Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 13 de maio de 2012



Professores em Greve

     A greve dos professores estaduais da Bahia vai entrando numa escalada de confronto absolutamente desnecessária. A recusa do governador Jaques Wagner em negociar com a categoria é uma estratégia burra, para ser gentil. Ele, um sindicalista de origem, não soube honrar o compromisso assumido com a categoria em 2011 e agora quer vencer pela força, se negando a negociar a única coisa que precisa ser negociada: o cumprimento do acordo assinado pelo seu governo.
     A educação na Bahia já sofreu demais, já foi descaracterizada demais, ja foi relegada a segundo ou terceiro plano, por tempo demais.
     Como fazer o Estado crescer e criar uma sociedade rica e desenvolvida, sem investir na valorização da educação? Porque um professor com curso superior, tem que se conformar em ganhar tão pouco? E os discursos eleitorais sobre educação, onde foram parar?
     Infelizmente o governo Wagner está cada vez mais parecido com o de ACM, com suas propagandas entusiásticas na TV, conjugadas com o autoritarismo e o desprezo pelas instâncias organizadas do povo baiano. Onde está a mudança prometida?
     Para me solidarizar com os professores em greve, transcrevo abaixo um texto de autoria de José Luis Peixoto, um caboverdiano, que tirei do blog Café Margoso, no qual introduzi algumas modificações para adaptá-lo ao nosso português e à nossa realidade.
Esperança
     "O mundo não nasceu conosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegamos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objetos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.
     O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efetiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
     Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas, os seus automóveis com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O ato que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem, mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
     Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro.  
     Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos ao não perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
     Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
     Recusar a educação é recusar o desenvolvimento.
    Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontramos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança."
José Luís Peixoto

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