Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 9 de janeiro de 2011


Rapidinhas


   Anacronismos

     Gente, alguém precisa avisar o governo que aquele Rolls Royce, 1952, assim como o Cadillac 1968, usados na posse dos presidentes são ridículos. Porque será que ainda usam aquelas velharias? Porque são conversíveis? Será que a oitava economia do mundo, um dos quatro países emergentes mais influentes, não tem dinheiro pra comprar carros conversíveis novos? Além disso é uma temeridade, num mundo cheio de terroristas, expor presidentes em carro aberto daquele jeito. Eu estava lá, no meio da multidão em frente ao Rolls Royce esperando a chegada da presidente e dois meninos que estavam comigo subiram numa árvore bem em frente ao carro. Note-se que chegamos ali, em frente à catedral de Brasília, sem que ninguém tivesse nos revistado. Lá em cima tinha um monte de gente, inclusive um sujeito com uma mochila nas costas, oculto pelas folhas da árvore, de forma que poderia ter tirado uma arma e atirado em Dilma Roussef sem que nenhum daqueles policiais postados em cima dos ministérios tivesse percebido.
     Sempre achei ridícula a carruagem da Rainha Elizabeth e o trono do Papa. Acho que parecem alegorias carnavalescas, mas a Rainha em si é ridícula, assim como o Papa. Eles simbolizam poderes que não existem mais, dos tempos em que a Inglaterra era um império onde o sol nunca se punha e o Papa comandava exércitos e administrava principados por toda a Europa. Hoje são apenas lembranças de um passado. Ridículos sim, mas tem uma referência. E o Rolls Royce da Presidência da República, significa o que? Saudades do tempo em que a Inglaterra mandava no Brasil? E o velho Cadillac, nostalgia dos anos dourados dos Estados Unidos? Qual o significado histórico daqueles veículos?
     Por favor, senhores, mandem aqueles carros para o Museu da República, no antigo Palácio do Catete, no Rio de Janeiro e comprem uma limusine, dessas com teto transparente à prova de balas, de bazucas, de granadas e tudo mais, uma bela Mercedes Benz ou um carro feito sob encomenda no Brasil e enterrem esse passado, que mais parece um filme de terror daqueles antigos.

    Pacote contra a pobreza


     Muito legal as primeiras medidas de Dilma contra a pobreza extrema. Até que enfim alguém lança um programa real contra a pobreza que não vise apenas beneficiar indiretamente setores empresariais, como a construção de casas (apoiada pelo Sindicato da Construção Civil). Vamos ver se não vai ter o mesmo destino do Fome Zero, lançado com tanto espalhafato e que depois foi minguando até desaparecer, permanecendo apenas o Bolsa Família, que era apenas um dos seus componentes.


    Desequilíbrios

      A mortandade de pássaros nos Estados Unidos, seguindo uma linha que corta o país de sul para nordeste, indica algum fenômeno novo, ainda não identificado pelos pesquisadores. A repetição do fenômeno na Suécia, muito mais ao nordeste, mas seguindo a mesma linha, indica que o que aconteceu teve uma trajetória definida. Talvez um experimento militar seguindo a rota de um satélite ou míssil americano, talvez simplesmente uma nova manifestação de desequilibrio ambiental, só o tempo dirá.
     Quanto às enchentes no mundo inteiro é facil entender: trata-se simplesmente do degelo dos pólos jogando muito mais água no ciclo das águas do planeta, aumentando as precipitações. Uma evidência que coloca em cheque as previsões de secas catastróficas feitas pelos que preconizam a privatização da água.   
     Enquanto isso continuamos comemorando o aumento da produção de automóveis que lançam bilhões de toneladas de dióxido de carbono no ar, causando o efeito estufa que derrete os pólos e continuamos aguentando os falsos ambientalistas que insistem em mandar o cidadão comum fechar a torneira de casa para evitar a escassez de água.
     Até quando vamos ficar repetindo as bobagens que a televisão, atrelada aos interesses corporativos, nos empurra diariamente goela abaixo?
Battisti

     Não apoio nenhum tipo de terrorismo, que significa matar pessoas inocentes para criar um clima de terror na sociedade. Cesare Battisti era participante de um grupo comunista revolucionário, na Itália dos anos 70o que não significa necessariamente que ele fosse um terrorista. Em geral o terrorismo era utilizado apenas pela direita. A esquerda atacava os representantes dos governos que combatia e não pessoas inocentes. Mas alguns grupos podem derivar para ações inconsequentes e não se pode saber exatamente o que aconteceu neste caso específico
     A alegação de que aquele era um governo democrático foi desmentida nos anos seguintes pela Operação Mãos Limpas, levada a cabo por juízes italianos, que colocaram na cadeia os principais políticos que a esquerda armada italiana combatia. Pode-se dizer que essa limpa geral promovida foi fruto indireto da luta dos esquerdistas, que não suportavam mais a farsa de uma falsa democracia que servia para que grupos se apoderassem dos recursos públicos, numa grande armação da qual participavam quase todos os partidos e políticos importantes da Itália.
     A condenação de Battisti foi feita quando o estado italiano estava sob "leis de excessão", feita por esses governos corruptos para enfrentar os grupos armados que estavam estragando sua festa. Por isso ela não foi aceita em vários países democráticos, como a França, que chegou a conceder asilo político a ele. Durante seu julgamento, alguns membros do seu grupo armado foram beneficiados com delação premiada, o que significa que bastava denunciar alguém para ter sua pena reduzida. Como Battisti estava foragido, os outros jogaram toda a culpa nele, que nunca pode se defender no tribunal, sendo julgado à revelia. Ele sempre negou a participação nos atentados que provocaram a morte das quatro pessoas de que é acusado. Testemunhas oculares do fatos, falaram em um homem alto e louro. Battisti é baixo e moreno.
     Tudo isso indica que pode haver um erro judiciário no caso dele, daí a decisão de Lula de não extraditá-lo para a Itália. É claro que nossos telejornais não contam essa história, chamando-o apenas de terrorista e de assassino. Vale lembrar que o atual governo da Itália representa os mesmos setores que Battisti combatia e não pode ser considerado democrático, já que seu primeiro ministro é dono dos jornais, das televisões, fez passar uma lei no parlamento que proibe que ele seja processado e governa à favor dos mesmos grupos que se beneficiavam das tramóias que a esquerda combatia nos anos 70.
     Se alguém quiser ter uma idéia mais clara do caráter fascista do governo Berlusconi, sugiro assistir o documentário Viva Zapatero, de Sabina Guzzanti (nada a ver com o primeiro ministro espanhol Zapatero), que conta em detalhes como a direita italiana intimida jornalistas e estabelece a censura sobre todos aqueles que ousam criticar Berlusconi.(para ver uma sinopse do filme entre em http://www.youtube.com/watch?v=2zgOM8jbWHk&feature=related). Pude assisti-lo no canal Telecine Cult, no dia 01 de janeiro, na Sky.
     Battisti significa tudo que os neofascistas italianos mais odeiam, porque é um combatente que não se rendeu e não se submeteu. Se ele é culpado ou não só saberemos quando a Itália tiver novamente um governo decente e verdadeiramente democrático, capaz de reabrir seu caso e permitir que ele se defenda.     
     Enquanto isso não acontecer, acho correta a decisão de Lula de permitir sua permanência no Brasil e considero vergonhosa a decisão do presidente do STF, Cesar Peluso, de reabrir o caso, depois do tribunal ter decidido que a palavra final ficaria com o Presidente da República. Peluso parece estar com medo da reação italiana e jogou a decisão para o ministro Gilmar Mendes, cujas posições direitistas são fartamente conhecidas.
     Esperamos que isso ainda possa ser revertido. Com a decisão de Lula, a permanência de Battisti na prisão entrou na área da ilegalidade e sinaliza um julgamento político, influenciado pela ultra-direita italiana, que pode comprometer a imagem da justiça brasileira.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 1 de janeiro de 2011

