Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

sexta-feira, 4 de março de 2011

  Porque existem favelas?

     No filme Tropa de Elite 2, em determinada cena o Capitão Nascimento pergunta: porque existem favelas?
     Esta é uma pergunta que parou de ser feita no Brasil desde os anos 60, quando Carlos Lacerda lançou seu programa de erradicação de favelas no antigo Estado da Guanabara, criando junto com Sandra Cavalcanti os grandes conjuntos habitacionais que deram origem à Cidade de Deus e posteriormente ao Banco Nacional de Habitação, o BNH, extinto com a redemocratização.
     Este programa era tão autoritário e deu origem a tantas distorções que os favelados passaram definitivamente de infratores a vítimas e ninguém mais ousou mexer com eles.
     Ficou faltando, no entanto, a resposta para a pergunta. Na verdade a existência das favelas é a resposta a um sistema que permite a livre especulação imobiliária sobre os terrenos urbanos, o que provoca o constante aumento do preço dos imóveis e exclui do mercado a maioria dos trabalhadores assalariados.
      Juntando esse efeito nefasto com os monopólios sobre transportes urbanos existentes em todas as cidades médias e grandes brasileiras, tem-se montada a realidade que impede os trabalhadores de morarem próximos aos seus empregos ou de ter acesso a um meio de transporte barato, confortável e eficiente, para levá-los de bairros distantes a seus empregos, o que os obriga a invadir áreas próximas a seus locais de trabalho.
     Juntando o fato de que o sistema eleitoral permite que as grandes empresas incorporadoras de imóveis, assim como as de transporte urbano, sejam grandes financiadores de campanhas políticas de prefeitos, governadores, vereadores e deputados, temos o caldo de cultura que impede a mudança.
     Nenhum partido fala mais nisso, temendo perder contribuições de campanha e omodelo segue imutável.
     Paralelamente a isso, temos um discurso desenvolvido insistentemente pelo Sinduscon, Sindicato das empresas da construção civil, e apoiado pelos grandes meios de comunicação, que martela nos ouvidos dos eleitores a existência de um gigantesco deficit habitacional que exigiria a construção de 5 ou 10 milhões de casas.
     Na verdade esse déficit não existe. Não disponho dos dados atualizados, mas o número de famílias sem acesso a moradia no Brasil é mais ou menos semelhante ao número de imóveis fechados, aguardando valorização, ou subutilizados como residências de veraneio. Déficit seria falta de habitações e não é isso o que ocorre. O problema é de concentração da propriedade imobiliária nas mãos de uma minoria.     
     Democratizar a propriedade imobiliária no Brasil exigiria a coragem de fazer uma reforma urbana que agaravasse com impostos muito altos a propriedade da segunda, terceira ou quarta residência para uma mesma família, ou através de outros mecanismos, diversos, usados há séculos nas organizadas cidades européias e norte-americanas, para impedir que a especulação domine a vida das cidades criando essas enormes distorções.
     Uma reforma urbana verdadeira também exigiria do governo o enfrentamento do lobby dos transportes urbanos, construindo metrôs e trens suburbanos, articulados com linhas locais de ônibus, subsidiados, em cidades de porte médio e grande.
     Não é necessário esperar que uma cidade se torne inviável, como Salvador, para dar início à construção de um transporte de massas. Ele tem de ser planejado com antecedência, orientando o próprio crescimento da cidade ao longo de suas linhas, de forma a evitar os gargalos.
     Enquanto isso não ocorre, o discurso do déficit alimenta os lucros da indústria da construção civil e os milhões de imóveis constuídos vão parar nas mãos da mesma minoria de sempre, impedindo que o problema se resolva.
     Tudo com o apoio da Rede Globo e suas imitadoras, amigas dos negócios e do capitalismo selvagem tupiniquim. Depois vem o cinismo das próprias televisões, que faturam audiência em cima das tragédias dos deslizamentos em favelas e invasões, cobrando soluções dos políticos que eles mesmos ajudaram a manter no poder, através dos esquemas de favorecimentos dos lobbys empresariais. Tudo uma grande armação nojenta.
     A evolução da política no Brasil nos últimos 40 anos vem seguindo uma linha mais ou menos lógica, caminhando da direita mais abjeta, discípula da ditadura pura e simples, representada pela ARENA-PDS-PFL-DEM, para a corrupção do PMDB, depois para a direita sofisticada representada pelos engravatados do PSDB com seus programas neo-liberais de privatização e finalmente para as grandes coligações lideradas pelo PT, com sua social-democracia voltada para o saneamento fiscal e o aumento da renda das massas trabalhadoras, enquanto estimula o desenvolvimento do capitalismo nacional e a inserção do Brasil na economia globalizada, olhando o povo com certa condescendência, como quem entende que a povo precisa de uma classe média que o tutele, por não saber defender seus próprios interesses.
     Muitas questões restam mal resolvidas no Brasil. A educação continua horrível, o meio ambiente continua sendo destruído, a amazônia desmatada, a saúde pública continua refém da medicina privada, os transportes continuam maltratando diariamente centenas de milhões de brasileiros, habitantes das nossas grandes cidades e as favelas pedem uma reforma urbana corajosa.
     Os partidos que estão aí não oferecem respostas a essas questões, além das declarações de boas intenções de praxe. É o caso de nos perguntarmos qual será nosso próximo passo.

Bom carnaval a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
     
    


sábado, 26 de fevereiro de 2011

Khadafy massacra seu povo

     A guerra civil na Líbia se aproxima do seu desfecho, com as forças revoltosas se aproximando para atacar Trípoli, num movimento de pinça. Grande parte das forças armadas desertou para o lado dos rebeldes, dezenas de embaixadores renunciaram a seus postos, mas o ditador quer sangue. Não admite que o povo posso derrubá-lo com simples protestos.
     Na sua mente insana, deve se considerar algum ser superior, uma espécie de deus, sem o qual a Líbia não poderia viver. Seus filhos, executam sistematicamente um massacre contra o povo, tenatndo salvar seu poder e uma fortuna que, segundo os jornais, chegaria quase a 6 bilhões de dólares.
     Seu fim deverá ser triste e melancólico, como o de tantos outros ditadores que se arrogam poderes divinos. A nação árabe, liberta e democratizada, deverá se transformar numa grande potência com toda aquela riqueza em petróleo, fazendo jus ao papel que os árabes tiveram na história da humanidade.


Fantasmas no Bradesco II

     Seguindo as instruções da agência 0270 do Bradesco, em Vitória da Conquista, liguei para um número que eles chama de fonefácil que me informou que não aceitava ligações daquele tipo de aparelho (celular pré-pago). Tive então que trocar meu aparelho por um de conta, já que não tenho telefone fixo na cidade.  
     Na primeira vez em que fui atendido, contei a história do cartão de crédito que ressuscitou sozinho depois de 10 anos e a atendente mandou que eu esperasse, até que a ligação caiu. Na segunda vez a mesma coisa. Na terceira vez outra atendente me disse que a agência é que teria que resolver o problema.
     Voltei lá na quinta feira, dia 24 de fevereiro e outra moça já estava me encaminhando para um terceiro balcão, quando ameacei entrar na justiça para pedir danos morais, já que os pesadelos com o sequestro voltaram, depois de anos. Um gerente que ia passando ouviu a conversa e rapidamente me encaminhou para uma moça que também rapidamente cancelou o cartão e estornou a "dívida" de R$24,00. Mesmo assim mandou que eu voltasse a agência na próxima semana, porque o sistema demorava a reconhecer o estorno, para cancelar a conta (que segunda ela não estava cancelada, mas apenas inativa).
     Com essa serão três idas a agência, para resolver um problema criado pelo banco.
     Interessante observar a diferença entre os anúncios do Bradesco na TV e a realidade das suas agências. Caixas automáticos antiquados, velhos e sujos. Filas enormes e funcionários que dizem que não podem resolver seu problema porque são terceirizados. Na TV parece tudo tão bonito... Como é mesmo o slogan? O Bradesco sempre ao seu lado. Só se for pra inventar cobranças indevidas e não deixar a gente nunca em paz.


