Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 16 de outubro de 2011

Uma estranha visão do mundo de hoje

     Uma entrevista na TV Brasil com Daniel Cohn-Bendit, exibida no último final de semana, me fez pensar sobre as contradições do mundo de hoje.
     Falando sobre diversos assuntos com o jornalista brasileiro Roberto D'Ávila, o antigo líder revolucionario da revolta estudantil de maio de 1968 na França e hoje líder do Partido Verde no Parlamento Europeu, criticou o Brasil e os governos de Lula e Dilma, por não apoiarem a intervenção da OTAN na Libia.
     Fiquei com suas declarações me dando voltas na cabeça por mais de uma semana, pensando também sobre o que ele disse sobre o poder de mobilização do Facebook e das outras rede sociais, sua importância na chamada "Primavera Árabe", etc.
     Como todo mundo hoje, uso a internet como um meio de comunicação e de informação, inclusive através deste blog, cujo poder de influenciar as pessoas procuro usar com ética, ciente de que é apenas uma gota d'água num oceano de informações.
     Mas não posso deixar de observar uma supervalorização dessas redes por uma classe média que descobre que pode opinar e passar uma espécie de revolta conservadora através de campanhas individuais moralistas contra os políticos corruptos, contra os impostos, contra a violênca, contra tudo o que o "filtro" político das grandes redes de TV deixa passar em termos de crítica nos seus telejornais e novelas, e que vai contaminando essa crescente massa inerme de cidadãos-consumidores que se acham conscientes, mas que em sua maioria não passam de instrumentos de uma elite que controla os meios de comunicação do planeta em defesa dos seus próprios interesses.    
     Afinal, ainda é muito difícil encontrar opiniões independentes na rede, que não se alimentem das informações veiculadas pelos portais das grandes empresas de comunicação, tipo Globo.com, Terra ou UOL e que, queiramos ou não, fornecem o universo de informações de que dispomos para formar nosso pensamento a respeito das coisas.
     Tirando isso, a rede serve para se encontrar pessoas que conhecemos há muito tempo atrás, o que pode ser bom ou ruim, para reunir galeras, convidar para festinhas, e para toda sorte de perversões, sejam elas do tipo sórdido como pornografia infantil e outros crimes, ou simplesmente para estimular as taras sexuais ocultas pelos moralistas de plantão, que na calada da noite visitam sofregamente os sites de sexo e marcam seus encontros furtivos, dando vazão a suas fantasias reprimidas.
     Não vejo tanta libertação nisso.
     É claro que se hoje posso publicar o que bem entendo no meu blog, sem ter de passar pela aprovação de um editor de jornal, isso é um avanço em termos de liberdade de expressão, mas se experimento dizer algo que vá contra o senso comum dessa chamada "opinião pública" sofro logo uma enxurrada de críticas e agressões, que equivalem a uma censura do tipo "pense o que quiser desde que seja igual ao que a gente está pensando".
    É muito fácil dizer o que todo mundo pensa, o que todo mundo diz, o que todo mundo concorda, mas experimente dizer que você é à favor da legalização do aborto para não ter que ver tantas crianças recém-nascidas jogadas nas ruas em sacos de lixo, e o mundo cairá sobre você. Experimente dizer que as mulheres não são apenas vítimas de agressões, mas também podem ser agressivas e que muitas assassinam também os maridos (embora sejam uma minoria) e verá o que acontece. Experimente dizer que a rede está cheia de aposentados saudosistas, sem ter o que fazer, enchendo o saco e corra para não morrer atropelado pelas ofensas que virão.
     Então não acho que a internet seja essa revolução toda. Ao contrário, há muito de conservadorismo nela se disseminando como se fosse uma verdade absoluta, a começar pelas mensagens de fundo relgioso ou de auto-ajuda, divulgadas como correntes para te ajudar a ter um ótimo dia e outras coisas do gênero, sem falar nos virus e golpes para roubar suas senhas bancárias e coisas do tipo.
     Daniel Cohn-Bendit falou muitas coisas interessantes sobre o mundo, na entrevista que deu ao jornalista brasileiro, inclusive sobre o poder, positivo e negativo, da internet. Mas ao final da entrevista, quando criticou a posição do governo brasileiro na ONU sobre a Líbia, tive a impressão de que ele caiu nesse senso comum conservador, ao dizer que os povos árabes hoje encaram a OTAN como uma força libertadora.
     No fundo os europeus caem sempre no velho ranço colonalista.
     Como explicar a existência da OTAN, uma aliança militar criada para enfrentar a "ameaça comunista", num mundo em que o comunismo não existe mais? Porque a OTAN não foi extinta quando o muro de Berlim caiu? Certamente porque sua função era outra. Como esquecer os crimes de guerra cometidos pela aliança das velhas potências imperialistas contra tantos povos do mundo? Como vê-la de repente se transformar numa força libertadora, enquanto bombardeia a periferia do mundo rico, para manter esses povos afastados das suas fronteiras e subjugados na sua pobreza? 
     Como ele quer que a América Latina confie numa força liderada pelos Estados Unidos, depois de todos os crimes que os americanos cometeram contra nós, em nome da liberdade e da democracia?
      Por isso, as vezes, acho que estamos vivendo num mundo estranho, desconhecido, onde todos os valores estão se relativizando, onde tudo que estava oculto vai se revelando.   
     Talvez a internet tenha servido para isto, para libertar o desconhecido universo da mente humana, para o bem ou para o mal. E se ela serve para mobilizar os povos em favor de democracia e da liberdade, talvez nos ensine a ser tolerantes e éticos em nossas opiniões sobre os outros e, principalmente, a perceber o quanto nossas consciências são limitadas.
     

Abraço a todos
 


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