Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 21 de novembro de 2010

Cidades Sustentáveis IV

Mobilidade urbana

     Mobilidade urbana é a capacidade das pessoas circularem pela cidade. Ela tem um custo para os cidadãos e para as municipalidades. Tema obrigatório para a copa do mundo de 2014, a necessidade de dotar nossas cidades sedes de uma adequada mobilidade urbana, trouxe à tona décadas de erros e atrasos nesta área.
     Na verdade nem são erros, mas resultados de políticas equivocadas que visaram favorecer a venda de automóveis, em detrimento da racionalidade, resultando no caos atual, onde ruas e avenidas são sempre ampliadas a um custo elevado, mas não conseguem dar conta do volume de veículos despejados nelas diariamente pelas montadoras, tornando o trânsito inviável.
     Em cidades feitas para o automóvel, como Brasília, esse custo para o cidadão é altíssimo. Praticamente cada filho de uma família de classe média que começa a trabalhar ou fazer faculdade precisa comprar um carro, já que os transportes públicos, feitos principalmente por ônibus movidos a diesel, são lentos caros e sub-dimensionados. No caso de Brasília o metrô existente é insuficiente, com sua única linha atendendo apenas a parte sul do DF. As composições tem apenas quatro vagões (e as estações acompanharam o tamanho das composições, criando um problema para expandir o sistema).
     Em São Paulo, com a maior malha de metrôs, as linhas estão sempre correndo atrás do problema. Não se constrói novas linhas para induzir o crescimento da cidade, mas para atender regiões já saturadas.
     Para se ter uma idéia, em nenhuma capital brasileira os metrôs atendem aos aeroportos (apenas a algumas rodoviárias) o que demonstra uma visão elitista do transportes de massa. Na cabeça dos nossos planejadores os aeroportos foram feitos para quem tem alta renda e só anda de táxi.
     Dois erros: o primeiro é que metrô não é apenas para pobres, mas para que todo cidadão se locomova rapidamente pela cidade. O segundo foi pensar que o transporte aéreo nunca se popularizaria no Brasil.
     Só para se ter uma idéia de como os aeroportos eram elitizados, nossa primeira seleção campeã do mundo, em 1958, teve que sair por um portão dos fundos do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ao chegar da Suécia, porque não ficava bem jogadores de futebol passando por dentro do terminal.     
     Na emergência de ter que dotar de mobilidade urbana ao menos as cidades sedes da copa do mundo de 2014, há que se fazer escolhas rápidas.
     Hoje estão disponíveis os sistemas de metrôs, os corredores de ônibus (tradicionais ou articulados), os VLTs (veículos leves sobre trilhos- foto ao lado) e os VLPs (veículos leves sobre pneus).
         Os metrôs são mais caros (cerca de US$100 milhões por km) e geram maior transtorno para sua construção, mas quando subterrâneos tem a vantagem de não impactar a paisagem urbana. Os corredores de ônibus, já existentes em muitas cidades brasileiras, tem o inconveniente de usar veículos movidos a diesel, poluidores, provocando o estreitamento das vias existentes, que passam a ficar mais congestionadas. Seu custo também é alto (US$20 milhões por km). Se forem configurados como um sistema fechado, em que o passageiro paga apenas uma vez para ingressar e pode mudar de linha, chamam-se BRTs (Bus Rapid Transport). No Brasil o melhor e mais antigo exemplo é o de Curitiba. São Paulo construiu um BRT sobre via elevada, que é o Expresso Tiradentes, de custo alto e performance duvidosa.
     Os VLTs e os VLPs, exigem uma calha exclusiva, semelhante a dos corredores de ônibus, mas podem ter a calha suspensa. As calhas suspensas tem a vantagem de simplificar a intervenção urbana, diminuindo as desapropriações e o volume de obras (não há grandes escavações), e podem cruzar sobre avenidas existentes, parques, praças, rios e outros obstáculos.
      Brasília começou a construir um VLT ligando o aeroporto ao estádio e ao setor hoteleiro, mas a obra foi embargada pelo Tribunal de Contas e se tornou um esqueleto herdado do governo Arruda. O projeto, se fosse executado, implicaria na derrubada das árvores cinquentenárias da Av. W3, ao longo de 6 km. Só por isso já seria um absurdo.
O custo de um VLP suspenso, também conhecido como monotrilho, são relativamente menores que o do metrô (entre 37 e 50 milhões por Km). São Paulo se prepara para construir várias linhas suspensas de VLPs (ao lado).  
     Manaus está fazendo a licitação do seu primeiro transporte de massa, que será também um VLP, tipo monotrilho.
     O custo da passagem do VLP ou VLT varia entre a
passagem de ônibus e a de metrô, dependendo da sua capacidade de transportar mais ou menos passageiros. O metrô é mais caro mas transporta mais passageiros.
      Vários metrôs também tem trechos suspensos. Salvador está construindo um metrô cuja primeira etapa é quase toda sobre calha suspensa, mas pode se expandir com trechos subterrâneos. O que os diferencia é o tipo de trens. Metrôs tem aceleração e frenagem rápida e capacidade maior de transportar passageiros.
    A empresa canadense Bombardier, está propondo um VLT sobre calha suspensa, mais rápido e com maior capacidade, para São Paulo. Seria o primeiro desses sistemas a ser implantado no mundo.
          Todos esses sistemas podem e devem ser integrados a sistemas convencionais de trens e ônibus, configurando uma grande malha que atinja toda a cidade.
     O importante nessa corrida pela mobilidade urbana é que a mentalidade rodoviária seja suplantada pela do transporte coletivo de qualidade que funcione como uma restrição ao transporte individual, liberando os espaços públicos, hoje entulhados de carros, para os pedestres, os parques, as bicicletas e para a natureza.
     Perdem as montadoras, perde o modelo consumista, perdem os bancos que movimentam via crédito todo esse consumo, perdem os interesses imobiliários, mas ganha a racionalidade e a qualidade de vida.
     Mas tudo isso ainda são paliativos para mega-cidades que cresceram sem planejamento, ao sabor de interesses corporativos. O futuro estará em pequenas cidades planejadas, livres de automóveis, mais democráticas, funcionais e limpas.

Rapidinhas

Dia de Visita
     Atenção amantes do teatro e das artes plásticas: vai começar a mostra Dulcina de Teatro e Artes Plásticas, que ocorre duas vezes por ano, com trabalhos dos alunos da faculdade Dulcina de Moraes, em Brasília.
     Antes da estréia, porém, está em cartaz (último dia hoje, 21 de novembro às 20,00h.) um sucesso da penúltima mostra, agora em circuito comercial:  Dia de Visita, baseado em duas peças de Plínio Marcos que tratam sobre o sistema carcerário brasileiro: Barrela e Mancha Roxa.
     Encenado nos subterrâneos do Centro Comercial Conic, o público é tratado como se fosse uma turma que vai visitar um presídio, sendo recebido pelos "guardas" que os encaminham para as celas. Aí pode-se escolher entre as celas masculina e feminina, em corredores diferentes. Em frente às celas, pequenas arquibancadas para assistir aos espetáculos que se desenrolam atrás das grades. Ao final das encenações o público se dirige a outra cela e assiste ao outro espetáculo. Assim, as duas peças são encenadas duas vezes seguidas. Barrela (na cela masculina) é uma das primeiras peças escritas por Plínio Marcos e A Mancha Roxa (na feminina) a última.  
     Curiosamente as duas tratam do mesmo tema, o precário sistema carcerário brasileiro, embora o abordem sob foco diferente (violência sexual e DSTs nas prisões).
     Bom programa para nossos distraídos parlamentares que nunca se preocupam com o destino dos presos no Brasil. O espetáculo é chocante, na crueza do seu realismo, mas dá voz aos que nunca tem voz, especialidade do autor.
Dirigido por de Francis Wilker e Nei Cirqueira.
Produção; Cia Fábrica de Teatro/DF.




Um Terrível Equívoco


     Acabo de passar 6 anos e meio na selva colombiana junto com Ingrid Betencourt, lendo o impressionante relato do seu sequestro pelas Farc, a guerrilha colombiana, no livro Não há silêncio que não termine (Cia Das Letras, São Paulo - 2010).
     Venho sofrendo há dias com essa leitura pela qual eu ansiava desde que Ingrid fora solta. Já havia comprado um pequeno livro com a carta que ela escrevera à sua mãe desde o cativeiro, mas nada se compara a este tremendo panorama memorialista com que ela nos brinda, no seu excelente texto, para nos fazer cair na realidade da tragédia latino-americana.
     Minha primeira reação ao terminar de ler o livro foi me olhar no espelho e chorar envergonhado, me perguntando como pude apoiar as Farc, como pude ter simpatia por esse grupo capaz de cometer tantas desumanidades em nome de uma revolução que não faz mais sentido, embora sempre tenha me posicionado contra os sequestros?
     Que terrível equívoco! Agora entendo o silêncio dos cubanos, que há anos não apóiam mais esse movimento, que se desvirtuou para uma espécie de afirmação personalista de heróis do campo, sem ideologia maior que a própria grandeza que tentam construir.
     Pobres de nós, latino-americanos, espremidos entre o império norte-americano e nossas próprias incongruências absurdas.
     Nós brasileiros, que lutamos tanto pela democracia não podemos apoiar um movimento que se dá o direito de escolher indiscriminadamente pessoas que vai retirar da vida civil, inclusive crianças e idosos, submetendo-os à um submundo, uma vida de cão, que consiste em ser arrastados pela selva acorrentados pelo pescoço, sem nenhuma dignidade, para serem usados como moeda de troca.
     Nada justifica o que eles fazem, nem mesmo a indiferença da burguesia colombiana em relação à miséria do seu povo, principalmente nas áreas rurais, nem o horror dos paramiliatres e da corrupção, num país em que o tráfico de coca corrompeu até os revolucionários.
     Está na hora da Colômbia ter um governo democrático de esquerda que distribua suas riquezas e encerre de vez essa guerra absurda.
     Pensei que Ingrid fosse ser candidata a presidente da Colômbia nas últimas eleições. Mas como poderia voltar à vida pública sem antes tirar dos seus ombros essa imensa carga de sofrimento? É isso que ela acaba de fazer através do seu depoimento.
     É muito impressionante, não apenas pela descrição detalhada dos fatos, das experiências vividas, da maneira como as Farc se organizam, dos flagelos inflingidos aos prisioneiros, mas pelo olhar humano que soube descobrir as belezas ocultas, revelar as sombras, levantar os véus do que se passava em cada ser humano envolvido nessa trama terrível.
     Liberta pelas suas palavras, quem sabe Ingrid possa dar um jeito naquele país, que ninguém melhor do que ela conhece agora. Não deixem de ler.

Reencontro


     Convidado por Regina Reis, participei sábado, dia 20, do jantar de confraternização da turma de 1985, da faculdade Dulcina de Teatro, onde fui professor em 1984. Fiquei emocionado com a lembrança e a amizade dela e também com os reencontros calorosos no restaurante Le Jardim, no Clube de Golfe.       
     Muito bom ver os talentos que nasceram ali e floresceram, vindos agora de todo o Brasil, se reencontrando e traçando planos para o futuro. A Dulcina continua sendo a alma do teatro braziliense. Antes fomos assistir à peça Última Cena para Lorca, concepção e direção de André Amaro, no teatro Caleidoscópio.  Belíssimo espetáculo, de um rigor impressionante, tanto nas atuações quanto na parte musical, passando ao público toda a energia e a musicalidade do povo espanhol. Lindo!
No domingo mais reencontros num almoço no Beirute.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 14 de novembro de 2010

Rapidinhas

Preconceito

     A insistência do promotor paulista contra Tiririca já passou dos limites e revela apenas o preconceito da elite paulista por ver um palhaço eleito no lugar dos seus representantes, preteridos por um eleitorado interessado em protestar contra os políticos tradicionais.
     Já seria o caso do próprio Tiririca processar o promotor por racismo contra nordestinos e tirá-lo da sua função. Aliás, a ala serrista do PSDB, que inclui FHC (e representa gente como esse promotor), parece que não aceitar a derrota e a consequente desimportância adquirida pelo seu partido. Foram contaminados pelo virus do Tea Party, a ultra-direita da Partido Republicano dos Estados Unidos que não se conforma em ver um negro governando seu país, usando discursos a favor da paz, a favor da integração mundial e outros que vão contra a auto-imagem de líderes hegemônicos que eles mesmos construíram para sí.
     É duro perder o poder.

60 anos
     Tenho um filho jornalista, muito envolvido com política. Acho interessante como ele encara a vida, como se fossem etapas, fases que vão passando.
     Ontem ele me disse que tinha boas intuições sobre 2011 e que sabia desde o início que o ano de 2010 seria difícil, mas que resultaria numa nova fase, muito melhor.
     Ah, como eu gostaria de ter sua certeza. Também achei 2010 difícil, mas quando olho pra frente vejo meus 60 anos se aproximando (em março próximo) e me pergunto o que fiz nessa vida. Vejo tanta gente correndo atrás de fama e carreira, dinheiro, e essas coisas, e penso que passei os últimos 30 anos cuidando de filhos e vivendo sonhos imposssíveis. Mas quando olho pra trás e vejo os cinco filhos, me lembro da música de Daniela Mercury, que já me fez chorar uma vez: são cinco meninos, são cinco destinos... e quando olho para os outros, para os que correram atrás do que chamam de realidade, fico feliz de ter me dedicado a eles, da minha maneira meia maluca mas de qualquer forma, permitindo que eles vivessem algum tipo de sonho perdido, em alguma longínqua cidade do interior. Sonhos que talvez os movam hoje de alguma maneira.
     E vejo também como a solidão, que me impus para criá-los me ajudou a desenvolver esse dom que me move hoje, que é o de escrever. Foi uma troca maravilhosa e mesmo nos meus fracassos com eles, tenho a sensação de ter acertado em alguma coisa, de tê-los conduzido por uma espécie de terra do nunca, adaptada à realidade brasileira e de ter transmitido a eles esse imenso amor que sinto pelo Brasil.
     Fazer 60 anos é muito bom, quando se pode olhar pra trás sem se arrepender do que vivemos, quando se pode olhar para os lados e ver os muitos amigos que garimpamos pela vida e que ainda estão ao nosso lado. Talvez 2011 seja mesmo um ano melhor, ano de coisas novas, que como sempre serão difíceis. Ano de semeaduras e quem sabe, para quem plantou, ano de boas colheitas.

