Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 22 de agosto de 2010

   Histórias de outras vidas (25)

UM SEGUNDO EM UM CACHORRO


     Essa aconteceu em Rio de Contas mesmo, em 2004.
     Tenho um cachorro chamado Aladim, um cachorro diferente.
     Tudo começou em 1999, quando dei de presente à um amigo uma cadela pastor-alemão, não muito pura, que estava numa gaiola na frente da loja de animais em Vitória da Conquista.
     Meu amigo havia comentado que precisava de um cão para tomar conta da casa, e era aniversário dele na mesma semana. Não resisti àquela cadelinha tão simpática que parecia tão desamparada na gaiola.
     A cadela ganhou o nome de Lola e no início de 2001 depois deu a luz a dez cachorrinhos. Isso mesmo: dez! Eu estava na casa dele e ajudei no parto, que durou mais de seis horas. Aparei nove filhotes e achei que já tinha acabado. Já tarde da noite fui dormir e no dia seguinte ao contar à ninhada vi que havia mais um, meio vermelhinho.
     Era ele!
     No mesmo ano me mudei para Brasília e meu amigo foi me visitar de carro, levando os três filhotes que lhe haviam sobrado, pois não tinha com quem deixá-los. Foi uma farra quando eles desceram do carro e começaram a subir nas pernas dos meninos e correr pela casa e o gramado.
     Eram dois machos e uma fêmea. Um dos machos era Aladim, o vermelho. Imediatamente ele grudou em mim, como se me conhecesse de longo tempo. De início achei aquilo chato, mas sua amizade era tão forte que ele acabou me conquistando e fiquei com ele.
     Com o tempo Aladim foi revelando suas estranhas habilidades.
     Não há corda que o segure muito tempo. Escala muros de 2,20 de altura com enorme facilidade e uma vez o vi escalar uma pedra, que começa dentro do açude do meu sítio. É uma grande pedra, meio arredondada, de uns três metros de altura, cuja base se encontra dentro d’água. Eu estava na outra margem quando Aladim saltou de dentro da água, agarrou-se com as quatro patas à pedra, como se fosse uma aranha e foi galgando tranquilamente até atingir o topo.
     Se eu não tivesse visto não acreditaria.
     Pois esse é o meu cachorro.
     Hoje ele vive no sítio e quando chego ele gruda em mim como no primeiro dia. Quando saio o caseiro tem que deixá-lo amarrado por umas duas horas para que ele não venha atrás. Mesmo assim, outro dia apareceu pela cidade, depois de percorrer 20 Km e perambulou por tres dias procurando a casa. Pessoas que o conheciam me avisaram e pude encontrá-lo, faminto.
     Pois um dia destes eu o trouxe para a cidade, para ver o veterinário. Depois de medicado ficou uns dias comigo. Quando eu me deitava na rede da varanda ele vinha e se deitava do lado. Nos comunicamos por gemidos, pois descobri que nós humanos e os cachorros conseguimos emitir os mesmos sons de gemidos o que facilita a comunicação. É claro que a interpretação dos significados é subjetiva, mas não é tão difícil assim decifrá-los.
     Pois estávamos nesse afã, eu na rede, olhando as estrelas pela nesga de céu, entre o muro e o telhado e ele ao meu lado, dando gemidos esporádicos para nos comunicarmos, quando notei uma inquietação no bicho. Olhei para ele, no fundo dos seus olhos e então aconteceu uma coisa incrível:

Eu entrei dentro do cachorro e vi o mundo pelos olhos dele!

     Durou apenas um segundo, mas eu estive lá. Não sei se ele também esteve no meu corpo naquele segundo, mas pude sentir tudo que ele sentia e então compreendê-lo muito melhor. Só me lembro de sentir muito medo. Sim, senti o medo com que os cães vêem o mundo, porque não o entendem e então compreendi porque atacam, porque são agressivos. Eles tem medo constante, se sentem ameaçados por tudo que não entendem, e não entendem quase nada, e por isso estão sempre vigilantes. Talvez por isso sejam tão amigos dos humanos, porque precisam de nós para protegê-los dos seus medos.
     Terminado o transe, dei um pulo da rede, apavorado e fiquei olhando cismado para o animal.
     Foi uma experiência perturbadora, que prefiro não repetir. Talvez tudo não tenha passado de minha imaginação, ou quem sabe, pude captar realmente o que se passava em sua mente e seu espírito primitivo.

Boa segunda-feira a todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza

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