Tente tirar uma carteira de trabalho em Vitória da Conquista

     É facílimo. Basta ir ao SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) as 5,30 da manhã, se arriscando a ser assaltado, entrar numa fila para pegar uma senha (sim, as 5,30 já tem fila), porque só dão poucas senhas por dia. Depois é só esperar o SAC abrir, às 8 horas, ou às 14,00, dependendo do número da senha que você pegou e apresentar seus documentos, tirar a foto e esperar uns 30 dias para receber o documento.
     Isso é que é respeito ao cidadão: serviço rápido e eficiente.
     Mas se você quiser entrar no SAC durante o expediente, verá que está tudo vazio e que todos aqueles atendentes, diante daquele monte de computadores, passam a maior parte do tempo na internet ou tomando cafezinho.
     Beleza! Sem medo de ser feliz!
Histórias de outras vidas (41)


Pressentimentos na estrada


     Desde a minha juventude comecei a ter pressentimentos. Percebia quando alguma coisa grave havia acontecido, quando algo se aproximava, via objetos à distância, embora nunca tenha dado muita importância a isso, nem tenha conseguido alguma vez controlar esse dom. Era, e ainda é, uma coisa que se manifesta quando quer, de forma imprevista.
     Me lembro, quando morei um ano na Bélgica entre 1974 e 75, que tinha de esperar um tran, um pequeno bonde urbano, para ir para casa, em Bruxelas. Era o bonde 32 Forest, que demorava muito a passar a depender da hora. Às vezes, eu e minha companheira voltávamos tarde da noite para casa e o 32 levava 30, 40 minutos para aparecer. De tanto esperar aquele tran, comecei a perceber sua aproximação antes que ele fizesse a curva, depois da qual ficava o ponto onde o tomávamos.
     Eu dizia: ele já está vindo, vai virar agora, e voilá: lá estava ele.
     Muitos anos depois, quando me formei, em 1981, fui morar em Salvador e aluguei uma caixa postal numa agência dos Correios no shopping Iguatemi. Passava por lá pelo menos uma vez por semana (numa época em que não haviam, e-mails) e ao entrar no grande corredor que ia dar na agência, que se localizava ao fundo, imagens apareciam na minha mente com os objetos que me aguardavam lá dentro.
     Em 1984 morei alguns meses em São Paulo, onde fui procurar emprego. Alugava um quarto numa pensão e saía de manhã cedo para me candidatar aos anúncios que apareciam no jornal. À tarde não tinha o que fazer e frequentava a biblioteca Mário de Andrade, onde ficava lendo.
     Muitas vezes, durante a leitura, era assaltado por uma imagem. Um envelope me esperava na pequena mesa ao lado da porta da pensão. Corria para lá e lá estava o envelope, da mesma cor e tamanho que eu havia visto.
    Esses pressentimentos também se manifestavam em relação à pessoas. Às vezes a simples presença de alguém me causava enorme aflição, coisa que eu não entendia. Só mais tarde tinha condições de verificar que aquela não era uma boa pessoa, ou por ser oportunista, ou por ter sentimentos negativos, os mais diversos.
     Essa última qualidade foi se acentuando com o passar dos anos, o que me levou a uma certa necessidade de me isolar, já que muitas pessoas me causavam sensações desagradáveis de incômodo, principalmente em ambientes de trabalho.
     Ultimamente esse dom, que não sei se é benéfico ou não, tem se manifestado de outra forma muito desagradável: através da comida. Ao ingerir alimentos preparados por outra pessoa posso perceber os sentimentos que aquela pessoa tinha ao prepará-los. Assim frequentemente passo mal ao comer coisas feitas por pessoas com sentimentos ruins, sejam em relação à mim ou ao mundo. Uma pessoa que cozinha com raiva, ou com tristeza, me transmite sentimentos através da comida que prepara, o que me provoca constantes mal-estares. Daí às vezes eu preferir comer na rua ou preparar meus próprios alimentos.
     Como os leitores podem observar esse dom nem sempre é uma coisa boa, pois na maioria das vezes provoca transtornos, que não ocorreriam a quem não tivesse essa percepção. Mas pelo menos uma vez ele me salvou a vida de uma forma impressionante.
     Como sempre viajei muito de carro desenvolvi uma técnica de viagem que inclui muitas formas de prevenção de acidentes, como nunca ultrapassar sem ter certeza absoluta que não vem um carro no sentido oposto, manter um velocidade que considero segura para o veículo, a estrada e a hora em que estou viajando etc. Mas ma vez, há muitos anos, eu seguia de Salvador para Recife pela chamada Via Parafuso, uma estrada sinuosa que corta caminho pelo Pólo Petroquímico da Bahia. Era uma tarde, num dia de semana, e o dia estava claro, bem iluminado, a estrada vazia, o carro em ordem, tudo tranqüilo, me convidando para aumentar a velocidade e aproveitar a delícia de uma viagem despreocupada.
     Porém, aos poucos um sentimento de inquietação começou a me assaltar. Era uma angústia que eu não sabia de onde vinha. Primeiro pensei em algo que poderia ter acontecido à minha família ou a alguém próximo, mas logo tive a certeza de que não era isso. Era algo na estrada, algo indefinido, e o sentimento foi se acentuando e me levando a tirar o pé do acelerador, até reduzir a velocidade do veículo a pouco mais de 50 Km por hora. Até que ao atingir o cume de uma pequena ladeira, dei de cara com dois caminhões parados lado a lado, um na mão e outro na contramão. Eles haviam parado no meio da pista e desligado os motores. Os motoristas tinham saído e se afastado dos veículos como se estivessem esperando alguém vir em alta velocidade para se chocar e se preparassem para assistir à tragédia.
     Como eu vinha em baixíssima velocidade pude parar antes e fiquei observando aquela cena insólita. O motorista que estava estacionado na contramão, então, sorriu para o outro como quem diz “não deu certo”. Foi para seu caminhão e retirou-o da estrada.
     Nunca me esqueci daquele sorriso malicioso, de uma malícia assassina.
     Eles estavam decididos a matar alguém para se divertir. Depois poderiam alegar que tinha havido um acidente para, quem sabe, receber o seguro do caminhão.
     Agradeci a Deus, então, pelo dom que permitiu salvar minha vida daqueles assassinos de estrada e nunca mais deixei de prestar atenção nos sinais que recebo quando estou dirigindo.
     Às vezes, até hoje, recebo esses sinais de forma confusa: algo errado vem por aí. Então trato de me prevenir, parando um pouco para esticar as pernas, ou reduzindo a velocidade e redobrando a atenção.
     E até hoje também, não tenho a liberdade de escolher minhas amizades ou as pessoas do meu convívio, já que o pressentimento faz as escolhas por mim.



Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Rapidinhas

A nação árabe se levanta

     Se iludem os que pensam que os protestos nos países árabes vão se restringir aos ditadores. Também os reis e príncipes do petróleo deverão cair ou ceder aos seus povos o controle das suas próprias vidas. É a nação árabe se levantando contra a opressão de governos impostos pelas antigas potencias coloniais, numa verdadeira segunda independência.
     A democracia deve triunfar, seguindo caminhos parecidos, mas próprios de cada país, constituindo uma imensa zona econômica e política de um potencial extraordinário.
     Serão os novos emergentes daqui a 20 anos, desequilibrando mais uma vez a balança do poder mundial.
     Contra esse novo poder, de nada adiantarão as armas e a arrogância de Israel, com seu expansionismo disfarçado de "processo de paz". Como predizia Camões:
     Cessa tudo quanto a antiga musa canta, quando um poder mais alto se alevanta.

     Fantasmas no Bradesco
    
     Em 2001 sofri um sequestro-relâmpago em Brasília. Os ladrões levaram meus cartões, inclusive um cartão de crédito do Bradesco, de uma conta que eu tinha na agência 0270 de Vitória da Conquista.
     Embora eu tenho registrado a queixa na delegacia e seguido todas as instruções do banco, o  seguro do cartão se recusou a cobrir os prejuízos causados pelos sequestradores. Muito traumatizado optei por pagar tudo e esquecer o assunto, depois de cancelar o cartão de crédito. Em 2004, quando me mudei para Rio de Contas, transferi a conto do Bradesco para Livramento, cidade vizinha a Rio de Contas, transferencia esta feita pelos próprios funcionários do Bradesco de Livramento.
     Em 2007 meu pai faleceu e me deixou uma pequena herança, que resolvi investir num programa VGBL do Bradesco, já que eu era amigo da gerente, e passei a ser considerado cliente preferencial, embora nunca mais tenha aceitado cartões de crédito daquele banco.
     Agora, 10 anos depois do sequestro, comecei a receber em meu antigo endereço de Vitória da Conquista, uma cobrança da mensalidades do antigo cartão, cancelado em 2001. Estranho, porque justamente agora eu retornei ao antigo endereço onde vivia, nma casa de minha propriedade que esteve alugada durante todo este tempo.
      Procurei o banco e a gentil atendente me disse que eu tinha que ligar para um número de telefone, clicar na operação 9, depois na operação 6 e pedir cancelamento da função crédito (cancelada há 10 anos) e depois retornar à agência para pedir novamente o cancelamento de uma conta cancelada há 7 anos. Perguntei se eles não podiam fazer isso ali mesmo e ela me disse que não. Que eu mesmo tinha que ligar.
     Ou seja, o Bradesco cria um problema e o cliente é que tem que resolver.
     O que não entendo é como o computador do banco decobriu que eu voltei ao meu antigo endereço e resolveu ressuscitar minha conta. Parece um Big Brother bancário, querendo forçar a gente a utilizar serviços que não deseja, ou então algum fantasma  que habita o computador do banco resolveu me assombrar.
     Estou pensando em processar o banco, por me fazer perder tempo para resolver sua incapacidade operacional e aproveitar para processá-lo por não ter cobrido meus prejuízos há 10 anos atrás, já que mantenho guardada toda a documentação do caso e ainda por cima por me fazer reviver todo esse pesdelo que tento esquecer desde então. Quem sabe aproveito para retirar o dinheiro que ainda tenho por lá e fechar qualquer tipo de conta neste banco.

Delícias de Rio de Contas

Giso

     A apresentação do GISO, Grupo de Investigação Sonora, no sábado e domingo no Teatro São Carlos, denominada Giso em Conserto, com S mesmo para mostrar que a arte pode consertar a sociedade, mostra que a cultura continua viva em Rio de Contas.
     Muitas músicas, experimentaçõese instrumentos fabricados pelo grupo, mostraram um trabalho que apesar de estar se iniciando já mostra que pode ir mais longe, apesar da falta de apoio do governo local.
     Esperamos que o grupo Giso continue crescendo e formando novos músicos entre os jovens da cidade.

Pizza

     Nota dez para o pizzaiolo do Restaurante Quintal. As pizzas de Silas estão cada dia melhores e a simpatia do restaurante continua a mesma. Pra quem for visitar a cidade, vale a pena provar.

Do blog Café Margoso
     Em ti há um marinheiro demandando uma ilha onde ninguém ainda esteve. Também em ti encontrarás o mapa, a bússola e o navio. Há coisas a que não deves atribuir nomes. A tua ilha não tem nome.
     Arménio Vieira - poeta
Uma política urbana para Vitória da Conquista

     Desde 1997 o PT governa Vitória da Conquista, uma das maiores cidades baianas, hoje com mais de 300.000 habitantes. No primeiro mandato de Guilherme Menezes, ele introduziu um novo modo de governar, muito bem recebido pela população, cansada da corrupção do antigo PMDB, que se manifestava principalmente nas obras inúteis que beneficiavam mais as empreiteiras do que a população, cujo maior símbolo é o viaduto apelidado de bigode do Pedral, que liga nada a coisa nenhuma. 
     Guilherme e o PT se voltaram para o saneamento das finanças, como fazem em geral os governos petistas, e para algumas iniciativas na área social dignas de nota, como a implantação do programa Conquista Criança, para tirar menores das ruas e a implantação do Hospital-dia, para os pacientes portadores de HIV, hanseníase e tuberculose.
      Outra iniciativa importante da administração petista foi realizar a licitação para as linhas de ônibus, acabando com velhos privilégios de um grupo empresarial que dominava o setor, prestando péssimos serviços e explorando a seu bel prazer a população.
       Porém, paralelamente a essas transformações importantes, foi implantada uma mentalidade fiscalista, baseada na ortodoxia social-democrata de que as contas da cidade precisam estar sempre no azul, como se a cidade fosse uma empresa que precisasse dar lucro, e que penaliza pesadamente a população com impostos, nem sempre revertidos em obras e melhoramentos, traindo um dos princípios do direito público de que a cada tributo pago deve corresponder um benefício recebido.
     Assim, eliminou-se a corrupção, os salários são pagos em dia, mas não houve uma melhora correspondente nos serviços prestados pelo município, que continua pagando mal seus professores, fornecendo uma escola pública de má qualidade, atendendo mal a população nos seus postos de saúde, enquanto não há investimento em obras de urbanização e melhoramentos na cidade.
       É incrível que uma cidade do porte de Conquista, cuja parte norte é toda em desnível, não tenha um sistema de esgotos pluviais, deixando que as enxurradas tomem conta da cidade quando a chuva vem. Ruas são tomadas pela lama e logo depois pela poeira. É certo que o esgotamento pluvial é responsabilidade da Embasa, companhia do Estado, mas não há nenhuma gestão da Prefeitura demandando a implantação desse serviço, junto ao governo do Estado da Bahia? Será isso um reflexo do isolacionismo político de Guilherme Menezes, que antes não se dava com a administração do PFL/DEM, e agora continua não se relacionando bem com a administração petista de Jaques Wagner? Mas um prefeito não deve colocar o interesse da sua comunidade à frente dos seus interesses? Não é preciso saber conviver democraticamente com os contraditórios políticos?
     A limpeza urbana também deixa muito a desejar. Embora tenha sido implantado o aterro sanitário, faltam campanhas educativas e não há lixeiras nem varreção que atenda as necessidades da cidade, que está sempre suja, cheia de papéis e sacos plásticos, a contaminar o solo e comprometer a saúde da população. Coleta seletiva nem é cogitada.
       Falta na verdade uma visão de política urbana que trace objetivos no sentido de pavimentar as ruas da cidade, crie normas obrigando os proprietários de imóveis a fazer passeios onde cadeirantes e carrinhos de bebês possam trafegar com segurança, campanhas educativas de trânsito ensinando os motoristas e pedestres a respeitar as faixas, áreas de lazer, praticamente inexistentes na cidade e que planeje mudanças no sistema viário, principalmente na área central, para desafogar o trânsito, já congestionado como acontece em tantas cidades do Brasil, cada vez mais abarrotadas de carros.
     As conquistas sociais iniciais hoje parecem reduzidas a quase nada, quando vemos o crescimento da pobreza tomando conta das ruas, com mulheres pedindo esmolas nas portas dos bancos e das residências, com seus bebês imundos no colo. Quantas crianças atende o programa Conquista-criança? Quantas crianças ainda estão nas ruas? Será apenas um programa vitrine para ganhar prêmios e fazer marketing político?
     O sucessor de Guilherme, no intervalo das suas reeleições, José Raimundo, iniciou um programa interessante de obras, com a duplicação da Avenida Brumado, na entrada oeste da cidade e da Avenida Juraci Magalhães na entrada leste, além da criação do Parque da Bateias, a primeira área de lazer construída em muitos anos. Mas parece que isso foi tomado como uma espécie de traição a Guilherme, que dominando o partido não permitiu que ele se candidatasse a reeleição e tratou com muita má vontade toda sua equipe, assim como suas iniciativas, ao retornar ao poder.
     Assim, a administração petista de Vitória da Conquista se tornou refém de interesses político-eleitorais.
Talvez por isto José Serra tenha ganhado a eleição em Conquista e outras candidaturas à esquerda e a direita comecem a se tornar viáveis para 2012.
     Quem sabe esse panorama político permita que as questões urbanas voltem a ser discutidas com seriedade, dando a Vitória da Conquista a oportunidade de conquistar a qualidade de vida que seus cidadãos merecem.
    
