Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 31 de julho de 2011


O grande circuito


Fazendo uma pesquisa para a Faculdade de Arquitetura onde leciono, descobri um artigo interessante sobre Fernando Peixoto, um arquiteto baiano que faz edifícios coloridos e causa muita polêmica entre os profissionais da área.
O artigo falava de despeito, citando outros exemplos de profissionais que ousaram ser livres na sua criatividade, sem dar explicações aos grupos que dominam a cultura brasileira e sofreram o mesmo tipo de preconceito.
Achei interessante, porque na mesma semana tive um debate com um amigo que me questionava sobre o porquê de eu não me apresentar como escritor, já que tenho alguns livros publicados.
Eu explicava a ele que não me sentiria um escritor enquanto não conseguisse alcançar o nível de um romancista, pelo menos de mediana qualidade e que, por enquanto, me sentia apenas um escrevinhador.
Mas na mesma semana, passando por Brasília, me detive na vitrine de uma grande livraria e fiquei observando os títulos que eles colocam em primeiro plano. Memórias de gente que não tem nada de bom para dizer, mas é rica e famosa, livros de auto-ajuda, de marketing sobre como vender mais ou de falsos hostoriadores que só sabem ridicularizar o Brasil, totalmente despidos de alguma qualidade literária ou mesmo humana, pertencentes a essa indústria de besteiras que dá muito dinheiro para os editores e outros best-sellers de autores muito ruins que escrevem apenas para vender.
Meus livros nunca estiveram expostos em primeiro plano, mas com certeza são melhores que muitos daqueles que estavam ali. Então me perguntei se meu amigo não tinha razão e se eu não estaria apenas me diminuindo, dando vazão a minha natural timidez e meu temor de me expor ao público.
Na verdade não mudei muito minha avaliação sobre o que escrevo, pois olho para os melhores ao me considerar apenas um escrevinhador. Como gostaria de escrever tão bem quanto um Agualusa, ou um Guimarães Rosa (Ô pretensão...), mas olhando para os lados, me lembrei também do prêmio Jabuti atribuído a Chico Buarque, que escreve muito mal.
Juntando tudo isso, me convenci de uma realidade que eu vinha apenas pressentindo há tempos, mas não tinha ainda me convencido dela. A verdade é que existe um grande circuito cultural, dominado por pessoas famosas e ricas no Brasil e que se você não estiver dentro dele, ou não contar com a sua benção, nunca será consagrado.
Outro caso emblemático que me veio à mente para confirmar a existência deste gueto cultural, foi o do filme O Pagador de Promessas, que ganhou o festival de Cannes em 1962, trazendo a única Palma de Ouro daquele festival para o Brasil até hoje.

Me lembro de assistir a uma entrevista de seu diretor, Anselmo Duarte, dizendo do desprezo com que era tratado por seus colegas cineastas após o prêmio. O entrevistador lhe perguntou a razão de seu filme, tão bom e tão premiado nunca ter sido reconhecido pelos outros diretores brasileiros da época, e ele respondeu que não entendia aquilo, mas que talvez fosse porque não pertencia ao círculo deles, era um outsider, e que eles não lhe perdoavam ter obtido tanto sucesso sem ter lhes pedido licença, sem ter passado pela cerimônia do beija-mão, necessária para ser reconhecido como integrante do grupo.
Assim também é na arquitetura. Sem nenhum desprezo pelas obras do renomado arquiteto Oscar Niemeyer, me pergunto se ele obteria tanto reconhecimento se não pertencesse a uma família tradicional carioca, assim como a família Buarque de Holanda, do excelente compositor, mas péssimo cantor e escritor, Chico Buarque.
Fernando Peixoto fez coisas lindas em Salvador, mas não pediu licença à academia e por isso até hoje é desprezado pelos que pretendem ser donos da cultura. Já vi gente se retirar de mesa de debate, por não aceitar a presença dele. Um absurdo.
Eu com certeza nunca aceitei o beija-mão e já fui muito discriminado por isto, embora nunca tenha me importado. Meu livro de iniciante, Repensando a Arquitetura, publicado logo após minha formatura, nunca foi citado por outros arquitetos, mas canso de ver publicações posteriores, de gente famosa, repetindo conceitos que eu lancei ali, num momento em que todos apenas repetiam a mesma cantilena antiquada e quando eu fui considerado uma pessoa inconveniente por me atrever a dizer coisas que a academia ainda não havia dito.
Apesar disso, sua pequena edição de apenas 1000 exemplares até hoje é encontrada nos sebos e ele consta da bibliografia de várias faculdades brasileira e até do exterior, apesar de já estar ultrapassado, pois falava de uma realidade de 1985.
Pior do que isso, esta semana fazendo a mesma pesquisa achei um autor conhecido que não apenas plagiou minhas idéias, lançadas numa publicação do diretório acadêmico da minha faculdade quando eu ainda era estudante, mas copiou até o título, se apoderando muitos anos depois das minhas idéias, que na época foram refutadas porque eram diferentes do que todo mundo dizia.
Me lembro que os próprios estudantes, filhos de famílias abastadas (as faculdades de arquitetura sempre foram muito elitizadas), me olharam com desprezo ao ler esse meu artigo, intitulado Arquitetura e Cultura Popular, onde eu propunha que os arquitetos se voltassem para a arquitetura que era feita pelo povo, sem arquitetos, para se inspirarem em busca de uma expressão nacional. Isso hoje está na moda e se chama arquitetura vernacular.
Mas eu nunca me importei e segui sempre em frente, na minha busca movida pela minha intensa curiosidade sobre o mundo, sem procurar reconhecimento de nada e sem me deter sobre os silêncios da crítica ou das editoras, sempre segui escrevendo e publicando.
Meu livro memorialista Contracorrenteza, então, é um caso típico. Considerado iconoclasta e inconveniente ao extremo, foi banido das livrarias (à pedido do PT, segundo um distribuidor de São Paulo), mas até hoje recebo pedidos  de gente que me diz estar procurando por ele há anos. Até da biblioteca do Congresso dos Estados Unidos recebi um pedido de envio de um exemplar, que atendi muito prazerosamente.
Para confirmar a existência deste grande circuito cultural, basta ver a programação da Flip, Feira Literária Internacional de Parati, cheia de gente famosa, ou de iniciantes patrocinados por eles, ou ainda de lançamentos de gente nova pertencente às famílias tradicionais brasileiras.
Isso é provincianismo. Nenhum país irá adiante se não se libertar do domínio cultural dessas minorias privilegiadas, pois não haverá a livre circulação de idéias, que estimule a inovação e a criatividade, nos mantendo sempre na rabeira da cultura mundial, fazendo e dizendo apenas aquilo que já é feito, dito e aceito pelos “donos da cultura”.
Abaixo o grande circuito e o provincianismo cultural!
Viva a liberdade de expressão e de criação!

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