Amigos

     Por falar em amigos, é impressionante como muitos amigos que andavam sumidos tem reaparecido nos últimos tempos. Começou em 2009, com Glória e Lucho, amigos chilenos, continuou esse ano com Eliane do Rio, Juca e Odete, de Vitória, Patter, outro chileno contemporâneo da Faculdade de Arquitetura da Universidad de Chile,  Mônica, do curso de linguística da Uneb, Genny Xavier dos tempos da Prefeitura de Itabuna e agora Regina Reis, que me convida para a festa de 25 anos de formatura de sua turma na Faculdade Dulcina de Moraes em Brasília, no dia 20 de novembro, cujo convite está aí ao lado.
     Pura alegria de reencontros. Viva a internet.
    


Cidades sustentáveis III

     Arquitetura orgânica

     Uma das coisas mais interessantes que apareceu no universo da arquitetura nos últimos anos, foi o conceito de arquitetura orgânica.
     Ao contrário das construções denominadas verdes ou ecológicas, as construções orgânicas não se propõem apenas a respeitar a natureza, em relação ao dispêndio de energia ou ao uso de materiais de construção que não impactem o meio ambiente. Elas são, na verdade, mais um movimento estético que ecológico, mas sua estética está ancorada na natureza, naquilo que os permaculturistas chamam de bordas e padrões.
     Essa concepção é interessantíssima pois investiga a funcionalidade das formas da natureza e a maneira como um meio se relaciona com outro através das suas bordas. Explico.
     Segundo a permacultura (cultura permanente) a margem de um rio, por exemplo, é um local de trocas entre duas realidades diferentes dentro de um mesmo ecossistema. O meio líquido e o meio sólido, da terra, trocam substâncias através das suas margens, ou bordas.
     Segundo eles, o mesmo acontece também numa horta, onde há uma atividade de troca com o meio não-horta, mais intenso nas suas bordas, porque é ali que se encontram mais frequentemente os personagens dos meios distintos. Nas bordas haveria mais polinização das flores, por exemplo, porque seria a primeira fronteira que as abelhas encontrariam. Outros insetos que interagem com as plantas, passariam mais por ali do que pelo centro, etc.

     Isso significa que haveria um dinamismo maior nessas áreas de fronteira entre meios distintos, onde a produtividade também seria maior.
     Baseado nisso, em termos de agricultura orgânica, passa ser interessante aumentar a extensão das bordas, para que as trocas também aumentem exponencialmente. Isso explicaria, na natureza, alguns formatos de folhas muito recortadas, por exemplo.
      A observação desses desenhos naturais, como as curvas de rios, bordas de folhas, ou mesmo corpos de animais, como algumas conchas de crustáceos ou de caracóis, inspiraram muitos arquitetos que trabalham com construções ecológicas a recortar ou voltear mais suas edificações, em busca dessa funcionalidade natural que permitiria, por exemplo, um aumento de superfícies de troca de calor ou de absorção de sol e água.
     Os resultados estéticos da arquitetura orgânica são surpreendentes, porque ao invés de parecerem estranhos eles soam familiares. São como coisas que já vivemos antes, em nosso passado ancestral.
     É claro que aliando essa conceituação a técnicas modernas de design chega-se a coisas verdadeiramente lindas e muito agradáveis de se habitar, embora ainda muito longe de poderem ser construídas em larga escala por nossa sociedade industrializada e cada vez mais urbana.
     São coisas para cidades do futuro, com poucos habitantes, onde o crescimento demográfico e a especulação sobre o solo forem pesadelos do passado, mas sinalizam, sem dúvida, um caminho a ser percorrido.
Histórias de outras vidas (32)

   Primeiro de Abril

     Vivíamos um clima de incertezas no Brasil daquele início de 1964, com o governo João Goulart indo cada vez mais para a esquerda, em tempos de guerra fria, e já se falava abertamente que os comunistas iriam tomar o poder no Brasil.
     Eu morava na 105 sul, uma superquadra de classe média em Brasília, onde viviam os funcionários do IAPI, como meu pai. Tinha acabado de fazer 13 anos e estava namorando pela primeira vez. Era uma menina chamada Elça. Sim, a paixão meia infantil brotara entre a turminha da quadra e eu não parava de pensar nela, que por sua vez, parecia corresponder e as amigas me mandavam recadinhos sugerindo que o caminho estava aberto.
     Foi numa quermesse do Colégio Marista que eu tomei coragem. Depois de dedicar-lhe uma música pelo alto-falante, o que gerou muitos comentários na turminha, chamei-a e disse que queria conversar. Sob olhares excitados de amigos meus e amigas dela, fomos para um canto e tomei coragem, finalmente, dizendo que queria namorar com ela.
     Era assim naquela época, pedia-se para namorar. Ela aceitou e voltamos já de mãos dadas, gerando um frisson na turma.
     Namoro era por etapas. Primeiro pegava-se na mão, depois podia-se abraçar e convidar a ir ao cinema, onde até podia rolar um beijinho. Beijo na boca era mais demorado, só depois de uns 15 dias ou um mês. Sexo nem pensar. O máximo era acariciar o seios da menina e mesmo assim muito discretamente.
     No início de 1964 as mulheres ainda sonhavam em se casar virgens no Brasil e a menina que transava caía logo na boca de todos como galinha, ficando relegada a um plano inferior pelos rapazes, destinada apenas a entretê-los, sem poder sonhar em encontrar um marido que a respeitasse.
     A turminha se reunia debaixo dos blocos da quadra e Elça morava no Bloco 1, na extremidade inferior da quadra, perpendicular ao eixo rodoviário sul. Ligando os blocos uma enorme garagem, cuja laje superior servia como local de brincadeiras e encontros para os jovens da quadra. Era ali, na muretinha sobre a garagem que nos sentávamos, eu e ela, para namorar, junto com o restante da turma.
     O pai de Elça era deputado da bancada do governo e portanto visto como comunista pela classe média local, temerosa de perder seus privilégios se ocorresse um possível golpe comunista, num tempo em que esses golpes se sucediam pelo mundo e os comunistas fuzilavam os burgueses responsáveis pela exploração do povo, segundo eles.
     Num tempo em que a indústria automobilística nacional estava começando, nossos pais tinham DKWs, Aero-Willys e Simca Chambords, mas o pai de Elça tinha um carro muito diferente, um Rambler americano, carro médio, num tempo em que os americanos fabricavam aqueles carrões imensos.
     No dia 31 de março, tinha havido muita movimentação em Brasília. Minha mãe, funcionária do Congresso Nacional, tinha me levado para assisitr os debates das galerias da Câmara, quando pude ver os discursos do líder das ligas camponesas, Francisco Julião e do lacerdista Padre Godinho, e o debate acalorado que se seguiu entre eles. Havia uma eletricidade no ar e todos espervam que alguma coisa acontecesse. 
     No dia primeiro de abril, passamos a tarde toda na laje da garagem, eu, Elça, Lige (Luis Antonio), Geraldo (Costa Manso), Claudia e outros que não me lembro bem e que iam e vinham.  
     Os aero-willys pretos do governo passavam velozes pelo eixão a toda hora, sinal de que os governantes estavam nervosos. Quando anoiteceu, pudemos observar o Coronado da Varig, o avião mais moderno da época, pousar e estacionar no aeroporto, mantendo suas luzes piscando. Sim, naquela época se via o aeroporto dali, o que hoje é impossível devido as quadras que foram construídas. 
     Indiferentes a tudo, na irresponsabilidade dos nossos 13 anos, brincávamos que a coisa estava esquentando. Foi quando Elça se virou e nos disse com a graça que era sua característica: Mas quem vocês pensam que já está no poder? Os comunistas claro! Concordamos todos, mesmo que alguns o fizessem a contragosto, refletindo opiniões de seus pais, pois a situação parecia completamente definida.
     Naquela mesma noite, um daqueles aero-willys passou por ali ventando, com João Goulart a bordo, para pegar o seu Coronado, que o levaria à Porto Alegre, de onde partiria para o exílio, do qual nunca retornaria com vida.
     Na manhã do dia 2 de abril a cidade amanheceu tomada por tanques do exército. A hesitação de Goulart dera tempo à direita de organizar a contra-revolução e executar o golpe, instalando em nome da democracia, a ditadura que marcaria nossas juventudes e nossas vidas. Depois mudaram a data do golpe para 31 de março para não pegar mal.
     O pai de Elça se exilou numa embaixada e nunca mais a vi. O dia primeiro de abril de 1964 foi a maior mentira da nossa história, uma mentira trágica que mudou nossas vidas para sempre.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 7 de novembro de 2010

