O Primo Basílio
Tenho procurado suprir as falhas na minha formação literária, lendo, às vezes, clássicos da literatura que me passaram despercebidos pela vida. É o caso do romance O Primo Basílio, do escritor português Eça de Queirós ( na foto abaixo, à direita), que só agora tive oportunidade de ler, embora já tivesse assistido à alguns capítulos da minissérie na TV.

Mas a história ganha importância na medida em que o autor descreve a sociedade portuguesa da época (1878), especialidade dele, que eu já havia conhecido na fantástica minissérie da TV Globo, Os Maias. Sem dúvida a melhor minissérie feita até hoje pela emissora e a melhor atuação que eu conheço do ator Fábio Assunção.
Portugal do final do século XIX, com sua decadente monarquia, que atrasava o país diante de uma Europa às voltas com revoluções políticas, como a Comuna de Paris, e econômicas, principalmente a revolução industrial.
A sutil comparação entre a miséria do povo e as afetações de uma burguesia tributária de empregos públicos, praticante de uma oratória vazia e pretensiosa, exemplificada magistralmente na figura do Conselheiro Acácio, sempre cheio de frases de efeito, atribuindo-se valores morais que não tinha, numa sociedade hipócrita, onde a vida secreta dos fidalgos e da nascente burguesia era povoada de amantes, traições e problemas intestinais, vai revelando o lado tragicômico do atraso português.
Nas descrições sutis dos sentimentos dos personagens e dos ambientes da Lisboa da época, o autor nos faz viajar por uma situação política bem demarcada no tempo e no espaço, enquanto, ao mesmo tempo, nos revela com maestria traços universais da natureza humana.
As afetações do primo, que havia enriquecido especulando no Brasil e passa a olhar Portugal com o olhar típíco das elites subalternas, que admiram as metrópoles e passam a desprezar o seu próprio país, assim como seu machismo egoísta e devasso, indiferente ao sofrimento que causava em consequência das suas conquistas amorosas, que só visavam seu próprio prazer e o estímulo de sua vaidade, são de comportamentos exemplos que existem até hoje entre nós.
A situação de dependência e submissão das mulheres, expostas à violência dos homens, assim como as rebeldias exaltadas daqueles que não conseguiam as benesses do Estado, mas que se extinguiam rapidamente assim que uma posição era conquistada, também ainda se vem muito por aqui.
A capacidade do autor em nos prender é impressionante, sem fazer nenhuma concessão à qualidade do texto. No meio do romance, encontrei a parte que Arnaldo Antunes lê na música Amor I Love You, cantada por Marisa Monte:
E Luisa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria dum luxo radioso de sensações!
Uma beleza de livro. Uma jóia da língua portuguesa.
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