Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 14 de agosto de 2011

Tecnologia e neologismos


     A coincidência de estar lendo um romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa (Milagrário Pessoal, editora Língua Geral, Rio de janeiro - 2010) e ao mesmo tempo estar presente em um seminário sobre novas tecnologias de informação, aplicadas à construção civil (Tecnologia da Informação na Construção - TIC-2011), me expôs a um confronto de idéias surpreendente e muito significativo.
     Enquanto no romance os personagens principais, um velho professor aposentado e uma jornalista, mergulham numa busca por neologismos na língua portuguesa, passando por Lisboa, Recife e Angola, referindo-se a outros países da lusofonia (ou da lusosfera se vocês preferem ser mais contemporâneos), e descobrindo outros personagens mais radicais na defesa do idioma português, construído conjuntamente por todos seus quase 300 milhões de falantes no mundo, no seminário de Salvador abundavam neologismos e estrangeirismos, pronunciados por palestrantes com a maior naturalidade, como se todos nós tivéssemos a obrigação de conhecê-los, ou ainda, nos impondo a obrigação de conhecê-los e utilizá-los.
     Impossível não fazer a correlação entre o romance que eu lia à noite e as palestras que assistia durante o dia.
     Enquanto no livro, Agualusa nos brindava com belíssimos trechos como o que descrevo abaixo, falando sobre a importância dos quintais na lusofonia:
          Em Luanda, no Dundo, na Chibia, os quintais foram desde sempre espaços amáveis de convívio e de permuta.
          ...
          Nos quintais, em Luanda, o quimbundo misturava-se com o português. Também no Brasil o quintal foi durante séculos o lugar onde África repousava do esforço escravo. Ali se contavam histórias, cultuavam ancestrais e orixás, e se festejava a vida. Em Salvador, no Recife, São Luis do Maranhão, Ouro Preto ou no Rio de janeiro a nossa língua convivia com os idiomas indígenas e africanos, e era por eles namorada e ampliada.
           Gosto de entrar por esses quintalões antigos, em Olinda ou em Benguela, afagando os cansados muros de adobe, afastando as pesadas folhas de bananeira e a humidade ofegante, para finalmente me sentar no chão, a cabeça encostada ao tronco rugoso de alguma árvore centenária. Um abacateiro. Uma mangueira. Uma figueira. Um pau de fruta pão. Fecho os olhos e logo um vago rumor de vozes ascende da terra negra.
            Os quintais estão cheios de vozes. Para as escutar exige-se disponibilidade de espírito, ou seja, tempo e inteligência, soma de qualidades que nos dias que correm poucas pessoas possuem.
     Em um artigo relativo a implantação da tecnologia BIM na arquitetura (Building Information Modeling) , tema do seminário do qual eu participva, a revista AU afirmava em um dos seus parágrafos:
          Em escritórios de médio e grande porte também é recomendada a presença do "BIM manager", que será o responsável por criar templates, objetos e gerenciar as informações contidas nos softwares. Semelhante ao q-user, ele também deverá se atualizar constantemente para melhorar o uso do software no escritório.
     Me pergunto se tal profusão de estrangeirismos, simplesmente transcritos do inglês para o nosso dia-a-dia é realmente necessária.
     Assistindo às palestras e comunicações do seminário observei como muitos brasileiros residentes no exterior, especialmente nos Estados Unidos, se envaidecem com o uso de termos desconhecidos para a maioria dos brasileiros, que correm para tentar entendê-los e absorvê-los.
     Me entristeço com tal demonstração de colonização cultural. Os que moram fora, orgulhosos de absorver a cultura estrangeira do colonizador e os de dentro, ansiosos para não demonstrarem desconhecimento dos novos vocábulos, como se isso os diminuísse aos olhos da ciência.
     Mas ao atentar para o conteúdo das comunicações outra coisa me chamou a atenção. O palestrante que abriu o seminário, um americano legítimo, disse que devíamos cobrar dos fabricantes de novos programas de computador o atendimento as nossas necessidades, enquanto arquitetos e projetistas brasileiros. Mas os restantes palestrantes brasileiros, ao invés disso, só se preocupavam em demonstrar que estavam adaptados aos programas feitos para a realidade americana.
     A preocupação era sempre a de absorver e se adaptar e nunca de cobrar algo feito para nós.
     Triste postura.
     A excessão, para confirmar a regra, foi a de um grupo de pesquisadores da Unicamp, que mostrou-se muito à vontade em analisar a realidade das faculdades de arquitetura brasileira, desenvolvendo excelente perspectiva de adaptação das novas tecnologias à nossa realidade, sem se preocupar em beijar a mão dos estrangeiros, nem em utilizar estrangeirismos para tentar se legitimar junto a eles.
     Quais serão os arquitetos que produzirão nossa expressão arquitetônica no futuro? Tristes arremedos colonizados ou legítimas expressões da cultura lusófona brasileira? Um prato cheio para o velho professor do romance de Agualusa e uma preocupação autêntica para os que realmente se preocupam em formar novos profissionais em um Brasil que cada vez mais se afirma no mundo com uma expressão própria.
    

         
    

Um comentário:

Claudete Eloy disse...

Adoro quando você põe a mãozinha!
Só assim eu consigo ler o seu blog.