   Rapidinhas

Morro do Abuso
     Tem lugares que não me atraem, pelo excessivo comercialismo. Um deles é Morro de São Paulo, que de tão falado e propagandeado, sempre me cheirou a uma daquelas armadilhas para turistas, tipo Porto Seguro, onde o turista é tratado como otário e os comerciantes pouco se diferenciam de assaltantes legalizados. Mas finalmente, depois de anos caí na armadilha.  
     A viagem na lancha rápida de Valença é uma beleza, (R$14,00), mas ao desembarcar na ilha, a surpresa: a prefeitura cobra uma taxa de R$10,00 pra entrar na cidade. Já pensou se a moda pega? Vamos cercar Brasília, Ouro Preto, o Pelourinho e cobrar pra entrar, igual os traficantes fazem nas favelas cariocas. 
     Quando perguntadas sobre a finalidade da taxa, as funcionárias da prefeitura dizem que é pra recolher o lixo e para prestar uma serviço de ambulância de lancha (ambulancha).
     Cobrar pedágio pela circulação de pessoas em lugares públicos, ao meu ver, é uma clara violação do direito constitucional de ir e vir.     Que eu saiba a coleta de lixo é financiada pelo ICMS do município, pago pelos turistas em todos os produtos que eles consomem no local e o serviço da tal ambulancha, (que eu não vi em lugar nenhum) deveria ser no mínimo, optativo. Pela Constituição Federal, não se pode criar taxas sem oferecer algum serviço em troca, mas ali parece ser puro assalto mesmo, até porque as praias estavam cheias de lixo, como se vê pela foto acima. E na saída outra surpresinha: para embarcar de volta tem que pagar R$0,62,00 por pessoa para atravessar a ponte até a lancha, porque a ponte é privatizada. Esse tal prefeito Hildécio Antonio Meireles Filho, deve ser amigo do Serra.                 
     Morro de São Paulo pertence ao município de Cairú e eu gostaria de sugerir ao Ministério Público que investigasse a legalidade dessas cobranças, inclusive porque são feitas sem nenhum aviso prévio ao turista que embarca em Valença.     
                                                                                                                                                                                                                                                                                  
                                            Ninguém merece!
    
     Depois do entusiasmo com a eleição da primeira mulher presidente da república e a promessa de renovação na política, quando esperávamos ouvir sobre os novos planos para a educação de qualidade e as novas metas de desenvolvimento para o Brasil, o que aparece no contraditório político? A volta da CPMF!
     Se for verdade isso é no mínimo um estelionato eleitoral, pois ninguém tocou nesse assunto na campanha.
     Será uma vingancinha da base aliada por uma das poucas derrotas parlamentares do governo Lula?
     Acho que o Brasil merece uma outra agenda política. Essa aí é de uma pobreza digna dos nossos piores momentos. Isso é que é começar mal.


                                      O Feudo


     Acabo de ler o livro O Feudo de Luiz Alberto Moniz Bandeira (Civilização Brasileira – Rio de Janeiro – 2.000), cujo subtítulo é A Casa da Torre de Garcia D’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil.
     Trata-se de uma pesquisa que nos dá conta de uma parte incrível da história do Brasil, ignorada pelo currículo das nossas escolas, que é a conquista do nordeste, realizada em grande parte com a ajuda de algumas famílias beneficiadas com sesmarias (propriedades) no início da colônia em troca da garantia da defesa militar contra os invasores externos e os povos indígenas, permitindo assim a formação do império lusitano em terras americanas e dando origem ao que se tornaria o Brasil no século XIX.
     Uma dessas famílias, a de Garcia D’Ávila, angariou uma quantidade fantástica de terras e um poder político e militar como nunca houve e nem haverá novamente em nosso país. Durante 300 anos conquistou e dominou uma imensa região, que se estendia da Bahia ao Maranhão, sediada num autêntico castelo medieval, único nas Américas, construído no século XVI à beira mar, ao norte de Salvador, na enseada de Tatuapara, onde foram erguidas uma torre e fortificações que ajudaram a defender a capital da colônia durante toda sua existência como sede do poder português, constituindo-se num poder paralelo que durou até 1852 quando se extinguiu a instituição do morgado no Brasil, forma jurídica que impedia a divisão da herança familiar, atribuída sempre ao varão primogênito de modo que os bens da família nunca parassem de se acumular.
     A Casa da Torre de Garcia D’Ávila teve suas ruínas restauradas para a comemoração dos 500 anos do descobrimento e pode ser visitada na Praia do Forte, cerca de 80 Km ao norte de Salvador pela rodovia BA-001, a linha verde, mas sua importância está longe de ficar clara para os visitantes.
     Seu papel na conquista dos sertões e nas lutas pela independência do Brasil passa longe dos livros de história, embora as ruas do Rio de Janeiro ainda estejam marcadas por seus incríveis personagens históricos, como nos nomes das ruas Barão da Torre e Visconde de Pirajá.
     Depois de quase 30 anos morando na Bahia só agora pude compreender certas características desse povo, ao entender suas origens mestiças, o orgulho da descendência indígena e da mescla de raças simbolizada pela união de Caramuru e Paraguaçú, pais da aristocracia bahiana e das famílias mais tradicionais do recôncavo, que deram seus bens e suas vidas pela nacionalidade, se opondo aos comerciantes portugueses da capital e aos movimentos de independência que ameaçavam desintegrar o país em pequenas repúblicas.
     As características feudais da empreitada de colonização empreendida por essas famílias moldaram também a organização política desta região e são responsáveis em grande parte pelo coronelismo reinante até hoje em determinadas regiões.
     O Feudo é leitura indispensável para quem quiser entender o chamado Brasil profundo.



Cidades Sustentáveis II
Construções ecológicas

   Muita coisa inútil se tem dito em relação ao que seja uma habitação ecologicamente correta. Movimentos de caráter utópicos regressivos, passaram a difundir idéias de que habitações ecológicas seriam aquelas que usam técnicas antigas, como o adobe, em detrimento das industrializadas como se aquelas tecnologias fossem capazes de atender à grande demanda habitacional de hoje sem causar danos à natureza.
     Além de não permitirem uma escala de produção essas técnicas também se valem da natureza para fornecimento de seus materiais e só não representavam uma grande destruição do meio ambiente nas épocas pré-industriais, devido ao seu pequeno número.
     Imaginem o que seria construir um conjunto habitacional de 500 ou 1000 habitações em adobe hoje em dia, em termos de escavação para retirada de material. Que grandes crateras teríamos que cavar para achar tanta argila adequada a esses tijolos? Ou a quantidade de varas amarradas umas às outras para fazer esse mesmo número de casas usando a técnica de pau-a pique ? E as dificuldades para organizar esse tipo de trabalho em grande escala?
     Essas técnicas artesanais, adequadas para a fabricação de poucas unidades, nos servem hoje em dia apenas como referência. Ao contrário, o futuro da construção está na industrialização onde a questão ambiental pode se tornar variável importante.
     Uma das tecnologias mais promissoras neste aspecto é a da reciclagem de entulhos, que se tornaram um gigantesco problema urbano. Demolições e reformas em edificações provocam um enorme volume de entulho que tem sido usado para aterros causando grande poluição do solo.
     Sua reciclagem é relativamente simples e pode ser feita através da moagem desses materiais, que misturados ao cimento podem resultar em novos blocos ou painéis, adequados para paredes e até mesmo para estruturas, se for possível a reciclagem e reaproveitamento do ferro.
     Grandes metrópoles poderiam desde já colocar em funcionamento usinas de coleta e reciclagem de entulhos para fabricação de novos materiais de construção evitando a retirada de milhões de metros cúbicos de argila do solo para fabricação de novos tijolos e reduzindo todo o processo de queima de carvão nos fornos das siderúrgicas para fabricação de aço.
     Outro aspecto importante é a mudança das técnicas construtivas das coberturas, que no Brasil são escandalosamente perdulárias em relação ao gasto de madeira. Nenhum outro país gasta madeira como nós para fazer um simples telhado, além de utilizá-las ainda como escoras e formas.
     Nossos telhados, desde a reação ao modernismo iniciada nos anos 1970, vem utilizando intensamente a telha canal ou colonial, que devido ao seu peso e pequena dimensão ocasiona um enorme gasto de madeira, além de exigir grande inclinação, o que acarreta aumento de toda a estrutura da edificação, exige manutenção constante e não oferece vedação adequada às tempestades de vento.
     Além da aplicação direta de madeira nos telhados, o desperdício com o uso de escoras e formas que depois são descartadas chega a mais de 30% de toda a madeira consumida no país, que na sua maioria vem da Amazônia. Escora metálicas reutilizáveis deveriam se tornar obrigatórias, assim como as formas para concreto de aglomerados ou compensados reutilizáveis, fabricados com madeira reciclada.
     Em visita recente ao Chile pude observar as telhas asfálticas utilizadas naquele país, levíssimas e aplicadas com pequenos pregos sobre estruturas de madeira muita menores (de pinus ou eucalipto de reflorestamento) e que protegem adequadamente contra chuva e neve. No Brasil falta pesquisa tecnológica na construção civil que nos permita avançar rumo ao uso de novos materiais. Telhas leves feitas com materiais reciclados são fáceis de serem moldadas mas é preciso adequá-las à intensidade das nossas chuvas e dotá-las de inércia térmica e acústica para proporcionar o conforto ambiental adequado à variedade dos nossos climas.
     Também em Cuba, pude observar a predominância de lajes planas sobre as casas, revestidas com ladrilhos cerâmicos, o que seria uma boa solução para evitar o uso de madeira.
            Quanto aos edifícios, principalmente os comerciais, o dispêndio de energia pode ser muito reduzido diminuido-se as aberturas dos prédios envidraçados, que imitando a arquitetura dos países frios deixam entrar nosso sol abundante e exigem a contrapartida do ar condicionado.
     O aproveitamento da ventilação natural através de chaminés, técnica já desenvolvida por engenheiros e arquitetos brasileiros, mas muito pouco utilizada, pode fornecer ventilação natural renovada sem os doentios e caros sistemas de ar condicionado. O uso da energia solar obrigatória, assim como dos sistemas de dupla rede de água, no sentido de reaproveitamento da água de chuva para caixas de descarga, jardins, etc, pode resultar em grande economia também. Isso pode se tornar obrigatório através de leis municipais.
     A falta de pesquisa e normatização na área da construção civil, permite que o desperdício continue, tornando esse setor um dos mais atrasados na questão ambiental. Soluções em grande escala, como as sugeridas acima, teriam impacto positivo sobre toda a economia, sem prejuizo das pequenas soluções como super-adobe e outras técnicas alternativas para a pequena escala, que poderiam continuar a ser desenvolvidas para alimentar o ideário romântico dos que gostam das coisas artesanais.
     Me pergunto por onde anda o Instituto de Arquitetos do Brasil e as Universidades, que sempre lideraram os debates sobre nossas cidades e que agora se encontram tão calados? Nossas revistas de arquitetura viraram vitrines do luxo e só exibem casas de ricos, com decorações caríssimas e perdulárias, baseadas nesse consumismo que tudo destrói e cujo melhor exemplo são as exposições tipo CasaCor, que só favorecem os fabricantes de materiais de construção, revestimentos e equipamentos cada vez mais sofisticados, caros e destruidores do meio ambiente.
    Habitações ecológicas em grande escala serão fruto também de políticas públicas desenvolvidas para o setor. É claro que para que tudo isso ocorra seria preciso regular o setor, acabando com a dupla atribuição de assinatura de projetos a engenheiros e arquitetos. Projeto de arquitetura é coisa para arquiteto e enquanto engenheiros puderem assiná-los, os desenhistas continuarão fazendo a festa e favelizando nossas cidades com essa anti-arquitetura que se vê por aí, enquanto o Crea dorme.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza  
    
    
    

domingo, 31 de outubro de 2010

Rapidinhas

   Sim, elas podem

     Muito legal o primeiro pronunciamento de Dilma Roussef como Presidente da República. A diferença com Lula já apareceu, na medida em que parecia que ela mesma tinha escrito e estava falando sobre o que conhecia bem. Destaque especial para a primeira coisa que ela falou, em relação às mulheres e aos pais das meninas. "Olhem as meninas nos olhos e digam: sim, a mulher pode!"
     Espero que o baixo nível dos debates forçados pelo candidato da direita, que tentou ganhar no grito, não a faça esquecer de temas que ficaram fora da campanha e que estão a muito tempo esquecidos. Um deles, o desenvolvimento e planejamento das cidades, tema do artigo de hoje. Outro, a reavaliação do sistema descentralizado de educação, que joga a responsabilidade do ensino fundamental para os municípios, entes mais pobres e fracos da federação. Outro, a forma do SUS dividir os recursos para os municípios, pagando mais ou menos por especialidades. Nada disso foi discutido, infelizmente, devido às baixarias eleitorais.
     Vamos esperar que com Dilma surja uma nova geração de lideranças capazes de aprofundar as discussões sobre a gestão pública no Brasil e sua relação com a cidadania, pois a agenda dos partidos, inclusive do PT, já está ficando superada e repetitiva, enquanto muitos problemas se avolumam.
    

    
   Vitória da esquerda em Lima

     O site Terra anunciou na quarta-feira, dia 27, a virtual vitória da candidata de esquerda à prefeitura de Lima, Susana Villarán, pelo partido Força Social.
     Depois de uma enroladíssima apuração e de muitas denúncias de tentativas de fraude, a candidata conservadora jogou a toalha e admitiu a derrota.
     Fato auspicioso, pois o Perú junto com a Colômbia é um dos últimos baluartes da direita pró-americana na América do Sul.
     Como Lima tem mais da metade do eleitorado peruano e as eleições presidenciais serão no próximo ano, isso pode significar um considerável reforço para a independencia e união do nosso continente, que aos poucos vai se levantando e sacudindo a poeira.
      Veja abaixo trecho da notícia:

 A esquerdista Susana Villarán se transformou na terça-feira na virtual prefeita de Lima, o maior colégio eleitoral do Peru, depois que sua principal rival aceitou a derrota numa eleição acirrada que pode sinalizar uma tendência de cara às eleições presidenciais de 2011.
Villarán, uma educadora de 61 anos, se transformou na primeira esquerdista a conquistar a capital do país em quase três décadas, após a disputa eleitoral de 3 de outubro.
"Há uma vitoriosa nas eleições; é (o partido) Força Social e Susana Villarán, a quem, neste momento, reconheço como vitoriosa nestas eleições e a cumprimento democraticamente desejando sucesso", declarou sua rival e conservadora Lourdes Flores, em entrevista à imprensa.
O colégio eleitoral do Peru levou mais de três semanas contando os votos das eleições municipais devido ao grande número de cédulas eleitorais com problemas. Com cerca de 97% dos votos apurados, Villarán tem 38,4% e Flores 37,6%, com estreita diferença de apenas 36.480 votos.
A mudança se dá devido à vitória dos independentes e de líderes regionalistas que deflagraram uma contundente derrota a partidos tradicionais, como o Apra.


   Cidades Sustentáveis

     As paixões despertadas em torno do tema meio-ambiente, especialmente na política, muitas vezes ocultam grandes vazios teóricos. Um deles está no meio ambiente urbano. Poucos trabalhos na área tem a seriedade que merecem, especialmente no Brasil, onde as faculdades de arquitetura e urbanismo ainda olham para o tema com estranheza.
     A questão ambiental nas cidades, não se restringe a elas mesmas, ou seja, às condições ambientais no próprio meio urbano, bastante degradadas em todo o mundo, mas se extendem ao seu impacto sobre as áreas próximas, rurais e silvestres ainda preservadas.
     As polêmicas em torno do meio ambiente planetário, vão pulando de foco em foco, na medida em que as emergências vão ocorrendo, sem que haja uma capacidade coletiva da humanidade de repensar seu modelo econômico e de ocupação urbana (e a ausência deste debate se faz sentir especialmente no Brasil, onde as cidades crescem rapidamente ao sabor das conveniências das forças econômicas predominantes).
     Já tivemos a emergência da camada de ozônio, cuja destruição ia sendo provocada pelo uso de determinadas gases industriais e que foi contornada pela substituição desses produtos. Agora vivemos a emergência do efeito estufa e o consequente aquecimento global, que deve ser contornado com a diminuição da emissão de poluentes, através da chamada economia de baixo carbono e assim vamos, de emergência em emergência, sem que no entanto a competição entre as nações nos permita parar e pensar um futuro em harmonia com a natureza.
     Sim, uma das chaves para a construção de um modelo sustentável é a união das nações, impedindo que a competição comercial as leve sempre a querer aumentar sua produção industrial para exportar mais e importar menos, gerando superavits que se transformam na maior riqueza de uns e às vezes na pobreza de outros, embora essa riqueza venha aumentando exponencialmente em quase todas elas.
     Mas em meio a esse processo louco de industrialização e consumo global, temos também um gigantesco processo de urbanização. O agronegócio expulsa as últimas famílias do campo, que abandonando suas lavouras arcaicas vão para as cidades atrás de empregos, consumo e renda.
     O crescimento populacional está longe de se estabilizar, devido a todos esses desequilíbrios, embora a urbanização e o aumento da riqueza das nações contribua muito para sua estabilização. Famílias com maior renda e bem estruturadas tem muito menos filhos. Não há pior situação para a demografia que a de famílias desestruturadas que crescem sem planejamento e sem recursos.    
     Mas devido à essa expansão contínua, novas guerras, a maioria de motivação comercial, e novas doenças, que até agora estavam restritas ás áreas silvestres, irrompem a cada hora, agravando as condições ambientais em que vivemos.
     Nas cidades o tema sustentabilidade é abordado de forma muito superficial e até mesmo irresponsável pelos meios de comunicação, na medida em que supõem que promovendo pequenas mudanças no status quo estariam resolvendo os grandes problemas. Edifícios verdes, que não passam de empreendimentos comerciais comuns com alguns pequenos acréscimos de mecanismos que economizam energia ou água, são apresentados como soluções, quando são apenas paliativos de pouquíssimo impacto, diante de todo esse processo.
     Uma grande cidade produz um imenso halo de calor, que avança muitos quilômetros ao redor, alterando as condições ambientais em todo seu entorno. A própria concentração de milhões de pessoas nas megalópoles movidas à petróleo, os meios de transporte, as plantações e criações de animais para alimentar suas populações, a impermeabilização do solo, a produção de milhares de toneladas de lixo e de esgotos domésticos e industriais, são problemas que estão muito longe de serem solucionados, numa sociedade que só pensa em consumir e acaba consumindo a si própria.
     Uma cidade para ser sustentável, deveria produzir todos os recursos que consome, inclusive a energia, reciclar todo o seu lixo e tratar todo o seu esgoto. Para que isso fosse possível seria necessário reduzir e repensar drasticamente o consumo de alimentos e os meios de transportes.
     Um modelo minimamente possível, teria de eliminar ou reduzir ao mínimo os automóveis, substituindo-os por transportes coletivos eficientes movidos a energia limpa. Teria de reservar áreas urbanas para produzir alimentos, excuindo as pastagens para criação de animais, muito extensas, e concentrando-se em alimentação de origem vegetal.
     Os percursos teriam que ser reduzidos, para que as pessoas pudessem se deslocar mais à pé ou por transportes movidos à energia humana, como as bicicletas, o que também suprimiria diversas doenças ligadas ao sedentarismo. O comércio e as habitações poderiam estar em áreas próximas, facilmente alcançáveis sem grandes deslocamentos.
     Áreas agricultáveis teriam que ser otimizadas e reduzidas, para evitar o desmatamento e de preferência estarem nos arredores das cidades, ou nos centros delas, dependendo do modelo espacial. São os antigos cinturões verdes, previstos em algumas cidades planejadas, inclusive Brasília, mas atropelados pela especulação imobiliária.
     A construção civil teria que ser estritamente regulada, não permitindo em hipótese nenhuma construções clandestinas nem especulações com a terra, que visassem aumentar seu preço, ordem que já vigorou antigamente no Brasil antes da especulação desenfreada que criou as favelas e expulsou os trabalhadores dos melhores bairros.
     Finalmente a indústria pesada, já cada vez mais robotizada, deveria se posicionar fora das cidades, ao longo de ferrovias que permitissem o escoamento dos seus produtos e o acesso fácil dos seus poucos trabalhadores.
     Ferrovias de alta velocidade, movidas a energia limpa, ligariam as muitas pequenas cidades que substituiriam as metrópoles, eliminando a aviação regional e diminuindo mesmo a de grandes distâncias, insegura e poluidora.  Aviões seriam para distâncias transatlânticas e os aeroportos também se situariam fora dos círculos urbanos.
     O termo círculo urbano não é uma coincidência. A forma mais eficaz de aproximar as duas pontas de uma cidade é curvando seu desenho, aproximando-a de um círculo, para reduzir trajetos e torná-la mais eficiente, na medida em que sua topografia permitir.
     Tudo isso e mais o uso eficiente da água, com a proteção das suas fontes e o combate ao despedício, assim como a produção de energia elétrica limpa e a estabilização do crescimento populacional, nos permitiriam ingressar num tempo em que poderíamos falar em cidades sustentáveis.
     A união das nações, que já é possível através das grandes uniões aduaneiras, acabando com as guerras, e o avanço da educação e da ciência completariam o quadro, para que a humanidade se libertasse do pesadelo em que vive e ingressasse em uma nova era.
     As velhas cidades seriam esvaziadas aos poucos e seus centros históricos preservados, como testemunhas de uma era longínqua.
     Sim, um outro mundo é possível. A utopia já está ao nosso alcance. 

     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 24 de outubro de 2010

Rapidinhas

    Bolinhas de papel
    
     Quem diria que chegaríamos a este ponto, José Serra simulando agressões numa tentativa desesperada de virar as pesquisas eleitorais a seu favor, tentando transformar uma bolinha de papel num rolo de fita adesiva, com a ajuda da TV Globo.
     E se fosse um rolo de fita adesiva, que prejuízos poderia causar na sua careca um objeto tão simples? E no outro dia lá estava ele fazendo campanha sem nenhuma cicatriz na cabeça, nem uma marquinha.
     E tudo é culpa do PT, numa tentativa inútil de demonização deste partido, que já está beirando o ridículo.
     Mas o pior é a ajuda recebida da rede de televisão da família Marinho, que já tem tradição em dar golpes eleitorais para impedir que candidatos que representem o povo assumam o poder. Pra quem não se lembra, o último debate de 1989, editado para favorecer Collor numa eleição apertada como esta e o escâncalo Pró-Consult, no Rio de Janeiro, em 1982, para impedir Brizola de assumir o governo do Estado do Rio, ambos patrocinados pela Globo.
     Vem aí o último debate que, como sempre, será na Globo. Preparem-se para mais tentativas de manipulação.
     Não está na hora de mudar esse modelo de concessão das comunicações às famílias mais poderosas do Brasil e construir um modelo mais democrático, já que os canais pertencem ao governo, ou seja, à nós?

     Dados fiscais violados

     Ainda sobre a eleição, é incrível o notíciário na grande imprensa, sobre a violação dos dados dos tucanos na Receita Federal. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhava no jornal O Estado de Minas, de Belo Horizonte, pagou para um despachante violar o sigilo da filha de José Serra e de outros tucanos, antes do período eleitoral, para defender Aécio Neves, como ele mesmo declarou, .
     Aparentemente, Aécio se preparava para uma guerra de bastidores contra o venenoso José Serra, já que os dois pretendiam ser candidatos a presidência da República, e queria se prevenir guardando dados sigilosos das possíveis falcatruas cometidas pela filha de Serra e seu marido.
     Os dados não foram usados por ninguém para fazer o que os tucanos gostam de chamar de dossiê, ou seja, ficaram lá, guardadinhos, à espera de uma oportunidade para serem usados contra o candidato paulista, mas não foram.
     Então o único crime perpetrado foi a violação do sigilo fiscal, à mando do jornalista mineiro.
     O que o PT tem a ver com isso? Nada. Mas o esforço em ligar o episódio ao PT beira as raias do ridículo. Na edição de 22 outubro, o jornal O Estado de São Paulo, afirma que Amaury Ribeiro teria ficado hospedado num flat emprestado pelo deputado estadual Ruy Falcão, do PT, e que portanto este deputado poderia ter roubado os dados do seu computador, num momento em que ele se ausentou, já que também tinha a chave do apartamento. Quer dizer, o cara paga para alguém roubar os dados, confessa, e quer botar a culpa em alguém que lhe emprestou o apartamento? Que sentido faz isso?
     Mais adiante, na mesma reportagem afirma que o dinheiro foi pago ao despachante na mesma agência em que um participante da campanha de Dilma tem uma conta. Ora, meus amigos, então todos os outros correntistas desta agência devem ser imputados como suspeitos, porque o pagamento foi feito lá?
     O fato é que foi Amaury Ribeiro Jr. quem cometeu o crime para defender Aécio Neves, segundo suas próprias declarações. O PT nunca usou essas informações e não tem nada com isso e o esforço para imputar ao partido de Dilma, às vésperas do segundo turno, esse crime cometido por eles mesmos não passa de tentativa grosseira de manipular a opinião pública, em mais um lamentável episódio de irresponsabilidade do PIG (Partido da Imprensa Golpista).
     Até quando vamos ter que aturar isto?


Crimes de guerra americanos no Iraque

     O site Wikileaks revelou nesta sexta-feira mais 400 mil documentos secretos dos Estados Unidos sobre a guerra no Iraque, desvendando a verdadeira face daqueles que invadiram um país soberano, contra as recomendações das Nações Unidas e massacraram seu povo, em nome de uma pretensa democracia.
     O governo americano ainda não se pronunciou sobre esse novo vazamento, embora já tenha sido cobrado pela ONU e pela Anistia Internacional para que investigue todas as pessoas envolvidas nos incidentes relatados.

     Veja o que o site Operamundi revelou hoje a respeito:
Wikileaks: Militares dos EUA mataram 680 civis iraquianos em postos de controle
     Militares americanos mataram 680 civis iraquianos inocentes, sendo 30 crianças, em postos de controle no país árabe, pelos documentos divulgados pela organização WikiLeaks em seu site.
     Os militares, que tinham recebido ordens de disparar contra todo veículo que não parasse nesses controles, mataram quase seis vezes mais civis do que insurgentes. Segundo os sobreviventes de alguns desses incidentes, as tropas americanas abriram muitas vezes fogo sem aviso prévio.
     Em 14 de junho de 2005, marines americanos dispararam contra um veículo no qual viajavam 11 civis que não parou em um controle de Ramadi ao oeste de Bagdá. Nesse incidente morreram sete pessoas, incluindo duas crianças.
     As forças da coalizão que invadiram o Iraque foram também acusadas de excessos nos ataques com helicópteros.
     Na sexta-feira (22/10), a imprensa internacional noticiou que os documentos sobre a guerra informariam que os Estados Unidos tomaram conhecimento, mas não investigaram alguns casos de abusos e torturas cometidos por soldados e policiais iraquianos contra presos.

     Barack Obama, que assumiu promtendo dar um fim em tudo isso, parece estar diretamente envolvido na operação para acobertar os crimes de guerra americanos.
   Hora de avançar

     Pois é, prezados leitores, a radicalização na reta final desta campanha, coincidindo com as greves na França e em outras partes do mundo,  está me fazendo lembrar os idos de 1968, quando as massas populares começaram a ir para as ruas no mundo inteiro, em uma série de movimentos paralelos, cuja única conexão parecia ser o interesse em dar fim a uma ordem estabelecida no pós-guerra, onde o poder tinha sido partilhado por poucos em benefícios de poucos, em nome da moral, da família, da religião e da ideologia.
     Naquela época, uma mudança se fazia necessária e as forças da mudança se chocaram amplamente com as forças da ordem, numa escala planetária, que teve como consequência o mundo em que vivemos hoje. E não é pouca coisa.
     Em termos morais, as mulheres reivindicavam o direito a uma vida sexual plena e livre, como os homens, e dispunham da pílula anti-concepcional como arma para garantir que sua liberdade sexual era possível.
     Horror entre as famílias tradicionais que achavam que as mulheres tinham que casar virgens ou os homens não as aceitariam. Mas o amor livre era a palavra de ordem revolucionária.
     Na França estudantes se rebelaram contra uma reforma universitária, mas na verdade a revolta era contra a quinta república, de Charles De Gaulle, que significava o domínio das famílias e das idéias tradicionais, sobre a sociedade, que reivindicava uma democracia de massas, onde a cultura se libertasse da caretisse de uma elite conservadora e opressiva, que além de sufocar os desejos dos jovens mantinha os operários e seu movimento sindical emparedados, como se fossem marginais, ao reivindicar o direito de viver e consumir como os ricos e a classe média o faziam.
     No Brasil o protesto era contra uma ditadura que, em nome da liberdade, no tirou todos os direitos e vendeu o país aos americanos. Nos Estados Unidos era contra a guerra do vietnã e sua lógica destruidora de povos, em nome de uma luta ideologica e também contra o racismo, que mantinha os negros excluídos.
     Na Tchecoeslováquia lutava-se contra o domínio soviético e sua ditadura do proletariado, construída também em nome de uma ideologia que começava a fazer água por todos os lados.
     O mundo estava cansado, queria respirar e conseguiu. 
     De Gaulle caiu, a liberdade sexual feminina triunfou, a guerra do vietnã acabou, com a derrota dos americanos, as ditaduras latino-americanas caíram, assim como as ditaduras do leste, a União Soviética desapareceu e a América Latina se levantou, a democracia de massas se consolidou, os negros se libertaram do apartheid dentro e fora da África.
     Em poucas décadas muita coisa mudou, mas nem tudo.
     Os conservadores resisitram como puderam. Na década de 90, introduziram o neoliberalismo no vácuo ideológico do comunismo e começaram a tentar recuperar terreno, reduzindo os direitos conquistados. A resistência, porém, se deu dentro do jogo democrático. O mundo estava cansado de revoluções.
     O imperialismo americano sobreviveu, enfraquecido pela ausência de um rival que justificasse suas guerras de conquista. Na parte mais atrasada do mundo a luta se reacendeu, entre o fanatismo religioso islâmico e os interesses capitalistas. Mas o extremismo religioso caminhou na direção contrária da história, tirando direitos das mulheres, implantando ditaduras teocráticas e recorrendo ao terrorismo puro e simples, se aproximando mais da direita que das correntes libertárias.
     Do lado de cá, no entanto, a democracia nos garantiu alguns avanços. Um operário governou o Brasil, um índio governa a Bolívia, um negro governa os Estados Unidos, embora ainda estejamos longe de nos libertarmos do domínio das grandes corporações capitalistas.
     Agora a direita tenta avançar mais um pouco, retomando iniciativas cujo único propósito é reafirmar seu domínio político para explorar os pobres em benefícío de poucos, sejam eles religiosos no Irã, empresários no Brasil ou militares em Honduras e Equador.
     A direita é sempre contra a democracia, embora fale em nome dela. A direita é sempre contra a expansão dos direitos, embora fale em ordem e progresso.
     Mas do lado democrático o cansaço das revoluções também parece que vai se dissipando e os povos novamente se levantam para lutar por mais direitos. Na França luta-se contra a reforma da previdência, no mundo inteiro pelos direitos dos gays, nos países islâmicos, pelo direito a se libertar da opressão israelense, sempre apoiada pelos americanos, e pela fundação do Estado Palestino.
     E no Brasil enfrentamos uma contra-ofensiva da direita que pretende retomar o poder para nos reduzir novamente à submissão, instituir o desemprego em massa e vender o país ao velho e decadente imperialismo americano. Lutamos contra um modelo de imprensa, onde a comunicação está nas mãos das famílias mais influentes e poderosas, aliadas do grande capital, para que dominem a mente do nosso povo, implantando como um chip nos seus cérebros, as idéias que lhes interessam, os hábitos de consumo que os enriquecem, em detrimento da saúde do povo e do planeta.
     Lutamos todos também por um novo modelo econômico, que não destrua, mas preserve nosso planeta Terra, onde queremos que nossos descendentes continuem a viver por muitos milênios.
     Creio que 2010 foi um ano de semeadura e 2011 será um ano de abertura. Abertura de novas idéias, de novas realidades que se descortinarão aos poucos, em meio aos conflitos entre as forças da mudança e as que querem que o mundo ande para trás, no embate dialético que a cultura humana sempre experimenta, testando novas hipóteses, construindo novas utopias, que vão moldando o futuro e mostrando o caminho.
    
    Boa segunda-feira à todos.

    Ricardo Stumpf Alves de Souza