Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

sábado, 17 de dezembro de 2011

O Cemitério de Praga


     Este é o novo livro de Umberto Eco (Editora Record, Rio de janeiro e São Paulo - 2011) , o grande linguista e escritor italiano, autor de O Nome da Rosa, entre outros títulos. 
     Eu já tinha lido, recentemente, O Pendulo de Foucault, também de sua autoria, em que o autor cria uma trama entre editores que vão em busca de mistérios esotéricos, para depois se darem conta de que tudo não passava de uma grotesca falsificação. Mais do que isso, uma espécie de histeria coletiva de gente que se excita com teorias conspiratórias e fazem a fortuna de oportunistas que escrevem obras para esse público, procurando atender seus desejos de descobertas sensacionais e ocultas.
     Em O Cemitério de Praga, Eco vai mais longe e entra no mundo dos falsários, que criam documentos autênticos sobre histórias estapafúrdias, em torno de interesses de ocasião, seja de grupos políticos, seja de governos, seja de preconceitos raciais e religiosos.
     Tudo se passa na segunda metade do século XIX, quando as potências européias faziam seus joguinhos de espionagem, sempre contratando os serviços do personagem principal, que não hesita em desgraçar a vida de inocentes em troca de um bom pagamento, fazendo os serviços mais sujos para atender interesses escusos.
     Durante a trama, Eco nos leva por um passeio em meio a fatos históricos reais, como a luta de Garibaldi pela unificação da Itália, a Comuna de Paris, a guerra franco-prussiana e as conspirações que precederam a revolução russa de 1917, passando por personagens muito conhecidos que viveram naquela época, como Freud, por exemplo.
    Aliás, personagens é o que não falta no livro. A cada capítulo somos apresentados a dois ou três novos, que acompanham o principal, o capitão Simonini, e seu Alter-ego, o abade Dalla Picolla, que são a mesma pessoa. Simonini e Dalla Picolla se revezam nas páginas de um diário em que vão contando tudo que fizeram ao longo de suas vidas, enquanto estranham profundamente morarem na mesma casa sem nunca se verem e não entendem como, quando termina a narrativa de um começa a do outro, já que nem se lembram de se conhecerem.
     Mas o pano de fundo da história é a falsificação de um episódio, criado por Simonini e que ele considera a sua obra prima de falsário, destinado a acirrar o ódio contra os judeus na Europa, numa época em que os governos usavam o anti-semitismo como uma forma de atemorizar seus povos para mantê-los sob controle, usando a velha tática do inimigo comum.
     Este documento, que vai tomando forma ao longo da narrativa, sendo apresentado várias vezes ao longo do tempo a vários clientes diferentes, acaba se transformando nos famosos Protocolos dos Sábios do Sião, usados inclusive por Hitler como argumento para denunciar uma suposta conspiração judaica para dominar o mundo e implementar a sua terrível solução final, ou seja, o simples extermínio do povo judeu.
     A figura amoral de Simonini deve fazer refletir os que ainda se excitam com o esoterismo e as promessas de verdades ocultas a serem reveladas, sobre o fim do mundo e outras bobagens que circulam por aí.
      O pior é que Eco nos revela ao final, que, com excessão de Simonini, todos os personagens de sua obra realmente existiram, mostrando como foi possível manipular a opinião pública por tanto tempo, criando fatos inexistentes, pondo a perder a vida de muitos inocentes, para incrementar crendices e fantasias que visavam atingir, ora a Igreja Católica, ora a maçonaria, ora os judeus, ora os republicanos, ora os comunistas, numa sucessão de sujeiras de deixar tonto o leitor.
     Vejam esse diálogo de Simonini com um dos seus clientes, potencial comprador, para justificar a importância política de um documento falso que ele criara:
     "A multidão é bárbara, e age brutalmente em todas as ocasiões. Observem aqueles brutos alcoolizados, reduzidos à imbecilidade pelas bebidas, cujo consumo ilimitado é tolerado pela liberdade! Deveremos permitir-nos, e aos nossos semelhantes, fazer o mesmo? Os povos da cristandade estão desencaminhados pelo alcool; a juventude deles foi enlouquecida pelas orgias prematuras às quais nossos agentes instigaram... Na política, vence apenas a força genuína; a violência deve ser o princípio, a astúcia e a hipocrisia devem ser a regra. O mal é o único meio para alcançar o bem. Não devemos deter-nos diante da corrupção, do engano e da traição; o fim justifica os meios."
     Algo nesse discurso nos soa familiar?
     Pense nisso, meu caro leitor, e se puder leia o livro: vale a pena.
  


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