Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 9 de setembro de 2012

 
Um Rio Chamado Atlântico
A África no Brasil e o Brasil na África
 

     O que mais impressiona e surpreende o leitor deste outro livro, de Alberto da Costa e Silva, (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro - 2011) é a percepção de quão intensa foram as relações comerciais e políticas entre Brasil e África, em séculos passados, relações estas destruídas deliberadamente pelo dominação britânica do Atlântico sul durante o século XIX.
      Ao contrário do livro anterior (A Manilha e o Libambo) a cuja resenha me dediquei nas últimas edições deste blog, Um Rio chamado Atlântico não é o resultado de uma pesquisa histórica, mas uma coletânea de artigos sobre o assunto, escrito em épocas diferentes e com o foco nas mútuas influências entre África e Brasil, perdidas da nossa memória coletiva por um século XX que nos apartou da nossa fronteira leste, o continente africano.
     Mais do que a desvendar, o livro se preocupa em restaurar ligações perdidas.
     Dentre as muitas verdades, restabelecidas pelo autor, vamos descobrindo que nossa maior ligação com a África, até o século XIX, não foi com a Luanda dos portugueses, mas com o golfo da Guiné, especialmente com Lagos na Nigéria, terra de iorubos, conhecidos no Brasil como nagôs, e cuja cultura foi a que mais resistiu às duras condições da escravidão no Brasil.
     Descobrimos que muitos príncipes vieram para o Brasil, enviados por seus inimigos, para os quais a escravidão era também uma forma de exílio, e que as sociedades secretas dos escravos os escondiam dos senhores brancos, preservando-lhes as identidades reais para protegê-los e que, muitas vezes, estas compravam suas alforrias, com suas pequenas poupanças, para mandá-los de volta, algumas vezes para que reassumissem suas funções reais.
     Descobrimos que os maracatus, onde um rei e uma rainha desfilam e são homenageados pelo povo, eram formas encobertas dos negros de render homenagem aos seus príncipes, ocultos no meio da escravaria e também que reis africanos mandavam seus filhos estudar na Bahia e que o Obá Osemwede, do Benin, e o Obá Osinlokun, de Lagos, foram os primeiros soberanos a reconhecer a independência do Brasil, formando, paradoxalmente, as últimas embaixadas de reinos africanos no nosso país, antes da partilha da África pelos europeus.
     Brazilian quarter, em lagos
     Resgatamos também o fato de que milhares de ex-escravos voltaram para a África (os retornados)e lá fundaram comunidades, mantendo alguns costumes adquiridos no Brasil. Não se integravam mais nas sociedades tribais, assim como também não tinham lugar no Brasil escravocrata, e formaram comunidades separadas, conhecidas como de brasileiros ou agudás e ergueram bairros inteiros como o Brazilian quarter na cidade de Lagos, assim como também no Togo e no antigo Daomé.
     Eles levaram para a África a arquitetura praticada no Brasil, na época, (foto acima) com a qual construíram suas residências, sobrados, igrejas cristãs e mesquitas. Ainda existem alguns exemplares dessas construções na moderna Lagos.(foto abaixo)
     Muitos descendentes desses retornados ainda falavam o português, no início do século XX e os mais velhos eram conhecidos como papais e mamães. Descobrimos também, que a famosa revolta dos malês, ocorrida na Bahia em 1835, foi um reflexo no Brasil de uma guerra santa, uma jihad islâmica, ocorrida na região do Iorubo, e comandada pelo Imame (líder espiritual) Usuman dan Fodio, cuja notícia chegou ao Brasil através dos navios negreiros, que muitas vezes traziam como cativos, prisioneiros dessas guerras e passavam a notícia aos seus compatriotas no Brasil. 
     A comunidade islâmica no Brasil, era formada por negros escravos e libertos, que mantinham sua fé oculta e professavam sua religião em segredo, já que oficialmente o Brasil imperial era um país católico e qualquer outro culto era considerado ilegal e perseguido como seita religiosa.
     Após o fim da rebelião, muitos revoltosos malés foram deportados de volta para Lagos e lá se juntaram à comunidade muçulmana local.
     Havia também muitos muçulmanos no Rio de janeiro, que se reuniam em locais privados para professar sua religião. Esses seriam descendentes do que Costa e Silva chama de diáspora baiana, formada por ex-escravos que foram da Bahia para o Rio, procurando afastar-se de seus antigos donos para começar uma vida nova. Teriam sido eles os responsáveis pela invenção do Samba, como já contam algumas resenhas da vida dos primeiros compositores do samba carioca, como Pixinguinha, todos filhos de baianas emigradas para o Rio de janeiro.
     Alberto da Costa e Silva afirma também ter visto no Senegal uma apresentação musical em que a música era idêntica ao frevo pernambucano, que ele suspeita ser, na verdade, um ritmo africano transplantado para o Brasil.
     Muito interessante é perceber que a dominação européia sobre a África foi historicamente curta: do final do século XIX a meados do XX, quando se formam as modernas nações africanas.
     Após ler Um rio chamado atlântico, me parece extremamente importante a retomada das relações do Brasil com a África, de onde veio aproximadamente a metade dos formadores da população do Brasil moderno. O colonialismo europeu nos separou das nossas raízes africanas e hoje estudamos os negros como se a história deles começasse nos navios negreiros.
      Conhecer a história das nossas relações com os povos africanos, assim como a mútua influência que Brasil e África exerceram um sobre o outro, é importante para compreender quem somos nós, quem são eles e traçar um novo rumo para as relações exteriores do nosso país.
 
     Para maiores informações sobre a influência do Brasil na África, através dos retornados, me parece interessante, também, a leitura do livro A Casa da Água, (editora Bertrand Brasil, editado originalmente em 1969) de Antonio Olinto, primeiro volume de uma trilogia sobre o tema.
 

     Maiores informações sobre este livro podem ser obtidas nos sites abaixo:
 
     

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