Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 20 de novembro de 2011


 A situação se agrava na Europa

     A insistência do setor financeiro em impor um modelo econômico neoliberal que destrua as conquistas políticas e sociais dos povos da União Européia, como solução para os problemas da moeda única, está levando o velho continente a um beco sem saída.
     Enquanto as soluções impostas pelo Banco Central Europeu e o FMI jogam a zona do Euro numa forte recessão, os políticos de esquerda não tem um modelo econômico alternativo a oferecer, deixando a insatisfação das massas populares crescer de forma desordenada.
     O movimento dos indignados, que começou na Espanha, se espalha por todo o continente, demonstrando o esgotamento de um ciclo de idéias que permanece prisioneiro das políticas ligadas ao mercado.
     Sobre isso, transcrevemos a entrevista do filósofo italiano Franco Berardi ao site Opera Mundi.
 
Monti e Papademos representam a cultura predatória do mercado, diz intelectual italiano

     Mario Monti e Lucas Papademos, economistas renomados, ex-funcionários de organismos financeiros da União Europeia, porta-vozes da ditadura financeira neoliberal. Para o filósofo e ativista político italiano Franco Berardi, conhecido como “Bifo”, esse é o perfil dos novos premiês da Itália e da Grécia, nomeados após a derrubada de seus antecessores pela pressão dos mercados e dos países mais ricos da União Europeia. A missão de ambos é aplicar uma receita familiar aos países latinoamericanos, que nos anos 1980 e 1990 estiveram à mercê do FMI (Fundo Monetário Internacional): corte de gastos públicos e sociais, privatização de estatais, demissão e redução de salários e pensões. Tudo com a desculpa do resgate do equilíbrio fiscal.
     “Na Europa, existe há anos um diretório financeiro que atua para um grupo hiperliberal e dogmático do Banco Central Europeu. Agora estão colocando seus homens na cúpula dos governos nacionais. A ditadura financeira fecha-se como uma corda no pescoço da democracia europeia e, o que é ainda pior, fecha-se no pescoço da sociedade europeia”, critica Berardi, em entrevista ao Opera Mundi.
     Sobre Mario Monti e o futuro da Itália, o filósofo não se mostra nada otimista. Para  ele, apesar de Monti parecer um homem sério e bem intencionado, seu governo pode ser ainda pior que o de Silvio Berlusconi. Berardi acredita que a esquerda italiana caiu em uma armadilha ao assumir a execução do pacote de austeridade europeu, que causará desemprego e arrocho na economia do país, enquanto a direita vai para a oposição.
     “Esta é a obra-prima de Berlusconi. Ele impôs o programa devastador do BCE sem nem sequer precisar assumir a responsabilidade. Ele decide, mas a centro-esquerda governa. Dentro de alguns meses, Berlusconi fará oposição contra as medidas que ele mesmo impôs e que a centro-esquerda terá de implementar”, ironiza.

Como se situa Mario Monti no cenário político italiano? Quanto pesa seu papel de primeiro plano no Goldman Sachs e no Clube  Bilderberg?      
                                                                                                       
                                                                                                                                 
                                                                      Mario Monti
                                                                                                               
     Mario Monti é o homem que encarna o dogma financeiro neoliberal. Seu papel é impor o diktat do Banco Central Europeu: sua formação pessoal (Goldman Sachs, vetores financeiros da Europa) o torna o intérprete perfeito dos interesses superiores das finanças.

Quais são as decisões que poderiam levar Monti a "salvar a Itália", e por que ele deveria ser capaz de fazer um milagre?

     O milagre já está sendo feito: em cada país europeu, a classe financeira está saqueando os recursos da sociedade, privatizando os serviços públicos, reduzindo os salários e as pensões. Este é o conteúdo das cartas ameaçadoras do Banco Central Europeu, e este era o programa do governo Berlusconi. Mas Berlusconi já não pode realizar nada, porque, como se diz hoje, ele já não tem credibilidade. Mesmo que Berlusconi fosse o representante dos interesses da máfia e da evasão fiscal, os centros de poder capitalista ainda podiam tolerá-lo e usá-lo. No entanto, agora que ele se mostra incapaz de manejar o golpe contra a sociedade e a carnificina social, tiram-no de cena. Mas o programa de Mario Monti é o programa de Berlusconi. Na Itália, nada mudou além do fato de que os novos governantes terão uma força para impor suas políticas muito maior que a do governo Berlusconi. A situação italiana está destinada a piorar do ponto de vista das condições da sociedade.