     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Rapidinhas

   Tchau Mubarak

     De nada adiantaram as gestões dos Estados Unidos e dos países europeus e Israel para segurar o Mubarak no poder enquanto escolhiam alguém confiável para ficar no seu lugar. Agora um Conselho da Revolução negociará com os militares a transição para a democracia.A queda do ditador do Egito mostra que quando o povo se cansa, nada consegue deter sua força. Um bom exemplo para os políticos que pensam que podem enganar as pessoas eternamente, se mantendo no poder através de governos corruptos e autoritários.


   Invasões em Rio de Contas II

     As tensões políticas em Rio de Contas continuam crescendo em função da falta de liderança do Prefeito Márcio Farias. Em resposta ao artigo da semana passada recebi várias denúncias de que a invasão do terreno do DNOCS teria sido planejada dentro da própria Prefeitura por assessores e funcionários, que teriam usado "laranjas" para demarcar lotes que depois seriam repassados para parentes.
     Até um suposto mapa usado para planejar a invasão, com nomes dos "laranjas", me foi enviado, mas ninguém quer mostrar a cara para se responsabilizar pela denúncia, como sempre, o que me impede de publicá-lo.
     Gente que até pouco tempo estava dentro do governo e silenciava sobre as arbitrariedades cometidas, agora volta ao denuncismo anônimo.
     De qualquer forma as denúncias parecem ter fundamento, pois partem de fontes muito diferentes. É o caso de pedir uma investigação do Ministério Público Federal, já que se trata de área que pertence ao DNOCS.
     Mas independente do fato, a ausência de uma política habitacional está por trás de toda a confusão gerada pelas invasões, tanto a do DNOCS quanto a da área conhecida como Toca da Raposa. A votação do Plano Diretor é essencial para definir as áreas de expansão da cidade, organizando seu crescimento.

    Viva a sub-20

      Gente, 6 x 0 no Uruguai foi bom demais! Vaga na Olimpíada de Londres e campeonato sul americano. Se cuida Mano Menezes, a sub-20 vem aí com tudo e seu discreto treinador também. Muito melhor que a atuação decepcionante da seleção principal contra a França.
     Enquanto isso Ronaldão anuncia sua aposentadoria. Já vai tarde. Não soube a hora de parar e já estava dando vexame.
     Não entendo porque alguns clubes contratam esses "retornados" da Europa, já velhos para o esporte, cansados e milionários, sem a menor disposição para suar a camiseta. Muito melhor produzir seus próprios atletas, como faz o Santos.
     Apesar da imprensa toda fazer muita onda em torno de Neymar, o grande nome do jogo foi Lucas. Esse garoto promete.
Histórias de outras vidas (40)