Dilma e o futuro

     Acabo de vir da posse de Dilma.
     Muita chuva e uma multidão considerada pequena para a Esplanada dos Ministérios, que é excepcionalmente grande e não se enche assim à tôa.
     Tirando as tradicionais  e chatinhas claques petistas, foi uma posse bonita e marcada pela emoção do presidente que saía e da presidente que entrava. Os discursos de Dilma não trouxeram nada de novo e apenas pontuaram seus compromissos gerais de campanha, marcando o estilo gerencialista que deve imprimir ao seu governo, o que não é necessáriamente ruim. Se Dilma for uma boa administradora e conseguir fazer avançar a economia com eficiência, vencendo os gargalos que já se apresentam à nossa frente, o Brasil poderá alcançar um patamar de desenvolvimento definitivo, nos libertando dos anda-pára da economia que adiou por tantas vezes nossos sonhos de nos tornarmos uma nação livre, justa e próspera.
     Mas além dos gargalos de infraestrutura e da deficiência dos serviços públicos, a agenda dos nossos presidentes precisa incorporar algumas reformas, que nunca foram aunciadas e nem fazem parte das suas agendas. Há anos, quando se fala em reformas, pensa-se sempre nas reformas neoliberais, voltadas para fortalecer o mercado e enfraquecer o estado, e que estão na base do contencioso entre PT e PSDB, esquerda e direita no Brasil e no mundo.
     Há anos atrás, quem pedia reformas era a esquerda. Lutava-se pela reforma agrária e outras, o que chegou a embasar o slogan brizolista reforma ou revolução, dos anos 60. Hoje, com a vitória da social-democracia e a crise do neoliberalismo, ambas, esquerda e direita, parecem ter perdido seu poder de magnetizar as multidões.
     Mas para aprofundar nossa democracia, precisamos de mudanças de rumo importantes, o que implica em algumas reformas que eu não vejo em nenhum programa de governo. A primeira é uma reforma da educação. Não adianta ficar falando em educação de qualidade se não mudamos nosso sistema educacional, cuja base está entregue aos entes mais pobres e desinteressados pela educação do povo, os municípios.
     Esse é um debate antigo e ninguém tem coragem de mexer nele. Confunde-se municipalização com descentralização. É democrático descentralizar, mas entregar a educação básica às prefeituras tem o efeito contrário de transformar as escolas e o patrimônio de conhecimento brasileiro em instrumento de barganha política da mesquinha política do interior, centralizando as decisões nas mãos dos prefeitos. A verdade é que é preciso federalizar as escolas brasileiras, todas elas, e dar a cada uma uma autonomia financeira e curricular capaz de criar uma verdadeira descentralização, envolvendo as comunidades na sua administração em lugar das prefeituras.
     Outra necessidade é a de retirar qualquer ranço religioso que ainda paire sobre as escolas públicas, como aulas de religião e outras formas disfarçadas de reintroduzir o conrole das igrejas, especialmente da igreja Católica, sobre a formação do povo brasileiro, o que infelizmente ainda está muito presente e é muito facilitado e até estimulado pelas prefeituras, que temem perder o apoio dos padres nas eleições municipais do interior.
     Outra reforma importante é a reforma carcerária. Até quando vamos continuar fingindo que não vemos o que acontece dentro dos nossos presídios, que tratam nossos apenados como animais? Não existe democracia sem jutiça e o sistema prisional faz parte dela. Nossas prisões estão na idade média. São verdadeiros campos de extermínio. Como podemos querer eliminar a criminalidade a aplicar a lei se não damos a mínima garantia de sobrevivência ao cidadão que é jogado ali dentro?
     Por fim, outra mudança de rumo fundamental está no meio ambiente. Não basta crescer e distribuir renda, é preciso construir uma outra economia, que não seja a do desperdício e do consumismo desenfreado. O PV começou falando nisso, nas eleições, mas depois Marina Silva deixou de ser a candidata do Partido Verde e virou a candidata da Assembléia de Deus, se voltando para posições moralistas retrógradas que só serviram para amesquinhar o debate, perdendo a oportunidade de rediscutir essa economia do crescimento sem fim e sem responsabilidade.
     Na postagem passada, linkei um artigo de um economista mexicano que propõe um socialismo ecológico e fiquei muito satisfeito de ver que suas posições correspondem ao livreto que lancei no ano 2000, intitulado Uma nova agenda para a esquerda. É bom saber que eu não falei besteiras, mas infelizmente o contencioso político brasileiro ainda está muito atrasado, às voltas com as tentativas de José Dirceu de impor um voto em lista na tal reforma eleitoral, cujo único objetivo é eternizar o PT no governo, uma reforma tributária que já deveria ter sido feita há 20 anos e outros itens de uma agenda do século XX.
     Não me parece que Dilma seja capaz de alçar voo sozinha e perceber a necessidade dessa nova agenda para a sociedade brasileira. Se isso não ocorrer, e com a mesmice do PSDB e da direita, temos a chance de ver durante o seu mandato, novos atores e novas idéias começarem a circular pela sociedade brasileira, preparando a sucessão do PT e desses partidos que ainda se proclamam de esquerda.



