Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 7 de novembro de 2010

   Rapidinhas

Morro do Abuso
     Tem lugares que não me atraem, pelo excessivo comercialismo. Um deles é Morro de São Paulo, que de tão falado e propagandeado, sempre me cheirou a uma daquelas armadilhas para turistas, tipo Porto Seguro, onde o turista é tratado como otário e os comerciantes pouco se diferenciam de assaltantes legalizados. Mas finalmente, depois de anos caí na armadilha.  
     A viagem na lancha rápida de Valença é uma beleza, (R$14,00), mas ao desembarcar na ilha, a surpresa: a prefeitura cobra uma taxa de R$10,00 pra entrar na cidade. Já pensou se a moda pega? Vamos cercar Brasília, Ouro Preto, o Pelourinho e cobrar pra entrar, igual os traficantes fazem nas favelas cariocas. 
     Quando perguntadas sobre a finalidade da taxa, as funcionárias da prefeitura dizem que é pra recolher o lixo e para prestar uma serviço de ambulância de lancha (ambulancha).
     Cobrar pedágio pela circulação de pessoas em lugares públicos, ao meu ver, é uma clara violação do direito constitucional de ir e vir.     Que eu saiba a coleta de lixo é financiada pelo ICMS do município, pago pelos turistas em todos os produtos que eles consomem no local e o serviço da tal ambulancha, (que eu não vi em lugar nenhum) deveria ser no mínimo, optativo. Pela Constituição Federal, não se pode criar taxas sem oferecer algum serviço em troca, mas ali parece ser puro assalto mesmo, até porque as praias estavam cheias de lixo, como se vê pela foto acima. E na saída outra surpresinha: para embarcar de volta tem que pagar R$0,62,00 por pessoa para atravessar a ponte até a lancha, porque a ponte é privatizada. Esse tal prefeito Hildécio Antonio Meireles Filho, deve ser amigo do Serra.                 
     Morro de São Paulo pertence ao município de Cairú e eu gostaria de sugerir ao Ministério Público que investigasse a legalidade dessas cobranças, inclusive porque são feitas sem nenhum aviso prévio ao turista que embarca em Valença.     
                                                                                                                                                                                                                                                                                  
                                            Ninguém merece!
    
     Depois do entusiasmo com a eleição da primeira mulher presidente da república e a promessa de renovação na política, quando esperávamos ouvir sobre os novos planos para a educação de qualidade e as novas metas de desenvolvimento para o Brasil, o que aparece no contraditório político? A volta da CPMF!
     Se for verdade isso é no mínimo um estelionato eleitoral, pois ninguém tocou nesse assunto na campanha.
     Será uma vingancinha da base aliada por uma das poucas derrotas parlamentares do governo Lula?
     Acho que o Brasil merece uma outra agenda política. Essa aí é de uma pobreza digna dos nossos piores momentos. Isso é que é começar mal.


                                      O Feudo


     Acabo de ler o livro O Feudo de Luiz Alberto Moniz Bandeira (Civilização Brasileira – Rio de Janeiro – 2.000), cujo subtítulo é A Casa da Torre de Garcia D’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil.
     Trata-se de uma pesquisa que nos dá conta de uma parte incrível da história do Brasil, ignorada pelo currículo das nossas escolas, que é a conquista do nordeste, realizada em grande parte com a ajuda de algumas famílias beneficiadas com sesmarias (propriedades) no início da colônia em troca da garantia da defesa militar contra os invasores externos e os povos indígenas, permitindo assim a formação do império lusitano em terras americanas e dando origem ao que se tornaria o Brasil no século XIX.
     Uma dessas famílias, a de Garcia D’Ávila, angariou uma quantidade fantástica de terras e um poder político e militar como nunca houve e nem haverá novamente em nosso país. Durante 300 anos conquistou e dominou uma imensa região, que se estendia da Bahia ao Maranhão, sediada num autêntico castelo medieval, único nas Américas, construído no século XVI à beira mar, ao norte de Salvador, na enseada de Tatuapara, onde foram erguidas uma torre e fortificações que ajudaram a defender a capital da colônia durante toda sua existência como sede do poder português, constituindo-se num poder paralelo que durou até 1852 quando se extinguiu a instituição do morgado no Brasil, forma jurídica que impedia a divisão da herança familiar, atribuída sempre ao varão primogênito de modo que os bens da família nunca parassem de se acumular.
     A Casa da Torre de Garcia D’Ávila teve suas ruínas restauradas para a comemoração dos 500 anos do descobrimento e pode ser visitada na Praia do Forte, cerca de 80 Km ao norte de Salvador pela rodovia BA-001, a linha verde, mas sua importância está longe de ficar clara para os visitantes.
     Seu papel na conquista dos sertões e nas lutas pela independência do Brasil passa longe dos livros de história, embora as ruas do Rio de Janeiro ainda estejam marcadas por seus incríveis personagens históricos, como nos nomes das ruas Barão da Torre e Visconde de Pirajá.
     Depois de quase 30 anos morando na Bahia só agora pude compreender certas características desse povo, ao entender suas origens mestiças, o orgulho da descendência indígena e da mescla de raças simbolizada pela união de Caramuru e Paraguaçú, pais da aristocracia bahiana e das famílias mais tradicionais do recôncavo, que deram seus bens e suas vidas pela nacionalidade, se opondo aos comerciantes portugueses da capital e aos movimentos de independência que ameaçavam desintegrar o país em pequenas repúblicas.
     As características feudais da empreitada de colonização empreendida por essas famílias moldaram também a organização política desta região e são responsáveis em grande parte pelo coronelismo reinante até hoje em determinadas regiões.
     O Feudo é leitura indispensável para quem quiser entender o chamado Brasil profundo.



Cidades Sustentáveis II
Construções ecológicas

   Muita coisa inútil se tem dito em relação ao que seja uma habitação ecologicamente correta. Movimentos de caráter utópicos regressivos, passaram a difundir idéias de que habitações ecológicas seriam aquelas que usam técnicas antigas, como o adobe, em detrimento das industrializadas como se aquelas tecnologias fossem capazes de atender à grande demanda habitacional de hoje sem causar danos à natureza.
     Além de não permitirem uma escala de produção essas técnicas também se valem da natureza para fornecimento de seus materiais e só não representavam uma grande destruição do meio ambiente nas épocas pré-industriais, devido ao seu pequeno número.
     Imaginem o que seria construir um conjunto habitacional de 500 ou 1000 habitações em adobe hoje em dia, em termos de escavação para retirada de material. Que grandes crateras teríamos que cavar para achar tanta argila adequada a esses tijolos? Ou a quantidade de varas amarradas umas às outras para fazer esse mesmo número de casas usando a técnica de pau-a pique ? E as dificuldades para organizar esse tipo de trabalho em grande escala?
     Essas técnicas artesanais, adequadas para a fabricação de poucas unidades, nos servem hoje em dia apenas como referência. Ao contrário, o futuro da construção está na industrialização onde a questão ambiental pode se tornar variável importante.
     Uma das tecnologias mais promissoras neste aspecto é a da reciclagem de entulhos, que se tornaram um gigantesco problema urbano. Demolições e reformas em edificações provocam um enorme volume de entulho que tem sido usado para aterros causando grande poluição do solo.
     Sua reciclagem é relativamente simples e pode ser feita através da moagem desses materiais, que misturados ao cimento podem resultar em novos blocos ou painéis, adequados para paredes e até mesmo para estruturas, se for possível a reciclagem e reaproveitamento do ferro.
     Grandes metrópoles poderiam desde já colocar em funcionamento usinas de coleta e reciclagem de entulhos para fabricação de novos materiais de construção evitando a retirada de milhões de metros cúbicos de argila do solo para fabricação de novos tijolos e reduzindo todo o processo de queima de carvão nos fornos das siderúrgicas para fabricação de aço.
     Outro aspecto importante é a mudança das técnicas construtivas das coberturas, que no Brasil são escandalosamente perdulárias em relação ao gasto de madeira. Nenhum outro país gasta madeira como nós para fazer um simples telhado, além de utilizá-las ainda como escoras e formas.
     Nossos telhados, desde a reação ao modernismo iniciada nos anos 1970, vem utilizando intensamente a telha canal ou colonial, que devido ao seu peso e pequena dimensão ocasiona um enorme gasto de madeira, além de exigir grande inclinação, o que acarreta aumento de toda a estrutura da edificação, exige manutenção constante e não oferece vedação adequada às tempestades de vento.
     Além da aplicação direta de madeira nos telhados, o desperdício com o uso de escoras e formas que depois são descartadas chega a mais de 30% de toda a madeira consumida no país, que na sua maioria vem da Amazônia. Escora metálicas reutilizáveis deveriam se tornar obrigatórias, assim como as formas para concreto de aglomerados ou compensados reutilizáveis, fabricados com madeira reciclada.
     Em visita recente ao Chile pude observar as telhas asfálticas utilizadas naquele país, levíssimas e aplicadas com pequenos pregos sobre estruturas de madeira muita menores (de pinus ou eucalipto de reflorestamento) e que protegem adequadamente contra chuva e neve. No Brasil falta pesquisa tecnológica na construção civil que nos permita avançar rumo ao uso de novos materiais. Telhas leves feitas com materiais reciclados são fáceis de serem moldadas mas é preciso adequá-las à intensidade das nossas chuvas e dotá-las de inércia térmica e acústica para proporcionar o conforto ambiental adequado à variedade dos nossos climas.
     Também em Cuba, pude observar a predominância de lajes planas sobre as casas, revestidas com ladrilhos cerâmicos, o que seria uma boa solução para evitar o uso de madeira.
            Quanto aos edifícios, principalmente os comerciais, o dispêndio de energia pode ser muito reduzido diminuido-se as aberturas dos prédios envidraçados, que imitando a arquitetura dos países frios deixam entrar nosso sol abundante e exigem a contrapartida do ar condicionado.
     O aproveitamento da ventilação natural através de chaminés, técnica já desenvolvida por engenheiros e arquitetos brasileiros, mas muito pouco utilizada, pode fornecer ventilação natural renovada sem os doentios e caros sistemas de ar condicionado. O uso da energia solar obrigatória, assim como dos sistemas de dupla rede de água, no sentido de reaproveitamento da água de chuva para caixas de descarga, jardins, etc, pode resultar em grande economia também. Isso pode se tornar obrigatório através de leis municipais.
     A falta de pesquisa e normatização na área da construção civil, permite que o desperdício continue, tornando esse setor um dos mais atrasados na questão ambiental. Soluções em grande escala, como as sugeridas acima, teriam impacto positivo sobre toda a economia, sem prejuizo das pequenas soluções como super-adobe e outras técnicas alternativas para a pequena escala, que poderiam continuar a ser desenvolvidas para alimentar o ideário romântico dos que gostam das coisas artesanais.
     Me pergunto por onde anda o Instituto de Arquitetos do Brasil e as Universidades, que sempre lideraram os debates sobre nossas cidades e que agora se encontram tão calados? Nossas revistas de arquitetura viraram vitrines do luxo e só exibem casas de ricos, com decorações caríssimas e perdulárias, baseadas nesse consumismo que tudo destrói e cujo melhor exemplo são as exposições tipo CasaCor, que só favorecem os fabricantes de materiais de construção, revestimentos e equipamentos cada vez mais sofisticados, caros e destruidores do meio ambiente.
    Habitações ecológicas em grande escala serão fruto também de políticas públicas desenvolvidas para o setor. É claro que para que tudo isso ocorra seria preciso regular o setor, acabando com a dupla atribuição de assinatura de projetos a engenheiros e arquitetos. Projeto de arquitetura é coisa para arquiteto e enquanto engenheiros puderem assiná-los, os desenhistas continuarão fazendo a festa e favelizando nossas cidades com essa anti-arquitetura que se vê por aí, enquanto o Crea dorme.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza