Tecnologia e neologismos
A coincidência de estar lendo um romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa (Milagrário Pessoal, editora Língua Geral, Rio de janeiro - 2010) e ao mesmo tempo estar presente em um seminário sobre novas tecnologias de informação, aplicadas à construção civil (Tecnologia da Informação na Construção - TIC-2011), me expôs a um confronto de idéias surpreendente e muito significativo.
Enquanto no romance os personagens principais, um velho professor aposentado e uma jornalista, mergulham numa busca por neologismos na língua portuguesa, passando por Lisboa, Recife e Angola, referindo-se a outros países da lusofonia (ou da lusosfera se vocês preferem ser mais contemporâneos), e descobrindo outros personagens mais radicais na defesa do idioma português, construído conjuntamente por todos seus quase 300 milhões de falantes no mundo, no seminário de Salvador abundavam neologismos e estrangeirismos, pronunciados por palestrantes com a maior naturalidade, como se todos nós tivéssemos a obrigação de conhecê-los, ou ainda, nos impondo a obrigação de conhecê-los e utilizá-los.
Impossível não fazer a correlação entre o romance que eu lia à noite e as palestras que assistia durante o dia.
Enquanto no livro, Agualusa nos brindava com belíssimos trechos como o que descrevo abaixo, falando sobre a importância dos quintais na lusofonia:
Em Luanda, no Dundo, na Chibia, os quintais foram desde sempre espaços amáveis de convívio e de permuta.
...
Nos quintais, em Luanda, o quimbundo misturava-se com o português. Também no Brasil o quintal foi durante séculos o lugar onde África repousava do esforço escravo. Ali se contavam histórias, cultuavam ancestrais e orixás, e se festejava a vida. Em Salvador, no Recife, São Luis do Maranhão, Ouro Preto ou no Rio de janeiro a nossa língua convivia com os idiomas indígenas e africanos, e era por eles namorada e ampliada.
Gosto de entrar por esses quintalões antigos, em Olinda ou em Benguela, afagando os cansados muros de adobe, afastando as pesadas folhas de bananeira e a humidade ofegante, para finalmente me sentar no chão, a cabeça encostada ao tronco rugoso de alguma árvore centenária. Um abacateiro. Uma mangueira. Uma figueira. Um pau de fruta pão. Fecho os olhos e logo um vago rumor de vozes ascende da terra negra.
Os quintais estão cheios de vozes. Para as escutar exige-se disponibilidade de espírito, ou seja, tempo e inteligência, soma de qualidades que nos dias que correm poucas pessoas possuem.
Em um artigo relativo a implantação da tecnologia BIM na arquitetura (Building Information Modeling) , tema do seminário do qual eu participva, a revista AU afirmava em um dos seus parágrafos:
Em escritórios de médio e grande porte também é recomendada a presença do "BIM manager", que será o responsável por criar templates, objetos e gerenciar as informações contidas nos softwares. Semelhante ao q-user, ele também deverá se atualizar constantemente para melhorar o uso do software no escritório.
Me pergunto se tal profusão de estrangeirismos, simplesmente transcritos do inglês para o nosso dia-a-dia é realmente necessária.
Assistindo às palestras e comunicações do seminário observei como muitos brasileiros residentes no exterior, especialmente nos Estados Unidos, se envaidecem com o uso de termos desconhecidos para a maioria dos brasileiros, que correm para tentar entendê-los e absorvê-los.
Me entristeço com tal demonstração de colonização cultural. Os que moram fora, orgulhosos de absorver a cultura estrangeira do colonizador e os de dentro, ansiosos para não demonstrarem desconhecimento dos novos vocábulos, como se isso os diminuísse aos olhos da ciência.
Me entristeço com tal demonstração de colonização cultural. Os que moram fora, orgulhosos de absorver a cultura estrangeira do colonizador e os de dentro, ansiosos para não demonstrarem desconhecimento dos novos vocábulos, como se isso os diminuísse aos olhos da ciência.
Mas ao atentar para o conteúdo das comunicações outra coisa me chamou a atenção. O palestrante que abriu o seminário, um americano legítimo, disse que devíamos cobrar dos fabricantes de novos programas de computador o atendimento as nossas necessidades, enquanto arquitetos e projetistas brasileiros. Mas os restantes palestrantes brasileiros, ao invés disso, só se preocupavam em demonstrar que estavam adaptados aos programas feitos para a realidade americana.
A preocupação era sempre a de absorver e se adaptar e nunca de cobrar algo feito para nós.
Triste postura.
A excessão, para confirmar a regra, foi a de um grupo de pesquisadores da Unicamp, que mostrou-se muito à vontade em analisar a realidade das faculdades de arquitetura brasileira, desenvolvendo excelente perspectiva de adaptação das novas tecnologias à nossa realidade, sem se preocupar em beijar a mão dos estrangeiros, nem em utilizar estrangeirismos para tentar se legitimar junto a eles.
Quais serão os arquitetos que produzirão nossa expressão arquitetônica no futuro? Tristes arremedos colonizados ou legítimas expressões da cultura lusófona brasileira? Um prato cheio para o velho professor do romance de Agualusa e uma preocupação autêntica para os que realmente se preocupam em formar novos profissionais em um Brasil que cada vez mais se afirma no mundo com uma expressão própria.
Um comentário:
Adoro quando você põe a mãozinha!
Só assim eu consigo ler o seu blog.
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