessante. Era um show daqueles de rapazes montados, ou seja, vestidos de mulher, cantando aquelas músicas melodramáticas que os cubanos adoram. Uma espécie de Drag Queen apresentava os números e fazia gracinhas com os espectadores, perguntando de que país eram e fazendo piadas. Quando chegou a nossa vez ela nos disse:
     _Brasil? Que pasa en la novela?
     Uma mulher vestida de macacão, muito masculinizada se levantou e pediu algo para ela (creio que uma música), mas antes que pudesse terminar de falar a Drag engraçada disse:
     _Habla companheiro! Referindo-se ao aspecto de operário revolucionário da mulher.
     Foi bem engraçado e estranho ver essas duas culturas misturadas, a revolucionária e a gay.
     Numa mesa próxima, dois casais que pareciam cubanos faziam uma bonita figura. Os homens negros, altos e fortes, com calças jeans e camisas de brim. As mulheres muito bonitas, com cabelos meio Black, saias coloridas e muitos colares. Pensei, devem ser a classe média cubana. Na hora da dança, surpresa! Os dois homens dançaram um com o outro, e as mulheres idem. Todos muito carinhosos e apaixonados.
     Nossos almoços eram sempre iguais: sanduíches de bife com Coca-Cola (fabricada no México). Era a coisa mais barata que tinham no hotel e que alimentava alguma coisa. Comíamos bastante no café e economizávamos na comida, pra tomar cervejinha no Malecon.
     Uma das últimas noites saímos a caminhar até uma praça onde havia muita gente conversando. Compramos uma garrafa de rum (ótimo) e fomos pra rua beber, como fazem os cubanos. Uma mulher que estava com um grupo puxou conversa. Falou muito sobre a vida na ilha até que nos identificamos como sendo do partido Comunista Brtasileiro. Imediatamente a conversa mudou de rumo. Ela passou a falar também da novela. Ficou com medo da gente. Aí tivemos a noção exata da falta de democracia na Ilha.
     Aquilo não é socialismo. Muita pobreza, muita gente desdentada, enquanto uma burocracia se beneficia de alguns privilégios (não muitos). Depois de tantos anos não conseguiram construir nada além daquilo?
     Outra coisa, tem gente e produtos do mundo inteiro por lá (os taxis estatais eram renault, novinhos). Então onde está o bloqueio? Só os Estados Unidos bloqueiam a ilha, mas parece que Fidel e a turma que está no poder por lá usam isso para manter os cubanos unidos. Realmente eles tem uma bronca histórica dos americanos, desde o tempo das lutas pela independência, quando os americanos esperaram os cubanos vencerem os espanhóis para então invadir a ilha pretendo transformar Cuba numa colônia deles.
     Saímos chateados de Cuba, com uma decepção muito grande com o regime político.
     Mas o povo é muito vivo, inteligente e simpático. A Ilha é linda e o mar é fantástico. Tenho muita fé que Cuba se reintegrará à comunidade latino-americana, deixando em segundo plano suas diferenças com os norte-americanos (as mesmas que nós também temos) e construirá uma economia justa e solidária, como eles sempre quiseram, ancorada numa democracia forte e verdadeira como os cubanos merecem.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza


  
    



    

2 comentários:

GLORIA CRUZ CONCHA R. - DOÑA JAVIERA LUNA disse...

Em resumen: Discúlpame pero, sacando las dos profesoras que los llevaron a La Bodeguita, y los pobres cubanos, el resto era una ...m.

Anônimo disse...

MI cocodrilo verde
Carcajada mulata
Canción de serenata
Embrujo de maraca y bongó

Mi cocodrilo verde
En tu palmar se perde
La clásica leyenda
De yemanyá y Changó

Mi cocodrilo vede
Son tus mares de espuma
Tu majestuosa luna
Y tu sol tropical

Mi cocodrilo verde
Terroncito de azúcar
Las gaviotas anidan
En tu litoral