Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 28 de novembro de 2010

Rapidinhas

Hillary, a guerreira

     A política externa dos Estados Unidos continua nas mãos irresponsáveis de Hillary Clinton, que usa e abusa do seu poder para criar tensões pelo mundo afora, na tentativa de preservar a hegemonia do decadente império americano.
     Ao contrário da nova era de paz prometida por Obama, Clinton parece querer desautorizá-lo, mostrando que ela sim é que deveria estar governando, na medida em que se mostra "dura" contra os adversários.
     Na Coréia vem tentando reacender a guerra desde o afundamento de um barco sul-coreano, num incidente mal explicado. Agora a própria Coréia do Sul admite que iniciou os bombardeios, mas isso não sai em nenhum jornal da imprensa golpista, que insiste na versão americana de que a Coréia do Norte é que começou.
     Veja o que disse a agência inglesa Reuters, reproduzida pelo site Operamundi:

     Na terça-feira um militar sul-coreano reconheceu que a Coreia do Sul estava realizando exercícios militares e testes balísticos na ilha de Yeonpyeong antes do bombardeio da Coreia do Norte. “Estávamos realizando regularmente exercícios militares, mas nossos tiros foram direcionadas para o oeste, nao para o norte", afirmou um oficial militar sul-coreano ao escritório da agência de notícias britânica Reuters em Seul

     A Coréia do Norte não é flor que se cheire, mas quem está provocando é o sul, que não pára de fazer exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos em águas disputadas pelos dois países.
     A indústria armamentista americana agradece.

Viva o Rio

     E por falar em guerra, a barra pesou no Rio de Janeiro, mas o governador Sergio Cabral parece mesmo decidido a retomar os territórios dominados a décadas pelos traficantes. A ocupação da Vila Cruzeiro foi emblemática, já que lá estava o principal reduto dos bandidos, junto com o Complexo do Alemão. Foi na Vila Cruzeiro que o jornalista Tim Lopes foi torturado e assassinado. A tomada desse território é uma vitória importante sobre o tráfico.
     O Brasil inteiro está apoiando a ofensiva militar no Rio para libertar a cidade dos traficantes. Os jornalistas da Globo então, estão tendo orgasmos ao vivo ao ver as tropas nas ruas. Saudades de 64?
     Só espero que esses traficantes expulsos não se espalhem pelo Brasil.

Casseta e Planeta: o fim

     Finalmente depois de 18 anos estamos livres do besteirol fascista da Globo.
     O programa cômico, que se notabilizou por suas piadas racistas e machistas que representavam todos os preconceitos da classe média carioca contra pobres, negros, gays e mulheres, havia se transformado numa espécie de "chapa branca" da emissora, com a velha formulinha de satirizar as novelas.
                                                                     Já vai tarde.
                                                                                                                                      
Prêmio Jabuti

     Outro que está cada vez menor é o Prêmio Jabuti de literatura. Premiar Chico Buarque é um tapa na cara de tantos autores nacionais muito melhores. Na verdade a premiação se tornou uma jogada de marketing das editoras, que usam gente famosa para alavancar suas vendas.
     Enquanto isso, a verdadeira inquietação literária vibra na internet e nas editoras alternativas.


Cidades sustentáveis V
(final)

A educação rural e o futuro das cidades

     Quando falamos de áreas urbanas, pensamos logo em metrópoles ou em cidades médias.
     As pequenas cidades ou as sedes dos distritos dos nossos municípios, no nosso imaginário não fazem parte do que chamamos cidades, mas do interior.
     Morar no interior pode ser sinônimo de romantismo ou de atraso, sinônimo de volta ao campo, recuperação do sentido perdido da natureza, das relações pessoais destruídas pela pressa das grandes cidades, mas também sinônimo de desemprego, baixa renda, dependência de pequenos poderes, do prefeito, do padre, do juiz, etc.
     Quando propomos para o futuro a diluição da ocupação da população sobre nosso território, com a pulverização das nossas grandes e orgulhosas cidades em pequenas comunidades sustentáveis, não estamos pensando em nenhuma volta ao campo, em nenhum romantismo, em nenhuma utopia regressiva, mas em avanços significativos, com resultados diretos na nossa qualidade de vida e no desenvolvimento das nossas potencialidades hunanas.
     Mas como construir essas comunidades diferenciadas a partir do que temos hoje, se todo o desenvolvimento industrial atrai os jovens para as grandes cidades, se toda infraestrutura necessária para se desenvolver está lá e se o agronegócio expulsa cada vez mais gente do interior?
     A mudança deve começar pela educação rural.
     Quando trabalhei no Programa de Apoio ao Dirigente Municipal de Educação, PRADIME, do MEC, fui encarregado de fazer um levantamento da infraestrutura das escolas em todo o Brasil, a partir de dados do INEP e fiquei surpreso com a precariedade das escolas rurais e a falta de programas nessa área.

     Os resultados da educação rural são sempre muito piores do que das escolas urbanas, em todo o país. Regiões com maior população rural, como o norte e o nordeste, tem indicadores piores na educação, justamente como reflexo da grande incidência de escolas rurais, o que gera conclusões equivocadas, dentre elas a de que a educação no nordeste é pior. Não é. A educação rural é pior e não há propostas para melhorá-la.
   
