O ano era 1972/73. O lugar; Santiago do Chile.
Era uma época de grandes agitações sociais no Chile, que vivia sua revolução pacífica rumo ao socialismo, no governo de Salvador Allende. Eu, como milhares de estrangeiros, principalmente latino-americanos, tinha ido morar lá, fugindo da opressão das ditaduras militares que se multiplicavam pela América Latina, patrocinadas pelos Estados Unidos, em nome da defesa do "mundo livre", triste eufemismo.
Santiago havia se convertido na meca da filosofia política do século XX, em torno da construção de um novo socialismo democrático e também numa Babel, com gente falando todas as línguas do mundo.
Com pouco mais de 20 anos eu vivia na Calle Merced, num pequeno quarto e sala que dividia com um amigo, estudava e saía nas noites em busca de alegria e divertimento, como costumam fazer os jovens. E havia muito a ver. A Chile Films, uma distribuidora estatal de cinema, trazia filmes de todas as partes do mundo e os exibia em diversas salas próprias, num tempo em que os cinemas ainda não estavam confinados em shoppings. Me lembro de assistir filmes búlgaros, húngaros, russos, cubanos, chineses, coisa que nunca mais vi.
Com pouco mais de 20 anos eu vivia na Calle Merced, num pequeno quarto e sala que dividia com um amigo, estudava e saía nas noites em busca de alegria e divertimento, como costumam fazer os jovens. E havia muito a ver. A Chile Films, uma distribuidora estatal de cinema, trazia filmes de todas as partes do mundo e os exibia em diversas salas próprias, num tempo em que os cinemas ainda não estavam confinados em shoppings. Me lembro de assistir filmes búlgaros, húngaros, russos, cubanos, chineses, coisa que nunca mais vi.
Espetáculos de dança e acrobacia chineses e de toda a Europa, frequentavam a cidade, sempre a preços acessíveis e haviam os pequenos bares para se saborear um bom vinho tinto, boates para assistir um autêntico streap-tease ao som de tangos, com seus violinos e bandoneons, além das peñas, casas de música chilena, como a Peña de los Parra, da família de Violeta Parra, onde se podia curtir músicos famosos ao vivo, como Victor Jara, cantando a nova canção chilena.
Santiago era um burburinho, uma esquina da humanidade, uma festa de política e cultura, antes de se transformar no cemitério de Pinochet.
E no meio daquela agitação política e cultural havia uma velha casa no centro da cidade, em estilo colonial espanhol, com colunas arredondadas na porta, um telhadão de telhas vermelhas e um piso xadrez, preto e branco, onde funcionava o velho cabaré Black and White.
Quantas noites inesquecíveis naquele lugar, ouvindo cantores antigos e novos e dançando tangos e cumbias colombianas, com turmas de amigos e namoradas, embebedando-me com pisco-sauers, uma espécie de caipirinha feita com pisco, um aguardente de uva, muito saborosa.
Mas isso foi num tempo em que lutava-se por ideais e não apenas por cargos como hoje.
Quando olho para trás e penso nesses tempos heróicos, e vejo no que se transformou a esquerda de hoje, sinto uma tristeza imensa. Não apenas porque os partidos de agora não levantam mais nenhuma bandeira de libertação da humanidade, mas também pelos que morreram por elas e por ideais que foram vendidos tão baratos na "bacia das almas".
Os próprios socialistas chilenos, nunca mais tiveram coragem de se levantar e hoje apoiam o neoliberalismo. No Brasil o PT tentou apagar a memória da luta dos comunistas e socialistas, como se a história tivesse começado em 1981, ano da fundação do partido e do seu discursinho social-democrata.
O Black and White fechou, foi demolido, não existe mais, mas sua memória resiste naqueles que ali um dia se encontraram, embalados pelos sons da música latino-americana e pelos sonhos da construção de um novo mundo.
Boa segunda-feira a todos
Ricardo Stumpf Alves de Souza
Mas isso foi num tempo em que lutava-se por ideais e não apenas por cargos como hoje.
Quando olho para trás e penso nesses tempos heróicos, e vejo no que se transformou a esquerda de hoje, sinto uma tristeza imensa. Não apenas porque os partidos de agora não levantam mais nenhuma bandeira de libertação da humanidade, mas também pelos que morreram por elas e por ideais que foram vendidos tão baratos na "bacia das almas".
Os próprios socialistas chilenos, nunca mais tiveram coragem de se levantar e hoje apoiam o neoliberalismo. No Brasil o PT tentou apagar a memória da luta dos comunistas e socialistas, como se a história tivesse começado em 1981, ano da fundação do partido e do seu discursinho social-democrata.
O Black and White fechou, foi demolido, não existe mais, mas sua memória resiste naqueles que ali um dia se encontraram, embalados pelos sons da música latino-americana e pelos sonhos da construção de um novo mundo.
Boa segunda-feira a todos
Ricardo Stumpf Alves de Souza
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