Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 4 de março de 2012

Civilização x barbárie

O Lendário Rei Arthur
Pictos, Celtas, Anglos e Saxões

     Nas minhas pesquisas sobre a confusa história da Inglaterra, tenho encontrado muitos sites esotéricos que ficam endeusando os celtas e condenando os romanos, como se estes fossem o responsável por todos os males da antiguidade, contra uma pretensa pureza dos povos pagãos.
     O mesmo vale para a religião cristã em relação ao paganismo professado pelos europeus primitivos que viviam em estado tribal nas ilhas britânicas, na época da invasão romana.
     Mas o que tenho encontrado em artigos de historiadores desmente essa idealização dos celtas e demonização dos romanos. Na verdade a dominação romana sobre o sul das ilhas não destruiu a religião dos druidas, como é tão apregoado, mas foi a expressão da civilização, contra povos que se organizavam em torno de uma aristocracia guerreira e viviam de lutarem uns contra os outros, numa espiral sem fim de violência.
     Os romanos civilizaram os bretões ao sul, mas nunca conquistaram os celtas da Irlanda ou os pictos da antiga Caledônia, atual Escócia. Eles ficaram por lá cerca de 400 anos, mas sua presença militar não era muito grande, devido à relativa paz que imperava na província britânica. Apenas na fronteira norte havia constantes atritos com os pictos, principalmente, que nunca foram dominados por nenhum invasor.
     Mesmo a cristianização, se fez com a absorção de muitos rituais pagãos, para conquistar a aceitação dos druidas e os seus templos foram preservados e aos poucos transformados em igrejas cristãs, num sincretismo religioso semelhante ao que ocorreu na Bahia, na época da colonização portuguesa, como forma de evangelizar os africanos trazidos para o Brasil.
     Por volta do ano 400 os romanos se foram, deslocando suas tropas para a defesa de Roma, assediada por Átila, o huno, deixando os bretões romanizados, ao sul, desprotegidos contra os ataques dos celtas irlandeses e dos pictos.
     A economia britânica havia se estabilizado e superado o estágio tribal, o que fazia dos bretões um povo sedentário, que cultivava seus campos e vivia em aldeias e cidades, regidos por leis escritas, sob o domínio do cristianismo, de uma forma muito diferente dos povos ao norte da Muralha de Adriano, que seguiam nômades, guerreiros, governados por conselhos de anciãos e praticando a religião pagã de seus ancestrais, que incluíam rituais de sacrifícios de animais e de seres humanos.
     A muralha continuava, portanto, sendo uma fronteira entre uma cultura mais evoluída, sedentária, com uma estrutura política mais complexa e povos de organização primitiva, que viviam em sociedades tribais regidas por aristocracias guerreiras. Continuava sendo, portanto, uma fronteira entre o que se considerava civilização, na época, e a barbárie tribal.
     Sabe-se que a prática da escravidão era recorrente em todas as sociedades da ilha, tanto no mundo romanizado quanto no celta e picto. Com a retirada dos romanos, os celtas irlandeses passaram a fazer incursões ao sul para capturar escravos, ocasião em que um filho de nobres bretões foi escravizado e passou seis anos na Irlanda como pastor de ovelhas, de onde conseguiu fugir de volta para a Bretanha e para sua família. Este jovem viria a se tornar um sacerdote da fé cristã que teve grande importância na cristianização da Irlanda, para onde voltou como pregador, e ficou conhecido posteriormente como São Patrício.
     Para substituir o exército romano na defesa da sua civilização, os bretões, na época governados pelo rei Vortigern, convidaram alguns povos germânicos, da região do Reno, na atual Alemanha, e de mais ao norte do continente, a irem para a ilha como combatentes, mediante soldo, para defendê-los dos bárbaros. Eram os anglos, os saxões e os jutos. Esses povos, no entanto, ao perceberem as riquezas da Bretanha e sua fraqueza militar se aproveitaram para tomar todo o país, destruindo suas cidades e expulsando os bretões, descendentes dos primeiros celtas do sul, para as florestas, de onde passaram a uma resistência eventual, sendo aos poucos incorporados pelos invasores. Muitos bretões fugiram para o continente, para a região conhecida como Armórica, formando a Bretanha continental, no atual norte da França.
     Os bárbaros convidados, destruíram em grande parte a cultura romanizada dos bretões e restabeleceram seus antigos rituais pagãos, continuando, no entanto, a dar combate aos celtas da Irlanda e aos pictos, que nunca se deixaram vencer também por eles.
     Ao sul se formaram sete reinos anglo-saxões, época conhecida como heptarquia. Esses sete reinos continuaram combatendo os celtas da Irlanda, os pictos da Caledônia e a resistência dos próprios bretões do sul, que chegaram a ter algumas vitórias contra eles, a mais famosa na batalha de Monte Badon, liderada pelo lendário Rei Artorius, cristão, mais tarde conhecido como Arthur, permitindo que os bretões reconquistassem uma parte à oeste da ilha e fundassem cinco reinos, até que quatrocentos anos depois da retirada dos romanos os Vikings vieram do extremo norte do continente, com seus ataques ferozes a todos os povos das ilhas britãnicas. Foi então que os pictos e uma tribo celta que havia se instalado ao norte da antiga Caledônia, os scots, se uniram para vencer os Vikings e os anglo-saxões e unificaram seus povos, fundando a Escócia (Scot land, terra dos Scots).
     Por esta época, o cristianismo já havia fincado raízes profundas em todos os povos das ilhas, embora houvessem interpretações diversas das escrituras.
     Como se vê, os anglos e os saxões foram os mercenários dessa história e foram eles que destruíram a cultura celta bretã. Talvez daí venha esse impulso destruidor que ainda move ingleses e americanos até hoje de dominarem o mundo através de suas guerras intermináveis.
     Continuam bárbaros, só que ricos com tecnologia desenvolvida.

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