     Na verdade não há proposta nenhuma para melhorar a educação como um todo, o que existem são discursos, que falam em educação de qualidade, gestão disso e daquilo, mas nada muda e tudo fica na mesma, porque o sistema todo está errado. É a municipalização (e estadualização) que está errada. O sistema tinha que ser federalizado e a autonomia deveria ser das escolas (dirigidas pelas comunidades escolares) e não dos municípios ou dos estados.
     No interior, não há interesse em educar o povo. O município é um ente fraco e pobre, depende de verbas federais e não tem competencia para gerir, muito menos para propor.
     Uma das poucas propostas que surgiram nos últimos tempos, para a área rural é a das Escolas Família-Agrícolas (EFAs). Surgidas na França, em 1935, as EFAs se caracterizam pela Pedagogia da Alternância, que significa o ensino-aprendizado em espaços diferenciados e alternados.
     O Aluno alterna um período junto à família, onde observa as práticas agrícolas (convívio, trabalho, observação e pesquisa) com um período na escola (reflexão, questionamentos, análises, sínteses, aprofundamentos e generalizações) e retorna novamente à família, introduzindo o conhecimento adquirido.
     As EFAs tem sido muito bem sucedidas no Brasil (existem cerca de 180), abrindo novas perspectivas de produtividade para os pequenos produtores rurais, já que o poder público não fornece assistência técncia e extensão rural ao pequeno produtor, aumentando a produtividade e abrindo um futuro promissor à agricultura familiar, além de manter as famílias rurais unidas, na medida em que diminui muito o êxodo dos jovens para as cidades.
     Para fundar uma EFA, forma-se uma Associação de Pais e Alunos da Escola, com objetivo de representá-la juridicamente e conseguir os recursos para sua construção. Na Bahia, o Estado onde tem se difundido mais rapidamente essa proposta, existem 33 unidades, agregadas em duas associações (AECOFABA e REFAISA) e são apoiadas pelo Programa Estadual de Apoio Técnico-financeiro às Escolas Família Agrícola. Existe ainda uma associação nacional (UNEFAB).
     As EFAs atualmente são definidas como escolas públicas não estatais, mas nada impede que sejam assumidas e financiadas pelos governos.  Elas trabalham com alunos de 5a a 8a série do ensino fundamental, com o ensino médio e ainda como escola técnica em agropecuária.
     Dentre seus resultados mais significativos está o reforço do associativismo e a difusão da agricultura orgânica, à partir de conhecimentos sobre ecologia e manejo do solo.
     Em termos de urbanismo, o impacto das EFAS está na manutenção dos núcleos rurais, que podem crescer e se transformar nas futuras comunidades sustentáveis, antevistas por nós em artigos anteriores, em oposição ao contínuo crescimento das cidades.
     Reunindo agricultores em torno de novas práticas, essa nova forma de organização escolar pode ser o embrião de uma nova forma de ocupação do campo e de distribuição da população sobre o território, combatendo ao mesmo tempo o gigantismo das cidades, o uso de agrotóxicos e a formação de latifúndios exportadores, invertendo a lógica da urbanização desenfreada, cujo custo social é muito alto para a nação.
     Um tema muito interessante para planejadores urbanos, que poderiam projetar as primeiras comunidades sustentáveis em torno dessas escolas. Proposta interessante também para o Governo Federal repensar a educação e a ocupação territorial no Brasil, retomando a iniciativa do planejamento, hoje abandonado em detrimento do mercado.

Boa segunda- feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
    
     
    

domingo, 21 de novembro de 2010

Cidades Sustentáveis IV

Mobilidade urbana

     Mobilidade urbana é a capacidade das pessoas circularem pela cidade. Ela tem um custo para os cidadãos e para as municipalidades. Tema obrigatório para a copa do mundo de 2014, a necessidade de dotar nossas cidades sedes de uma adequada mobilidade urbana, trouxe à tona décadas de erros e atrasos nesta área.
     Na verdade nem são erros, mas resultados de políticas equivocadas que visaram favorecer a venda de automóveis, em detrimento da racionalidade, resultando no caos atual, onde ruas e avenidas são sempre ampliadas a um custo elevado, mas não conseguem dar conta do volume de veículos despejados nelas diariamente pelas montadoras, tornando o trânsito inviável.
     Em cidades feitas para o automóvel, como Brasília, esse custo para o cidadão é altíssimo. Praticamente cada filho de uma família de classe média que começa a trabalhar ou fazer faculdade precisa comprar um carro, já que os transportes públicos, feitos principalmente por ônibus movidos a diesel, são lentos caros e sub-dimensionados. No caso de Brasília o metrô existente é insuficiente, com sua única linha atendendo apenas a parte sul do DF. As composições tem apenas quatro vagões (e as estações acompanharam o tamanho das composições, criando um problema para expandir o sistema).
     Em São Paulo, com a maior malha de metrôs, as linhas estão sempre correndo atrás do problema. Não se constrói novas linhas para induzir o crescimento da cidade, mas para atender regiões já saturadas.
     Para se ter uma idéia, em nenhuma capital brasileira os metrôs atendem aos aeroportos (apenas a algumas rodoviárias) o que demonstra uma visão elitista do transportes de massa. Na cabeça dos nossos planejadores os aeroportos foram feitos para quem tem alta renda e só anda de táxi.
     Dois erros: o primeiro é que metrô não é apenas para pobres, mas para que todo cidadão se locomova rapidamente pela cidade. O segundo foi pensar que o transporte aéreo nunca se popularizaria no Brasil.
     Só para se ter uma idéia de como os aeroportos eram elitizados, nossa primeira seleção campeã do mundo, em 1958, teve que sair por um portão dos fundos do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao chegar da Suécia, porque não ficava bem jogadores de futebol passando por dentro do terminal.     
     Na emergência de ter que dotar de mobilidade urbana ao menos as cidades sedes da copa do mundo de 2014, há que se fazer escolhas rápidas.
     Hoje estão disponíveis os sistemas de metrôs, os corredores de ônibus (tradicionais ou articulados), os VLTs (veículos leves sobre trilhos- foto ao lado) e os VLPs (veículos leves sobre pneus).
         Os metrôs são mais caros (cerca de US$100 milhões por km) e geram maior transtorno para sua construção, mas quando subterrâneos tem a vantagem de não impactar a paisagem urbana. Os corredores de ônibus, já existentes em muitas cidades brasileiras, tem o inconveniente de usar veículos movidos a diesel, poluidores, provocando o estreitamento das vias existentes, que passam a ficar mais congestionadas. Seu custo também é alto (US$20 milhões por km). Se forem configurados como um sistema fechado, em que o passageiro paga apenas uma vez para ingressar e pode mudar de linha, chamam-se BRTs (Bus Rapid Transport). No Brasil o melhor e mais antigo exemplo é o de Curitiba. São Paulo construiu um BRT sobre via elevada, que é o Expresso Tiradentes, de custo alto e performance duvidosa.
     Os VLTs e os VLPs, exigem uma calha exclusiva, semelhante a dos corredores de ônibus, mas podem ter a calha suspensa. As calhas suspensas tem a vantagem de simplificar a intervenção urbana, diminuindo as desapropriações e o volume de obras (não há grandes escavações), e podem cruzar sobre avenidas existentes, parques, praças, rios e outros obstáculos.
      Brasília começou a construir um VLT ligando o aeroporto ao estádio e ao setor hoteleiro, mas a obra foi embargada pelo Tribunal de Contas e se tornou um esqueleto herdado do governo Arruda. O projeto, se fosse executado, implicaria na derrubada das árvores cinquentenárias da Av. W3, ao longo de 6 km. Só por isso já seria um absurdo.
O custo de um VLP suspenso, também conhecido como monotrilho, são relativamente menores que o do metrô (entre 37 e 50 milhões por Km). São Paulo se prepara para construir várias linhas suspensas de VLPs (ao lado).  
     Manaus está fazendo a licitação do seu primeiro transporte de massa, que será também um VLP, tipo monotrilho.
     O custo da passagem do VLP ou VLT varia entre a
passagem de ônibus e a de metrô, dependendo da sua capacidade de transportar mais ou menos passageiros. O metrô é mais caro mas transporta mais passageiros.
      Vários metrôs também tem trechos suspensos. Salvador está construindo um metrô cuja primeira etapa é quase toda sobre calha suspensa, mas pode se expandir com trechos subterrâneos. O que os diferencia é o tipo de trens. Metrôs tem aceleração e frenagem rápida e capacidade maior de transportar passageiros.
    A empresa canadense Bombardier, está propondo um VLT sobre calha suspensa, mais rápido e com maior capacidade, para São Paulo. Seria o primeiro desses sistemas a ser implantado no mundo.
          Todos esses sistemas podem e devem ser integrados a sistemas convencionais de trens e ônibus, configurando uma grande malha que atinja toda a cidade.
     O importante nessa corrida pela mobilidade urbana é que a mentalidade rodoviária seja suplantada pela do transporte coletivo de qualidade que funcione como uma restrição ao transporte individual, liberando os espaços públicos, hoje entulhados de carros, para os pedestres, os parques, as bicicletas e para a natureza.
     Perdem as montadoras, perde o modelo consumista, perdem os bancos que movimentam via crédito todo esse consumo, perdem os interesses imobiliários, mas ganha a racionalidade e a qualidade de vida.
     Mas tudo isso ainda são paliativos para mega-cidades que cresceram sem planejamento, ao sabor de interesses corporativos. O futuro estará em pequenas cidades planejadas, livres de automóveis, mais democráticas, funcionais e limpas.

Rapidinhas

Dia de Visita
     Atenção amantes do teatro e das artes plásticas: vai começar a mostra Dulcina de Teatro e Artes Plásticas, que ocorre duas vezes por ano, com trabalhos dos alunos da faculdade Dulcina de Moraes, em Brasília.
     Antes da estréia, porém, está em cartaz (último dia hoje, 21 de novembro às 20,00h.) um sucesso da penúltima mostra, agora em circuito comercial:  Dia de Visita, baseado em duas peças de Plínio Marcos que tratam sobre o sistema carcerário brasileiro: Barrela e Mancha Roxa.
     Encenado nos subterrâneos do Centro Comercial Conic, o público é tratado como se fosse uma turma que vai visitar um presídio, sendo recebido pelos "guardas" que os encaminham para as celas. Aí pode-se escolher entre as celas masculina e feminina, em corredores diferentes. Em frente às celas, pequenas arquibancadas para assistir aos espetáculos que se desenrolam atrás das grades. Ao final das encenações o público se dirige a outra cela e assiste ao outro espetáculo. Assim, as duas peças são encenadas duas vezes seguidas. Barrela (na cela masculina) é uma das primeiras peças escritas por Plínio Marcos e A Mancha Roxa (na feminina) a última.  
     Curiosamente as duas tratam do mesmo tema, o precário sistema carcerário brasileiro, embora o abordem sob foco diferente (violência sexual e DSTs nas prisões).
     Bom programa para nossos distraídos parlamentares que nunca se preocupam com o destino dos presos no Brasil. O espetáculo é chocante, na crueza do seu realismo, mas dá voz aos que nunca tem voz, especialidade do autor.
Dirigido por de Francis Wilker e Nei Cirqueira.
Produção; Cia Fábrica de Teatro/DF.