Sou índio

     Apesar do meu sobrenome meio alemão, meio português, tenho descendência indígena, de parte do meu pai, que era paraense. Como se sabe os índios do Pará não são tupi-guranis, mas do tronco Karib, que deu nome àquela parte do Oceano Atlântico que banha a América Central. Talvez pelas artes desconhecidas da genética que nos transmite o inconsciente coletivo, de que falava Young, eu tenha herdado um pouco da memória atávica deles.    
     Talvez por isto, quando eu era muito jovem, sonhava em ser índio.
     Sim, prezado leitor, meu ideal de vida era viver no meio da floresta, usando apenas o essencial, me dedicando a obter apenas o que eu precisasse para sobreviver e participando de uma comunidade, de seus rituais e dos papéis que reservasse para mim.
     Como homem jovem seria um caçador, depois escolheria uma linda cunhantã e teria filhos, índiozinhos que cresceriam livres brincando nos rios enquanto eu caçaria o seu sustento. Depois que envelhecesse, me tornaria um sábio que daria conselhos e por fim me afastaria para morrer em meio aos espíritos da natureza, que assim absorveria de volta meu corpo, me libertando dessa existência material.
     Desnecessário dizer que esse ideal se revelou impossível para mim, nascido numa família civilizada que esperava de mim outra performance, como curso superior, casamento burguês, dinheiro e prestígio. 
     Mas na prática, nunca fui nem um, nem outro.
     Sempre que me aproximei do sucesso ou da possibilidade de ter o tal prestígio e fortuna, me afastei em direção a mim mesmo, buscando dentro de mim o velho índio que me dizia que tudo aquilo não representava nada. E sempre que estudei (e gosto muito de estudar) foi para entender melhor o mundo e não para obter posições mais vantajosas na sociedade. Como os índios, nunca aceitei um saber fragmentado, mas sempre quis entender o cosmo do qual fazia parte, não aceitando que especializações me mantivessem dentro de um escaninho estreito de conhecimentos, como se o resto do mundo não me interessasse.
     A rigor tudo me interessa, mas nada que me interesse pode me afastar do amor pela minha própria liberdade e desprendimento. Assim, pertenço a tudo e ao mesmo tempo não pertenço a nada, o que provoca reações irritadas de incompreensão entre os que esperam de mim atitudes  ditas normais de luta pelo poder ou de preservação de prerrogativas conquistadas.
     Apenas uma coisa me fascina nesse mundo dos não índios, que é conhecer e procurar transmitir o conhecimento aos mais jovens. Talvez por isso, ser professor foi uma das experiências mais gratas da minha vida, assim como ser pai.
     Cuido dos meus filhos, a quem procuro abrir a cabeça para que não se transformem em idiotas egoístas, mas em participantes lúcidos, pelo menos conscientes desse universo do qual fazem parte.
     Quase sempre tive sucesso nessa empreitada, embora amargue pelo menos um insucesso com um filho que não me compreende, mas ainda tenho esperança de que isso possa mudar, porque a compreensão é aliada do tempo e vem com ele, apesar de tudo.
      Por isso também escrevo, porque escrever é uma forma de transmitir as coisas que já vivi e também de aprender, pois ao compor as palavras, as idéias vão se arrumando na cabeça da gente e tomam forma de entendimento, embora ninguém esteja livre de errar e escrever bobagens.
     Dia 27 de dezembro assisti a uma entrevista no programa Roda Viva da TV Brasil (muito bem repaginado agora, sob o comando de Marília Gabriela) com a crítica de teatro Barbara Heliodora e ela falou uma coisa que me fez pensar muito. Disse que a sociedade brasileira vive um momento de tensão entre posições políticas, ideológicas, éticas e morais.
     Concordo com ela e confesso que enxergar isso com tanta naturalidade me fez ver que não é necessário se angustiar tanto e que é possível vivenciar essa situação numa sociedade democrática, de forma mais tolerante e ir levando nossas posições, na dialética do debate, embora os que eu considero meus adversários, nem sempre pensem assim.
     E quem são esses adversários? Com certeza são aqueles que acreditam numa sociedade de empilhamentos e vertigem. Explico: são aqueles que acham que ser feliz é empilhar coisas, seja dinheiro numa conta bancária, sejam troféus da fama em qualquer ramo de atividade, seja acumular poderes. São  também os que acreditam nas vertigens da sociedade do espetáculo e das celebridades, da velocidade e das drogas, das ilusões do consumo e das aparências.
     Mas na minha contradição de meio índio numa sociedade que se pretende europeizada, admiro muito o progresso da ciência e da tecnologia e procuro lutar pelo meu país. Sou, portanto, um guerreiro, mas não não sei competir por meus próprios interesses, embora saiba ir à guerra por minha tribo. E infelizmente esses que considero meus adversários só pensam em competir por si próprios e não pela nação, o que gera o embate político-ético-moral, que citei anteriormente.
     A todos eles olho com muita pena, porque acho que não vão a lugar nenhum  e enquanto, como meio-europeu, sonho com a poesia aventureira do meu lado português e sigo em frente com a determinação do meu legado alemão, minha alma índia se entristece e se recolhe, cismando, e pedindo apenas que enterrem meu coração na curva do rio,
Boa segunda-feira a todos

Feliz 2011.

Ricardo Stumpf Alves de Souza


    

domingo, 26 de dezembro de 2010

Rapidinhas

Loteamento da Dilma

     Ficou pronto o loteamento da Dilma. Os lotes foram distribuídos para atender aos apadrinhados, aliados, aos interesses fisiológicos e corporativos. Nenhuma indicação de uma direção nova no governo do Brasil. Nenhuma pista de um rumo novo para a nação, de alguma iniciativa para melhorar a saúde, a educação ou o meio ambiente. Apenas uma festa entre amigos.
     Aqui em Brasília muito se vê e muito se comenta de que esse seria um Ministério de Transição. Nunca vi isso. Um governo assumir prestando contas ao que sai. Geralmente é o contrário. Enquanto isso a choldra comemora o consumo irresponsável, que elevou o país a quarto maior consumidor de automóveis do planeta. O aquecimento global? Coisa de gente chata. Vamos comemorar e consumir galera! Emprego novo, salários triplicados na esplanada e por todos os governos estaduais e municipais do Brasil. Feliz Brasil Novo!

Viva a Palestina

     Depois de Brasil, Uruguai e Bolívia, o Equador reconheceu a independência da Palestina nas suas fronteiras anteriores a 1967. Mais uma vitória para o povo palestino, oprimido por mais de 4 décadas de ocupação israelense-americana, que aos poucos vai tentando criar um fato consumado  com a construção ininterrupta de colônias israelenses nos territórios ocupados, para uma futura anexação ao Estado de Israel.
     Anexação de um país por outro é um termo que não se ouvia mais desde Hitler. Engraçado como a história dá voltas, não é mesmo?  
     Os próximos sul-americanos a reconhecerem a Palestina devem ser Paraguai e Chile, reafirmando a inserção soberana da América Latina na política internacional, abandonando a hegemonia norte-americana no setor. Mérito da integração econômica e política latino-americana que vai deixando para trás séculos de submissão e de dominação econômica para se alçar a território de importantes decisões mundiais.

A lição de Alencar

     É impressionante a capacidade de resistência do nosso atual vice-presidente, José de Alencar. Sua atitude positiva frente à doença que o acomete a tantos anos é a única explicação para sua incrível capacidade de reabilitação, que sempre surpreende os médicos.
     Sem dúvida uma lição para muita gente que vive se queixando de problemas e desiste ao primeiro sinal de dificuldades. Que sua atitude sirva para todos nós, brasileiros, nas nossas vidas, para que saibamos lidar com nossos dissabores e agradecer pelas oportunidades que temos, principalmente a oportunidade de ter uma vida e saber dar valor a ela.

Socialismo Ecológico

     Enrique Leff, um economista mexicano, apresenta, numa entrevista ao site OperaMundi, uma visão lúcida sobre a relação entre a economia e a destruição da natureza.
     Leia abaixo:

    
Histórias de outras vidas (35)

