Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 7 de agosto de 2011

(Conto curto)

FAXINA

     Ele não soube bem quando começou.
     Talvez quando seu amor o deixou. Sim, parece que foi isso.
     Tantos anos de dedicação respondidos com traição e desprezo.
     Seus últimos filhos já estavam a sair de casa e ele foi ficando sozinho, como sempre temeu.
     No fundo ele sempre soube que ficaria sozinho, mas tentava adiar esse dia, sendo bom para os outros, se preocupando, se desdobrando, mas no fundo... esperando. Quando o dia da solidão chegou ele se desesperou. Não sabia mais como viver.
     Sua casa vazia era um enorme monumento à derrota.
     Sim, à derrota. Se sentia velho e doente. Abandonado, sem rumo. Mas tinha que seguir porque não conseguia se imaginar se matando.
     Pensou em várias formas de se matar, mas nenhuma delas o agradou. Então resolveu seguir e começou a esvaziar tudo.
     A empregada, que vinha às sextas-feiras estranhou.
     Ele abria os armários e revirava as coisas e depois mandava jogar fora tudo que lembrasse o passado, os filhos, os amores, a vida que acabara de acabar, embora ele continuasse vivo.
     Eram montanhas de lixo na porta.
     Os meninos da vizinhança vinham catar seu lixo, pois sabiam que ali estavam coisas bem aproveitáveis, que aquele homem maduro, sabe-se lá por qual motivo não queria mais.
     Mandou um afilhado, que teimava em permanecer, cuidar da própria vida.
     Comprou uma TV nova e deu a velha ao homem que veio fazer a entrega.
     Arranjou um emprego novo e retomou um ofício que ele não exercia há muitos anos. Ficou surpreso ao ver que, apesar da idade se desempenhava bem e as pessoas o respeitavam mais do que antes.
     Começou a recusar trabalhos chatos, que fazia só para agradar aos outros, na esperança vã de que eles não o deixassem sozinho.
     Começou a emagrecer, livrando-se de décadas de banhas acumuladas na espera e no medo da solidão.
Agora que ela chegara, não precisava mais ficar esperando.
     Um dia redescobriu seus livros na estante, livros que a bagunça da casa não deixava mais que ele chegasse perto e se lembrou de como gostava deles. Sim, os livros acumulados eram a história de sua vida.
     Lembrou dos tempos em que sabia denunciar as coisas, as injustiças, as mentiras que as igrejas contavam e os jornais repetiam pra manter o povo anestesiado. Lembrou que podia sair e tomar uma cerveja na esquina, olhando a cidade silenciosa e ver como ela era bonita.
     Olhou as árvores que plantara e viu como elas lhe floriam.
     Remexendo gavetas achou seus discos e pode enfim voltar a ouvir suas músicas.
     Olhou em volta e viu que não tinha mais amigos e que aqueles a quem ele chamava de amigos eram apenas pessoas a quem ele se agarrava pelo medo de ficar sozinho. Mas não eram amigos verdadeiros.
     Havia amigos de verdade? Não importava mais.
     Resolveu vender as terras e os imóveis que acumulara durante toda a vida, como acumulava gorduras, com medo de ficar sozinho. Resolveu viajar com o dinheiro que guardara para dar aos filhos, que já cuidavam das próprias vidas. Às vezes eles ligavam, alguns diziam que se preocupavam, mas tinham que seguir suas vidas. Melhor.
     Assim começou a se livrar de tudo, das marcas que os outros deixaram na sua vida, dos medos, das reservas e recomeçou a viver.
     Finalmente a tão temida solidão chegara: ele estava livre!



2 comentários:

Anônimo disse...

Puxa Ricardo que beleza essa história (estória).
Sabe, um dia, há um ano mais ou menos... uma pessoa, uma pessoa que vivia triste e solitária, que nunca havia sido ela mesma e conheceu a felicidade, que se apresentara numa rodoviária do interior da Bahia, sentada, de camisa vermelha, calça jeans (dins), tênis que sempre desamarrava o laço e uma bolsa de fotógrafo, completamete gasta, levantou-se da cadeira, como uma criança indo à escola... mudara totalmente de vida, aquela pessoa lhe apresentara o mundo e mostrara que a vida só vale a pena quando somos nós mesmos... ela despertou os dons adormecidos e a vontade de viver.Em contrapartida recebera todo amor que havia represado nesta.
A vida, realmente, é muito egraçada... quando pensamos que estamos no fim, descobrimos que somos capazes de despertar nos outros os mais nobres dos sentimentos, daí, nos aquietamos e, de repente, entendemos o que é amar...

Abraços

Anônimo disse...

Não é à toa que gosto de voce! Pela sua sensibilidade e modo de pensar tão parecido com o meu!
Eu também já andei muito na vida e sempre com "aquele pavor da solidão" mas não me dava conta que era com ela que eu queria morar!
É ótimo! Sem encheção de saco! Sem cobranças! Apenas com meus verdadeiros amigos: meus cães que amam incodicionalmente, me querem feia. velha, baixinha, chata mas com muitocarinho, pedacinhos de pão para dar a eles....
Eu chego lá!
Quando li "A Faxina" imediatamente me identifiquei, lembrei dos velhos tempos e tudo passou como um filme na minha mente!
maravilhoso!
Linda Porto