Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 4 de agosto de 2012

A Manilha e o Libambo II


O Benin e o delta do Níger

     Prezados amigos leitores.
     Em continuação à resenha do livro de Alberto da Costa e Silva, continuamos nossa viagem pelo Atlântico, seguindo o desbravamento que os portugueses foram fazendo daquelas costas, à medida em que iam descendo para o sul do continente africano e entrando em contato com terras e povos e também um pouco da realidade daquela região hoje.
     Costa e Silva nos fala do que ele chama de lançados, que eram os portugueses que se aventuravam a ficar nas praias africanas e iam se africanizando, na medida em que se entrosavam com as populações locais, inclusive se casando com mulheres africanas, e passavam a ser, frequentemente, intermediários entre as caravelas da coroa portuguesa e os reis locais, muito embora desenvolvessem interesses próprios, que nem sempre se alinhavam com os da coroa portuguesa.
     Nesse tipo de colonização sui gêneris, não planejada, muitas vezes passaram a constituir burguesias comerciais concorrentes com os europeus, com a vantagem de dominarem a língua, os costumes e os territórios que habitavam.
     A maioria dos que se lançavam nessa aventura africana, morria de febres (malária, etc), ou simplesmente não se adaptava ao clima, aos costumes e à sociedade africana, e acabava voltando. Mas muitos sobreviveram e foram ficando, tendo filhos mulatos (o termo surgiu nessa época), que não pertenciam à cultura européia nem à africana.
     Os casos mais emblemáticos dessa população mestiça que foi se formando, ocorreu nas ilhas de Cabo Verde, em frente ao Senegal, e em São Tomé e Príncipe, no golfo de Benin, mais ao sul, antes desabitadas e onde surgiram sociedades lideradas por burguesias mulatas ou pelos brancos da terra, cujos interesses comerciais muitas vezes passaram a concorrer com os de Portugal, ocasionando sérios problemas às pretensões do monopólio comercial, que a metrópole sempre procurava estabelecer nos seus contatos com os reis africanos.
     Hoje os dois arquipélagos são países independentes, pertencentes a CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com fortes laços culturais e comerciais com o Brasil.

O Golfo de Benin
     Ao subir o rio Benin, em 1486, no território da atual Nigéria, os portugueses encontraram o porto de Ughoton, 65 Km acima da foz, através do qual tiveram conhecimento da existência de uma cidade que era capital do império dos edos, que também se chamava Benim a 30 Km de caminhada do porto.
     Logo trataram de fazer contato com seu rei, mas não esperavam, que a cidade fosse tão grande, maior que a maioria das capitais européias da época (ilustração abaixo à esquerda), e construída em torno de um imenso palácio, do seu governante que se intitulava Obá, cujas colunas de madeira "...cobriam-se de placas de cobre: as placas esculpidas em relevo com cenas de corte, festas, ritos, batalhas e caçadas, que deram fama ao Benim"  (foto abaixo à direita).
     "...não escapou ...tampouco o tamanho do reino, calculando que se estendesse por 80 léguas de comprido por 40 de largo - ou uns 385 Km de oeste para leste e cerca da metade disto do sul para o norte".
     Os portugueses se entusiasmaram com as possibilidades de comércio, já que o Benim era um reino centralizado, onde todo o poder se concentrava no Obá, o que facilitava um possível acordo.
     Além disso os islâmicos ainda não haviam chegado por lá e as possibilidades de conversão do rei ao cristianismo eram maiores.
      (abaixo à direita, a cidade de Benin atualmente)
     O rei de Portugal viu na centralização política e religiosa uma oportunidade para implantar o cristianismo, e o rei interessou-se pela compra de armas de fogo, arcabuzes e canhões, que os portugueses só vendiam a convertidos. A coincidência de interesses fez com que o Obá permitisse que padres viessem pregar e construir igrejas. Mas o cristianismo não penetrou muito nas populações locais, ficando restrito a alguns membros da elite, o que acabou frustrando as intenções do Rei de portugal, D. Sebastião.
     O Rio Benim fica à oeste do imenso delta do Rio Níger (na foto de satélite à esquerda), região atualmente produtora de petróleo. Entre o rio Benin e o delta do Níger, existem mais dois rios. Ao longo desses três rios (os três rios embaixo, na foto, à esquerda), próximo à costa, viviam os Ijós e os Itsequiris, que eram parentes do Obá de Benin e que mercadejavam com os escravos, resultantes das guerras movidas pelo Obá contra os reinos mais ao norte, especialmente provenientes dos povos Urrobos, IsocosIorubás e Ibos.
     Os portugueses compravam tantos escravos nessa região, que batizaram o segundo rio de Rio dos Escravos. A maioria era vendida no forte da Mina, para os Acãs. Assim, os portugueses se tornaram intermediários do lucrativo comércio de escravos entre os próprios africanos.
O Golfo da Guiné (antigo Golfo de Benin), atualmente, com a cidade de Benin, marcada no mapa à direita.
     Logo os portugueses perceberam que as razzias (caçadas humanas) para capturar escravos não eram lucrativas, devido a necessidade de combater em terreno desconhecido e enfrentar a resistência armada das populações. Era muito mais fácil comprar escravos dos próprios reis africanos, que logo percebiam as possibilidades de auferir grandes lucros com o comércio de corpos e tinham sua lógica própria para decidir quem ia ser escravizado ou não.
     Mas nem todos os europeus entendiam essa realidade, respeitando as hierarquias locais. Alguns deles, especialmente os ingleses, se lançavam à costa ao primeiro grupo de seres humanos que enxergassem, para capturá-los, capturando, à vezes, os próprios reis ou seus emissários que vinham à bordo oferecer mercadorias.
     Um desses ingleses foi o pirata John Hawkins, a quem Costa e Silva chama de velhaco e que foi posteriormente nomeado Sir, membro do parlamento e almirante pela rainha da Inglaterra.
     Desse Rio dos Escravos, saíram muitos cativos trazidos para o Brasil. Temos, portanto, uma identificação étnica muito importante com essa região da África, embora pouco conheçamos da sua realidade atual.
     Como o Obá não conseguiu seu intento de comprar armas de fogo dos portugueses, desinteressou-se da aliança. Os portugueses, por sua vez, já empenhados na colonização do Brasil e no comércio com a Índia, não tinham gente suficiente para bancar uma empreitada tão grande em continentes tão distantes (Portugal tinha na época, cerca de 2 milhões de habitantes) e também se desinteressaram.
     O comércio com o Benin foi sendo deixado para as caravelas de São Tomé, que passaram a ocupar o lugar de Portugal, comprando e vendendo escravos inclusive para as américas portuguesa e espanhola. Os cativos eram comprados no continente e passavam um tempo em São Tomé, trabalhando nas plantações de cana de açúcar e se adaptando ao sistema de exploração colonial. Depois eram exportados.
(na foto à direita a cidade de São Tomé, atual capital da República de São Tomé e Príncipe)
     No tempo em que passavam em São Tomé aprendiam o dialeto do português, chamado crioulo, que depois se espalhou pelas américas e para Cabo Verde, deixando rastros até hoje, inclusive na cidade de Cartagena das Índias, um porto atlântico da Colômbia, famoso por receber escravos nesta época.

     As sociedades do delta do Níger, um lugar semelhante à nossa Amazônia, cheio de rios, manguezais, lagos e furos (ligações entre rios), evoluíram de famílias patrilineares, que formavam uma aldeia composta do senhor, suas várias esposas e filhos, agregados e escravos, cujos filhos e netos podiam se incorporar a família de seus proprietários após algumas gerações, para o que os africanos chamavam de wari, que eram verdadeiras corporações comerciais, estruturadas em torno da atividade pesqueira.
     Uma Wari era tanto mais influente e poderosa, quanto mais famílias, agregados e escravos possuísse. Hoje essas estruturas sociais ainda sobrevivem como uma forma de organização social tradicional (à esquerda membros de uma tradicional Wari nigeriana, no delta do Níger).
     Com o tempo, a absorção dos escravos passou a ser mais rápida, no sentido de ampliar a importância da comunidade, que rivalizava com outras comercialmente, na venda de pescado, escravos e sal.  A essas estruturas familiares os europeus passaram a chamar casa da canoa. Um escravo aculturado, que fosse protegido por uma das mães da casa, podia ascender socialmente no grupo e até adquirir propriedades, podendo inclusive se separar da casa original, com a permissão de seu pai de adoção e fundar uma nova casa, que seria tributária da primeira, formando assim uma constelação de casas, que eram verdadeiras corporações.
     Nessa região surgiu entre o povo Ecói, uma sociedade secreta, a Sociedade do Leopardo, que "...regulava todas as relações sociais e tinha poder de vida e morte", que tinha como objetivo manter as tradições ancestrais e influenciar na escolha dos reis. Ela possuía uma escrita própria, formada por ideogramas, chamada nsibidi, (à direita) que permitia que as pessoas conversassem em silêncio, apenas apontando os ideogramas. Essa sociedade produziu também os famosos monólitos de pedra, (acima à esquerda) cujo tamanho variava de 90 cm a 1,80, com figuras humanas, a maioria em forma de falos. Esses monólitos são conhecidos como akwanshis, e muitos ainda se encontram em aldeias nigerianas do delta do Níger, especialmente na região do rio Cross.
    O delta do Níger hoje tem sido palco de muitos desastres ambientais, devido a vazamentos de petróleo. Na foto ao lado, vazamento provocado pela empresa Shell no delta do Níger, segundo notícia do site abaixo.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/07/vazamentos-de-petroleo-afetam-nigeria-ha-cinco-decadas.html
    
    

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