   Araripe

     O lugar? Araruama. O ano? Talvez 1956 ou 57.
     Pra quem não sabe, Araruama é um município no litoral norte do Estado do Rio, cuja sede se situa às margens de uma imensa lagoa salgada, do mesmo nome. Nessa época, a Lagoa de Araruama ainda era cheia de salinas, com seus diques rasos e seus cataventos.
     Passávamos dois ou três meses por ano por lá, nas férias de verão, enquanto meu pai permanecia trabalhando no Rio, indo ao nosso encontro nos finais de semana.
     Nossa casa ficava na saída para São Vicente, em meio a um coqueiral. Os constantes ventos nos livravam de qualquer praga de mosquitos e passávamos dias maravilhosos naquela pequena chácara, de mais ou menos um hectare, onde tínhamos um cavalo e uma charrete, que nos levava aos banhos na lagoa.
     Minha mãe tinha parentes por lá, uns primos, o que nos dava um suporte familiar naqueles dias em que ficávamos longe de meu pai.
     Pois justamente esses parentes é que nos apresentaram Araripe. Ele era engenheiro naval e trabalhava em Niterói, nos estaleiros que já haviam por lá. Os estaleiros fluminenses são muito antigos e tem uma tradição que remonta à época da colônia.
     Naquela época não havia a ponte Rio-Niterói e quem trabalhava do outro lado da baía de Guanabara, precisava morar por lá mesmo. De Niterói a Araruama eram apenas 80 Km, pela antiga rodovia Amaral Peixoto, uma faixa estreita de asfalto precário e esburacado.
     Araripe tinha uma casa de veraneio em Araruama, para onde, suponho, fugia nas suas folgas, já que naquela época Niterói não apresentava grandes atrativos. Mas não era uma casa qualquer.
      Sendo um solteirão, de cabelo cortado à escovinha, como se dizia, típico dos militares, ele se dedicava a inventar coisas, que até hoje me parecem incríveis, e que eram mais incríveis ainda para a época, no atraso em que vivíamos no Brasil.
     Foi com ele que andei pela primeira vez num fusca. Era um daqueles primeiros modelos importados no pós-guerra, com duas janelinhas traseiras. Nos mostrava orgulhoso o engenho alemão com motor traseiro refrigerado a ar: uma novidade.
     Foi nesse modelo antigo dos primeiros volkswagens, que fui visitar sua casa, com minha mãe e uma prima. Me lembro que era uma rua larga, de areia, como quase todas na cidade, e que ficava ao final, à direita. Paramos em frente a um galpão, que mais parecia um depósito. Ao entrarmos: surpresa! Não havia nada. Apenas um chão liso e vazio com um banheiro e uma cozinha. 
     Araripe então apontou para o teto, onde pudemos observar muitas coisas estranhas. Estruturas metálicas e engrenagens, junto com alguns painéis de madeira. Depois foi para uma parede, onde havia uma espécie de painel de controle e começou a apertar alguns botões.
     De início acionou os painéis de madeira, que para surpresa minha foram descendo e se inclinando até se tornarem as paredes internas da casa. Em minutos, o galpão vazio, tinha sala e quartos. Depois, acionando outros botões, começaram a brotar os móveis das paredes, camas e mesas com cadeiras, se desdobravam, como por encanto, e em minutos a casa estava mobiliada.
     Claro que os móveis eram todos presos entre si e não se podia arrastá-los.
     Araripe ria do nosso espanto. Depois acionou novamente os botões e os móveis se recolheram para dentro das paredes e as paredes subiram novamente, deixando o espaço vazio de antes.
     Parecia coisa de filme americano.
     Algum tempo depois ele resolveu fazer um carro. Desmontou um velho ford 1929 e remontou-o, com muitas partes novas fabricadas por ele mesmo, dando origem a uma especie de jipe, muito simpático. Mas aí teve um problema: na hora do emplacamento a prefeitura exigiu que ele declarasse a marca do veículo. Como ele mesmo era seu criador, inventou uma marca que não foi aceita. Então os técnicos do departamento de trânsito local, fazendo uma inspeção detalhada no veículo, concluíram que a maioria das peças era fabricada pela Ford, e que por isto, esta marca prevalecia. O jipinho foi registrado como um Ford e foi exigido que ele fosse identificado como tal. Não se conformando com essa decisão, Araripe inverteu as letras na dianteira e batizou o seu carrinho de DORF, com o qual circulava alegremente pela cidade.
     Em 1960, nos mudamos para Brasília e nunca mais soube dele, mas até hoje me lembro da sua capacidade inventiva e tecnológica, tão pouco estimulada no Brasil.
     Quamtos talentos como ele não se perderam e ainda se perdem por aí, num país ainda submetido a interesses estrangeiros, que não querem nossa emancipação tecnológica?
     Até hoje não temos uma marca nacional de automóveis. A única que tivemos, a Gurgel, fechou em 1986 e já fabricava carros elétricos que agora são apresentados como novidade por aqui.
     Quando teremos uma verdadeira política industrial que incentive a inovação e estimule a criação de marcas nacionais, ao invés de montar, sob licença, produtos desenvolvidos no exterior? Até lá, quantos Araripes viverão no anonimato por aí, brincando de fazer suas invenções em casa?

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

    

domingo, 19 de dezembro de 2010

Rapidinhas


Presentimentos

     Não adianta. Já tentei ser otimista, falar de coisas boas, acreditar que o mundo vai melhorar, mas não consigo me livrar de um pressentimento ruim sobre 2011. Também já pensei muito sobre isso, tentando entender o porquê. Não se trata de nada pessoal nem familiar, é sobre o mundo mesmo e sobre o Brasil também.
     Será que só eu estou vendo que os governantes estão agindo de forma descoordenada de qualquer ideal, agindo em função de interesses imediatistas e mesquinhos? Vejam o governo Dilma, com todo respeito, mas dá a impressão de que esse ministério que está sendo formado exclusivamente sobre acordos políticos que não levam em conta o interesse da nação, mas apenas interesses particulares. Vejam os Estados Unidos, onde Obama mantém uma política externa contrária a tudo que prometeu, à serviço dos interesses das suas multinacionais enquanto a oposição se comporta irresponsavelmente, na base do quanto pior melhor. E a Europa? Governos conservadores destróem a economia, com suas políticas neoliberais e depois quem paga a conta são os trabalhadores, com cortes dos programas sociais. Na Itália um fanfarrão consegue se manter no poder corrompendo o parlamento, na Suécia um governo de direita, à serviço dos Estados Unidos, tenta calar o fundador do Wikileaks, contrariando os princípios da liberdade de expresão.
      Na Coréia do Sul, não cessam as manobras militares provocativas, determinadas por Hillary Clinton, outra irresponsável. Israel faz o que quer e se prepara para atacar o Irã, que corre para fazer sua bomba atômica enquanto apedreja mulheres.
     Não sei não, mas houve época em que haviam ideais. Hoje parece que a pequenez tomou conta dos governantes. Disso tudo não pode sair coisa boa.

Relatório macabro

     E por falar em irresponsabilidade, desde 1999, quando a OTAN interviu na ex-Iugoslávia para acabar com a tentativa de Milosevic de impedir que a província de Kosovo se separasse do país, já existiam muitas denúncias de que os combatentes kosovares eram criminosos, encobertos pelas forças do ocidente para ajudar a dividir o último país socialista da Europa.
     Milosevic foi levado a julgamento numa corte internacional e morreu misteriosamente na prisão (seu filho denuncia que foi assassinado) enquanto em abril de 2007, um ex-presidente finlandês, Marti Ahtisaari, enviado especial do Secretário Geral das Nações Unidas, com apoio de George W. Bush, aceitou irresponsavelmente a independência de Kosovo, reconhecida por pouquíssimos países, para jogar uma pá de cal sobre um povo que soube resisitir sozinho ao nazismo na segunda guerra mundial e foi o único que derrotou as tropas alemães sem a ajuda de ninguém.
     Agora, 10 anos depois, quando as primeiras eleições do novo "país" acontecem, surge o relatório da União Européia, do ex-magistrado suíço e atual parlamentar do Conselho da Europa Dick Marty, apontando o vencedor das eleições e líder dos kosovares, Hashim Thaci, como um criminoso que "engordava" prisioneiros em campos de concentração clandestinos, para depois assassiná-los e vender seus órgãos. Tudo isso sob o olhar complacente das forças da OTAN.
     O relatório está no site do jornal espanhol El País para quem quiser ler. Vejam abaixo:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2010/12/17/relatorio-macabro-detalha-trafico-de-orgaos-em-kosovo.jhtm

Orfandade

     Enquanto isso na aldeia, mais irresponsabilidade.
     O prefeito Márcio Farias, de Rio de Contas, ganhava R$12.000, descobriram agora (mais do que o presidente Lula), para administrar um município de 13.000 habitantes.
     Ele apoiou Geddel Vieira nas últimas eleições, que além de não ser eleito, perdeu qualquer poder político e levou o PMDB estadual a uma situação de quase desaparecimento.
     Agora Márcio está órfão politicamente, sem trânsito junto aos governos estadual e federal. Seu principal assessor político, João Souto, é sobrinho de Paulo Souto, ex-governador da Bahia, ligado ao grupo de Antonio Carlos Magalhães, o falecido oligarca que governou a Bahia com mão de ferro por décadas.
     Ambos, órfãos politicamente, tentam se manter no poder usando métodos arcaicos de perseguição e intimidação contra os adversários. Não aprenderam a lição de Lula de abraçar os desafetos e trazê-los para o seu lado. O resultado é um aumento dos ressentimentos, tanto da oposição que cresce cada vez mais, quanto do próprio governo que se sente perdido e não sabe como agir, a não ser perseguindo mais e mais a população, que já dá mostras de revolta e indignação.
     E dizer que este governo se iniciou sob o signo da esperança na renovação.

