Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 21 de julho de 2012

On the road
(Na estrada)


     Fui assistir ao filme de Walter Salles, feito à partir do livro On the Road, um clássico americano dos anos 1950 e considerado a bíblia do movimento beatnik, os jovens rebeldes sem causa que viviam uma vida transgressora e desregrada, que foram os precursores do movimento hippie, dos anos 1960.
     A obra foi recebida com reações contraditórias em Cannes. Os americanos não gostaram, ao contrário de alguns europeus.
     Assistindo ao filme, porém, dá pra entender essas reações.
     Mesmo sendo uma produção americana, com atores idem, Walter Salles passa uma imagem crítica dos Estados Unidos que é tipicamente brasileira. Em nenhum momento aparece a clássica cena da bandeira americana, presente em todos os filmes made in USA, nem há aquela complascência com os problemas da sociedade deles.
     Pelo contrário, em vários momentos as contradições do país aparecem. Como na cena em que o personagem Sal Paradise, vai trabalhar numa plantação de algodão e se detém ao receber 1 dólar e cinco centavos, após um dia inteiro de trabalho, lançando um olhar questionador para o funcionário que o está pagando. Também os sobrenomes dos trabalhadores que vão sendo chamados para receber o pagamento é muito revelador: a maioria estrangeiros, hispânicos ou chineses, mostrando o sistema de exploração a que os imigrantes estão expostos nos Estados Unidos.
     Também numa cena em que eles viajam de carro pelas estradas e ouvem na rádio uma propaganda anti-comunista, dizendo que no socialismo as liberdades civis não são respeitadas, e em seguida o carro é parado por um guarda, por excesso de velocidade, que exige 25 dólares em troca de deixá-los partir, depois de fazer uma série de ameaças que desrespeitam seu direito de ir e vir.
     Ao final, quando o escritor Sal, vê os primeiros aparelhos de televisão, numa vitrine, e neles está passando uma mensagem sobre a necessidade dos cidadãos aceitarem os controles das autoridades, fica bem evidente a discrepância entre o discurso liberal e a realidade de controle governamental sobre a população, existente no país.
     Também os clichês sobre o México, tradicionalmente mostrado em filmes americanos como um local sujo e habitado por gente perigosa, é substituído por uma visão muito mais realista das cidades latino-americanas, meio bagunçadas mas acolhedoras.
     É claro que os americanos não gostaram, acostumados que estão a falar apenas aquilo que as grandes corporações permitem. Críticas só aos outros países. No que diz respeito a eles próprios, estão sempre acima do bem e do mal.
     Em outra cena, o mesmo Sal Paradise critica o general Mac Arthur, então interventor no derrotado Japão, por proibir o beijo nas ruas de Tóquio.
_Quem ele pensa que é? Pergunta o personagem, olhado com espanto pela sua própria família, pela sua crítica inconveniente.
     Mas o filme não é uma crítica aos Estados Unidos, apesar dessa visão brasileira, pelo contrário, tenta ser muito fiel ao texto. Eu não li o livro, mas suponho que o roteirista tenha se mantido muito fiel à história em que o escritor conta o seu encontro com o jovem Dean Moriarty, que vivia uma vida inconsequente de transgressões e que captava seguidores numa juventude de classe média intelectualizada, desencantada com uma sociedade conservadora.
     Esse excesso de fidelidade ao texto deixou o filme um pouco longo demais, o que faz com que às vezes olhemos para relógio, nos perguntando quanto tempo falta para terminar, já que não há um climax muito marcado na história, que indique a proximidade do final.
     Essa preocupação com a fidelidade ao texto é compreensível, em se tratando de um texto cult, que nenhum diretor americano teve coragem de filmar até hoje. Talvez apenas um estrangeiro tivesse mesmo o distanciamento necessário para fazê-lo, e é natural que ficasse preocupado com a crítica cinematográfica, que iria observar seu produto com lupa, para analisar um trabalho considerado tão difícil.
     Mas é um belo filme, que mostra com muito cuidado o desencanto de uma geração americana com a falta de opções, num país que então se afirmava como liderança mundial. A negação da sociedade, através de uma vida autodestrutiva, pelas drogas, pelo sexo e pelas transgressões aventureiras, é apenas uma prévia do que seria a história do capitalismo no pós-guerra. 
     Vale a pena ver.
Ficha técnica
A adaptação do livro de mesmo nome, de 1957, do escritor Jack Kerouac, é baseada em fatos reais e conta a história de como o escritor Sal (Kerouac, na vida real) conhece Dean (Neil Cassady) e sua mulher, Marylou (Luanne Henderson). Juntos, eles viajam pelas estradas de leste a oeste dos Estados Unidos. com os atores Garrett Hedlund (Dean Moriarty), Kristen Stewart (Marylou) e Sam Riley (Sal Paradise) que aparecem refletidos no retrovisor do carro no poster do filme e ainda, Viggo Mortensen, Kirsten Dunst, Alice Braga, Steve Buscemi, Amy Adams e Tom Sturridge, entre outros.
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