Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 31 de outubro de 2010

   Cidades Sustentáveis

     As paixões despertadas em torno do tema meio-ambiente, especialmente na política, muitas vezes ocultam grandes vazios teóricos. Um deles está no meio ambiente urbano. Poucos trabalhos na área tem a seriedade que merecem, especialmente no Brasil, onde as faculdades de arquitetura e urbanismo ainda olham para o tema com estranheza.
     A questão ambiental nas cidades, não se restringe a elas mesmas, ou seja, às condições ambientais no próprio meio urbano, bastante degradadas em todo o mundo, mas se extendem ao seu impacto sobre as áreas próximas, rurais e silvestres ainda preservadas.
     As polêmicas em torno do meio ambiente planetário, vão pulando de foco em foco, na medida em que as emergências vão ocorrendo, sem que haja uma capacidade coletiva da humanidade de repensar seu modelo econômico e de ocupação urbana (e a ausência deste debate se faz sentir especialmente no Brasil, onde as cidades crescem rapidamente ao sabor das conveniências das forças econômicas predominantes).
     Já tivemos a emergência da camada de ozônio, cuja destruição ia sendo provocada pelo uso de determinadas gases industriais e que foi contornada pela substituição desses produtos. Agora vivemos a emergência do efeito estufa e o consequente aquecimento global, que deve ser contornado com a diminuição da emissão de poluentes, através da chamada economia de baixo carbono e assim vamos, de emergência em emergência, sem que no entanto a competição entre as nações nos permita parar e pensar um futuro em harmonia com a natureza.
     Sim, uma das chaves para a construção de um modelo sustentável é a união das nações, impedindo que a competição comercial as leve sempre a querer aumentar sua produção industrial para exportar mais e importar menos, gerando superavits que se transformam na maior riqueza de uns e às vezes na pobreza de outros, embora essa riqueza venha aumentando exponencialmente em quase todas elas.
     Mas em meio a esse processo louco de industrialização e consumo global, temos também um gigantesco processo de urbanização. O agronegócio expulsa as últimas famílias do campo, que abandonando suas lavouras arcaicas vão para as cidades atrás de empregos, consumo e renda.
     O crescimento populacional está longe de se estabilizar, devido a todos esses desequilíbrios, embora a urbanização e o aumento da riqueza das nações contribua muito para sua estabilização. Famílias com maior renda e bem estruturadas tem muito menos filhos. Não há pior situação para a demografia que a de famílias desestruturadas que crescem sem planejamento e sem recursos.    
     Mas devido à essa expansão contínua, novas guerras, a maioria de motivação comercial, e novas doenças, que até agora estavam restritas ás áreas silvestres, irrompem a cada hora, agravando as condições ambientais em que vivemos.
     Nas cidades o tema sustentabilidade é abordado de forma muito superficial e até mesmo irresponsável pelos meios de comunicação, na medida em que supõem que promovendo pequenas mudanças no status quo estariam resolvendo os grandes problemas. Edifícios verdes, que não passam de empreendimentos comerciais comuns com alguns pequenos acréscimos de mecanismos que economizam energia ou água, são apresentados como soluções, quando são apenas paliativos de pouquíssimo impacto, diante de todo esse processo.
     Uma grande cidade produz um imenso halo de calor, que avança muitos quilômetros ao redor, alterando as condições ambientais em todo seu entorno. A própria concentração de milhões de pessoas nas megalópoles movidas à petróleo, os meios de transporte, as plantações e criações de animais para alimentar suas populações, a impermeabilização do solo, a produção de milhares de toneladas de lixo e de esgotos domésticos e industriais, são problemas que estão muito longe de serem solucionados, numa sociedade que só pensa em consumir e acaba consumindo a si própria.
     Uma cidade para ser sustentável, deveria produzir todos os recursos que consome, inclusive a energia, reciclar todo o seu lixo e tratar todo o seu esgoto. Para que isso fosse possível seria necessário reduzir e repensar drasticamente o consumo de alimentos e os meios de transportes.
     Um modelo minimamente possível, teria de eliminar ou reduzir ao mínimo os automóveis, substituindo-os por transportes coletivos eficientes movidos a energia limpa. Teria de reservar áreas urbanas para produzir alimentos, excuindo as pastagens para criação de animais, muito extensas, e concentrando-se em alimentação de origem vegetal.
     Os percursos teriam que ser reduzidos, para que as pessoas pudessem se deslocar mais à pé ou por transportes movidos à energia humana, como as bicicletas, o que também suprimiria diversas doenças ligadas ao sedentarismo. O comércio e as habitações poderiam estar em áreas próximas, facilmente alcançáveis sem grandes deslocamentos.
     Áreas agricultáveis teriam que ser otimizadas e reduzidas, para evitar o desmatamento e de preferência estarem nos arredores das cidades, ou nos centros delas, dependendo do modelo espacial. São os antigos cinturões verdes, previstos em algumas cidades planejadas, inclusive Brasília, mas atropelados pela especulação imobiliária.
     A construção civil teria que ser estritamente regulada, não permitindo em hipótese nenhuma construções clandestinas nem especulações com a terra, que visassem aumentar seu preço, ordem que já vigorou antigamente no Brasil antes da especulação desenfreada que criou as favelas e expulsou os trabalhadores dos melhores bairros.
     Finalmente a indústria pesada, já cada vez mais robotizada, deveria se posicionar fora das cidades, ao longo de ferrovias que permitissem o escoamento dos seus produtos e o acesso fácil dos seus poucos trabalhadores.
     Ferrovias de alta velocidade, movidas a energia limpa, ligariam as muitas pequenas cidades que substituiriam as metrópoles, eliminando a aviação regional e diminuindo mesmo a de grandes distâncias, insegura e poluidora.  Aviões seriam para distâncias transatlânticas e os aeroportos também se situariam fora dos círculos urbanos.
     O termo círculo urbano não é uma coincidência. A forma mais eficaz de aproximar as duas pontas de uma cidade é curvando seu desenho, aproximando-a de um círculo, para reduzir trajetos e torná-la mais eficiente, na medida em que sua topografia permitir.
     Tudo isso e mais o uso eficiente da água, com a proteção das suas fontes e o combate ao despedício, assim como a produção de energia elétrica limpa e a estabilização do crescimento populacional, nos permitiriam ingressar num tempo em que poderíamos falar em cidades sustentáveis.
     A união das nações, que já é possível através das grandes uniões aduaneiras, acabando com as guerras, e o avanço da educação e da ciência completariam o quadro, para que a humanidade se libertasse do pesadelo em que vive e ingressasse em uma nova era.
     As velhas cidades seriam esvaziadas aos poucos e seus centros históricos preservados, como testemunhas de uma era longínqua.
     Sim, um outro mundo é possível. A utopia já está ao nosso alcance. 

     Boa segunda-feira à todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

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