Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

terça-feira, 23 de março de 2010

Onze anos depois

Prezados amigos leitores

Recebi um longo e-mail, de pessoa da Prefeitura, a respeito do último artigo (Capital da Cultura?) dizendo que eu só sei criticar, que largo tudo pela metade (referência à minha demissão do IPHAN) e que não acredito em nada, principalmente em mim mesmo.
Fiquei pensando muito sobre tudo isso porque, como dizia D. Helder Câmara, os inimigos é que nos mostram nossos defeitos, e peço desculpas aos leitores se realmente me tornei muito negativo.
Mas pensando nisso me lembrei de episódio ocorrido em 1999, quando comprei a terra em Rio de Contas e vim passar o feriado de 15 de novembro na cidade, com meus filhos e alguns amigos.
Passeando pelo centro vi que estavam removendo o calçamento da praça e, estranhando por se tratar de cidade tombada, fui perguntar numa loja de lembranças para turistas do porque daquela agressão ao patrimônio, já que a cidade era tombada no seu conjunto, o que incluía as ruas.
A moça que me atendeu na loja me respondeu agressivamente e na hora eu não entendi porque. Disse que tinha que ser assim mesmo, que as árvores da praça tinham que ser retiradas para que os prédios históricos fossem vistos e que o projeto havia sido aprovado pelo IPHAN.
Depois fiquei sabendo que ela era tambhém funcionária do IPHAN, na cidade.
Achei tudo aquilo muito estranho e fotografei as obras. Chegando em Conquista, onde morava, entreguei algumas fotos para a sucursal de A Tarde que as publicou na primeira página,.
A partir daí comecei a receber telefonemas de ameaças no meu escritório em Conquista, que mais tarde vim a saber, partiam de pessoas daqui da cidade, ligadas ao então prefeito, um homem autoritário que não admitia críticas.
A mesma pessoa que me mandou o e-mail hoje, naquela ocasião fazia oposição ao Prefeito e me incentivou nas críticas, me contando depois que a mesma moça havia conseguido, junto à revista 4 rodas, que fosse atribuído um prêmio de preservação do patrimônio à Rio de Contas como forma de melhorar a imagem da administração, pelo estrago irreparável feito à praça, assim como pela reportagem n'A Tarde.
Em 2008 entrei no IPHAN e comecei a montar uma política de educação patrimonial que modificaria a relação do Instituto com a população e logo recomeçam os telefonemas com ameaças; vou te matar..., você vai morrer..., cuidado com a sua casa..., cuidado com a sua família..., etc.
Como não me amedrontei, montaram uma intriga infernal em Salvador, comigo e Claudete Eloy, até que conseguiram excluí-la e me ataram as mãos de modo que eu não poderia fazer mais nada.
Pedi demissão e depois, muitos meses depois, comecei a criticar a nova administração de Rio de Contas pelo abandono da cultura, liderando o movimento que fundou a ARCA, Associação Riocontense de Cultutra e Arte. 
Agora, onze anos depois, a mesma moça que estava e ainda está no IPHAN, consegue novamente um título para Rio de Contas, desta vez o de Capital Baiana da Cultura, como forma de melhorar a imagem da administração, que ela agora apóia.
Ou seja, a história se repete, quase igual, com os mesmo atores, a não ser um: a pessoa que me apoiava na época, agora está na Prefeitura e me mandou o e-mail dizendo que agora eu sou um chato, um perdedor, um reclamista.
Talvez eu esteja mesmo ficando velho e intolerante. Acho que de tanto ver se repetirem os mesmo erros, as mesmas desonestidades, a mesma manipulação, para benefício de poucos, a gente vai perdendo a paciência, vai ficando descrente de tudo.
Mas acho que esses anos em Rio de Contas me ensinaram muita coisa.
Saindo da vida corrida de Brasília pude olhar para dentro de mim e encontrar algumas verdades.
Descobri, por exemplo, que não gosto de trabalhos burocráticos e não acredito em governos. Que não acredito no gerencialismo que diz que tudo é uma questão de gestão, mas sim nos princípios das pessoas.
É isso que faz a diferença: pessoas boas fazem coisas boas, não importa se sabem gerir ou não. Pessoas egoístas trabalham para si e para poucos, montam esquemas, fundam grupos, e fazem bonitos discursos gerencialistas.
Uns são mais hábeis, sabem ser simpáticos, outros menos, mas com o tempo a gente vai aprendendo a reconhecê-los, perdendo a paciência com eles e tratando de se afastar deles.
De nada adianta permanecer dentro de órgãos públicos sem poder fazer alguma coisa digna, só para benefício próprio, em busca de prestígio e poder.
Melhor procurar seu caminho, redescobrir a fé em si mesmo e seguir com as pessoas que você ama e acredita.
Acho que isso eu consegui: não só manter, mas renovar a fé em mim mesmo, nas coisas que acredito e seguir o meu caminho, sem depender de Prefeituras e projetos políticos.
Por isso, amigos leitores, só peço que perdoem as minhas falhas e que compreendam as minhas verdades.

Abraço a todos

Ricardo Stumpf



Capital da Cultura?



Queridos leitores
Rio de Contas acaba de ser escolhida para ser a Capital Baiana da Cultura, em 2010.

Mas como?

Uma prefeitura que não tem sequer uma Secretaria de Cultura e que mantém como Coordenador de Cultura um despreparado, que despreza e ridiculariza os artistas da cidade, que não dialoga com eles, mas ao contrário os persegue, principalmente se forem da política anterior; uma prefeitura que deixa o acervo de um artista como Zofir Brasil abandonado, se desfazendo, que não dá um centavo de ajuda à centenária Lira da cidade, que não tomou uma providência sequer para instalar o Museu Arqueológico, criado pela Câmara Municipal, cujo acervo continua em Salvador, nas mãos salvadoras da Universidade Federal da Bahia, que não dá nenhum tipo de apoio às Pastorinhas, aos Ternos de Reis, ao Bendegó, manifestações tradicionais da cidade, que organizou um carnaval de baixarias, desmoralizando o carnaval tradicional de Rio de Contas, que mantém o Centro Cultural nas mãos de uma universidade particular e de um programa da secretaria de educação (pró-jovem), sem realizar um curso sequer na área da cultura, um evento, uma programação mínima; que mantém o Teatro Municipal fechado e só é capaz de fazer uma meia-sola para recuperá-lo, depois de intensa campanha nossa; enfim, uma prefeitura imobilista, que não está nem aí pra cultura e para a arte, consegue ser considerada Capital Cultural?

Era de se supor que para ser uma capital da cultura, não bastasse o povo ter a sua cultura, mas que existissem políticas públicas bem sucedidas nessa área, que promovessem e valorizassem as manifestações locais.

Gostaria de entender os critérios dessa escolha, que colocaram Rio de Contas à frente de Cachoeira, por exemplo, uma cidade cheia de museus e de manifestações culturais organizadas, sede de uma universidade (do Recôncavo) e de tantas tradições importantes.

Isso apenas demonstra que toda essa teia burocrática de projetos e editais em que se transformou a gestão pública no Brasil e que faz a alegria de ONGs e consultores, frequentemente perde o contato com a realidade e envereda pelos caminhos do absurdo.

Rio de Contas pelo seu potencial poderia ser uma capital da cultura desde que os governantes fizessem a sua parte, ao invés de, diante das críticas, procurarem títulos para salvar as aparências.
Abraço a todos

Ricardo Stumpf