Um Terrível Equívoco


     Acabo de passar 6 anos e meio na selva colombiana junto com Ingrid Betencourt, lendo o impressionante relato do seu sequestro pelas Farc, a guerrilha colombiana, no livro Não há silêncio que não termine (Cia Das Letras, São Paulo - 2010).
     Venho sofrendo há dias com essa leitura pela qual eu ansiava desde que Ingrid fora solta. Já havia comprado um pequeno livro com a carta que ela escrevera à sua mãe desde o cativeiro, mas nada se compara a este tremendo panorama memorialista com que ela nos brinda, no seu excelente texto, para nos fazer cair na realidade da tragédia latino-americana.
     Minha primeira reação ao terminar de ler o livro foi me olhar no espelho e chorar envergonhado, me perguntando como pude apoiar as Farc, como pude ter simpatia por esse grupo capaz de cometer tantas desumanidades em nome de uma revolução que não faz mais sentido, embora sempre tenha me posicionado contra os sequestros?
     Que terrível equívoco! Agora entendo o silêncio dos cubanos, que há anos não apóiam mais esse movimento, que se desvirtuou para uma espécie de afirmação personalista de heróis do campo, sem ideologia maior que a própria grandeza que tentam construir.
     Pobres de nós, latino-americanos, espremidos entre o império norte-americano e nossas próprias incongruências absurdas.
     Nós brasileiros, que lutamos tanto pela democracia não podemos apoiar um movimento que se dá o direito de escolher indiscriminadamente pessoas que vai retirar da vida civil, inclusive crianças e idosos, submetendo-os à um submundo, uma vida de cão, que consiste em ser arrastados pela selva acorrentados pelo pescoço, sem nenhuma dignidade, para serem usados como moeda de troca.
     Nada justifica o que eles fazem, nem mesmo a indiferença da burguesia colombiana em relação à miséria do seu povo, principalmente nas áreas rurais, nem o horror dos paramiliatres e da corrupção, num país em que o tráfico de coca corrompeu até os revolucionários.
     Está na hora da Colômbia ter um governo democrático de esquerda que distribua suas riquezas e encerre de vez essa guerra absurda.
     Pensei que Ingrid fosse ser candidata a presidente da Colômbia nas últimas eleições. Mas como poderia voltar à vida pública sem antes tirar dos seus ombros essa imensa carga de sofrimento? É isso que ela acaba de fazer através do seu depoimento.
     É muito impressionante, não apenas pela descrição detalhada dos fatos, das experiências vividas, da maneira como as Farc se organizam, dos flagelos inflingidos aos prisioneiros, mas pelo olhar humano que soube descobrir as belezas ocultas, revelar as sombras, levantar os véus do que se passava em cada ser humano envolvido nessa trama terrível.
     Liberta pelas suas palavras, quem sabe Ingrid possa dar um jeito naquele país, que ninguém melhor do que ela conhece agora. Não deixem de ler.

Reencontro


     Convidado por Regina Reis, participei sábado, dia 20, do jantar de confraternização da turma de 1985, da faculdade Dulcina de Teatro, onde fui professor em 1984. Fiquei emocionado com a lembrança e a amizade dela e também com os reencontros calorosos no restaurante Le Jardim, no Clube de Golfe.       
     Muito bom ver os talentos que nasceram ali e floresceram, vindos agora de todo o Brasil, se reencontrando e traçando planos para o futuro. A Dulcina continua sendo a alma do teatro braziliense. Antes fomos assistir à peça Última Cena para Lorca, concepção e direção de André Amaro, no teatro Caleidoscópio.  Belíssimo espetáculo, de um rigor impressionante, tanto nas atuações quanto na parte musical, passando ao público toda a energia e a musicalidade do povo espanhol. Lindo!
No domingo mais reencontros num almoço no Beirute.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 14 de novembro de 2010

Rapidinhas

Preconceito

     A insistência do promotor paulista contra Tiririca já passou dos limites e revela apenas o preconceito da elite paulista por ver um palhaço eleito no lugar dos seus representantes, preteridos por um eleitorado interessado em protestar contra os políticos tradicionais.
     Já seria o caso do próprio Tiririca processar o promotor por racismo contra nordestinos e tirá-lo da sua função. Aliás, a ala serrista do PSDB, que inclui FHC (e representa gente como esse promotor), parece que não aceitar a derrota e a consequente desimportância adquirida pelo seu partido. Foram contaminados pelo virus do Tea Party, a ultra-direita da Partido Republicano dos Estados Unidos que não se conforma em ver um negro governando seu país, usando discursos a favor da paz, a favor da integração mundial e outros que vão contra a auto-imagem de líderes hegemônicos que eles mesmos construíram para sí.
     É duro perder o poder.