    Seu Antonio Machado

    Pois é, amigos leitores,  para aqueles que nunca tiveram um pai, ou para aqueles que tiveram um pai que nunca estava presente ou mesmo quando a gente não se dá bem com seu próprio pai, mesmo ele estando presente, a gente passa a vida toda procurando substitutos para ele.
     É engraçado falar disso agora, porque me dei conta de que já contei em histórias anteriores, como considerava outros homens como pais, Seu José Porto, Zé Conrado e até meu avô Franz, de quem nunca falei aqui, mas o fato é que eu não tinha me dado conta de como havia passado a vida toda longe de meu pai e procurando outros pais por aí.
     Acho que é assim mesmo. Acho que também fui um pai ausente para alguns de meus filhos, coisa que tentei compensar pelo menos em alguma época de suas vidas. Mas amargo pelo menos uma derrota com um filho que não quer conversa comigo. Já tentei procurá-lo, me aproximar, mas não tem jeito. A mãe o transformou em meu inimigo, transferindo seus ressentimentos para ele e não sei como resolver a situação e nem se algum dia ela se resolverá. É uma pena, porque acho que ele é um cara que tem boas qualidades, que infelizmente ficaram ofuscadas por esse ódio transferido, como um dinheiro que alguém transfere de uma conta para outra numa máquina de banco.
     Mas não é sobre ele que quero falar aqui e sim sobre um desses pais de aluguel que arranjei pela vida afora. Pois é, foi em 1990, quando eu trabalhava na Shell, em Manaus, que me mandaram para o município de Maués, a terra do guaraná, onde a Antarctica tem suas plantações desse fruto tão brasileiro, com o qual faz seu famoso refrigerante.
     Maués é uma pequena cidade situada às margens do rio de mesmo nome, nome este que pegou emprestado de uma tribo de índios local, que já desapareceu de lá. O rio, de águas esverdeadas, é bem largo e tem praias de areia branca deliciosas e serve de caminho para se chegar à cidade, já que não existem estradas.
     De Manaus eram 12 horas de barco. Descia-se o Amazonas e depois o barco entrava por um daqueles furos, como se chamam as interligações dos inúmeros rios, até que ia dar no Rio Maués. O barco saia à noitinha e chegava de manhã cedo na cidade. A viagem era uma delícia e muito confortável nas pequenas cabines.
     Meu trabalho lá era projetar um posto de gasolina em terra, explico: dado que o transporte é feito na sua maioria por barcos, os postos na Amazônia costumam ser flutuantes, mas como Maués já estava crescendo e tinha uma atividade agrícola importante, a cidade tinha veículos, carros, caminhões e tratores que precisavam se abastecer em terra. O posto, situado na beira do rio, teria condições de abastecer tanto os veículos terrestres quanto as embarcações.
     Fiquei em Maués um fim de semana, fiz o levantamento necessário para o projeto e voltei para Manaus. O dono do Posto era o Seu Antonio Machado, um homem de muitas posses, proprietário de postos em toda a Amazônia. Na ocasião não o conheci, só depois, com o projeto já em mãos, ele foi conversar comigo na sede da empresa e fizemos uma boa amizade.
     Já avançado na idade, e bonachão, Seu Antonio era adorado pelos seus funcionários, coisa rara em empresários, como sabemos. Gostava de pegar uma lancha sozinho e descer o Amazonas de Manaus a Belém, viajando inclusive à noite, o que deixava seus familiares muito preocupados. mas sua paixão pela Amazônia era uma coisa difícil de explicar e medir. Adorava o rio, adorava pilotar barcos e supervisionava pessoalmente seus postos de gasolina, sempre ajudando funcionários que precisassem de algum tipo de apoio, com uma visão extremamente humana de como administrar uma empresa, o que criava uma fidelidade enorme entrre seus empregados, que duravam décadas nos seus cargos.
     Depois de fazer o projeto do posto, fiquei amigo de algumas pessoas em Maués e passei a frequentar a cidade em feriados, conseguindo inclusive um patrocínio da Shell para um festival de cultura local.
     Um dia, estávamos eu, um amigo, minha filha mais velha e meu pequeno filho de 3 anos, quando houve uma briga num baile da cidade. Um jovem foi esfaqueado e precisou ser levado às pressas para Manaus. O jovem era filho do dono da embarcação que nos levaria de volta pela manhã, mas que diante da emergência zarpou de madrugada, deixando a cidade sem transporte. A única opção era um voo da TABA Transportes Aéreos, num avião Bandeirante que saía na manhã seguinte. Além de mim e dos que estavam comigo, haviam mais dois funcionários da Shell. Ninguém podia voltar para Manaus. Seu Antonio não titubeou: comprou passagens para todos nós que voltamos de avião e no outro dia estávamos nas nossas funções em Manaus. Não aceitou nem discutir ser reembolsado pela despesa.
     Uns dois anos depois, quando resolvi voltar para Brasília, tive que entregar a casa que alugava antecipadamente e ficar cumprindo 20 dias de aviso prévio na empresa. Não tinha onde ficar e nem com quem deixar meu pequeno filho. Nem precisei pedir. Seu Antonio ficou sabendo e apareceu pessoalmente na empresa para me buscar. Mandou que fizesse as malas e nos instalou em sua casa, numa bairro muito aprazível, num belíssimo quarto com televisão e ar condicionado e colocou sua empregada para cuidar de meu filho, até o dia do nosso embarque.
     Isso foi em 1993. Nunca mais soube dele, mas guardo seu cartão até hoje com muito carinho e muita gratidão pela ajuda na hora em que precisei. Já pensei em procurá-lo mas me senti envergonhado. Já se passaram tantos anos... Mas o fato é que sinto por aquele homem uma profunda admiração, pelo exemplo de generosidade que ele demonstrava com todos e pela solidariedade com alguém que ele mal conhecia, mas que intuiu que precisava de sua ajuda.
     É por isso que não gosto quando leio esses comentários que falam da "figura do pai". Pai não é figura, não é uma imagem para assustar os filhos e fazê-los obedecer as mães. Ser pai, antes de tudo, é ser gente, cheio de defeitos, mas cheio de preocupações. Ser pai é ser amigo, é estar ao lado e estender a mão a quem precisa, mesmo que essa pessoa nem seja seu filho.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
    

    
    
    

domingo, 6 de fevereiro de 2011


   Diretas Já

     O movimento popular árabe, que luta contra as ditaduras implantadas pelos países imperialistas para controlar seus países, leia-se Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Alemanha, as antigas potências coloniais, e mais Israel, herdeiro dos interesses delas, tem grandes semelhanças com o nosso movimento das diretas nos anos 80, que pedia a saída dos militares e eleições diretas para presidente.
     Do mesmo jeito que fizeram aqui, os imperialistas-colonialistas temem entregar esses países a seus próprios povos, para que eles decidam seus destinos e estão segurando o ditador no cargo enquanto buscam uma transição segura, ou seja, enquanto buscam alguém capaz de adiar ao máximo as eleições até que eles consigam retomar o controle do processo e colocar alguém da confiança deles no cargo.
     Foi assim também no Brasil, com a política de distensão lenta e gradual do ditador Ernesto Geisel, que depois desembocou no movimento popular pelas Diretas já, que demonstrava que a população brasileira queria comandar o seu próprio destino e estava cansada de ser manipulada por estrangeiros.
     Mesmo assim eles conseguiram adiar as eleiçõespor cinco anos (de1984 a 1989) enquanto emplacavam José Sarney como presidente eleito indiretamente por um Congresso dominado por eles, uma Constituinte dominada por eles e ainda conseguiram eleger Fernando Henrique por dois períodos consecutivos.
     Somando tudo, o Brasil ainda levou 18 anos, de 1984 a 2002, para se libertar do domínio imperialista, coisa que só conseguiu com a eleição de Lula e mesmo assim, sob muitos compromissos de "respeitar contratos" e não alterar muito o status quo do regime capitalista que eles implantaram a ferro e fogo no Brasil.
     A diferença entre 1984 e hoje é que as antigas potências estão enfraquecidas e o mundo caminha para uma multipolaridade que faz com que esse controle se torne cada dia mais difícil de ser mantido.
      Uma das consequências do fim das ditaduras na América Latina foi o surgimento do Mercosul e a ascenção dos nossos povos á prosperidade e ao desenvolvimento. O mesmo deve acontecer na região árabe, que quando democratizada tende a formar um gigantesco mercado, uma economia poderosa e um novo pólo de poder, ameaçando mais ainda a manutenção dos velhos projetos coloniais.
     Quanto aos discursos americanos de defesa da democracia, são apenas mentiras para encobrir as ditaduras que eles apóiam e os crimes que praticam pelo mundo, sequestrando e matando pessoas nas suas prisões secretas.
 
Fisiologismo e reformas

     Nossa imprensa, atrelada aos interesses da elite colonial brasileira, continua dando destaque à necessidade de reformas estruturais que atendam seus interesses. São sempre as mesmas: reforma tributária, reforma previdenciária (de novo?), reforma trabalhista (para retirar direitos dos trabalhadores) e reforma política. Tudo dentro da perspectiva de terminar a montagem de um Estado que atenda seus interesses, baseado no velho projetinho neoliberal do consenso de Washington (os 18 anos que comentamos acima ainda não foram suficientes para fazer tudo que eles queriam).
     Enquanto isso, a esquerda, ou o que restou dela, fica a reboque dessa campanha e esquece da sua própria agenda de reformas: reforma agrária produtiva (acabando com os latifúndios e apoiando efetivamente a produção agrícola nos assentamentos), reforma educacional (federalizando e laicizando a educação), reforma urbana (que acabe com a especulação imobiliária e o monopólio dos transportes urbanos) e a mudança da matriz energética brasileira, para fontes de energia limpa, que evitem o aquecimento global e o desmatamento descontrolado.
     Enquanto isso, nos partidos ditos "de esquerda", só se pensa em cargos, cargos e mais cargos.
     Até quando vamos esperar para retomar nossa própria agenda? Falta coragem ou honestidade? Ou será que o fisiologismo destruiu definitivamente nossos ideais de justiça e liberdade?

