Por Ricardo Stumpf Alves de Souza

domingo, 19 de dezembro de 2010

Histórias de outras vidas (34)

Duendes na estrada


     Pois é, amigos leitores, agora que vamos chegando no Natal, de repente me deu uma saudade enorme do meu pai, falecido em 2007.
     Foi no primeiro aniversário de Cecília, minha neta mais jovem, que me dei conta de como ele gostaria de te-la conhecido.
     É interessante como as pessoas nos fazem falta. Nunca fomos muito amigos, tivemos sempre muitas diferenças, mas após a sua morte, parece que todas elas desapareceram e só me lembro das coisas boas, dos bons momentos que vivemos juntos.
     Meu pai era um viajante por natureza. Desde que nos mudamos para Brasília, em setembro de 1960, não paramos mais de viajar, quase sempre de carro. Rodamos o Brasil todo e ele, junto com minha mãe, chegaram a se aventurar pela América do Sul, indo à Argentina (eu fui junto) em 1964, num Aero-willys, indo ao Paraguai de Fusca, em 1969 e indo ao Chile me visitar, quando eu morava lá, em 1973, num Opala 1969.
     Algumas dessas viagens pelo Brasil foram memoráveis, como a viagem à Bahia, em 1963, quando inauguraram a Rio-Bahia, ou a Belém do Pará, em 1966. num outro Fusca, fazendo 2.200 Km por uma Belém-Brasília ainda de terra. Nessas duas fomos, eu, ele e meu irmão.
     Mas além dessas epopéias pelo Brasil, ele fazia sempre uma pequena viagem para Corumbá de Goiás, onde tinha um loteamento. Acho que herdei sua tendência a mexer com terras, pois parece que elas correm para minha mão, mesmo que eu não queira.
     Corumbá é uma cidade histórica de Goiás,  tombada pelo Iphan, e que na época se resumia ao centro histórico. Hoje está cercada por bairros que não tem nada a ver com a arquitetura colonial formando uma outra cidade, estranha, feia e descaracterizada.
     Mas na década de 1960 ele ia muito à Corumbá, por uma estrada de terra que entrava em Alexânia, passava em Olhos D'água, um pequeno povoado que ainda não havia sido descoberto pelos hippies e onde velhas senhoras papudas (de bócio, uma doença causada pela falta de sal) nos olhavam pelas janelas. Depois seguíamos pela beira de riachos e matas lindas, onde às vezes parávamos para beber água e apreciar a paisagem.
     Nem minha mãe, nem meu irmão gostavam de ir com ele, então eu era o seu companheiro naquelas viagens de fim de semana.
     Seu carro na época era uma Kombi, daquelas que tinham uma janelinha pequena atrás, cinza e branca, com um enorme escudo da Volkswagen na frente. Tinha vidro duplo, o do motorista e o do passageiro.
     Não havia cinto de segurança e eu viajava na frente com ele, pelo meio daquelas estradinhas deliciosas.
     Mas foi no aniversário de minha neta que me veio à mente, não sei porque, uma imagem curiosa de uma daquelas viagens.
     No meio de uma pequena serra, entre árvores muito altas, de manhã cedo, quando íamos para Corumbá, duas pequenas figuras atravessaram correndo na nossa frente. Era um casal de velhos, talvez com 60 ou 70 anos, medindo no máximo 1,50m, que atravessaram com uma agilidade incomum para a idade que aparentavam. Não olharam para nós, nem nos saudaram, como era costume naquelas bandas, mas se meteram pra dentro de uns matos na beira da estrada, como se tivessem sido surpreendidos e não quisessem ser vistos.
     Meu pai viu aquilo e disse:
     _Que tipos estranhos!
     Eu, na ingenuidade dos meus 10 ou 11 anos, não entendi e perguntei porque ele os achara estranhos, já que todo povo daquela região sempre me parecia muito estranho. Sim, vocês não tem idéia do êrmo que era Goiás ao ser construída a nova capital no Planalto Central, e quanta gente vivia isolada por ali.
     Mas ele me respondeu uma coisa que me surpreendeu e que eu nunca esqueci:
     _Parecem duendes.
     Bem, eu não tinha a menor idéia do que fossem duendes e ele não quis mais falar no assunto, já que era agnóstico e não gostava de nada que tivesse a ver com religião ou superstições.
     Anos depois tentei falar com ele sobre o assunto mas ele desconversou.
     Hoje não sei se tivemos a oportunidade de ver duendes de verdade, numa região que ainda estava intocada pelo "progresso", ou se eram apenas pessoas baixinhas e arredias, que viviam isoladas e não gostavam do contato com aqueles forasteiros que começavam a se aventurar pelos seus domínios.
     Nunca saberei, mas naquele dia pude sentir um pouco da magia que existe nas matas e que inspiraram tantas histórias fantásticas no interior desse Brasil imenso.
     Foi muito bom me lembrar dele e desta história no primeiro aniversário de minha neta. Talvez um recado de que a presença dele não depende de um corpo físico e que juntos vivemos coisas que durarão para sempre na memória. Talvez também um recado de que o amor dos nossos próximos é o que dá sentido às nossas vidas e de que há coisas que a razão não explica.
     Boa segunda-feira e feliz Natal à todos.

     Ricardo Stumpf Alves de Souza

    

Um comentário:

micaele disse...

Lucy:Muito bom meu filho,lembrar de coisas que me pareciam estar perdida na minha memoria.Fiquei emocionada....