Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 22 de agosto de 2010

   Antagonismos


     Esta semana recebi uma crítica, dizendo que eu preciso de antagonismos, preciso sempre estar comprando alguma briga, em síntese, que eu sou um chato criador de casos.
     Fiquei pensando muito e me lembrei de outra crítica, semelhante a esta, que recebi a poucos meses, e tanto a primeira quanto a segunda, partiram de pessoas que abandonaram seus princípios em busca de vantagens pessoais.
     Seria mesmo verdade que me tornei um antagonista por falta do que fazer, por prazer de ficar perturbando os outros, ou como forma de tentar ser importante ou me achar superior?
     É sempre bom ser lembrado destas coisas, porque às vezes, o fato de ter um espaço para escrever, mesmo que seja um pequeno espaço como este, dá uma sensação de poder que pode nos inebriar e confundir.
     De fato, tenho dois tipos de texto que podem incomodar: o primeiro é o memorialismo, onde cito as pessoas que conheci e vivi. O exemplo clássico é meu livro Contracorrenteza, de 1993, onde citei os primeiros nomes das pessoas e fiz críticas abertas a tudo que achava errado.
     Muita gente gostou e muita gente detestou e até hoje o livro é muito comentado. Referiu-se a uma etapa da minha vida e concentrou críticas sobre o Partido dos Trabalhadores, mostrando as entranhas do movimento popular, as manobras e pequenos golpes, muito comuns, vividos por mim na cidade de Ilhéus.     
     Achei que citando só os primeiros nomes, as pessoas poderiam dizer: não, esse é outro João, não sou eu. Mas não foi assim. A partir daí parei de citar os primeiros nomes, mas mesmo as pessoas se sentem identificadas do mesmo jeito.
     Fica mais difícil quando são pessoas da família, pois é preciso citar o parentesco para que uma história familiar faça sentido. Todo escritor memorialista tem problemas deste tipo com sua família. Isabel Allende cita em um dos seus livros que um dos seus genros a proibiu de citá-lo. mas de qualquer forma ele está lá, como genro.
     O segundo tipo de texto é a crítica política direta, citando nomes de pessoas públicas e criticando sua atuação. É claro que os políticos não gostam, mas se ninguém puder criticá-los não haverá democracia.
     Acontece que, desde o advento do neoliberalismo, se instalou entre nós uma cultura de que críticas são uma coisa nociva, que devemos ter pensamentos positivos, jogar energia positiva, e uma série de coisas desse tipo que deram origem a toda uma literatura de auto-ajuda e às correntes de power-point de fundo religioso que circulam na internet, com mensagens de amor e de como ser mais feliz, etc.
     Essa ideologia de que é preciso ser bonzinho para ser bem-sucedido é típicamente corporativa, ou seja, é usada nas empresas para que os funcionários se conformem e procurem se ajustar aos seus interesses. O espírito crítico sempre foi muito mal visto pelos empresários, que o associam com rebeldia.
     Essa mentalidade propõe que ser crítico é criar problemas para si próprio, ou seja, propõe que em troca de benefícios pessoais (muito discutíveis) a pessoa finja que não está vendo as coisas erradas.
     Mesmo na política essa visão vem ganhando adeptos. Vejam o PT e o próprio Lula, que começou tão rebelde, criticando tudo. Hoje vivem de conchavos e mediações, preferindo um consenso construído nas costas do povo a um embate verdadeiro. Tudo bem, pode até ser um a estratégia de desmobilização do adversário, mas não deixa de reforçar essa idéia de que ser crítico é trabalhar contra você mesmo.
     Então a mensagem é: pense em você em primeiro lugar e pare de ficar se preocupando com ética e honestidade.
     Bom, amigo leitor, fico me perguntando para onde irá o mundo se cada um se preocupar apenas consigo próprio e abandonar seus valores? Para onde irá nossa democracia se não houver mais espírito crítico? Para onde irá nossa liberdade se tudo não passar de uma competição entre interesses particulares?
     Prefiro continuar acreditando em justiça e liberdade, lutando pelos meus valores e pelo interesse público no meu pequeno espaço, do que ser feliz egoisticamente, consolado na minha solidão pela auto-ajuda, que melhor seria chamada de auto-anestesia.
    Sei que pago um preço alto por isto, mas esse é o preço a ser pago por quem pretende ser um livre-pensador, realmente independente.
     Na verdade, ser livre e poder dizer o que penso é a minha melhor ajuda a mim mesmo,

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