Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 7 de novembro de 2010

Cidades Sustentáveis II
Construções ecológicas

   Muita coisa inútil se tem dito em relação ao que seja uma habitação ecologicamente correta. Movimentos de caráter utópicos regressivos, passaram a difundir idéias de que habitações ecológicas seriam aquelas que usam técnicas antigas, como o adobe, em detrimento das industrializadas como se aquelas tecnologias fossem capazes de atender à grande demanda habitacional de hoje sem causar danos à natureza.
     Além de não permitirem uma escala de produção essas técnicas também se valem da natureza para fornecimento de seus materiais e só não representavam uma grande destruição do meio ambiente nas épocas pré-industriais, devido ao seu pequeno número.
     Imaginem o que seria construir um conjunto habitacional de 500 ou 1000 habitações em adobe hoje em dia, em termos de escavação para retirada de material. Que grandes crateras teríamos que cavar para achar tanta argila adequada a esses tijolos? Ou a quantidade de varas amarradas umas às outras para fazer esse mesmo número de casas usando a técnica de pau-a pique ? E as dificuldades para organizar esse tipo de trabalho em grande escala?
     Essas técnicas artesanais, adequadas para a fabricação de poucas unidades, nos servem hoje em dia apenas como referência. Ao contrário, o futuro da construção está na industrialização onde a questão ambiental pode se tornar variável importante.
     Uma das tecnologias mais promissoras neste aspecto é a da reciclagem de entulhos, que se tornaram um gigantesco problema urbano. Demolições e reformas em edificações provocam um enorme volume de entulho que tem sido usado para aterros causando grande poluição do solo.
     Sua reciclagem é relativamente simples e pode ser feita através da moagem desses materiais, que misturados ao cimento podem resultar em novos blocos ou painéis, adequados para paredes e até mesmo para estruturas, se for possível a reciclagem e reaproveitamento do ferro.
     Grandes metrópoles poderiam desde já colocar em funcionamento usinas de coleta e reciclagem de entulhos para fabricação de novos materiais de construção evitando a retirada de milhões de metros cúbicos de argila do solo para fabricação de novos tijolos e reduzindo todo o processo de queima de carvão nos fornos das siderúrgicas para fabricação de aço.
     Outro aspecto importante é a mudança das técnicas construtivas das coberturas, que no Brasil são escandalosamente perdulárias em relação ao gasto de madeira. Nenhum outro país gasta madeira como nós para fazer um simples telhado, além de utilizá-las ainda como escoras e formas.
     Nossos telhados, desde a reação ao modernismo iniciada nos anos 1970, vem utilizando intensamente a telha canal ou colonial, que devido ao seu peso e pequena dimensão ocasiona um enorme gasto de madeira, além de exigir grande inclinação, o que acarreta aumento de toda a estrutura da edificação, exige manutenção constante e não oferece vedação adequada às tempestades de vento.
     Além da aplicação direta de madeira nos telhados, o desperdício com o uso de escoras e formas que depois são descartadas chega a mais de 30% de toda a madeira consumida no país, que na sua maioria vem da Amazônia. Escora metálicas reutilizáveis deveriam se tornar obrigatórias, assim como as formas para concreto de aglomerados ou compensados reutilizáveis, fabricados com madeira reciclada.
     Em visita recente ao Chile pude observar as telhas asfálticas utilizadas naquele país, levíssimas e aplicadas com pequenos pregos sobre estruturas de madeira muita menores (de pinus ou eucalipto de reflorestamento) e que protegem adequadamente contra chuva e neve. No Brasil falta pesquisa tecnológica na construção civil que nos permita avançar rumo ao uso de novos materiais. Telhas leves feitas com materiais reciclados são fáceis de serem moldadas mas é preciso adequá-las à intensidade das nossas chuvas e dotá-las de inércia térmica e acústica para proporcionar o conforto ambiental adequado à variedade dos nossos climas.
     Também em Cuba, pude observar a predominância de lajes planas sobre as casas, revestidas com ladrilhos cerâmicos, o que seria uma boa solução para evitar o uso de madeira.
            Quanto aos edifícios, principalmente os comerciais, o dispêndio de energia pode ser muito reduzido diminuido-se as aberturas dos prédios envidraçados, que imitando a arquitetura dos países frios deixam entrar nosso sol abundante e exigem a contrapartida do ar condicionado.
     O aproveitamento da ventilação natural através de chaminés, técnica já desenvolvida por engenheiros e arquitetos brasileiros, mas muito pouco utilizada, pode fornecer ventilação natural renovada sem os doentios e caros sistemas de ar condicionado. O uso da energia solar obrigatória, assim como dos sistemas de dupla rede de água, no sentido de reaproveitamento da água de chuva para caixas de descarga, jardins, etc, pode resultar em grande economia também. Isso pode se tornar obrigatório através de leis municipais.
     A falta de pesquisa e normatização na área da construção civil, permite que o desperdício continue, tornando esse setor um dos mais atrasados na questão ambiental. Soluções em grande escala, como as sugeridas acima, teriam impacto positivo sobre toda a economia, sem prejuizo das pequenas soluções como super-adobe e outras técnicas alternativas para a pequena escala, que poderiam continuar a ser desenvolvidas para alimentar o ideário romântico dos que gostam das coisas artesanais.
     Me pergunto por onde anda o Instituto de Arquitetos do Brasil e as Universidades, que sempre lideraram os debates sobre nossas cidades e que agora se encontram tão calados? Nossas revistas de arquitetura viraram vitrines do luxo e só exibem casas de ricos, com decorações caríssimas e perdulárias, baseadas nesse consumismo que tudo destrói e cujo melhor exemplo são as exposições tipo CasaCor, que só favorecem os fabricantes de materiais de construção, revestimentos e equipamentos cada vez mais sofisticados, caros e destruidores do meio ambiente.
    Habitações ecológicas em grande escala serão fruto também de políticas públicas desenvolvidas para o setor. É claro que para que tudo isso ocorra seria preciso regular o setor, acabando com a dupla atribuição de assinatura de projetos a engenheiros e arquitetos. Projeto de arquitetura é coisa para arquiteto e enquanto engenheiros puderem assiná-los, os desenhistas continuarão fazendo a festa e favelizando nossas cidades com essa anti-arquitetura que se vê por aí, enquanto o Crea dorme.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza  
    
    
    

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