                                          Invasões em Rio de Contas

     A falta de uma política habitacional em Rio de Contas, na Chapada Diamantina, está levando a população a se organizar para invadir áreas públicas ociosas, com a finalidade de suprir a carência de oferta de imóveis a preços populares.
     A alta do preço dos imóveis na cidade tem criado uma pressão por novos investimentos, que não estão sendo feitos pela atual administração, marcada pela paralisia e pela desorganização, e a organização popular começa a substituir a ação do governo, permitindo que novas lideranças surjam na cidade.
     Infelizmente, alguns políticos inescrupulosos e até empresários locais tem se aproveitado da mobilização legítima da população para tentar obter lotes com finalidades eleitorais ou especulativas. Enquanto isso, os responsáveis pela elaboração do novo Plano Diretor Participativo aguardam o pagamento para enviar o texto definitivo à votação na Câmara, o que poderia mostrar um caminho para a solução técnica do problema.
     Esperamos que a pressão popular organizada leve a Prefeitura a tomar alguma iniciativa, de forma a atender as demandas por habitação, caso contrário todo o esforço feito na elaboração do Plano Diretor se perderá e nossa jóia da arquitetura colonial tende a se tornar mais uma cidade a crescer em meio ao caos da falta de planejamento urbano.
    
    


Histórias de outras vidas (39)


Um primo torto

     Ele era filho de um amigo de meu pai, a quem chamávamos de tio, um sujeito muito divertido, carecão, cabeça reluzente de bola de bilhar, óculos fundo de garrafa, bigodões e voz grossa. Sempre brincalhão, inventava mil histórias para divertir a gente.
     Ele e meu pai eram como irmãos. Um acudia o outro em qualquer aperto. Gostavam de viajar juntos com as famílias e assim nos aproximamos muito deles.
     A esposa do amigo do meu pai, a quem chamávamos de tia, era um tipo meio argentino: cabelos negros, pele muito branca e cozinhava muito bem. Tinham um casal de filhos.
     Quando ainda morávamos no Rio, na década de 1950, íamos passar os domingos na Barra da Tijuca, que naquela época era um local distante e ermo, com praias desertas e sem assaltos. Ficávamos até as oito da noite fazendo fogueiras na areia.
     O Filho deles, a quem chamávamos de primo, um primo torto, como se dizia, porque não era primo de verdade, era mais ou menos da idade de meu irmão mais velho e sempre foi meio atrapalhado, para não dizer desastrado.
     Nessa época passávamos férias em Araruama e às vezes ele ia com a gente.
     Araruama tinha muitos marimbondos, daqueles pretos, grandões, e eles faziam suas casas nos telhados. Tínhamos que derrubá-las com fogo, fazendo um chumaço de papelão ou de pano embebido em alcatrão, onde colocávamos fogo, aproximando-o da casa dos bichos várias vezes para assustá-los, o que produzia muita fumaça. Quando eles saiam então derrubávamos a casa vazia com um pau e pronto.
     Um dia o pai incumbiu meu irmão de tirar uma enorme casa de marimbondos de um barracão de palha de sapê, que usava como garagem. O primo estava lá e cismou de que ele iria fazer o serviço. Apesar de todas as explicações, não houve jeito: encostou o fogo na palha e queimou todo o telhado.
     Em outra ocasião, também em Araruama, meu pai deu um barco ao meu irmão. Meu irmão sempre adorou barcos e esse era o primeiro barco da sua vida, um pequeno bote a remo que ele passou meses calafetando com piche, lixando e pintando. Na viagem inaugural pela Lagoa de Araruama lá estava o primo, para sugerir a meu irmão que entrassem por um canal que atravessava a cidade e passava por baixo de uma pequena ponte. Na ida foi tudo fácil, mas na volta a maré subiu, o barco ficou entalado na ponte e à medida em que a maré subia, o bote se rebentou todo.
     Em 1960 nos mudamos para Brasília, e o tio também foi. Lá o primo continuou aprontando das suas. Foi acampar com sua turma da escola e sentou-se sobre um cupinzeiro. Os cupins fizeram tuneizinhos na sua bunda e ele teve que ir para o hospital.
     Depois, já no ensino médio resolveu que iria roubar a prova de matemática para evitar ficar de recuperação. Pulou a cerca do colégio Elefante Branco durante a noite e levou um tiro do vigia, na perna.
     Ficamos sócios do Iate Clube, um dos primeiros clubes de Brasília: eles também. Um dia o primo bebeu umas doses a mais e subiu com seu fusca na beira da piscina para impressionar as meninas: foi expulso.
     Seu pai logo morreu de enfarte e depois disso, meu pai é que sempre ia tirá-lo das confusões.
     Como era míope, sua carteira de motorista dizia expressamente que tinha que dirigir de óculos, mas para parecer mais bonitão para as garotas, ele nunca usava os tais óculos. Um dia viajando para o Rio cruzou com um carro que vinha na direção contrária, chocando-se na lateral, simplesmente por não enxergar direito. Sem ferimentos graves, mas o carro ficou imprestável.
     Depois disso resolveu seduzir a empregada e a moça ficou grávida. Sua mãe teve que criar sua filha.
     Durante muito tempo teve uma namorada, de quem parecia gostar muito. Um dia chegou lá em casa contando a história de que uma cigana havia previsto que ele nunca iria se casar com ela. Para provar que a cigana estava errada marcou casamento, mas na véspera a noiva fugiu com outro.
     Depois ele sumiu, voltou para o Rio e só fui vê-lo muitos anos depois, numa reunião familiar se jactando de que não precisava trabalhar, pois vivia de rendas. Instado a dizer que rendas eram essas, confessou que era apenas o aluguel de um quarto e sala que seu pai havia deixado.
     Pobre primo. Passados muitos anos soube dele. Casou-se e se aposentou como funcionário público. Numa visita a meus pais chorou muito vendo a foto de seu pai, de quem todos gostávamos tanto.
     Parece que a vida não lhe reservou nada de especial além das confusões que aprontava e do pai maravilhoso que teve e que só soube reconhecer muito tarde.
     Apesar de tudo as lembranças de suas trapalhadas deixaram uma nota de humor na memória daqueles tempos. Coisas que o tempo não apaga.

     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 30 de janeiro de 2011

Rapidinhas

Viva a revolução!


     Que coisa boa ver os povos árabes se levantarem contra aqueles ditadores nojentos, sustentados pelos Estados Unidos há décadas por lá. Tunísia, Argélia, Egito, Iemen, Jordânia...falta a Arábia Saudita, o Kuait e os outros emirados árabes, onde famílias reais corruptas recebem bilhões em dólares dos americanos para manterem seus povos oprimidos e defenderem os interesses de israel.
     O ditador do Egito, queridinho de Washington e de Tel aviv, está lá há trinta anos e ainda quer colocar o filho no seu lugar. Enqaunto isso o povo amarga o desemprego, a pobreza, a repressão e a humilhação da fome. Mas na hora em que o povo perde o medo não há repressão que segure, afinal, não dá pra matar todo mundo, senão quem iria trabalhar para os opressores, não é mesmo?
     Devíamos fazer o mesmo aqui para expulsar certas figuras corruptas que nunca saem do poder, como o cínico Sarney, que se prepara continuar presidente do Senado. E ainda diz que está fazendo um "sacrifício"..., coitadinho dele.
     Que Alá proteja a todos nós.