A nomeação de personagens como Papademos na Grécia e Mario Monti na Itália, além de não parecer casual, significa o quê para estas democracias?

     Monti e Papademos são dois homens dos bancos de investimento, dois representantes perfeitos da classe financeira. Na Europa existe há anos um diretório financeiro que atua para um grupo hiperliberal e dogmático do BCE. Agora estão colocando seus homens na cúpula dos governos nacionais. A ditadura financeira fecha-se como uma corda no pescoço da democracia europeia e, o que é ainda pior, fecha-se no pescoço da sociedade europeia. Democracia e capitalismo são incompatíveis, já é evidente. A civilização social é incompatível com o capitalismo.

O que torna Mario Monti e Lucas Papademos tão profundamente parecidos?

     São dois homens que representam a cultura predatória das finanças. Como pessoa, Mario Monti é provavelmente um homem discreto que deseja o bem comum. Quem sabe, na melhor das hipóteses, é isso. O problema é que sua cultura identifica os princípios da economia de mercado e da desregulação financeira como uma verdade revelada indiscutível, como o dogma central.
Ele está pronto para devastar a sociedade italiana como Papandreou    devastou a sociedade grega (colapso de 7% da produção, empobrecimento social) em nome da verdade indiscutível dos parâmetros de Maastricht.
                                                                   Lucas papademos

Como a opinião pública e os meios de comunicação italianos reagiram à notícia de um "governo técnico" de Mario Monti? E uma eventual reação positiva pode estar relacionada à escassa informação sobre sua trajetória?

     O nome de Mario Monti está rodeado por uma aura de santidade. É o homem que está acima das partes e que unicamente aplica a dura lei da economia financeira. O senhor Monti é a matemática personificada. O problema é que a sociedade não é feita de uma só matemática. A matemática dos economistas neoliberais, incorporada como automatismo nas interfaces tecnolinguísticas e nos dispositivos sociais, não é a matemática do bem comum, da redistribuição dos recursos, não é a matemática da inteligência coletiva que começa a se organizar de maneira autônoma.

Então o governo de Mario Monti será de continuidade das políticas econômicas de Berlusconi?

     Berlusconi não se foi. Ele disse: "Vou renunciar quando o plano de estabilidade estiver realizado", ou seja, quando o diktat europeu tiver sido imposto. Todo mundo está contente porque ele então irá embora. Mas esta é a obra-prima de Berlusconi. Ele impôs o programa devastador do BCE sem nem sequer precisar assumir a responsabilidade. Ele decide, mas a centro-esquerda governa. Dentro de alguns meses, Berlusconi fará oposição contra as medidas que ele mesmo impôs e que a centro-esquerda terá de implementar. A Liga Norte [partido de direita separatista e xenófobo aliado de Berlusconi] já disse que é bom ir para a oposição, pois assim pode-se reconstruir a virgindade atacando o diktat europeu e recolhendo os protestos populares. Uma obra-prima de astúcia da direita e uma obra-prima de imbecilidade da esquerda, que terá de manejar a devastação social e depois perderá as eleições.

Pode-se pensar em uma conscientização dos movimentos sociais ou do povo italiano em geral para opor-se à ditadura dos grupos financeiros globais?


     Enquanto respondo a essa pergunta, neste momento, há manifestações e ocupações em todas as cidades do país. Milhares de estudantes já demonstraram sua oposição em Bolonha em 11 de novembro, assim como em cada outra cidade nestes dias. Os estudantes ocupam lugares públicos e privados. Monti se pinta como o salvador da pátria só na imprensa subjugada pelo partido democrático, mas as pessoas não estão festejando o fim do regime de Berlusconi. Ao contrário, espera-se o pior. Agora as pensões serão atacadas, os dependentes públicos, demitidos, o gasto com saúde será reduzido e na oposição estarão Berlusconi, a máfia e os racistas da Liga Norte unidos em uma frente populista. A verdadeira tragédia italiana ainda está por vir.

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