Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Histórias de outras vidas (40)


    Seu Antonio Machado

    Pois é, amigos leitores,  para aqueles que nunca tiveram um pai, ou para aqueles que tiveram um pai que nunca estava presente ou mesmo quando a gente não se dá bem com seu próprio pai, mesmo ele estando presente, a gente passa a vida toda procurando substitutos para ele.
     É engraçado falar disso agora, porque me dei conta de que já contei em histórias anteriores, como considerava outros homens como pais, Seu José Porto, Zé Conrado e até meu avô Franz, de quem nunca falei aqui, mas o fato é que eu não tinha me dado conta de como havia passado a vida toda longe de meu pai e procurando outros pais por aí.
     Acho que é assim mesmo. Acho que também fui um pai ausente para alguns de meus filhos, coisa que tentei compensar pelo menos em alguma época de suas vidas. Mas amargo pelo menos uma derrota com um filho que não quer conversa comigo. Já tentei procurá-lo, me aproximar, mas não tem jeito. A mãe o transformou em meu inimigo, transferindo seus ressentimentos para ele e não sei como resolver a situação e nem se algum dia ela se resolverá. É uma pena, porque acho que ele é um cara que tem boas qualidades, que infelizmente ficaram ofuscadas por esse ódio transferido, como um dinheiro que alguém transfere de uma conta para outra numa máquina de banco.
     Mas não é sobre ele que quero falar aqui e sim sobre um desses pais de aluguel que arranjei pela vida afora. Pois é, foi em 1990, quando eu trabalhava na Shell, em Manaus, que me mandaram para o município de Maués, a terra do guaraná, onde a Antarctica tem suas plantações desse fruto tão brasileiro, com o qual faz seu famoso refrigerante.
     Maués é uma pequena cidade situada às margens do rio de mesmo nome, nome este que pegou emprestado de uma tribo de índios local, que já desapareceu de lá. O rio, de águas esverdeadas, é bem largo e tem praias de areia branca deliciosas e serve de caminho para se chegar à cidade, já que não existem estradas.
     De Manaus eram 12 horas de barco. Descia-se o Amazonas e depois o barco entrava por um daqueles furos, como se chamam as interligações dos inúmeros rios, até que ia dar no Rio Maués. O barco saia à noitinha e chegava de manhã cedo na cidade. A viagem era uma delícia e muito confortável nas pequenas cabines.
     Meu trabalho lá era projetar um posto de gasolina em terra, explico: dado que o transporte é feito na sua maioria por barcos, os postos na Amazônia costumam ser flutuantes, mas como Maués já estava crescendo e tinha uma atividade agrícola importante, a cidade tinha veículos, carros, caminhões e tratores que precisavam se abastecer em terra. O posto, situado na beira do rio, teria condições de abastecer tanto os veículos terrestres quanto as embarcações.
     Fiquei em Maués um fim de semana, fiz o levantamento necessário para o projeto e voltei para Manaus. O dono do Posto era o Seu Antonio Machado, um homem de muitas posses, proprietário de postos em toda a Amazônia. Na ocasião não o conheci, só depois, com o projeto já em mãos, ele foi conversar comigo na sede da empresa e fizemos uma boa amizade.
     Já avançado na idade, e bonachão, Seu Antonio era adorado pelos seus funcionários, coisa rara em empresários, como sabemos. Gostava de pegar uma lancha sozinho e descer o Amazonas de Manaus a Belém, viajando inclusive à noite, o que deixava seus familiares muito preocupados. mas sua paixão pela Amazônia era uma coisa difícil de explicar e medir. Adorava o rio, adorava pilotar barcos e supervisionava pessoalmente seus postos de gasolina, sempre ajudando funcionários que precisassem de algum tipo de apoio, com uma visão extremamente humana de como administrar uma empresa, o que criava uma fidelidade enorme entrre seus empregados, que duravam décadas nos seus cargos.
     Depois de fazer o projeto do posto, fiquei amigo de algumas pessoas em Maués e passei a frequentar a cidade em feriados, conseguindo inclusive um patrocínio da Shell para um festival de cultura local.
     Um dia, estávamos eu, um amigo, minha filha mais velha e meu pequeno filho de 3 anos, quando houve uma briga num baile da cidade. Um jovem foi esfaqueado e precisou ser levado às pressas para Manaus. O jovem era filho do dono da embarcação que nos levaria de volta pela manhã, mas que diante da emergência zarpou de madrugada, deixando a cidade sem transporte. A única opção era um voo da TABA Transportes Aéreos, num avião Bandeirante que saía na manhã seguinte. Além de mim e dos que estavam comigo, haviam mais dois funcionários da Shell. Ninguém podia voltar para Manaus. Seu Antonio não titubeou: comprou passagens para todos nós que voltamos de avião e no outro dia estávamos nas nossas funções em Manaus. Não aceitou nem discutir ser reembolsado pela despesa.
     Uns dois anos depois, quando resolvi voltar para Brasília, tive que entregar a casa que alugava antecipadamente e ficar cumprindo 20 dias de aviso prévio na empresa. Não tinha onde ficar e nem com quem deixar meu pequeno filho. Nem precisei pedir. Seu Antonio ficou sabendo e apareceu pessoalmente na empresa para me buscar. Mandou que fizesse as malas e nos instalou em sua casa, numa bairro muito aprazível, num belíssimo quarto com televisão e ar condicionado e colocou sua empregada para cuidar de meu filho, até o dia do nosso embarque.
     Isso foi em 1993. Nunca mais soube dele, mas guardo seu cartão até hoje com muito carinho e muita gratidão pela ajuda na hora em que precisei. Já pensei em procurá-lo mas me senti envergonhado. Já se passaram tantos anos... Mas o fato é que sinto por aquele homem uma profunda admiração, pelo exemplo de generosidade que ele demonstrava com todos e pela solidariedade com alguém que ele mal conhecia, mas que intuiu que precisava de sua ajuda.
     É por isso que não gosto quando leio esses comentários que falam da "figura do pai". Pai não é figura, não é uma imagem para assustar os filhos e fazê-los obedecer as mães. Ser pai, antes de tudo, é ser gente, cheio de defeitos, mas cheio de preocupações. Ser pai é ser amigo, é estar ao lado e estender a mão a quem precisa, mesmo que essa pessoa nem seja seu filho.

Boa segunda-feira à todos

Ricardo Stumpf Alves de Souza
    

    
    
    

2 comentários:

Anônimo disse...

Ricardo,

Li a "História de outras vidas" e não posso me furtar em comentá-la.
Vivi 38 anos de minha vida tentando me aproximar do meu pai, sem sucesso! Com minha orgulhosa e pretenciosa razão, desisti dele. A vida o levou no último dia 03-02, e com ele, toda oportunidade que tínhamos de nos tornarmos amigos. O que me restou - além do vazio enorme - foi o sentimento infausto de que eu poderia ter feito mais (certamente poderia). Contudo, o tempo foi imperdoável, algoz. Você é a árvore, lembre-se...
Filho, você está perdendo a maior oportunidade de sua vida de conviver com um ser humano especial, sensacional: PERCA MAIS TEMPO NÃO, MOÇO !

Laís disse...

Ricador, Nossa que lindo.
Realemnte ser pai, é ter tudo isso aí descrito no texto.
Meu pai foi um dos homens que me eu considerei, e tive como exemplo até hoje.
Ele me ensinou quase tudo que sei hoje. E quando não sabia me ensinar, ele fazia com que eu procurasse aprender. Ele sempre foi um ótimo pai pra mim.
é uma pena não ter mais contato com seu filho.
bjs prof :D