Histórias de outras vidas (34)

Duendes na estrada


     Pois é, amigos leitores, agora que vamos chegando no Natal, de repente me deu uma saudade enorme do meu pai, falecido em 2007.
     Foi no primeiro aniversário de Cecília, minha neta mais jovem, que me dei conta de como ele gostaria de te-la conhecido.
     É interessante como as pessoas nos fazem falta. Nunca fomos muito amigos, tivemos sempre muitas diferenças, mas após a sua morte, parece que todas elas desapareceram e só me lembro das coisas boas, dos bons momentos que vivemos juntos.
     Meu pai era um viajante por natureza. Desde que nos mudamos para Brasília, em setembro de 1960, não paramos mais de viajar, quase sempre de carro. Rodamos o Brasil todo e ele, junto com minha mãe, chegaram a se aventurar pela América do Sul, indo à Argentina (eu fui junto) em 1964, num Aero-willys, indo ao Paraguai de Fusca, em 1969 e indo ao Chile me visitar, quando eu morava lá, em 1973, num Opala 1969.
     Algumas dessas viagens pelo Brasil foram memoráveis, como a viagem à Bahia, em 1963, quando inauguraram a Rio-Bahia, ou a Belém do Pará, em 1966. num outro Fusca, fazendo 2.200 Km por uma Belém-Brasília ainda de terra. Nessas duas fomos, eu, ele e meu irmão.
     Mas além dessas epopéias pelo Brasil, ele fazia sempre uma pequena viagem para Corumbá de Goiás, onde tinha um loteamento. Acho que herdei sua tendência a mexer com terras, pois parece que elas correm para minha mão, mesmo que eu não queira.
     Corumbá é uma cidade histórica de Goiás,  tombada pelo Iphan, e que na época se resumia ao centro histórico. Hoje está cercada por bairros que não tem nada a ver com a arquitetura colonial formando uma outra cidade, estranha, feia e descaracterizada.
     Mas na década de 1960 ele ia muito à Corumbá, por uma estrada de terra que entrava em Alexânia, passava em Olhos D'água, um pequeno povoado que ainda não havia sido descoberto pelos hippies e onde velhas senhoras papudas (de bócio, uma doença causada pela falta de sal) nos olhavam pelas janelas. Depois seguíamos pela beira de riachos e matas lindas, onde às vezes parávamos para beber água e apreciar a paisagem.
     Nem minha mãe, nem meu irmão gostavam de ir com ele, então eu era o seu companheiro naquelas viagens de fim de semana.
     Seu carro na época era uma Kombi, daquelas que tinham uma janelinha pequena atrás, cinza e branca, com um enorme escudo da Volkswagen na frente. Tinha vidro duplo, o do motorista e o do passageiro.
     Não havia cinto de segurança e eu viajava na frente com ele, pelo meio daquelas estradinhas deliciosas.
     Mas foi no aniversário de minha neta que me veio à mente, não sei porque, uma imagem curiosa de uma daquelas viagens.
     No meio de uma pequena serra, entre árvores muito altas, de manhã cedo, quando íamos para Corumbá, duas pequenas figuras atravessaram correndo na nossa frente. Era um casal de velhos, talvez com 60 ou 70 anos, medindo no máximo 1,50m, que atravessaram com uma agilidade incomum para a idade que aparentavam. Não olharam para nós, nem nos saudaram, como era costume naquelas bandas, mas se meteram pra dentro de uns matos na beira da estrada, como se tivessem sido surpreendidos e não quisessem ser vistos.
     Meu pai viu aquilo e disse:
     _Que tipos estranhos!
     Eu, na ingenuidade dos meus 10 ou 11 anos, não entendi e perguntei porque ele os achara estranhos, já que todo povo daquela região sempre me parecia muito estranho. Sim, vocês não tem idéia do êrmo que era Goiás ao ser construída a nova capital no Planalto Central, e quanta gente vivia isolada por ali.
     Mas ele me respondeu uma coisa que me surpreendeu e que eu nunca esqueci:
     _Parecem duendes.
     Bem, eu não tinha a menor idéia do que fossem duendes e ele não quis mais falar no assunto, já que era agnóstico e não gostava de nada que tivesse a ver com religião ou superstições.
     Anos depois tentei falar com ele sobre o assunto mas ele desconversou.
     Hoje não sei se tivemos a oportunidade de ver duendes de verdade, numa região que ainda estava intocada pelo "progresso", ou se eram apenas pessoas baixinhas e arredias, que viviam isoladas e não gostavam do contato com aqueles forasteiros que começavam a se aventurar pelos seus domínios.
     Nunca saberei, mas naquele dia pude sentir um pouco da magia que existe nas matas e que inspiraram tantas histórias fantásticas no interior desse Brasil imenso.
     Foi muito bom me lembrar dele e desta história no primeiro aniversário de minha neta. Talvez um recado de que a presença dele não depende de um corpo físico e que juntos vivemos coisas que durarão para sempre na memória. Talvez também um recado de que o amor dos nossos próximos é o que dá sentido às nossas vidas e de que há coisas que a razão não explica.
     Boa segunda-feira e feliz Natal à todos.

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

    

domingo, 12 de dezembro de 2010


Rapidinhas

Aldeia News

     Gente, que confusão está o governo de Rio de Contas.
     Além da inapetência do Prefeito para governar, o apetite pelo poder de algum de seus assessores criou uma tremenda confusão na eleição para a Presidência da Câmara de Vereadores que provocou um racha na já frágil coalizão do governo local. Como resultado, nosso Prefeito "poste" perdeu a maioria na casa e o pouco de apoio que ainda tinha na comunidade.
     Enquanto isso a cidade está suja, esburacada e, como sempre, segue sem propostas para seu futuro.
     O tal Plano Diretor Participativo caminha celeremente para a gaveta, lugar de todos os documentos do gênero elaborados por governos anti-democráticos, que vivem de perseguir opositores.
     Uma tristeza.


Viva Cecília

     Neste sábado tive a alegria de festejar o primeiro aniversário de minha neta Cecília, que cresce linda e saudável sob o olhar atento de sua mãe Micaele.
     Obrigado a todos os que compareceram ao seu aniversário e a todos os amigos que nos apoiaram neste primeiro ano difícil.
     A festa foi também uma despedida de Micaele de Rio de Contas, já que ano que vem vai para Vitória da Conquista cursar o último ano do ensino médio e se preparar para o vestibular de medicina.
     Que Deus abençoe as duas e abra seus caminhos nessa terra.




Uma revolução começou

Ainda sobre o Wikileaks, vale a pena ler o artigo de Heether Brooke, publicado originalmente no jornal inglês The Guardian e reproduzido pelo site OperaMundi.


"Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada."
 
Leia o artigo completo em: http://operamundi.uol.com.br/

Não deixem também de assistir ao vídeo com uma entrevista com Julian Assange, com legendas em português, no Blog do Gustavo, que está logo aqui ao lado.
Histórias de outras vidas (33)

O DESPERTADOR NO FORNO




     O ano? Entre 1977 e 1979.
     O lugar? Porto Alegre.
     Esse tempo fez parte de oito anos do meu primeiro casamento, com seus altos e baixos como em qualquer casamento, embora até hoje eu não ache que tenha vivido uma situação muito comum.
     Minha companheira era uma pessoa especialmente diferente, não porque tivesse qualidades ou defeitos excepcionais, mas porque tinha uma visão do mundo única e desconcertante.
     Para mim, um jovem de classe média, atormentado por uma família conservadora e arrivista, o casamento foi uma espécie de fuga para minha própria vida, mas o que eu não esperava era encontrar nessa convivência outros tipos de pressão que mudaram completamente minha maneira de ver o mundo, para o bem e para o mal.
    Invertendo minha expectativa de ajudá-la a superar uma situação de pobreza, ela me revelou um mundo de inteligência e perspicácia que nada tinha a ver com ter ou não dinheiro. Pelo contrário, me mostrou como minha formação me impedia de ver as coisas, me bitolava e me deixava preso a pressupostos.
     Nossos primeiros dois anos foram muito conturbados. Moramos um ano na Bélgica, depois fomos para Porto Alegre, onde ela perdeu um filho, enquanto eu penava em empregos sem futuro. Depois passei no vestibular da Federal para arquitetura, o que era considerado um luxo para a época, pois só os filhos das famílias mais ricas entravam na arquitetura da UFRGS.
     Em 1977 recebi um adiantamento de herança de meu pai e comprei um apartamento num conjunto habitacional, onde vivemos até bem. Éramos jovens e bonitos e tínhamos uma vida pela frente.
     Mas sua percepção das coisas era muito ligada ao subjetivo, bem diferente da formação objetiva que eu recebera, como jovem de classe média preparado para conquistar meu lugar na sociedade, embora já me alinhasse com as idéias de esquerda que rejeitavam aquele mundo
     Ao contrário, ela via o mundo sob outra ótica, separava as pessoas em legais e não legais. Tinha muito da visão hippie da década de 70, das comunidades onde vivera e olhava minhas aspirações profissionais com uma certa condescendência, como se eu não estivesse ainda pronto para entender o mundo e gastasse minhas energias com coisas inúteis.
     Nossas diferenças nos levaram a episódios violentos, onde eu a atormentava com minha insistência para que encontrasse um caminho profissional e abandonasse aquela descrença em tudo e, por outro lado, ela me pressionava para que eu abandonasse uma militância política que considerava coisa de burguês, o que para mim era de uma contradição incompreensível.
     Com o tempo, conseguimos convencer um ao outro. Realmente observei que a política estudantil era apenas uma espécie de laboratório onde as elites treinavam para exercer seu domínio sobre a sociedade (e vejo hoje que José Serra e José Dirceu são a prova cabal disso), embora isso não tirasse a importância do movimento estudantil em plena ditadura.
     Por outro lado, ela encontrou seu caminho profissional na informática, então nascente, onde conseguiu alcançar uma ótima posição, graças a seus próprios esforços.
     Foi, portanto, uma época de crescimento para ambos e um período que teria sido feliz, não fosse a perda de três filhos prematuros, paridos sempre aos seis meses e meio. Fosse hoje, com o avanço da medicina, talvez algum tivesse sobrevivido.
     Assim, vivíamos entre crises de crescimento e de puro sofrimento. Mas minha companheira tinha também outras características. Era mandona e não admitia ser contrariada, o que gerava grandes conflitos entre nós.
      Havia domingos em que não saía da cama. Resolvia ficar deitada o dia inteiro e me torturava pedindo coisas, exigindo mimos e não recebia ninguém. Aliás, não fazia a menor questão de esconder quando não gostava de uma pessoa. Às vezes, com visitas em casa, simplesmente ia se deitar e ficava me gritando que fosse dormir também, para mandar as visitas embora. Um vexame!
     Mas o pior era na hora de dormir. Eu não podia me mexer, porque senão ela se irritava e começava a reclamar. Tinha que ficar duro, o que não me deixava relaxar e aí quem não conseguia dormir era eu. Eram noites de tortura. Sexualmente até que nos dávamos bem, embora ela nunca tenha sido muito carinhosa, mas o problema era o sono. Não tolerava nenhum barulho.
     Houve uma vizinha no andar de cima que andava de salto alto durante à noite e ela transformou aquilo numa guerra. Me instava a ir lá e tomar satisfações, mas não queria ir porque senão ia acabar batendo nela e parando na polícia. A vida no simpático apartamento virou um inferno.
     Tinha mania de acordar muito cedo. Se entrava no trabalho às sete da manhã, gostava de chegar às seis e meia, para poder se arrumar. Assim, fazia questão de silêncio absoluto na hora de dormir, sempre alegando que tinha que acordar cedo porque era muito trabalhadora, batalhava sua vida e ajudava sua família, ao contrário de mim, que era um burguês.
     Muito bonito, mas eu não conseguia mais dormir e tinha minha própria sobrecarga de horários entre a faculdade e o trabalho. Misture isso com a dor da perda dos filhos e o desgaste em hospitais e médicos e tudo foi ficando muito estressante.
     Mas houve um episódio emblemático, uma espécie de gota d’água, que fez com que toda a situação saísse do controle. Era um grande despertador vermelho, que havíamos comprado na Bélgica e que quando fomos viver juntos era nosso único bem, por isso gostávamos dele, apesar de barulhento.
     Numa noite daquelas em que a cama virou um campo de batalha, ela se levantou irritada com o tic-tac do relógio, que não a deixava dormir. Colocou-o no quarto ao lado e voltou para a cama. Passados alguns minutos levantou-se novamente irritada, dizendo que ainda estava ouvindo e colocou-o na sala. Mais algum tempo e levantou de novo, cada vez mais irritada, porque ainda não conseguia dormir e colocou o relógio dentro do forno, na cozinha. Passados alguns minutos levantou-se novamente desesperada: ainda estou ouvindo, dizia.
     Enrolou então o relógio numa toalha e colocou-o novamente no forno, numa cozinha que ficava pelo menos a dez metros do nosso quarto.
     Ela conseguiu dormir aquela noite. Eu é que não consegui mais dormir ao lado dela e comecei a sonhar em ter minha vida de volta.

     Boa segunda-feira a todos.

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 5 de dezembro de 2010

Rapidinhas

              Festival de oportunismos

     Está de dar nojo a disputa por cargos no ministério Dilma, pelo que publicam os jornais.
     Políticos e partidos não tem o menor escrúpulo em reivindicar fatias do governo, argumentando que tem maior verbas, que vão movimentar não sei quantos bilhões de reais, que tem não sei quantos cargos bem remunerados disponíveis.
     E o Brasil gente? Alguém se lembra do Brasil? Alguém se lembra do interesse público?
     Depois ainda tem coragem de falar que são "republicanos". Uma ova! Oportunistas isto sim. Ainda tem alguns que advogam em causa própria, querendo permanecer no cargo, como o do esportes, Orlando Silva, abertamente de olho nos contratos milionários da copa. Coisa boa não pode ser. Outros promovem até campanha como o da Cultura, que está estimulando o movimento Fica Juca e arranjou uma rede nacional dia 02 de dezembro, pra dizer o que tinha feito no cargo. Pode? Outros são da cota de fulano ou da cota de siclano. Que história é essa de cota? 
     Que eu saiba os ministros tem de ser de confiança da Presidente que nós elegemos e não de quem os indica. Ainda tem o Lula, querendo indicar ministros para ficarem no cargo. O que ele quer, continuar governando?
     Nelson Jobim acaba de ser desmascarado pelo site Wikileaks, como um direittista safado, que sempre advogou à serviço dos interesses americanos por baixo do pano, contrariando a política externa do governo Lula. Vai ficar?
     E Fernando Haddad? Um burocrata que foi para o Ministério com Tarso Genro, quando este substituiu Cristóvão Buarque, demitido por telelefone, vocês lembram? Cristóvão era um idealista confuso, cheio de discursos bonitos que não sabia viabilizar nada, é verdade. Mas Tarso não tinha a menor vocação para a educação e saiu logo, deixando Haddad no seu lugar, para simplesmente ir tocando os programas, sem nenhuma idéia própria a respeito de como melhorar a educação brasileira, que continua a mesma merda de sempre.
     O INEP deveria passar a se chamar INEPcia, pela sua incapacidade de diagnosticar os problemas educacionais e indicar soluções, enquanto o MEC continua um elefante branco, com 200 mil funcionários, incapaz de atingir seus objetivos.
     De duas uma, ou Dilma vai se submeter a esta gente toda para daqui um tempo emplacar seu próprio ministério ou seu governo se arrisca a se desmoralizar desde o início, virando uma casa da mãe Joana, onde todo mundo manda, menos ela. A não ser que ela nos surpreenda desde já, com uma virada de mesa.

Viva Assange

     Gente, esse Julian Assange é mesmo um homem de coragem. Desmascarar os Estados Unidos desse jeito, divulgando seus documentos secretos no Wikileaks e viver se escondendo pelo mundo, não é fácil não. O mais triste de tudo que ele revelou é a submissão da justiça, dos países aliados dos americanos aos seus interesses, engavetando processos contra americanos em todo o mundo e agora forjando uma ordem de prisão por estupro contra ele, para persegui-lo. Esta é a democracia ocidental? Que horror! Pára esse mundo que eu quero descer!

Necrologia à cabo

     Pois é, pessoal. É impressionante a quantidade de cadáveres e assassinatos nos canais americanos de filmes da TV por assinatura. A SKY oferece uma verdadeira carnificina diariamente para deleite dos seus assinantes, com detalhes mórbidos de todos os tipos, como os da série CSI, onde cadáveres em putrefação são abundantes.
     Parece que aquele país realmente está doente.
     Eles só conseguem pensar em morte e só a a perspectiva da morte os excita e diverte. O Canal Brasil, na mesma SKY, só com filmes brasileiros, é uma espécie de oásis, um outro mundo onde a vida normal se desenvolve. Outro melhorzinho é o Telecine Cult, com filmes antigos, a maioria americanos mesmo. Como eles eram melhores!
     Não é saudosismo não, é real. Parece que eles estão se afundando numa espiral de violência, que os move como nação nas suas guerras pelo mundo. Não é à tôa que soldados americanos são julgados pelas barbaridades que cometem, atirando em cidadãos dos países infelizes ocupados por eles, só por diversão, ou torturando pessoas pelo mundo afora.
     Se a arte antecipa a vida, não sei o que nos aguarda, mas a queda do império americano ainda trará muitas desgraças ao mundo.

Sete Ilhas

     Depois de mais de 15 anos passando por Correntina, na Bahia, finalmente parei para conhecer as 7 Ilhas, formadas pelo Rio Correntina, que corre rápido e caudaloso, formando corredeiras incríveis. Em seus remansos se pode tomar banho e curtir a mata nativa.. É muito bonito. Um exemplo do que um município pequeno pode fazer para desenvolver o turismo preservando a natureza. 
Não deixem de conhecer.

    
Manifesto daltônico

     Pois é, queridos amigos, estou cansado de ouvir falar em inclusão e de continuar sendo discriminado por ser daltônico. Somos 10% da população mundial, mas ninguém se lembra de nós na hora de definir as cores de sinais de trânsito, botões de aparelhos e outras pequenas sinalizações que fazem a diferença no cotidiano de cada um.
     Estou cansado de chegar no exame de trânsito, de cinco em cinco anos, com medo de ser descoberto, como se fosse um criminoso. Tudo seria tão simples se os sinais de trânsito fossem azuis e amarelos ao invés de verdes e vermelhos. Porque a insistência nessas cores, justamente as que os daltônicos confundem?
     Vou pagar uma conta com cartão no supermercado e a caixa me avisa:
     _Aperte o botão verde.
     Que saco! Tenho que perguntar qual é o verde.
     Antes fazia isso envergonhado, como a esconder uma deficiência, hoje aviso logo:
     _Sou daltônico. Me mostre qual é o botão.
     Peço para usar o telefone celular de um amigo e ele me avisa:
      _Aperte o botão verde para falar.
     De novo tenho que perguntar.
     Estou cansado desta humilhação. Existe sinalização pra cegos, pra surdos, e todo tipo de preocupação em incluir deficientes físicos, mas nada para nós, que continuamos na "clandestinidade".
     Por isso queria convocar os outros 700 milhões de daltônicos do mundo a uma rebelião, se não para tomar o poder, porque seria muito difícil nos organizarmos num partido internacional (que não poderia ter uma bandeira vermelha daquelas revolucionárias), mas pelo menos para lutar para que parem de usar o verde e o vermelho como cores para sinalizar tudo. Que droga!
     Creio que nossa primeira ação armada deveria ser tomar o Detran, que é nosso principal inimigo. Chega de ter medo do Detran e dos seus exames de bolinhas para descobrir nosso daltonismo. Isso não nos impede de sermos excelentes motoristas, é apenas um estratagema montado para nos humilhar.
     Todos os motoristas daltônicos sabem que o vermelho fica em cima e o verde embaixo do sinal de trânsito. Agora inventaram de botar sinais deitados só para nos confundir. Tivemos que aprender a fazer ligações políticas na hora de dirigir: o vermelho está sempre à esquerda e o verde à direita. Que coisa mais cansativa!
     Queremos sinais de outras cores senhores donos do mundo. Não aceitamos mais sinalizações que não sejam claramente identificadas por nós.
     E eu que sou arquiteto? Quantas piadas. parece que eles pensam que a gente não vê cores e não é capaz de identificar a beleza do mundo.  Nós vemos cores sim senhor, apenas as vemos diferentes da maioria. Quem sabe nosso mundo não é mais bonito? Aprendi a lidar com cores nos meus projetos trabalhando com cores primárias, inclusive o vermelho, que eu vejo do meu jeito (não sei qual é o seu vermelho leitor), mas posso garantir que ele (o vermelho que eu vejo) é muito bonito. Apenas custo a achá-lo no meio do verde.
      _Está vendo aquela flor vermelha ali no meio do gramado?
      _Onde?
     É claro que existem graus de daltonismo, mas isso não impede ninguém de ser feliz e de achar o mundo bonito.
     O pior são as piadinhas, quando revelamos a nossa condição:
     _Que cor é a minha camisa? começam logo.
     Apontam para uma coisa qualquer amarela e lá vem:
     _Que cor você está vendo aquilo?
     Porre! Temos de explicar que só confundimos verde e vermelho e semitons.
     Pois é isso. Vamos sair das nossas tocas e acabar com essa injustiça.
     Queremos inclusão já!

     Boa segunda-feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza



domingo, 28 de novembro de 2010

Rapidinhas

Hillary, a guerreira

     A política externa dos Estados Unidos continua nas mãos irresponsáveis de Hillary Clinton, que usa e abusa do seu poder para criar tensões pelo mundo afora, na tentativa de preservar a hegemonia do decadente império americano.
     Ao contrário da nova era de paz prometida por Obama, Clinton parece querer desautorizá-lo, mostrando que ela sim é que deveria estar governando, na medida em que se mostra "dura" contra os adversários.
     Na Coréia vem tentando reacender a guerra desde o afundamento de um barco sul-coreano, num incidente mal explicado. Agora a própria Coréia do Sul admite que iniciou os bombardeios, mas isso não sai em nenhum jornal da imprensa golpista, que insiste na versão americana de que a Coréia do Norte é que começou.
     Veja o que disse a agência inglesa Reuters, reproduzida pelo site Operamundi:

     Na terça-feira um militar sul-coreano reconheceu que a Coreia do Sul estava realizando exercícios militares e testes balísticos na ilha de Yeonpyeong antes do bombardeio da Coreia do Norte. “Estávamos realizando regularmente exercícios militares, mas nossos tiros foram direcionadas para o oeste, nao para o norte", afirmou um oficial militar sul-coreano ao escritório da agência de notícias britânica Reuters em Seul

     A Coréia do Norte não é flor que se cheire, mas quem está provocando é o sul, que não pára de fazer exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos em águas disputadas pelos dois países.
     A indústria armamentista americana agradece.

Viva o Rio

     E por falar em guerra, a barra pesou no Rio de Janeiro, mas o governador Sergio Cabral parece mesmo decidido a retomar os territórios dominados a décadas pelos traficantes. A ocupação da Vila Cruzeiro foi emblemática, já que lá estava o principal reduto dos bandidos, junto com o Complexo do Alemão. Foi na Vila Cruzeiro que o jornalista Tim Lopes foi torturado e assassinado. A tomada desse território é uma vitória importante sobre o tráfico.
     O Brasil inteiro está apoiando a ofensiva militar no Rio para libertar a cidade dos traficantes. Os jornalistas da Globo então, estão tendo orgasmos ao vivo ao ver as tropas nas ruas. Saudades de 64?
     Só espero que esses traficantes expulsos não se espalhem pelo Brasil.

Casseta e Planeta: o fim

     Finalmente depois de 18 anos estamos livres do besteirol fascista da Globo.
     O programa cômico, que se notabilizou por suas piadas racistas e machistas que representavam todos os preconceitos da classe média carioca contra pobres, negros, gays e mulheres, havia se transformado numa espécie de "chapa branca" da emissora, com a velha formulinha de satirizar as novelas.
                                                                     Já vai tarde.
                                                                                                                                      
Prêmio Jabuti

     Outro que está cada vez menor é o Prêmio Jabuti de literatura. Premiar Chico Buarque é um tapa na cara de tantos autores nacionais muito melhores. Na verdade a premiação se tornou uma jogada de marketing das editoras, que usam gente famosa para alavancar suas vendas.
     Enquanto isso, a verdadeira inquietação literária vibra na internet e nas editoras alternativas.


Cidades sustentáveis V
(final)

A educação rural e o futuro das cidades

     Quando falamos de áreas urbanas, pensamos logo em metrópoles ou em cidades médias.
     As pequenas cidades ou as sedes dos distritos dos nossos municípios, no nosso imaginário não fazem parte do que chamamos cidades, mas do interior.
     Morar no interior pode ser sinônimo de romantismo ou de atraso, sinônimo de volta ao campo, recuperação do sentido perdido da natureza, das relações pessoais destruídas pela pressa das grandes cidades, mas também sinônimo de desemprego, baixa renda, dependência de pequenos poderes, do prefeito, do padre, do juiz, etc.
     Quando propomos para o futuro a diluição da ocupação da população sobre nosso território, com a pulverização das nossas grandes e orgulhosas cidades em pequenas comunidades sustentáveis, não estamos pensando em nenhuma volta ao campo, em nenhum romantismo, em nenhuma utopia regressiva, mas em avanços significativos, com resultados diretos na nossa qualidade de vida e no desenvolvimento das nossas potencialidades hunanas.
     Mas como construir essas comunidades diferenciadas a partir do que temos hoje, se todo o desenvolvimento industrial atrai os jovens para as grandes cidades, se toda infraestrutura necessária para se desenvolver está lá e se o agronegócio expulsa cada vez mais gente do interior?
     A mudança deve começar pela educação rural.
     Quando trabalhei no Programa de Apoio ao Dirigente Municipal de Educação, PRADIME, do MEC, fui encarregado de fazer um levantamento da infraestrutura das escolas em todo o Brasil, a partir de dados do INEP e fiquei surpreso com a precariedade das escolas rurais e a falta de programas nessa área.

     Os resultados da educação rural são sempre muito piores do que das escolas urbanas, em todo o país. Regiões com maior população rural, como o norte e o nordeste, tem indicadores piores na educação, justamente como reflexo da grande incidência de escolas rurais, o que gera conclusões equivocadas, dentre elas a de que a educação no nordeste é pior. Não é. A educação rural é pior e não há propostas para melhorá-la.
   
     Na verdade não há proposta nenhuma para melhorar a educação como um todo, o que existem são discursos, que falam em educação de qualidade, gestão disso e daquilo, mas nada muda e tudo fica na mesma, porque o sistema todo está errado. É a municipalização (e estadualização) que está errada. O sistema tinha que ser federalizado e a autonomia deveria ser das escolas (dirigidas pelas comunidades escolares) e não dos municípios ou dos estados.
     No interior, não há interesse em educar o povo. O município é um ente fraco e pobre, depende de verbas federais e não tem competencia para gerir, muito menos para propor.
     Uma das poucas propostas que surgiram nos últimos tempos, para a área rural é a das Escolas Família-Agrícolas (EFAs). Surgidas na França, em 1935, as EFAs se caracterizam pela Pedagogia da Alternância, que significa o ensino-aprendizado em espaços diferenciados e alternados.
     O Aluno alterna um período junto à família, onde observa as práticas agrícolas (convívio, trabalho, observação e pesquisa) com um período na escola (reflexão, questionamentos, análises, sínteses, aprofundamentos e generalizações) e retorna novamente à família, introduzindo o conhecimento adquirido.
     As EFAs tem sido muito bem sucedidas no Brasil (existem cerca de 180), abrindo novas perspectivas de produtividade para os pequenos produtores rurais, já que o poder público não fornece assistência técncia e extensão rural ao pequeno produtor, aumentando a produtividade e abrindo um futuro promissor à agricultura familiar, além de manter as famílias rurais unidas, na medida em que diminui muito o êxodo dos jovens para as cidades.
     Para fundar uma EFA, forma-se uma Associação de Pais e Alunos da Escola, com objetivo de representá-la juridicamente e conseguir os recursos para sua construção. Na Bahia, o Estado onde tem se difundido mais rapidamente essa proposta, existem 33 unidades, agregadas em duas associações (AECOFABA e REFAISA) e são apoiadas pelo Programa Estadual de Apoio Técnico-financeiro às Escolas Família Agrícola. Existe ainda uma associação nacional (UNEFAB).
     As EFAs atualmente são definidas como escolas públicas não estatais, mas nada impede que sejam assumidas e financiadas pelos governos.  Elas trabalham com alunos de 5a a 8a série do ensino fundamental, com o ensino médio e ainda como escola técnica em agropecuária.
     Dentre seus resultados mais significativos está o reforço do associativismo e a difusão da agricultura orgânica, à partir de conhecimentos sobre ecologia e manejo do solo.
     Em termos de urbanismo, o impacto das EFAS está na manutenção dos núcleos rurais, que podem crescer e se transformar nas futuras comunidades sustentáveis, antevistas por nós em artigos anteriores, em oposição ao contínuo crescimento das cidades.
     Reunindo agricultores em torno de novas práticas, essa nova forma de organização escolar pode ser o embrião de uma nova forma de ocupação do campo e de distribuição da população sobre o território, combatendo ao mesmo tempo o gigantismo das cidades, o uso de agrotóxicos e a formação de latifúndios exportadores, invertendo a lógica da urbanização desenfreada, cujo custo social é muito alto para a nação.
     Um tema muito interessante para planejadores urbanos, que poderiam projetar as primeiras comunidades sustentáveis em torno dessas escolas. Proposta interessante também para o Governo Federal repensar a educação e a ocupação territorial no Brasil, retomando a iniciativa do planejamento, hoje abandonado em detrimento do mercado.

Boa segunda- feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza