Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 5 de dezembro de 2010

Manifesto daltônico

     Pois é, queridos amigos, estou cansado de ouvir falar em inclusão e de continuar sendo discriminado por ser daltônico. Somos 10% da população mundial, mas ninguém se lembra de nós na hora de definir as cores de sinais de trânsito, botões de aparelhos e outras pequenas sinalizações que fazem a diferença no cotidiano de cada um.
     Estou cansado de chegar no exame de trânsito, de cinco em cinco anos, com medo de ser descoberto, como se fosse um criminoso. Tudo seria tão simples se os sinais de trânsito fossem azuis e amarelos ao invés de verdes e vermelhos. Porque a insistência nessas cores, justamente as que os daltônicos confundem?
     Vou pagar uma conta com cartão no supermercado e a caixa me avisa:
     _Aperte o botão verde.
     Que saco! Tenho que perguntar qual é o verde.
     Antes fazia isso envergonhado, como a esconder uma deficiência, hoje aviso logo:
     _Sou daltônico. Me mostre qual é o botão.
     Peço para usar o telefone celular de um amigo e ele me avisa:
      _Aperte o botão verde para falar.
     De novo tenho que perguntar.
     Estou cansado desta humilhação. Existe sinalização pra cegos, pra surdos, e todo tipo de preocupação em incluir deficientes físicos, mas nada para nós, que continuamos na "clandestinidade".
     Por isso queria convocar os outros 700 milhões de daltônicos do mundo a uma rebelião, se não para tomar o poder, porque seria muito difícil nos organizarmos num partido internacional (que não poderia ter uma bandeira vermelha daquelas revolucionárias), mas pelo menos para lutar para que parem de usar o verde e o vermelho como cores para sinalizar tudo. Que droga!
     Creio que nossa primeira ação armada deveria ser tomar o Detran, que é nosso principal inimigo. Chega de ter medo do Detran e dos seus exames de bolinhas para descobrir nosso daltonismo. Isso não nos impede de sermos excelentes motoristas, é apenas um estratagema montado para nos humilhar.
     Todos os motoristas daltônicos sabem que o vermelho fica em cima e o verde embaixo do sinal de trânsito. Agora inventaram de botar sinais deitados só para nos confundir. Tivemos que aprender a fazer ligações políticas na hora de dirigir: o vermelho está sempre à esquerda e o verde à direita. Que coisa mais cansativa!
     Queremos sinais de outras cores senhores donos do mundo. Não aceitamos mais sinalizações que não sejam claramente identificadas por nós.
     E eu que sou arquiteto? Quantas piadas. parece que eles pensam que a gente não vê cores e não é capaz de identificar a beleza do mundo.  Nós vemos cores sim senhor, apenas as vemos diferentes da maioria. Quem sabe nosso mundo não é mais bonito? Aprendi a lidar com cores nos meus projetos trabalhando com cores primárias, inclusive o vermelho, que eu vejo do meu jeito (não sei qual é o seu vermelho leitor), mas posso garantir que ele (o vermelho que eu vejo) é muito bonito. Apenas custo a achá-lo no meio do verde.
      _Está vendo aquela flor vermelha ali no meio do gramado?
      _Onde?
     É claro que existem graus de daltonismo, mas isso não impede ninguém de ser feliz e de achar o mundo bonito.
     O pior são as piadinhas, quando revelamos a nossa condição:
     _Que cor é a minha camisa? começam logo.
     Apontam para uma coisa qualquer amarela e lá vem:
     _Que cor você está vendo aquilo?
     Porre! Temos de explicar que só confundimos verde e vermelho e semitons.
     Pois é isso. Vamos sair das nossas tocas e acabar com essa injustiça.
     Queremos inclusão já!

     Boa segunda-feira a todos

     Ricardo Stumpf Alves de Souza



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