Tente comprar uma tampa de vaso

     Minha mãe é cadeirante e me pediu para substituir a tampa do vaso sanitário por uma acolchoada, dessas macias. Primeiro a moça da loja me corrigiu:
     _Não é acolchoada: é almofadada.
     Que saco! Qual é a diferença? Parece esses cronistas do Correio Braziliense que ficam ensinando como é que a gente tem que falar certo. Depois me perguntou:
     _Qual é a marca do vaso?
     _Não sei, isso faz alguma diferença?
     _Ah, cada marca tem um tamanho diferente.
     _Mas antigamente isso era tudo igual, retruquei, ao que ela me olhou com certo desdém, como se eu vivesse em outro planeta.
     Liguei para casa e pedi para alguém conferir a marca.
     _Mas de qual modelo? Essa marca tem vários modelos diferentes.
     _Já irritado falei que não sabia.
     _Seria bom se o senhor trouxesse uma foto do vaso sanitário.
     Não acreditei que aquilo estava acontecendo. Fui em casa, peguei a tampa rígida e voltei à loja.
     _Asssim pela tampa não dá pra saber qual o modelo. Me disse outro vendedor enfastiado.
     Percorri várias lojas e não consegui achar a tal tampa almofadada para aquele modelo de vaso, cujos parafusos estão em lugar diferente das que encontrei.
     As fábricas de vasos sanitários, ao invés de padronizarem os equipamentos, ficam inventando coisas diferentes para obrigar o consumidor a comprar os "reparos", sejam bóias (cada dia mais complicadas) ou uma simples tampa, da marca deles. Eles chamam a isso de fidelização. Eu chamo de tentativa de escravizar o consumidor a uma marca, o que deveria ser proibido.
     Desisti e pedi pra minha filha comprar. Ela fotografou com o celular e saiu em campo, para tentar encontrar uma coisa que deveria ser muito fácil de achar.
     Alguém deveria tomar uma providência.

O Estilo Dilma

     Definitivamente, gosto do jeito de governar de nossa presidente. Me parece que ela vai do particular para o geral, sem grandes teorizações preliminares. Primeiro observa o que tem e depois traça uma trajetória possível dentro das suas prioridades, deixando as pessoas trabalharem enquanto vai avaliando desempenhos.
     Se continuar assim, muita gente que está neste ministério vai dançar, por falta de competência e de qualidades morais para acompanhá-la. Como diz o velho ditado: é no balanço da carreta que se ajeitam as melancias.
     E aqui vai uma sugestão para nossa Presidente: mande reavaliar o estatuto do funcionalismo púbico, que atualmente inviabiliza que servidores públicos denunciem seus chefes. Os funcionários sempre sabem onde estão as roubalheiras, mas não podem falar nada, senão são perseguidos e mesmo demitidos.
     Se eles pudessem falar, muita coisa seria revelada e muitas quadrilhas que se perpetuam nos ministérios, passando de governo em governo, seriam desbaratadas. Isso traria grande economia para o tersouro e daria uma nova motivação aos funcionários de carreira.
Fazer mais com menos, não é isso Presidente?
 

Histórias de outras vidas (38)

O Testamento do Judas

     Em 1985 fui morar em Itabuna, no sul da Bahia, para trabalhar na prefeitura. Lá conheci uma moça com quem quase me casei e acabei tendo um filho. Ela tinha duas famílias, uma biológica e outra adotiva, que a criou. Fiquei amigo das duas, mas me tornei mais amigo do pai adotivo, Zé Conrado.
     Pouco tempo depois ele ficou viúvo e sua família passou sempre a se reunir em torno dele.
     Quando eu ia a Itabuna passava lá com meus dois filhos pequenos, o neto dele e outro, de um segundo casamento. Ele era um cara especial, alegre, brincalhão, gostava de juntar as família e comer um churrasco tomando umas cachaças em infusão que fazia num quartinho nos fundos.
     Sua casa de dois pavimentos tinha um pátio interno, o que permitia que os churrascos fossem feitos numa área bem arejada, longe dos olhos dos vizinhos da rua. Coisa importante, pois Itabuna é uma cidade muito quente no verão e dada a muitas fofocas também.
     Almoçar lá sempre era um prazer e uma diversão. Na verdade me afeiçoei a Zé Conrado quase como um segundo pai, já que meu pai e eu nunca tivemos muita afinidade.
     Na última vez que o vi, ele estava na cadeira de rodas e saímos para passear justamente no dia dos pais. Fomos ao shopping de Itabuna, e para minha surpresa, perguntado sobre o que gostaria de fazer ele me respondeu que queria tomar um chopp. Tomamos vários chopps, eu, ele e seu sobrinho que fazia as vezes de seu cuidador.
     Sua cabeça estava ótima e a alegria era a mesma e ficou satisfeito ao ser reconhecido por velhos amigos, que o vieram cumprimentar. Conrado era um sujeito conhecido na cidade. Trabalhou como policial no setor de identificação e por isso conhecia quase todo mundo. Foi administrador de Itapé, quando este lugar ainda era um distrito de Itabuna. Muita gente o cumprimentava quando saíamos na rua. Até umas moças de aspecto meio liberal, uma vez vieram cumprimentá-lo num bar, quando estávamos tomando uma cerveja. mas ele fez cara de paisagem e disse que não sabia quem elas eram. Muito engraçado.
     Sair com ele era uma diversão. As vezes ia com toda a turma para minha casa em Ilhéus e na volta me mandava parar num restaurante para comermos Pitú e tomarmos cerveja. Mas ele não bebia muito. Com três cervejas caía no sono e roncava alto.
     Mas o mais engraçado era depois da Semana Santa, em Itabuna. Pra quem não é da Bahia, lá eles tem o hábito de fazer um testamento do Judas, antes da tradicional malhação. Ao contrário do Rio de Janeiro, o Judas na Bahia não é apenas um boneco de pano que se pendura no poste e que as crianças saem batendo com um pau até destroçá-lo. Lá ele é explodido por fogos de artifício enxertados dentro dele e que são acionados através de um fio, onde muitos fogos vão explodindo até que o fogo chegue ao boneco.
        Mas como muitas outras festas na Bahia, a malhação do Judas tem um festeiro oficial, que é o sujeito que organiza a festa, tendo inclusive autorização para arrecadar fundos para comprar os materiais necessários e montar o palanque, em local público, autorizado pela municipalidade. O festeiro oficial também é o testamenteiro, ou seja, ele é quem escreve o tal testamento, que é um monte de piadas com as pessoas da vizinhança.
     Então, vamos que na vizinhança exista uma Dona Maria, muito gorda, o testamento poderia dizer:
     _Para Dona Maria deixo a balança de pesar minhas vacas.
     Ou para um corno conhecido:
     _Para seu fulano deixo um chapéu com dois furos.
     E por aí vai. Mas ninguém pode se zangar com as brincadeiras, que provocam muitas risadas e fazem com que a comunidade se aproxime, numa espécie de lavagem coletiva de seus pecados.
     Pois Zé Conrado sempre foi o testamenteiro da festa do bairro Conceição. Além disso, ele e seu filho mais velho transformavam sua casa num verdadeiro paiol de pólvora, onde eram preparados os fios e as bombas, para o show pirotécnico da explosão final do Judas.
     Era assustador chegar lá na véspera do evento e ver aquela quantidade enorme de bombas e fios, as mulheres montando o boneco com panos e trajes velhos  numa confusão de gente entrando e saindo, e o testamento, ao qual ele dedicava muitas horas de preparo, até que se transformasse num enorme documento, em forma de pergaminho, que na hora da sua leitura era desenrolado num gesto teatral, caindo aos pés do palanque e avançando uns cinco metros em meio à multidão, já provocando muitas risadas pelo seu tamanho.
     O problema é que quando Conrado começava a leitura do enorme documento já tinha tomado algumas doses da sua cachaça especial de jabuticaba, feita numa infusão deixada de um ano para o outro, e começava a ficar sonolento e se atrapalhar com as palavras, o que tornava o evento mais engraçado ainda.
     Finalmente quando o fogo vinha queimando o fio e explodindo as bombas suspensas até chegar no boneco, ele já roncava em alguma cadeira próxima ao palanque, cuidado por seus familiares e por toda a vizinhança que o conhecia.
     Hoje, sem a liderança dele, a malhação do Judas no bairro Conceição não é mais a mesma, mas todas as vezes que me detive em sua casa para saudá-lo, seus olhos zombeteiros ainda me fizeram rir e admirar sua enorme alegria de viver.

