Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 11 de novembro de 2012

O Paiz
 
O Arco do Futuro
 


     A proposta de Fernando Haddad para São Paulo, batizada de Arco do Futuro, incorpora uma série de estudos e proposições, feitas pelos urbanistas nos últimos anos, em relação ao modelo de cidades que vem sendo praticado no Brasil.
     Quando terminei meu mestrado em urbanismo, em 1998, e escrevi a dissertação intitutalada A Cidade e Sua Sombra, cheguei a algumas conclusões inesperadas, que foram surgindo da pesquisa.
     Pesquisa é assim mesmo, a gente começa pensando que vai chegar a um lugar e de repente chega a outro completamente diferente.
     Quando comecei e escolhi como objeto de estudo o lugar dos pobres dentro das cidades, pensei que fosse demonstrar que as favelas estavam se expandindo, em função da exclusão social, e que em pouco tempo nossas cidades virariam grandes favelões, com pequenas ilhas de classe média.
     No entanto a pesquisa demonstrou exatamente o oposto, que a área ocupada por favelas e invasões estava diminuindo, embora a população favelada estivesse aumentando. Isso significava que a especulação imobiliária, ou o mercado, estava ganhando terreno em relação à cidade informal, que tendia a se comprimir em favelas cada vez mais densas e verticalizadas.
     Outra conclusão inesperada, que deu origem ao título da pesquisa, foi a lógica de localização das favelas. Ao contrário do que eu imaginava, elas não tendiam a se localizar apenas em terrenos baldios, em vazios urbanos, mas tendiam a estar próximas de áreas onde predominavam empregos no setor terciário da economia, ou seja, comércio e serviços, já que o emprego na indústria vem caindo historicamente, em função da automação.
     Então, a cada bairro de classe média que surge a tendência é que surja uma invasão próxima, onde se localizariam as moradias dos trabalhadores que ocupariam os empregos no comércio, nos serviços e também nas residências, como empregados domésticos.
     Era como se a favela, ou a cidade informal, onde vivem os trabalhadores, se comportasse como uma sombra da cidade formal. Para cada bairro formal novo, surgia uma sombra que o acompanhava, onde moravam os trabalhadores.
     A explicação deste fenômeno, além da exclusão das classes trabalhadoras do mercado imobiliário, causada pela especulação com terras urbanas, que no nosso país corre solta, está também na enorme deficiência nos transportes públicos, cuja lógica no Brasil sempre foi a de colocar o lucro das empresas em primeiro lugar, em detrimento da eficiência na mobilidade urbana.
     Por outro lado, o discurso tradicional dos urbanistas era o da setorização, que levava a um zoneamento que criava zonas habitacionais separadas das comerciais, como se elas não pudessem conviver harmonicamente. Isso levava a um deslocamento forçado das pessoas entre seus locais de moradia e de trabalho, a um custo muito alto, seja de passagens, seja de combustível, provocando engarrafamentos e poluição do ar.
 Daí a necessidade de invadir e criar favelas próximas aos empregos.
     O plano de Haddad parece ter conseguido  uma visão muito clara desse problema, prometendo fazer uma série de obras viárias ao longo deste arco, que engloba grandes avenidas já existentes, para agilizar a mobilidade, além de estimular o uso misto em zonas tradicionalmente habitacionais, acabando com as chamadas cidades dormitório e multiplicando os centros comerciais e financeiros (os industriais já foram removidas da cidade desde os anos 1970).
     Assim, reduz-se a necessidade de deslocamento. As pessoas podem morar e trabalhar no mesmo bairro, além de serem criadas facilidades (150 Km de corredores de ônibus, expansão de linhas de metrô, integração, bilhete único mensal, semanal, etc) para a mobilidade urbana.
     Só falta ter coragem de mexer no vespeiro da especulação imobiliária, tema tabú no Brasil.   
     Embora as cidades européias e norte-americanas já utilizem, há mais de um século, uma série de instrumentos legais para controlar a valorização dos preços dos terrenos, na chamada reforma urbana, no Brasil este termo ainda provoca arrepios e é considerado coisa de comunistas.
     Mas um dia a gente chega lá. Por enquanto, a proposta do Arco do Futuro é um passo importante para estabelecer novos parâmetros e melhorar a qualidade de vida nas nossas cidades. É um marco, que deve influenciar todo o planejamento urbano no Brasil.  
    




Nenhum comentário: