Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 6 de maio de 2012

Correntes antidemocráticas

     Pois é, amigos leitores, a gente sabe que tem de tudo na internet, mas fico impressionado com a constância dessas campanhas contra o Congresso Nacional e os políticos, colocando-os, todos, numa grande panela de corruptos e fazendo correntes com propostas para acabar com seus salários e os salários dos servidores públicos, como se fossem todos inimigos da nação.
     É claro que muitos políticos que andam por aí dão asa para esse tipo de campanha, e aí está o senador Demóstenes Torres para provar. Ele era um dos que mais falavam contra a corrupção e está envolvido até o pescoço com o tal Carlinhos Cachoeira, que resolveu invadir o Estado brasileiro, colocando-o à serviço dos seus interesses escusos.
     Nas prefeituras, então, a coisa é feia. Não há Controladoria Geral da União (e o baiano Jorge Hage é um bom controlador), que dê conta de todas as falcatruas em mais de 5.500 municípios, já que a justiça é muito lerda neste país e também muito sujeita aos corruptos.
     Mas as campanhas que eu recebo não são contra os corruptos, são contra o Congresso Nacional, como se ele fosse uma coisa inútil e devesse ser fechado.
     Semana passada recebi uma que dizia que o Congresso não iria aprovar a Lei da Ficha Limpa. Tive que avisar a pessoa que me enviou (ou melhor, reenviou), de que essa lei já havia sido aprovada há muito tempo pelo Congresso.
     Esta semana recebi outra (que já recebera antes várias vezes), dizendo que o Congresso estava prestes a extinguir o salário mínimo e o direito às férias remuneradas para todos os trabalhadores brasileiros. É claro que não existe tal projeto de lei.
     Lá vou eu de novo avisar a pessoa que me mandou de que tenha cuidado com o que repassa.
     Aquele e-mail de Roraima, dizendo que na reserva indígena de lá só podem entrar americanos e os brasileiros estão proibidos, etc e tal, é muito antigo e continua circulando. Pura invenção.
     Mas tem gente que parece não ter o que fazer e se elege a consciência do mundo via internet, achando que estão fazendo uma revolução moralizadora enchendo as caixas dos outros com mensagens alarmistas, sobre possíveis golpes, sobre comidas que fazem mal, correntes religiosas e outras bobagens. Um saco!
     São justamente esses que mais repassam esses e-mails contra o Congresso, que mal ou bem é a nossa representação política. Ruim com ele, pior sem ele. Já tivemos 21 de ditadura militar para saber disso.
     Hoje mesmo recebi um novo power-point falando sobre uma proposta de dois advogados gaúchos para reduzir as mordomias dos senadores e diminuir os salários dos servidores do Senado.
     Concordo que os senadores tem mordomias demais. Um carro para cada um, com motorista, é um luxo muito caro. Mas passagens aéreas para os seus Estados de origem são uma necessidade, assim como franquia para correspondências e telefonemas. Se eles fossem pagar dos seus próprios bolsos todas as despesas que a função de senador exige para representar seu Estado, não ia sobrar nada.
     Além disso, Senador é um cargo de prestígio, de fim de carreira para políticos, precisa ser bem pago. O que precisa mudar é a escolha dos suplentes, que não são eleitos pelo povo.
     Mas vá lá que possamos reduzir as despesas com eles. Mas rebaixar salários de servidores públicos? Porque um funcionário concursado não pode ganhar bem? Porque ninguém reclama dos salários dos juízes e dos servidores do judiciário? Só essa eterna campanha contra o poder legislativo? Porque não reclamam dos lucros exorbitantes dos bancos, com suas taxas absurdas e juros altísssimos? Só os parlamentares é que são culpados de tudo?
     Nos Estados Unidos o povo faz campanha contra os altos salários dos executivos das empresas que foram ajudadas pelo governo deles. Aqui ninguém toca no assunto. Todo mundo acha normal um jogador de futebol ganhar um milhão por mês, mas é um absurdo um funcionário do Congresso ganhar bem.
     Mas nesse power-point que recebi hoje, uma frase final levantava uma pontinha desse véu, quando dizia que era preciso moralizar o Congresso, caso contrário corríamos o risco de cair sob um regime socialista ditatorial.
     Vejam só, ressuscitaram a velha cantilena do perigo comunista  para justificarem a campanha contra o Congresso. Essa pegada é muito conhecida. É gente saudosa da ditadura, a velha direita que se esconde sob essas campanhas moralizadoras que a classe média adora e que já ajudaram a eleger Jânio Quadros, com sua vassoura que iria limpar a corrupção, e Fernando Collor, o caçador de marajás, dois políticos com passagem trágicômica pela Presidencia da República.
     Com certeza esses moralistas da internet são os que votam na direita, nos Demóstenes Torres, nos Marcondes Perilo e outros defensores do "mercado". É claro que muita gente bem intencionada vai na onda, achando que está prestando um serviço à nação. Mas é preciso ter cuidado com essas correntes antidemocráticas, cujo único objetivo é indispor o povo contra a democracia para permitir a volta de um regime de excessão, onde os corruptos, aí sim, nadam de braçada.
     O pior legado de uma ditadura é justamente a destruição dos controles democráticos sobre o poder político e econômico. Desde 1988 que esses controles vem sendo reconstruídos lentamente pela sociedade brasileira, que tem avançado muito nesse sentido. Falta fazer muito, é verdade, mas acabar com o Congresso seria um gigantesco passo para trás.

    

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