     Boa segunda feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza
 


    
 
    



domingo, 23 de janeiro de 2011

Rapidinhas

Hipocrisias

     Obama cobra direitos humanos do presidente da China. Esqueceu-se da invasão do Iraque, que matou centenas de milhares de civis iraquianos e da prisão de Guantanamo em Cuba, onde prisioneiros são mantidos ilegalmente debaixo de tortura?
     O Vaticano reclama das imoralidades sexuais de Silvo Berlusconi. Esqueceram-se dos escândalos de pedofilia que mostram que os padres estrupavam crianças há séculos, protegidos pelo próprio Vaticano?
     Casos explícitos de dupla moralidade. Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço.
                                             Nossa imprensa, como sempre, não questiona nada.

Cultura Global

     Esta edição do Big Brother Brasil 11, parece ter escolhido a escória das ruas para desfilar suas taras sexuais na TV. Dá a impressão que a profissão de modelo virou disfarce para todos os tipos de prostituição, seja masculina, feminina ou gay. Não quero ser injusto nem agressivo, mas ali todos tem cara de garotos ou garotas de programa. Esta é a contribuição da Globo para a nossa cultura?

                            Idiotia
     De nada adiantou construirem uma rodoviária nova em Brasília, com todos os atributos de um aeroporto moderno, tipo praça da alimentação e bilheterias eletrônicas para os receber os cartões de embarque. Os funcionários continuam praticando todas as idiotices implantadas no tempo de Joaquim Roriz. Formam uma imensa fila única para "conferir" os cartões de embarque, tentando impedir que pessoas entrem na plataforma de embarque antes do horário permitido (30 minutos). Com isso criam uma gigantesca confusão que anula toda a capacidade de absorção de público do terminal, com suas quatro bilheteiras para entrada simultânea criando um problema desnecessário para quem já está atrapalhado com suas bagagens.
     Puro exercício de autoritarismo, para mostrar "quem manda". Brasília infelizmente está cheia dessa idiotia de gente que veio dos grotões do entorno e quando consegue um cargozinho qualquer, quer fazer valer seus "pequenos poderes" sobre os outros.
     Além disso o terminal já está imundo, sem varredores que o mantenham limpo e com o único estacionamento privatizado, cobrando R$3,00 para quem vai apenas ficar alguns minutos para receber um parente ou amigo. O resultado é que todo mundo pára ao longo das vias de acesso, congestionando o trânsito, em locais proibidos. Mas lá no meio do estacionamento privatizado, umas 10 vagas são reservadas para uma locadora de automóveis, privilégio incompreensível.
     Em torno da estação existe muito espaço para fazer mais vagas e seria correto haver um estacionamento público e outro privatizado, dando ao usuário o direito de escolha. O próprio acesso à rodoviária obriga a gente a fazer voltas incompreensíveis.
     Tudo errado, governador Agnelo Queiroz. Valia a pena corrigir os acessos, aumentar os estacionamentos e entregar o terminal a um concessionário que tivesse o mínimo de compromisso com o interesse público e com a eficiência.
    
Histórias de outras vidas (37)
O Black and White
     O ano era 1972/73. O lugar; Santiago do Chile.
     Era uma época de grandes agitações sociais no Chile, que vivia sua revolução pacífica rumo ao socialismo, no governo de Salvador Allende. Eu, como milhares de estrangeiros, principalmente latino-americanos, tinha ido morar lá, fugindo da opressão das ditaduras militares que se multiplicavam pela América Latina, patrocinadas pelos Estados Unidos, em nome da defesa do "mundo livre", triste eufemismo.
      Santiago havia se convertido na meca da filosofia política do século XX, em torno da construção de um novo socialismo democrático e também numa Babel, com gente falando todas as línguas do mundo.
     Com pouco mais de 20 anos eu vivia na Calle Merced, num pequeno quarto e sala que dividia com um amigo, estudava e saía nas noites em busca de alegria e divertimento, como costumam fazer os jovens. E havia muito a ver. A Chile Films, uma distribuidora estatal de cinema, trazia filmes de todas as partes do mundo e os exibia em diversas salas próprias, num tempo em que os cinemas ainda não estavam confinados em shoppings. Me lembro de assistir  filmes búlgaros, húngaros, russos, cubanos, chineses, coisa que nunca mais vi.
     Espetáculos de dança e acrobacia chineses e de toda a Europa, frequentavam a cidade, sempre a preços acessíveis e haviam os pequenos bares para se saborear um bom vinho tinto, boates para assistir um autêntico streap-tease ao som de tangos, com seus violinos e bandoneons, além das peñas, casas de música chilena, como a Peña de los Parra, da família de Violeta Parra, onde se podia curtir músicos famosos ao vivo, como Victor Jara, cantando a nova canção chilena.
     Santiago era um burburinho, uma esquina da humanidade, uma festa de política e cultura, antes de se transformar no cemitério de Pinochet.
     E no meio daquela agitação política e cultural havia uma velha casa no centro da cidade, em estilo colonial espanhol, com colunas arredondadas na porta, um telhadão de telhas vermelhas e um piso xadrez, preto e branco, onde funcionava o velho cabaré Black and White.
     Quantas noites inesquecíveis naquele lugar, ouvindo cantores antigos e novos e dançando tangos e cumbias colombianas, com turmas de amigos e namoradas, embebedando-me com pisco-sauers, uma espécie de caipirinha feita com pisco, um aguardente de uva, muito saborosa.
     Mas isso foi num tempo em que lutava-se por ideais e não apenas por cargos como hoje.
     Quando olho para trás e penso nesses tempos heróicos, e vejo no que se transformou a esquerda de hoje, sinto uma tristeza imensa. Não apenas porque os partidos de agora não levantam mais nenhuma bandeira de libertação da humanidade, mas também pelos que morreram por elas e por ideais que foram vendidos tão baratos na "bacia das almas".
     Os próprios socialistas chilenos, nunca mais tiveram coragem de se levantar e hoje apoiam o neoliberalismo. No Brasil o PT tentou apagar a memória da luta dos comunistas e socialistas, como se a história tivesse começado em 1981, ano da fundação do partido e do seu discursinho social-democrata.
     O Black and White fechou, foi demolido, não existe mais, mas sua memória resiste naqueles que ali um dia se encontraram, embalados pelos sons da música latino-americana e pelos sonhos da construção de um novo mundo.

     Boa segunda-feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza