Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 2 de setembro de 2012

 Ainda a África

 
Tráfico e preconceito
 
     Os três capítulos finais do livro A Manilha e o Libambo, de Alberto da Costa e Silva, dizem respeito especificamente à vida política e econômica da África Atlântica, entre os séculos XVI e XVIII e à formação do conceito racista que passou a associar escravo com negro.
     Não vou resenhar aqui as extensas descrições da vida africana naquela época, mas apenas assinalar que a multiplicidade de pequenos estados e reinos que surgiam e desapareciam, ao sabor das inúmeras guerras, resultantes das tentativas de muitos deles em se assenhorar das rotas comerciais e submeter outros estados à sua servidão, guerras estas que produziam os prisioneiros que se transformavam em escravos enviados para fora da África subsaariana, pelo oceano ou pelo deserto, todo este processo era resultado da existência de excedentes produtivos, que permitiam a formação de elites econômicas, ou seja classes sociais que acumulavam riquezas e se lançavam à guerra com intuito de aumentar seu poder e suas riquezas às custas dos seus povos e de povos vizinhos.
     O estágio civilizatório da África atlântica, pulverizada em centenas de micro-estados que viviam em guerra constante, sem que nenhum deles consolidasse um poder real e duradouro sobre um território específico, foi o motor do intenso despovoamento vivido pelo continente naquela época, já que aos reinos vencedores das pequenas guerras, parecia urgente se livrar dos inimigos aprisionados, mandando-os para o mais longe possível e lucrando com isso.
     Aos árabes e europeus que compravam escravos, ou os capturavam em várias partes do mundo para movimentar suas economias movidas pelo braço dos cativos, passou a ser cada vez mais fácil fazê-lo na África, onde a oferta era sempre grande.
     "As regiões balcânicas e à volta do mar negro, até então a maior fonte de escravaria para a Europa e o mundo islâmico, tinham sido fechadas aos europeus pelos otomanos, na metade do Quatrocentos." (pg. 851)
     A diferença racial fez com que os negros começassem a ser identificados com o escravo, já que este precisava forçosamente ser uma pessoa etnicamente diferente, para que fosse possível construir uma "justificativa", aceitável para os escravizadores.
     "O que fora o habitual na Roma antiga e na Idade Média européia e sucedera algumas vezes na África tornar-se-ia impensável nas Américas: alguém ter um escravo branco." (pg. 859)
     Apesar dessa situação, os europeus não tinham nenhum domínio sobre os territórios africanos, e viviam reclusos nos 32 fortes que ao final do século XVIII tinham construído na costa atlântica. Só conseguiam penetrar no interior, pagando tributos e fazendo acordos com os reis locais, situação que permaneceria até o final do século XIX, quando se deu realmente a partilha da África entre as nações européias.
     Então temos aqui dois fenômenos:
     O primeiro é a produção de riqueza acumulada pelos excedentes produzidos por uma economia em estágio pré-mercantilista, que enriquecia e empoderava elites locais, que se voltavam à guerra como forma de aumentar poder e riquezas, produzindo um enorme contingente de prisioneiros, que também passava a ser fonte de lucros.
     O segundo é a identificação étnica do negro com o escravo, à partir do século XV, por europeus e árabes, devido a abundância de oferta na África e do fechamento dos mercados tradicionais de escravos nos balcãs e no mar negro.
     É claro que o preconceito racial que vivenciamos hoje tem sua origem nesta identificação entre negro e escravo. É por isto também que a maioria dos brasileiros não se sente indignada ao ver os negros em situação de pobreza ou miséria, panorama tristemente comum no nosso país, mas muitos se opõem a programa compensatórios como o das cotas nas universidades, por achar estranho ver negros doutores, ou por achar que estamos lhes dando algum privilégio ao tentar compensar os descendentes das vítimas da escravidão, até hoje reduzidos à pobreza pela falta de oportunidades ou pelo próprio preconceito.
    
     Nos próximas edições deste blog, pretendo seguir escrevendo sobre a África, à partir de outro livro de Alberto da Costa e Silva intitulado Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África, este bem menor do que o primeiro, do qual espero ter dado conta satisfatóriamente.
    
 
     

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