60 anos
     Tenho um filho jornalista, muito envolvido com política. Acho interessante como ele encara a vida, como se fossem etapas, fases que vão passando.
     Ontem ele me disse que tinha boas intuições sobre 2011 e que sabia desde o início que o ano de 2010 seria difícil, mas que resultaria numa nova fase, muito melhor.
     Ah, como eu gostaria de ter sua certeza. Também achei 2010 difícil, mas quando olho pra frente vejo meus 60 anos se aproximando (em março próximo) e me pergunto o que fiz nessa vida. Vejo tanta gente correndo atrás de fama e carreira, dinheiro, e essas coisas, e penso que passei os últimos 30 anos cuidando de filhos e vivendo sonhos imposssíveis. Mas quando olho pra trás e vejo os cinco filhos, me lembro da música de Daniela Mercury, que já me fez chorar uma vez: são cinco meninos, são cinco destinos... e quando olho para os outros, para os que correram atrás do que chamam de realidade, fico feliz de ter me dedicado a eles, da minha maneira meia maluca mas de qualquer forma, permitindo que eles vivessem algum tipo de sonho perdido, em alguma longínqua cidade do interior. Sonhos que talvez os movam hoje de alguma maneira.
     E vejo também como a solidão, que me impus para criá-los me ajudou a desenvolver esse dom que me move hoje, que é o de escrever. Foi uma troca maravilhosa e mesmo nos meus fracassos com eles, tenho a sensação de ter acertado em alguma coisa, de tê-los conduzido por uma espécie de terra do nunca, adaptada à realidade brasileira e de ter transmitido a eles esse imenso amor que sinto pelo Brasil.
     Fazer 60 anos é muito bom, quando se pode olhar pra trás sem se arrepender do que vivemos, quando se pode olhar para os lados e ver os muitos amigos que garimpamos pela vida e que ainda estão ao nosso lado. Talvez 2011 seja mesmo um ano melhor, ano de coisas novas, que como sempre serão difíceis. Ano de semeaduras e quem sabe, para quem plantou, ano de boas colheitas.

Amigos

     Por falar em amigos, é impressionante como muitos amigos que andavam sumidos tem reaparecido nos últimos tempos. Começou em 2009, com Glória e Lucho, amigos chilenos, continuou esse ano com Eliane do Rio, Juca e Odete, de Vitória, Patter, outro chileno contemporâneo da Faculdade de Arquitetura da Universidad de Chile,  Mônica, do curso de linguística da Uneb, Genny Xavier dos tempos da Prefeitura de Itabuna e agora Regina Reis, que me convida para a festa de 25 anos de formatura de sua turma na Faculdade Dulcina de Moraes em Brasília, no dia 20 de novembro, cujo convite está aí ao lado.
     Pura alegria de reencontros. Viva a internet.
    


Cidades sustentáveis III

     Arquitetura orgânica

     Uma das coisas mais interessantes que apareceu no universo da arquitetura nos últimos anos, foi o conceito de arquitetura orgânica.
     Ao contrário das construções denominadas verdes ou ecológicas, as construções orgânicas não se propõem apenas a respeitar a natureza, em relação ao dispêndio de energia ou ao uso de materiais de construção que não impactem o meio ambiente. Elas são, na verdade, mais um movimento estético que ecológico, mas sua estética está ancorada na natureza, naquilo que os permaculturistas chamam de bordas e padrões.
     Essa concepção é interessantíssima pois investiga a funcionalidade das formas da natureza e a maneira como um meio se relaciona com outro através das suas bordas. Explico.
     Segundo a permacultura (cultura permanente) a margem de um rio, por exemplo, é um local de trocas entre duas realidades diferentes dentro de um mesmo ecossistema. O meio líquido e o meio sólido, da terra, trocam substâncias através das suas margens, ou bordas.
     Segundo eles, o mesmo acontece também numa horta, onde há uma atividade de troca com o meio não-horta, mais intenso nas suas bordas, porque é ali que se encontram mais frequentemente os personagens dos meios distintos. Nas bordas haveria mais polinização das flores, por exemplo, porque seria a primeira fronteira que as abelhas encontrariam. Outros insetos que interagem com as plantas, passariam mais por ali do que pelo centro, etc.

     Isso significa que haveria um dinamismo maior nessas áreas de fronteira entre meios distintos, onde a produtividade também seria maior.
     Baseado nisso, em termos de agricultura orgânica, passa ser interessante aumentar a extensão das bordas, para que as trocas também aumentem exponencialmente. Isso explicaria, na natureza, alguns formatos de folhas muito recortadas, por exemplo.
      A observação desses desenhos naturais, como as curvas de rios, bordas de folhas, ou mesmo corpos de animais, como algumas conchas de crustáceos ou de caracóis, inspiraram muitos arquitetos que trabalham com construções ecológicas a recortar ou voltear mais suas edificações, em busca dessa funcionalidade natural que permitiria, por exemplo, um aumento de superfícies de troca de calor ou de absorção de sol e água.
     Os resultados estéticos da arquitetura orgânica são surpreendentes, porque ao invés de parecerem estranhos eles soam familiares. São como coisas que já vivemos antes, em nosso passado ancestral.
     É claro que aliando essa conceituação a técnicas modernas de design chega-se a coisas verdadeiramente lindas e muito agradáveis de se habitar, embora ainda muito longe de poderem ser construídas em larga escala por nossa sociedade industrializada e cada vez mais urbana.
     São coisas para cidades do futuro, com poucos habitantes, onde o crescimento demográfico e a especulação sobre o solo forem pesadelos do passado, mas sinalizam, sem dúvida, um caminho a ser percorrido.
Histórias de outras vidas (32)

   Primeiro de Abril

     Vivíamos um clima de incertezas no Brasil daquele início de 1964, com o governo João Goulart indo cada vez mais para a esquerda, em tempos de guerra fria, e já se falava abertamente que os comunistas iriam tomar o poder no Brasil.
     Eu morava na 105 sul, uma superquadra de classe média em Brasília, onde viviam os funcionários do IAPI, como meu pai. Tinha acabado de fazer 13 anos e estava namorando pela primeira vez. Era uma menina chamada Elça. Sim, a paixão meia infantil brotara entre a turminha da quadra e eu não parava de pensar nela, que por sua vez, parecia corresponder e as amigas me mandavam recadinhos sugerindo que o caminho estava aberto.
     Foi numa quermesse do Colégio Marista que eu tomei coragem. Depois de dedicar-lhe uma música pelo alto-falante, o que gerou muitos comentários na turminha, chamei-a e disse que queria conversar. Sob olhares excitados de amigos meus e amigas dela, fomos para um canto e tomei coragem, finalmente, dizendo que queria namorar com ela.
     Era assim naquela época, pedia-se para namorar. Ela aceitou e voltamos já de mãos dadas, gerando um frisson na turma.
     Namoro era por etapas. Primeiro pegava-se na mão, depois podia-se abraçar e convidar a ir ao cinema, onde até podia rolar um beijinho. Beijo na boca era mais demorado, só depois de uns 15 dias ou um mês. Sexo nem pensar. O máximo era acariciar o seios da menina e mesmo assim muito discretamente.
     No início de 1964 as mulheres ainda sonhavam em se casar virgens no Brasil e a menina que transava caía logo na boca de todos como galinha, ficando relegada a um plano inferior pelos rapazes, destinada apenas a entretê-los, sem poder sonhar em encontrar um marido que a respeitasse.
     A turminha se reunia debaixo dos blocos da quadra e Elça morava no Bloco 1, na extremidade inferior da quadra, perpendicular ao eixo rodoviário sul. Ligando os blocos uma enorme garagem, cuja laje superior servia como local de brincadeiras e encontros para os jovens da quadra. Era ali, na muretinha sobre a garagem que nos sentávamos, eu e ela, para namorar, junto com o restante da turma.
     O pai de Elça era deputado da bancada do governo e portanto visto como comunista pela classe média local, temerosa de perder seus privilégios se ocorresse um possível golpe comunista, num tempo em que esses golpes se sucediam pelo mundo e os comunistas fuzilavam os burgueses responsáveis pela exploração do povo, segundo eles.
     Num tempo em que a indústria automobilística nacional estava começando, nossos pais tinham DKWs, Aero-Willys e Simca Chambords, mas o pai de Elça tinha um carro muito diferente, um Rambler americano, carro médio, num tempo em que os americanos fabricavam aqueles carrões imensos.
     No dia 31 de março, tinha havido muita movimentação em Brasília. Minha mãe, funcionária do Congresso Nacional, tinha me levado para assisitr os debates das galerias da Câmara, quando pude ver os discursos do líder das ligas camponesas, Francisco Julião e do lacerdista Padre Godinho, e o debate acalorado que se seguiu entre eles. Havia uma eletricidade no ar e todos espervam que alguma coisa acontecesse. 
     No dia primeiro de abril, passamos a tarde toda na laje da garagem, eu, Elça, Lige (Luis Antonio), Geraldo (Costa Manso), Claudia e outros que não me lembro bem e que iam e vinham.  
     Os aero-willys pretos do governo passavam velozes pelo eixão a toda hora, sinal de que os governantes estavam nervosos. Quando anoiteceu, pudemos observar o Coronado da Varig, o avião mais moderno da época, pousar e estacionar no aeroporto, mantendo suas luzes piscando. Sim, naquela época se via o aeroporto dali, o que hoje é impossível devido as quadras que foram construídas. 
     Indiferentes a tudo, na irresponsabilidade dos nossos 13 anos, brincávamos que a coisa estava esquentando. Foi quando Elça se virou e nos disse com a graça que era sua característica: Mas quem vocês pensam que já está no poder? Os comunistas claro! Concordamos todos, mesmo que alguns o fizessem a contragosto, refletindo opiniões de seus pais, pois a situação parecia completamente definida.
     Naquela mesma noite, um daqueles aero-willys passou por ali ventando, com João Goulart a bordo, para pegar o seu Coronado, que o levaria à Porto Alegre, de onde partiria para o exílio, do qual nunca retornaria com vida.
     Na manhã do dia 2 de abril a cidade amanheceu tomada por tanques do exército. A hesitação de Goulart dera tempo à direita de organizar a contra-revolução e executar o golpe, instalando em nome da democracia, a ditadura que marcaria nossas juventudes e nossas vidas. Depois mudaram a data do golpe para 31 de março para não pegar mal.
     O pai de Elça se exilou numa embaixada e nunca mais a vi. O dia primeiro de abril de 1964 foi a maior mentira da nossa história, uma mentira trágica que mudou nossas vidas para sempre.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 7 de novembro de 2010

   Rapidinhas

Morro do Abuso
     Tem lugares que não me atraem, pelo excessivo comercialismo. Um deles é Morro de São Paulo, que de tão falado e propagandeado, sempre me cheirou a uma daquelas armadilhas para turistas, tipo Porto Seguro, onde o turista é tratado como otário e os comerciantes pouco se diferenciam de assaltantes legalizados. Mas finalmente, depois de anos caí na armadilha.  
     A viagem na lancha rápida de Valença é uma beleza, (R$14,00), mas ao desembarcar na ilha, a surpresa: a prefeitura cobra uma taxa de R$10,00 pra entrar na cidade. Já pensou se a moda pega? Vamos cercar Brasília, Ouro Preto, o Pelourinho e cobrar pra entrar, igual os traficantes fazem nas favelas cariocas. 
     Quando perguntadas sobre a finalidade da taxa, as funcionárias da prefeitura dizem que é pra recolher o lixo e para prestar uma serviço de ambulância de lancha (ambulancha).
     Cobrar pedágio pela circulação de pessoas em lugares públicos, ao meu ver, é uma clara violação do direito constitucional de ir e vir.     Que eu saiba a coleta de lixo é financiada pelo ICMS do município, pago pelos turistas em todos os produtos que eles consomem no local e o serviço da tal ambulancha, (que eu não vi em lugar nenhum) deveria ser no mínimo, optativo. Pela Constituição Federal, não se pode criar taxas sem oferecer algum serviço em troca, mas ali parece ser puro assalto mesmo, até porque as praias estavam cheias de lixo, como se vê pela foto acima. E na saída outra surpresinha: para embarcar de volta tem que pagar R$0,62,00 por pessoa para atravessar a ponte até a lancha, porque a ponte é privatizada. Esse tal prefeito Hildécio Antonio Meireles Filho, deve ser amigo do Serra.                 
     Morro de São Paulo pertence ao município de Cairú e eu gostaria de sugerir ao Ministério Público que investigasse a legalidade dessas cobranças, inclusive porque são feitas sem nenhum aviso prévio ao turista que embarca em Valença.     
                                                                                                                                                                                                                                                                                  
                                            Ninguém merece!
    
     Depois do entusiasmo com a eleição da primeira mulher presidente da república e a promessa de renovação na política, quando esperávamos ouvir sobre os novos planos para a educação de qualidade e as novas metas de desenvolvimento para o Brasil, o que aparece no contraditório político? A volta da CPMF!
     Se for verdade isso é no mínimo um estelionato eleitoral, pois ninguém tocou nesse assunto na campanha.
     Será uma vingancinha da base aliada por uma das poucas derrotas parlamentares do governo Lula?
     Acho que o Brasil merece uma outra agenda política. Essa aí é de uma pobreza digna dos nossos piores momentos. Isso é que é começar mal.


                                      O Feudo


     Acabo de ler o livro O Feudo de Luiz Alberto Moniz Bandeira (Civilização Brasileira – Rio de Janeiro – 2.000), cujo subtítulo é A Casa da Torre de Garcia D’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil.
     Trata-se de uma pesquisa que nos dá conta de uma parte incrível da história do Brasil, ignorada pelo currículo das nossas escolas, que é a conquista do nordeste, realizada em grande parte com a ajuda de algumas famílias beneficiadas com sesmarias (propriedades) no início da colônia em troca da garantia da defesa militar contra os invasores externos e os povos indígenas, permitindo assim a formação do império lusitano em terras americanas e dando origem ao que se tornaria o Brasil no século XIX.
     Uma dessas famílias, a de Garcia D’Ávila, angariou uma quantidade fantástica de terras e um poder político e militar como nunca houve e nem haverá novamente em nosso país. Durante 300 anos conquistou e dominou uma imensa região, que se estendia da Bahia ao Maranhão, sediada num autêntico castelo medieval, único nas Américas, construído no século XVI à beira mar, ao norte de Salvador, na enseada de Tatuapara, onde foram erguidas uma torre e fortificações que ajudaram a defender a capital da colônia durante toda sua existência como sede do poder português, constituindo-se num poder paralelo que durou até 1852 quando se extinguiu a instituição do morgado no Brasil, forma jurídica que impedia a divisão da herança familiar, atribuída sempre ao varão primogênito de modo que os bens da família nunca parassem de se acumular.
     A Casa da Torre de Garcia D’Ávila teve suas ruínas restauradas para a comemoração dos 500 anos do descobrimento e pode ser visitada na Praia do Forte, cerca de 80 Km ao norte de Salvador pela rodovia BA-001, a linha verde, mas sua importância está longe de ficar clara para os visitantes.
     Seu papel na conquista dos sertões e nas lutas pela independência do Brasil passa longe dos livros de história, embora as ruas do Rio de Janeiro ainda estejam marcadas por seus incríveis personagens históricos, como nos nomes das ruas Barão da Torre e Visconde de Pirajá.
     Depois de quase 30 anos morando na Bahia só agora pude compreender certas características desse povo, ao entender suas origens mestiças, o orgulho da descendência indígena e da mescla de raças simbolizada pela união de Caramuru e Paraguaçú, pais da aristocracia bahiana e das famílias mais tradicionais do recôncavo, que deram seus bens e suas vidas pela nacionalidade, se opondo aos comerciantes portugueses da capital e aos movimentos de independência que ameaçavam desintegrar o país em pequenas repúblicas.
     As características feudais da empreitada de colonização empreendida por essas famílias moldaram também a organização política desta região e são responsáveis em grande parte pelo coronelismo reinante até hoje em determinadas regiões.
     O Feudo é leitura indispensável para quem quiser entender o chamado Brasil profundo.



Cidades Sustentáveis II
Construções ecológicas

   Muita coisa inútil se tem dito em relação ao que seja uma habitação ecologicamente correta. Movimentos de caráter utópicos regressivos, passaram a difundir idéias de que habitações ecológicas seriam aquelas que usam técnicas antigas, como o adobe, em detrimento das industrializadas como se aquelas tecnologias fossem capazes de atender à grande demanda habitacional de hoje sem causar danos à natureza.
     Além de não permitirem uma escala de produção essas técnicas também se valem da natureza para fornecimento de seus materiais e só não representavam uma grande destruição do meio ambiente nas épocas pré-industriais, devido ao seu pequeno número.
     Imaginem o que seria construir um conjunto habitacional de 500 ou 1000 habitações em adobe hoje em dia, em termos de escavação para retirada de material. Que grandes crateras teríamos que cavar para achar tanta argila adequada a esses tijolos? Ou a quantidade de varas amarradas umas às outras para fazer esse mesmo número de casas usando a técnica de pau-a pique ? E as dificuldades para organizar esse tipo de trabalho em grande escala?
     Essas técnicas artesanais, adequadas para a fabricação de poucas unidades, nos servem hoje em dia apenas como referência. Ao contrário, o futuro da construção está na industrialização onde a questão ambiental pode se tornar variável importante.
     Uma das tecnologias mais promissoras neste aspecto é a da reciclagem de entulhos, que se tornaram um gigantesco problema urbano. Demolições e reformas em edificações provocam um enorme volume de entulho que tem sido usado para aterros causando grande poluição do solo.
     Sua reciclagem é relativamente simples e pode ser feita através da moagem desses materiais, que misturados ao cimento podem resultar em novos blocos ou painéis, adequados para paredes e até mesmo para estruturas, se for possível a reciclagem e reaproveitamento do ferro.
     Grandes metrópoles poderiam desde já colocar em funcionamento usinas de coleta e reciclagem de entulhos para fabricação de novos materiais de construção evitando a retirada de milhões de metros cúbicos de argila do solo para fabricação de novos tijolos e reduzindo todo o processo de queima de carvão nos fornos das siderúrgicas para fabricação de aço.
     Outro aspecto importante é a mudança das técnicas construtivas das coberturas, que no Brasil são escandalosamente perdulárias em relação ao gasto de madeira. Nenhum outro país gasta madeira como nós para fazer um simples telhado, além de utilizá-las ainda como escoras e formas.
     Nossos telhados, desde a reação ao modernismo iniciada nos anos 1970, vem utilizando intensamente a telha canal ou colonial, que devido ao seu peso e pequena dimensão ocasiona um enorme gasto de madeira, além de exigir grande inclinação, o que acarreta aumento de toda a estrutura da edificação, exige manutenção constante e não oferece vedação adequada às tempestades de vento.
     Além da aplicação direta de madeira nos telhados, o desperdício com o uso de escoras e formas que depois são descartadas chega a mais de 30% de toda a madeira consumida no país, que na sua maioria vem da Amazônia. Escora metálicas reutilizáveis deveriam se tornar obrigatórias, assim como as formas para concreto de aglomerados ou compensados reutilizáveis, fabricados com madeira reciclada.
     Em visita recente ao Chile pude observar as telhas asfálticas utilizadas naquele país, levíssimas e aplicadas com pequenos pregos sobre estruturas de madeira muita menores (de pinus ou eucalipto de reflorestamento) e que protegem adequadamente contra chuva e neve. No Brasil falta pesquisa tecnológica na construção civil que nos permita avançar rumo ao uso de novos materiais. Telhas leves feitas com materiais reciclados são fáceis de serem moldadas mas é preciso adequá-las à intensidade das nossas chuvas e dotá-las de inércia térmica e acústica para proporcionar o conforto ambiental adequado à variedade dos nossos climas.
     Também em Cuba, pude observar a predominância de lajes planas sobre as casas, revestidas com ladrilhos cerâmicos, o que seria uma boa solução para evitar o uso de madeira.
            Quanto aos edifícios, principalmente os comerciais, o dispêndio de energia pode ser muito reduzido diminuido-se as aberturas dos prédios envidraçados, que imitando a arquitetura dos países frios deixam entrar nosso sol abundante e exigem a contrapartida do ar condicionado.
     O aproveitamento da ventilação natural através de chaminés, técnica já desenvolvida por engenheiros e arquitetos brasileiros, mas muito pouco utilizada, pode fornecer ventilação natural renovada sem os doentios e caros sistemas de ar condicionado. O uso da energia solar obrigatória, assim como dos sistemas de dupla rede de água, no sentido de reaproveitamento da água de chuva para caixas de descarga, jardins, etc, pode resultar em grande economia também. Isso pode se tornar obrigatório através de leis municipais.
     A falta de pesquisa e normatização na área da construção civil, permite que o desperdício continue, tornando esse setor um dos mais atrasados na questão ambiental. Soluções em grande escala, como as sugeridas acima, teriam impacto positivo sobre toda a economia, sem prejuizo das pequenas soluções como super-adobe e outras técnicas alternativas para a pequena escala, que poderiam continuar a ser desenvolvidas para alimentar o ideário romântico dos que gostam das coisas artesanais.
     Me pergunto por onde anda o Instituto de Arquitetos do Brasil e as Universidades, que sempre lideraram os debates sobre nossas cidades e que agora se encontram tão calados? Nossas revistas de arquitetura viraram vitrines do luxo e só exibem casas de ricos, com decorações caríssimas e perdulárias, baseadas nesse consumismo que tudo destrói e cujo melhor exemplo são as exposições tipo CasaCor, que só favorecem os fabricantes de materiais de construção, revestimentos e equipamentos cada vez mais sofisticados, caros e destruidores do meio ambiente.
    Habitações ecológicas em grande escala serão fruto também de políticas públicas desenvolvidas para o setor. É claro que para que tudo isso ocorra seria preciso regular o setor, acabando com a dupla atribuição de assinatura de projetos a engenheiros e arquitetos. Projeto de arquitetura é coisa para arquiteto e enquanto engenheiros puderem assiná-los, os desenhistas continuarão fazendo a festa e favelizando nossas cidades com essa anti-arquitetura que se vê por aí, enquanto o Crea dorme.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza